Discurso de Monteiro Lobato em saudação a Carlos Prestes - comício no estádio do Pacaembú em São Paulo

Monteiro Lobato

15 de Julho de 1945


Fonte: http://www.ilcp.org.br/prestes/index.php?option=com_content&view=article&id=492:2021-02-20-23-45-35&catid=26:documentos&Itemid=146

HTML: Fernando Araújo.


Após as primeiras falas, foi anunciada a palavra de Monteiro Lobato, ao tempo em que era recomendado silêncio máximo porque, gravemente doente, ele ia ler de sua residência, ao telefone, o discurso de saudação a Luiz Carlos Prestes. A voz grave do escritor foi ouvida no mais absoluto silêncio:

Tenho como dever saudar Luiz Carlos Prestes porque sinceramente vejo nele uma grande esperança para o Brasil. Vejo nele um homem nitidamente marcado pelo destino. Vejo nele o único dos nossos homens que pelos seus atos e pelo amor ao próximo conseguiu elevar-se à altura de símbolo. Símbolo do quê? De uma mudança social, enorme canteiro em que as classes privilegiadas são as flores, e a imensa massa da maioria é apenas o esterco que engorda essas flores. Esterco doloroso e gemebundo.

Nasci na classe privilegiada e nela vivi até hoje, mas o que vi de miséria silenciosa nos campos e cidades me força a repudiar uma ordem social que está contente com isso e arma-se até com armas celestes contra qualquer mudança. A nossa ordem social me é pessoalmente muito agradável, mas eu penso em mim mesmo se acaso houvesse nascido esterco. Essa visão da realidade brasileira sempre me preocupou e sempre me estragou a vida. Nada mais lógico, pois, do que meu grande interesse pelo homem que não conheço, mas acompanho desde os tempos em que um punhado de loucos lutava contra todo o poder do governo.

E lutava por quê? Com que fim? Pela conquista do poder? Fácil lhe seria isso, como foi fácil para outros companheiros que desandaram. Prestes não lutava por. Lutava contra. Contra quê? Contra a nossa ordem social tão conformada com o sistema do mundo dividido em flores e esterco. E pelo fato de sonhar com a grande mudança foi condenado a trinta anos de prisão, como pelo fato de sonhar um sonho semelhante, Jesus foi condenado a morrer na tortura.

Os acontecimentos do mundo vieram libertar o nosso homem-símbolo e ei-lo hoje na mais alta posição a que um homem pode erguer-se em um país. Ei-lo na posição de força de amanhã. Na posição do homem que fatalmente será elevado ao poder e lá agirá para que o regime de flores e esterco se transforme em algo mais equitativo e humano.

Todos nós, um país inteiro, esperamos em Luiz Carlos Prestes; e esperamos nele tanto quanto desesperamos de outros cujos programas de governo botam acima de tudo a “manutenção da ordem”, isto é, a conservação do sistema de flores e esterco. E qualquer coisa no fundo da nossa intuição nos diz que Prestes não nos decepcionará, e que um dia o antigo Cavaleiro da Esperança se transformará no Realizador das Nossas Esperanças.

A luta não é minha. A luta é de todos nós.

Suas últimas palavras foram cobertas pelos aplausos.


Inclusão: 26/11/2021