Nota do Ministério das Relações Exteriores da China sobre a decisão desse país de encerrar sua ajuda à Albânia e retirar seus técnicos

Ministério das Relações Exteriores da República Popular da China

7 de julho de 1978


Fonte: Thomas Schreiber: L’Albanie — Evolution Politique, Èconomique et Sociale — Notes et Etudes Documentaires, La Documentation Française n.° 4.482, outubro de 1978.

Recuperação histórica: Thales Caramante.

HTML: Lucas Schweppenstette.


Nota do editor

O Ministério das Relações Exteriores da República Popular da China apresentou em 7 de julho de 1978, à Embaixada da Albânia na China, uma nota sobre a decisão chinesa de pôr um fim à ajuda à Albânia, retirando seus técnicos do território albanês. Eis aqui o texto integral da nota.

O Ministério das Relações Exteriores da República Popular da China apresenta seus cumprimentos à Embaixada da Re­pública Socialista Popular da Albânia na China e tem a honra de declarar o que se segue:

A partir do desejo de promover a amizade entre os dois povos, de desenvolver relações de amizade entre os dois países, e de acordo com os princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário, o governo chinês, a pedido do go­verno albanês, tem dispensado desde 1954 ajuda econômica e militar à Albânia. A execução dos acordos concluídos entre a China e a Albânia exigiu do governo chinês uma despesa de mais de 10 bilhões de yuans (Renminbi), dos quais a maior parte já está empregada. A China aceitou ajudar a Albânia a empreender um total de 142 projetos, dos quais 91 estão terminados, 23 estão praticamente finalizados ou em realização, e 17 ainda se encontram em fase de estudos. A assistência chinesa permitiu à Albânia erguer todos estes novos setores industriais: siderurgia, adubos químicos, soda cáustica, ácidos, vidraçaria, tratamento de couros, papel, matérias plásticas, armamentos etc. Além disso, a ajuda chinesa contribuiu, através da realização dos novos projetos, para o desenvolvimento dos ramos industriais já existentes na Albânia — como os de eletricidade, carvão, petróleo, construção mecânica, indústrias leves, têxteis e de materiais de construção, as comunicações e a radiodifusão — aumentando consideravelmente sua capacidade de produção. A China forneceu gratuitamente à Albânia grandes quantidades de armas e equipamentos. E enviou ininterruptamente à Albânia cerca de 6 mil técnicos para a execução de projetos com assistência chinesa. A China formou um grande número de técnicos na Albânia, nos campos económico e militar, dos quais mais de 2 mil treinados na própria China. Toda pessoa imparcial compreende que a China executou escrupulosamente, sem qualquer violação, os acordos sobre a assistência à Albânia, e que sua ajuda foi um reforço ao desenvolvimento da economia e à edificação da defesa nacional daquele país.

A China ajudou a Albânia num momento em que ela mesma passava por numerosas dificuldades. Entregamos 1.800.000 toneladas de cereais, embora não os tivéssemos em abundância. Fornecemos mais de um milhão de toneladas de produtos siderúrgicos, a despeito da insuficiência da produção chinesa de aço. Doamos à Albânia mais de 10 mil tratores, quando o grau de mecanização agrícola em nosso país é ainda pequeno, e precisámos contar principalmente com o trabalho de homens e animais de tração. Apesar da fraqueza de nosso setor de produção elétrica, demos à Albânia ajuda que permitiu terminar, ou deixar praticamente terminada, a construção de seis centrais de diversos tamanhos, totalizando uma potência instalada de 885 mil kw, de forma que a produção de eletricidade da Albânia hoje ultrapassa as necessidades do país. Fornecemos às Forças Armadas carros de combate e aviões caça de fabricação chinesa, antes mesmo de equipar nossas próprias tropas. Quando houve necessidade de equipamentos completos para a usina de adubos nitrogenados de Fier, e não podíamos fabricá-los na China, nós os compramos com divisas que nos eram indispensáveis, para reexportá-los para a Albânia. Conduzimos experiências especiais durante mais de dez anos, gastando mais de 100 milhões de yuans (Renminbi) para o complexo metalúrgico albanês, utilizando como matéria-prima uma liga paragênese em lotevita composta de níquel, cobalto, ferro e cromo, porque não tínhamos a experiência prática e nos era impossível adquirir no mercado internacional a tecnologia e os equipamentos necessários. Das 29 fábricas deste complexo, 20 já estão prontas e funcionando. Este projeto permitiu à Albânia produzir ferro e aço, pela primeira vez, em março de 1976.

