Textos da Inter-comissões de bairros de lata e pobres de Lisboa e arredores

1975


Data: 1975

Publicado por: Inter-Comissões

Fonte: Anexo do livro: "Contrapoder e Revolução" de Fernando Pereira Marques, Diabril 1977

Transcrição e HTML: Graham Seaman.


1 — DOCUMENTO DE APOIO E FUNDAMENTO DO CADERNO REIVINDICATIVO COMUM ENTREGUE AO GOVERNO.

Análise da situação actual da luta pela habitação. Denúncia dos projectos do Governo e C.M.L. para a «Resolução» do problemas da habitação.

Vivem actualmente em Lisboa e arredores centenas de milhares de trabalhadores em barracas ou casas abarracadas, em péssimas condições de habitação.

Como necessidade de organização da luta dos trabalhadores pela melhoria de condições de habitação, e pela resolução de todos os problemas que nos dizem respeito como moradores dos bairros de lata e bairros pobres, surgiram as comissões de moradores de bairro, formadas por elementos activos e da confiança do povo. Esta luta desenvolve-se numa situação habitacional no nosso País em que se verifica que uma minoria de grandes capitalistas e latifundiários continuam a viver nas suas grandes vivendas e casas com todo o luxo, e a dispor de palácios, casas de praia e de campo desabitadas, enquanto que nós a maioria do povo que labutando nas fábricas, nas oficinas, nas obras e nos campos, produzimos toda a riqueza nos vemos condenados a viver em péssimas casas ou bairros de lata, sem condições de salubridade, segurança e higiene.

Após o 25 de Abril, o Governo anunciou um programa, onde se propunha acabar com os bairros de lata em pouco tempo, criando junto do Fundo de Fomento da Habitação um Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) para apoiar através das Câmaras Municipais as iniciativas das populações mal alojadas. No caso de Lisboa a Câmara Municipal de Lisboa entregou essa função ao Gabinete Técnico da Habitação (G.T.H.) na área da sua intervenção (por ex. Chelas)), e a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) que criou as Brigadas de Actuação Local (BAL).

As comissões de moradores nas reuniões com a BAL foram verificando que não resolviam nem os mais simples e urgentes problemas (por ex. esgotos, água, lixos, etc.) quanto mais os mais importantes.

Moradores de alguns bairros decidiram agir por conta própria é passaram a ocupar casas desabitadas ou em construção, mesmo depois da proibição das ocupações pelo Governo; a isso foram forçados pelas suas necessidades e pela não resolução dos seus problemas por parte do Governo.

As dificuldades e entraves encontrados, levaram a que várias comissões começassem a não acreditar nas bonitas palavras do Governo, e sentissem necessidade de se unirem e organizar.

Sentiram que só uma grande força, que é a união dos milhares de trabalhadores unidos e organizados em torno das suas comissões, num grande movimento popular, terão uma resposta concreta às suas pretensões, e levarão o Governo e os capitalistas a prometer menos e a fazer mais.

Todos nós sabemos que somos nós os trabalhadores que produzimos toda a riqueza existente no nosso País (além da riqueza que nos é roubada pelos imperialistas estrangeiros), por isso nós temos direito a uma habitação condigna que possa ser paga com os actuais salários, temos direito a creches, jardins infantis e escolas para os nossos filhos, temos direito a lugares de recreio é cultura onde nos possamos reunir para falarmos sobre os nossos problemas. Foi tudo isto que levou à necessidade do trabalho conjunto das comissões e à criação de uma Inter-Comissões de Moradores de bairros de barracas e bairros pobres. As comissões participantes que já são mais de 30, têm vindo a denunciar vários aspectos do projecto do Governo e da C.M.L.

Assim na maioria dos bairros o trabalho com a EPUL é um fracasso, surgindo como um processo de desgaste iludindo as comissões aos olhos dos moradores e que serve os interesses camarários e capitalistas e não dos moradores dos bairros de lata.

Temos que exigir que os nossos bairros sejam construídos nos locais que mais nos interessam, ou onde hoje vivemos e muitos de nós nascemos. É para construir armazéns e lojas, escritórios e habitações de luxo que os trabalhadores são atirados para a periferia e longe dos locais onde trabalham.

A própria Câmara especula com os terrenos, vende por bom dinheiro os terrenos que deviam ser para a construção de bairros sociais.

