A Banca ao Serviço do Povo


1. Introdução


1.1. A Banca até 25 de Abril de 1974

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Até 25 de Abril a Banca, como cabeça dos grandes grupos monopolistas do nosso país, foi um instrumento privilegiado de exploração e, como aliada do regime fascista, um instrumento de opressão das massas trabalhadoras.

Foi após a implantação da ditadura fascista, resultante do golpe militar de 28 de Maio, que o capitalismo português, então em fase incipiente, começou a lançar os seus tentáculos e a criar ramificações, possibilitando o aparecimento dos monopólios que até há bem pouco tempo dominavam por completo a vida económica portuguesa.

A tomada do poder económico — e como consequência o político — por um pequeno punhado de famílias, deu-se, fundamentalmente, através da Banca, que na sua órbita criou os tão conhecidos grupos económicos, como era o caso, entre outros, do grupo Espírito Santo, do grupo Atlântico, do grupo Borges, etc. As duas excepções mais notórias foram as dos grupos CUF e Champalimaud, em que os bancos foram criados para servir os grupos. Em todos os casos, porém, os bancos estavam orientados quase exclusivamente no sentido de servir o monopólio de que faziam parte, com todas as nefastas consequências que desse modo acarretavam a um desenvolvimento harmonioso da economia nacional.

Cada banco tinha como objectivo principal o desenvolvimento do grupo monopolista em que estava inserido e, como objectivo secundário, o apoio às actividades económicas não abrangidas pelo grupo, procurando nesta acção apenas a maximização do seu lucro.

A política gestiva da Banca até 25 de Abril assentava, essencialmente, na captação de poupanças, para as colocar nas empresas dos grupos monopolistas a que estavam ligados os diversos bancos ou os seus administradores.

Na execução desta política beneficiaram duma estabilidade verificada ao longo dos anos, das baixas taxas de juro de remuneração dos depósitos e do significativo aumento que tiveram nos últimos anos as remessas dos emigrantes que, vítimas de uma economia regional subdesenvolvida, foram obrigados a acolherem-se a outros países capitalistas e aí venderem a sua força de trabalho, onde, embora desumanas as condições que lhes ofereciam, se lhes apresentavam como a única alternativa possível de sobrevivência.

Como se os baixos juros a que remuneravam os capitais ainda não bastasse, praticavam as mais incríveis irregularidades, numa criminosa exploração dos trabalhadores emigrados que, na sua boa fé, não concebiam pudessem ser vítimas delas por parte dos banqueiros, a quem incauta e desprevenidamente confiavam as poupanças conseguidas, com esforços sem conta, longe das suas terras natais. Entre outras citamos:

Os depósitos das Caixas de Previdência — que se destinavam à liquidação de pequenas pensões de reforma e invalidez ou de subsídios de doença — constituíam, também, uma das fontes dos recursos da Banca. Por norma, esses favores eram bem pagos, através de lugares nos conselhos de administração oferecidos a ministros e secretários uma vez findos os mandatos no Ministério das Corporações.

As maiores somas eram encaminhadas, por cada banco, para as empresas do grupo monopolista a que pertenciam, que beneficiavam, muitas delas, de créditos superiores ao que legalmente era permitido. Parcela significativa era posta à disposição dos monopólios internacionais que se instalaram no País sem trazerem capital, mas que com os capitais do povo português, postos deste modo ao seu serviço, iniciavam a exploração dos trabalhadores portugueses fabricando lucros fabulosos que exportavam para fora do País sob o olhar cúmplice do governo fascista.

A partir de certo momento, mais notório no período de governação marcelista, os banqueiros desencadearam uma política de negócios baseada no máximo de aproveitamento, em seu exclusivo benefício, do crescente índice de inflação, que agudizaram com a especulação, muito especialmente nos sectores de construção civil, compra e venda de terrenos e negócios de acções.