A China tem uma base econômica e técnica escassa, e, além do mais, nos últimos anos, a economia nacional foi afetada pela sabotagem de Lin Piao e do Bando dos Quatro, e também por graves calamidades naturais. Nós não estivemos, portanto, em condições de satisfazer inteiramente os pedidos crescentes de ajuda da Albânia, nem de lhe dar tudo o que desejava e queria. Entretanto, o povo chinês pode dizer, com a consciência tranquila que, animado do espírito do internacionalismo proletário, desenvolveu o máximo de esforços, economizando na vestimenta e alimentação, para ajudar a Albânia.

Convém também sublinhar que, nestes últimos anos, a parte albanesa sem cessar atacou, através de insinuações, a política interna e externa da China e, apesar disso, nós continuamos a cumprir com nosso dever. Em 1975, concedemos um novo empréstimo sem juros de 500 milhões de yuans (Renminbi) e assinamos um novo acordo de ajuda militar gratuita. Desde o 7º Congresso do Partido do Trabalho da Albânia (PTA), em novembro de 1976, os dirigentes albaneses têm atacado abertamente e com perfídias o grande dirigente do povo chinês, o presidente Mao, e o Partido Comunista da China (PCCh), ferindo gravemente os sentimentos do povo chinês. Mesmo nestas circunstâncias, a China, guardando no coração a amizade entre os dois povos, continuou a ajudar a Albânia. E os técnicos chineses continuaram a executar os acordos e a trabalhar em seus postos. Desde 1977 até hoje, a China expediu para a Albânia cerca de 300 mil toneladas de material dentro da ajuda econômica e militar; ajudou o país a realizar ou praticamente concluir dez projetos; aceitou o pedido do governo albanês adiando para o período 1991-2000 o pagamento do crédito de 217 milhões de yuans (Renminbi) que deveria ocorrer antes de 1980; e ainda assinou um acordo de fornecimento, sem reembolso, de peças sobressalentes para equipamentos militares. Os sentimentos sinceros de amizade do governo e do povo chinês para com o povo albanês, e seu desejo de preservar a cooperação entre os dois países, não escaparam ao povo, aos quadros e soldados albaneses.

Os dirigentes albaneses exaltaram por diversas vezes a ajuda chinesa. Em 1971, o primeiro-secretário do Comitê Central do Partido do Trabalho da Albânia (PTA), Enver Hoxha, no relatório apresentado ao 6º Congresso do partido, disse que a China tinha dado à Albânia uma “ajuda considerável, desinteressada e internacionalista”, e afirmou: “o povo albanês e o Partido do Trabalho da Albânia (PTA) são profundamente reconhecidos ao povo chinês, ao glorioso Partido Comunista da China (PCCh) e ao presidente Mao Zedong pela ajuda fraternal que deram à construção socialista, à potência e à prosperidade de nossa pátria socialista”. Em carta endereçada em novembro de 1975 em nome do Comitê Central do Partido do Trabalho da Albânia (PTA), ao presidente Mao, ao primeiro-ministro Chou En-Lai e ao Comitê Central do PCC, Enver Hoxha e Mehmet Shehu, enfatizaram: “A República Popular da China também ajudou a República Popular da Albânia no domínio da defesa nacional, fomecen-do-lhe sem contrapartida armas, munições e equipamentos. Esta ajuda em matéria de defesa reveste-se de importância maior para o nosso povo e nosso partido”.

Movida por necessidades políticas internas e externas, a Albânia intensifica suas atividades antichinesas no plano político, e agora denigre sem envergonhar-se a ajuda chinesa, e dedica-se à destruição da cooperação econômica e militar entre os dois países. Entre numerosos fatos, citamos apenas alguns, a título de exemplo:

1. Durante o primeiro trimestre de 1978, quando o vice-ministro albanês da Indústria e das Minas participava de conversações sobre a realização, com assistência chinesa, de projetos como o complexo metalúrgico, ele nos pediu arbitrariamente que, sem os resultados dos experimentos, fixássemos um calendário de entrega de planos e equipamentos destinados às fábricas de laminação de chapas a frio, de tubos sem costura e da fundição. Como nós não aceitamos esta exigência pouco razoável, ele recusou continuar as consultas, afirmando que o que a parte albanesa havia dito era “definitivo e categórico”, e interrompeu as discussões de forma insolente. Isto não apenas impediu que fossem resolvidas, através das consultas, numerosas questões em suspenso, mas interrompeu o trabalho de assistência sobre as fábricas de laminação de chapas a quente e de soldagem de tubos, trabalho sobre o qual as duas partes já tinham chegado a um acordo.