Como financiamento da construção, na hipótese do projecto do Governo (as suas cooperativas) são-nos «oferecidos» 60 contos de subsídio por fogo, sendo necessário fazer um empréstimo para o restante do custo de habitação, com um juro segundo consta não inferior a 7,5%. Ora 60 contos não chegam para nada, além de que só o juro do empréstimo, ao fim de alguns anos ultrapassa largamente esses 60 contos «gratuitos».

Sobre este aspecto de subsídios não nos podemos esquecer que todos os gastos «oferecido», despendidos na construção não representam mais do que uma pequena parte da mais-valia que é aquilo que nos é roubado diariamente, nos locais de trabalho, pelos capitalistas, como resultado da exploração da nossa força de trabalho.

Não temos nada que choramingar aquilo a que temos direito, mas sim exigir que os problemas sejam resolvidos, sem que sirvam das nossas necessidades para engordar ainda mais aqueles que nos exploram, (como aconteceria, por exemplo, no caso de se expropriarem os terrenos com indemnizações e especulações, no caso de se entregar a construção às empresas capitalistas de contsrução civil, ou ainda por exemplo no caso de auto-construção).

A auto-construção que significa ser os próprios moradores a construírem as novas casas, não passa de uma forma de dupla exploração. Depois de um dia inteiro de trabalho a encher os bolsos aos capitalistas, tínhamos de ficar até às tantas a trabalhar na construção das casas.

Se existem mais de 400 000 desempregados, postos na rua pelos capitalistas e na miséria, há que dar emprego a esses camaradas. Porque não empregá-los na construção social?

O projecto das cooperativas de habitação económica do Governo é uma forma de fugir aos encargos no processo de financiamento e construção de novos bairros. Permite controlar melhor as justas reivindicações populares descarregando para as cooperativas toda a responsabilidade da construção de novos bairros.

Será que os senhores da burguesia que têm casas luxuosas por nós construídas também se tiveram de constituir em cooperativas para terem essas habitações?

Em face das manobras para dividir os bairros como criação de bairros pilotos, ou o plano de distribuição de terrenos da C.M.L. para o ano de 1975 (que distribui uma pequena faixa ali, outra acolá, mas não chega nem sequer para construir uma dos bairros próximos dessas faixas) temos de mostrar a nossa união e solidariedade activa entre os bairros que é a nossa única força.

Vários bairros já apresentaram cadernos reivindicativos e noutros a movimentação está menos generalizada.

Em face disto tudo a Inter-Comissões decidiu apresentar um caderno reivindicativo ao Governo sobre a actual fase do processo de resolução do problema da habitação. Este caderno foi amplamente dicutido em todos os bairros, e exigimos a sua resposta.

EM FRENTE NA LUTA PELA HABITAÇÃO

CASAS SIM! BARRACAS NÃO!

A Inter-Comissões


2 — CADERNO REIVINDICATIVO COMUM AOS BAIRROS DE LATA E BAIRROS POBRES DE LISBOA E ARREDORES EM FACE DA ACTUAL SITUAÇÃO DA LUTA PELA HABITAÇÃO ENTREGUE AO GOVERNO E ENTIDADES COMPETENTES.

Os moradores de vários bairros de lata e pobres de Lisboa e arredores «degradados», fartos de muitas promessas de resolução do problema habitacional das barracas vêm desta forma denunciar e recusar todas as medidas e propostas antipopulares, que iludem os moradores e que só tem adiado a solução dos seus problemas.

Exigimos que se tomem medidas concretas e imediatas para a resolução efectiva do problema das péssimas condições de alojamento, salubridade e segurança em que vive a maioria dos trabalhadores da zona de Lisboa e arredores.

Assim, a Inter-Comissões de moradores, dos bairros de lata e bairros pobres, movimento que agrupa e reúne as várias comissões e cooperativas, legítimas representantes dos moradores desses bairros de Lisboa e arredores, tomou posição sobre a situação actual do problema e exige uma resposta às reivindicações seguintes:

  1. — Exigimos que os novos bairros sejam construídos nas mesmas zonas onde habitualmente vivemos.
  2. — Exigimos a expropriação dos terrenos livres e ocupados nas zonas dos actuais bairros, de forma a realojar os moradores, e uma resposta de quais os terrenos a expropriar e do prazo em que serão expropriados, para cada bairro.
  3. — Exigimos uma resposta sobre a data de início de construção de novos bairros bem como do processo em que se farão os novos bairros.
  4. — Na construção de novos bairros exigimos que os moradores possam decidir sobre o tipo de casas a construir.
  5. — Exigimos que aos moradores, ou bairros que se organizem em cooperativas, o seu financiamento seja um empréstimo sem juro ou com um juro máximo de 2%, durante 25 anos no mínimo, além do subsídio a atribuir.
  6. — No caso de bairros que optarem pela construção tipo habitação social, exigimos que a renda a atribuir não exceda 10% do rendimento do chefe de família e sem prejuízo de casos de familias que devido às suas condições não deverão pagar nada.
  7. — Exígimos a informação de quais as verbas atribuídas ou a atribuir aos bairros de lata pela Câmara e outras entidades e em que é que serão gastas, de forma a que os moradores possam controlar essas verbas.
  8. — Exigimos que os problemas de melhoramentos e todos os casos urgentes apresentados pelas várias comissões (nomeadamente às BAL da EPUL) sejam resolvidos imediatamente.
  9. — Exigimos que se dê uma resposta e o devido andamento aos cadernos reivindicativos e propostas apresentadas já por alguns bairros com os quais estamos solidários.
  10. — Exigimos que enquanto não se construírem os novos bairros o Estado garanta através de legislação apropriada a ocupação das casas que se encontram vagas, por parte de famílias desalojodas ou em péssimas condições de alojamento.
  11. — Exigimos que nas várias reuniões da C.M.L. com a E.P.U.L. ou outras entidades, onde se tratem problemas destes bairros, seja permitida a presença de representantes das comissões de bairros.
  12. — Exigimos que o controlo da distribuição dos fogos construídos pelo Fundo de Fomento da Habitação, G.T.H, E.P.P.L. e Fundações ou outras entidades oficiais seja feita pelos representantes de moradores mal alojados.
  13. — Exigimos que o Governo inicie um processo de inquérito às atribuições de habitações sociais ou de renda limitada de forma a detectar e desalojar senhores que vivem nessas habitações com grandes rendimentos e por vezes com outras habitações.

Em face do projecto do Governo para a solução do problema os moraâdores têm a rejeitar o seguinte:

  1. — Recusamos a auto-construção.
  2. — Recusamos a renovação ou recuperação dos bairros actuais, bem como a habitação pré-fabricada.
  3. — Recusamos a legislação sobre cooperativas nos aspectos que tem como objectivo iludir os moradores e atrasar as soluções. (Por ex. a necessidade de 200 sócios para a sua formação, quando a lei geral das cooperativas basta 50 e a necessidade da sua presença no acto da escritura).

Se efectivamente o Governo e as entidades oficiais pretendem resolver o problema e pôr-se ao lado dos moradores que são trabalhadores dos mais explorados, ele saberá melhor do que ninguém como construir os novos bairros. Assim poderiam ser tomadas algumas medidas como por exemplo:

A Inter-Comissões de bairros de lata e pobres de Lisboa e arredores.


3 — DOCUMENTOS APROVADOS (POR UNANIMIDADE NA REUNIÃO INTER-COMISSÕES DO DIA 15/2/75).

MOÇÃO

Considerando,

que apesar das promessas das B.A.L., os problemas, mesmo os mais Ínfimos, continuam por resolver;

Considerando,

que a burocracite que impera nos organismos estatais, nomeadamente na C. M. L. entrava a solução dos problemas;

Considerando,

que a existência de casos em que as B.A.L. tentam sobrepor-se às comissões de moradores quando estas desmascaram as falsas promessas governamentais.

A assembleia da Inter-Comissões, reunida em 15/2/75 no Casal Ventoso, repudia todas as manobras divisionistas que pretendem iludir a luta dos trabalhadores pela habitação condigna exigindo o imediato saneamento da C.M.L. com a participação das comissões de moradores nesse processo.

A assembleia exige ainda que os contactos com a E.P.U.L. com as populações sejam sempre efectuados por intermédio das respectivas comissões de moradores.

FOI APROVADO ENVIAR ESTA MOÇÃO PARA:

— M.F.A; GOVERNO PROVISÓRIO; E.P.U.L e C.M.L.

TELEGRAMA — MOÇÃO

Representantes de 22 bairros de lata e bairros pobres da zona de Lisboa, reunidos no Bairro Casal Ventoso, em 15/2/75, deliberam apoiar a justa luta dos ocupantes dos Bairros da Cruz Vermelha e Chelas Novo e outros. Manifestam inteira solidariedade e exigem rápida normalização da situação das justas ocupações e saneamento da C.M.L. Denunciamos e rejeitamos também as manobras divisionistas que pretendem pôr os trabalhadores que vivem em péssimas condições de habitação, contra os trabalhadores ocupantes.


Inclusão: 08/04/2020