2. A refinaria de petróleo polivalente de Ballsh funciona sob temperatura elevada e altas pressões, e seus produtos são inflamáveis e explosivos. Os técnicos chineses deram, há muito tempo, indicações detalhadas aos responsáveis e aos operários da usina, insistindo sobre a necessidade de observação estrita das regras de operação. Mas, depois da entrada em operação da refinaria, no início de 1978, a parte albanesa não seguiu as indicações técnicas dadas pelos especialistas chineses, nem respeitou as regras de operação, de forma que, em menos de três meses, oito acidentes graves aconteceram. Por exemplo: de acordo com as instruções, o teor de água do petróleo bruto utilizado na unidade de refino e hidrogenação não pode ultrapassar 1%, mas a parte albanesa utilizou petróleo cujo teor de água atingia 70%, provocando assim a parada da unidade. O mais grave é que a parte albanesa, sem o conhecimento dos técnicos chineses, fechou as válvulas do dispositivo de coquefação, colocado em marcha normal, para fazê-lo funcionar sob temperatura excessiva. Esta maneira de agir visava, sem dúvida alguma, criar acidentes graves, para atribuir a responsabilidade aos técnicos chineses e denegrir a imagem da China.

3. Durante a construção de uma base naval com assistência gratuita da China, foi assinalada a existência de infiltrações devidas a erros na prospecção geológica realizada pela parte albanesa, e as obras foram suspensas. Em outubro de 1977, a parte albanesa pediu à parte chinesa que enviasse especialistas para ajudar a resolver o problema. Depois de levar algum tempo para estudar a solução, a parte chinesa deu uma resposta afirmativa ao pedido em janeiro de 1978. Ora, a parte albanesa, sob o pretexto de que esta resposta demorara muito, mudou de idéia e iniciou sozinha a construção da base, interrompendo assim a assistência chinesa ao projeto. Além disso, aproveitou a ocasião para atacar a ajuda militar chinesa em todos os aspectos, acusando a China de “prejudicar”’ a defesa nacional da Albânia.

4. Em março de 1978, a parte chinesa deu conhecimento à parte albanesa da necessidade de que uma peça dos helicópteros ZHI-5, fornecidos pela China, fosse remetida à fábrica para verificação e reparos, porque haviam sido constatados de feitos no processo de fabricação. Era uma demonstração de boa vontade, que deveria encontrar eco positivo da parte albanesa. Ora, esta recusou-se a enviar a peça à China, e além disso afirmou que a China seria responsável por qualquer acidente. Que absurdo!

5. Segundo os acordos e os procedimentos normais de engenharia, a produção experimental só pode ser feita depois de reunidas as condições necessárias. Mas, com referência aos projetos de ampliação da fábrica de máquinas “Enver” e da mina de carvão de Valis, a parte albanesa impôs em maio de 1978, aos técnicos chineses, a decisão de iniciar a produção experimental na falta das condições requeridas. Quando os técnicos chineses manifestaram seu desacordo, a parte albanesa partiu sozinha para a produção, afirmando que a parte chinesa deveria assumir a responsabilidade por qualquer problema que pudesse surgir. Quanto a projetos cuja produção experimental já fora cumprida, como o alto-forno e outros setores do complexo metalúrgico, a parte albanesa, violando acordos e sob pretextos diversos, recusou-se a assinar documento sobre a entrada em serviço destas unidades.

6. Segundo os acordos, a parte chinesa apresenta faturas a cada entrega de equipamentos e de material de um projeto e, no momento do acerto de contas definitivo, as duas partes confirmam o custo do referido projeto e quitam — se for o caso — o saldo. Esta era uma prática adotada pelas duas partes há mais de vinte anos. Entretanto, em maio de 1978, ,a parte albanesa de repente recusou aceitar 25 faturas enviadas pela parte chinesa, no valor de 100 milhões de yuans (Renminbi) as quais representavam o custo dos equipamentos e do material fornecido de dezembro de 1977 a abril de 1978 para projetos executados com assistência chinesa, e também seus custos de transporte marítimo, desembolsados pela parte chinesa. Esta violação dos acordos impediu o prosseguimento do trabalho normal dentro do quadro de cooperação entre os dois países.

7. Como a parte albanesa não tivesse dado atenção às indicações dos técnicos chineses, um problema surgiu no alto-forno do complexo metalúrgico. A 17 de março de 1978, os técnicos chineses descobriram o problema e imediatamente informaram à direção da empresa, e por diversas vezes propuseram medidas eficazes para combatê-lo, mas não foram ouvidos. Somente em 22 de maio a Sociedade de Importação de Máquinas da Albânia fez saber à parte chinesa que gostaria que fosse enviado um especialista chinês. Enquanto o pedido era examinado, na perspectiva de ser logo atendido, o Ministério das Relações Exteriores albanês enviou uma nota à parte chinesa, no dia 31 de maio, na qual exigia arbitrariamente o envio de especialistas à Albânia em dois ou três dias e afirmando que, caso contrário, a parte albanesa procederia aos reparos necessários, ficando a responsabilidade de quaisquer consequências à parte chinesa. Nenhum Estado soberano poderia aceitar tal pedido com cunho de ultimato e, além disso, era um pedido impossível de satisfazer. Apesar disso, preocupada em preservar a cooperação entre os dois países, a parte chinesa informou à parte albanesa de que, se desejasse realmente o envio de um especialista chinês, deveria enviar uma nota, pois o pedido seria favoravelmente considerado. A parte albanesa, entretanto, recusou-se a enviar a nota. Estas atitudes mostram que a parte albanesa criou deliberadamente dificuldades para sabotar a cooperação.

8. Em 29 de abril e 20 de maio de 1978, o Ministério das Relações Exteriores da Albânia enviou à embaixada da China notas carregadas de acusações sem qualquer fundamento, afirmando que os técnicos chineses “tinham o propósito deliberado de prejudicar a economia albanesa”, e que a China, “em violação” aos acordos, “levantou obstáculos” à concessão de assistência à Albânia, “trazendo graves prejuízos” à economia albanesa. A 7 de julho de 1978, o Ministério das Relações Exteriores da China enviou à parte albanesa uma nota de resposta, na qual exprimia seu desejo de que os dois países, através de notas, trocassem pontos de vista e acertassem as divergências surgidas na cooperação bilateral, para que esta pudesse continuar. Entretanto, o embaixador da Albânia na China recusou-se a aceitar esta nota, e a resolver estes problemas através de consultas entre os dois países.

Todos estes fatos mostram que a direção albanesa está decidida a ir cada vez mais longe em sua linha antichinesa, violando deliberadamente os acordos concluídos entre as duas partes sobre a assistência da China à Albânia, caluniando e incriminando os técnicos chineses, e sabotando sistematicamente, de acordo com um plano premeditado, a cooperação econômica e militar entre os dois países. Isto nos coloca diante da impossibilidade de continuar nosso trabalho de assistência. Além do mais, está bloqueada a via da resolução dos problemas através de consultas. Nestas circunstâncias, o governo chinês não tem outra escolha senão pôr um fim à sua ajuda econômica e militar à Albânia, suspender os pagamentos a título de assistência a esse país, e chamar de volta os seus técnicos económicos e militares que trabalham na Albânia. O governo chinês espera que o governo albanês dê aos técnicos chineses facilidades para o retorno ao seu país. Se as relações de cooperação econômica e militar entre os dois países foram sabotadas, isto se deve exclusivamente ao lado albanês, ao qual cabe a inteira responsabilidade.

O governo chinês confere, de forma imutável, alto valor à amizade que liga os povos chinês e albanês, e espera ainda que relações normais poderão manter e desenvolver-se entre a China e a Albânia.

O Ministério das Relações Exteriores da República Popular da China aproveita a oportunidade para renovar à Embaixada da República Socialista Popular da Albânia os protestos de sua mais alta consideração.

Pequim, 7 de julho de 1978

Leia aqui a carta-resposta do Comitê Central do Partido do Trabalho da Albânia


Inclusão: 17/05/2023