Para isso utilizaram uma distribuição de crédito que favorecia esses negócios especulativos, bem como as empresas dos grupos a que pertenciam (ou de outras a que estavam ligadas por compadrio) que a eles se dedicavam.

O que restava dos capitais que tinham à sua disposição era então distribuído a outras empresas, sem obediência a quaisquer critérios que tivessem em vista o interesse dessas mesmas empresas no contexto da economia nacional, mesmo sob a óptica capitalista. Aí predominava o compadrio ou a simples necessidade de ocasionalmente colocarem excedentes de disponibilidades na mira de obtenção da maior rendibilidade. Para obterem essa maior rendibilidade não se eximia a banca a cometer as mais diversas irregularidades, como sejam:

O objectivo único dos banqueiros era obter lucros, e de tal forma que, para o efeito, utilizavam disponibilidades que tinham à sua guarda para além dos limites de segurança que lhes eram impostos por lei, daí a situação de falta de liquidez com o que o 25 de Abril encontrou na Banca.

A tudo isto assistia o poder político não passivamente, mas antes tomando posição activa no sentido de cada vez mais favorecer e fortalecer os monopólios. Outra coisa, de resto, não era de esperar, na medida em que esse mesmo poder político mais’ não era do que a estrutura legal criada pelo poder económico no sentido de sancionar a sua actividade criminosa e antinacional.

1.2. A Banca de 25 de Abril de 1974 a 11 de Março de 1975

A partir do 25 de Abril a Banca deixa de ser apenas um instrumento de exploração e opressão para passar a ser também o principal instrumento de sabotagem da nossa economia.

Surpreendidos com a alteração política e receosos, ainda, não de uma evolução muito progressista, mas tão-só de que o novo poder político pudesse pedir-lhes responsabilidades pelo não cumprimento das leis fascistas, os banqueiros empreenderam de imediato uma recessão no crédito concedido.

Tal atitude permitia-lhes normalizar a liquidez que se encontrava afectada por irregularidades cometidas e, além disso, imprimia as maiores dificuldades às empresas e consequentemente à economia nacional, o que, supunham, podia servir-lhes de arma para refrearem a seu favor os ardores revolucionários que porventura não viessem a ter em conta os seus interesses de classe.

Decorridos que foram os primeiros momentos, os banqueiros, ainda que vivendo em expectativa, desencadearam logo as suas operações de defesa, e a breve trecho conseguiram introduzir no seio do Movimento das Forças Armadas alguns dos seus homens de confiança, nomeadamente Spínola, Palma Carlos, Vieira de Almeida, Galvão de Melo e outros, o que em certa medida os sossegou e convenceu duma possível sobrevivência, com apenas uma adaptação de estruturas às novas circunstâncias e ligeira alteração do modo como vinham actuando.

É dentro deste contexto que se assiste, após o 25 de Abril, à desusada preocupação de alguns banqueiros em pautar a sua actividade pelas leis, e ainda à pouco habitual prática de regularizar todas as muitas operações anómalas e ilegais que tinham em curso, como sejam:

Porém, esta preocupação nunca se generalizou a toda a Banca, houve os que nunca arrepiaram caminho, e, decorrido algum tempo, denunciadas as suas infiltrações no MFA bem como marginalizadas ou controladas, procuram todos boicotar o avanço do processo, agudizando a sabotagem através da política de distribuição do crédito e retenção, no estrangeiro, dos montantes entregues pelos emigrantes para transferência para Portugal.

«Depois do 25 de Abril surgiram os economistas burgueses a denunciarem o aumento de desemprego, verificando-se toda uma preparação da opinião pública no sentido do flagelo do desemprego que se aproximava, a crise económica estava iminente, e a toda esta preparação da opinião pública junta-se a nova política financeira do governo provisório durante a vigência na pasta da Economia de Vieira de Almeida — política essa que tentava privilegiar o combate ao desemprego, escancarando as portas dos cofres do Banco de Portugal, com o pretexto de tornar possível o auxílio à pequena e média empresa, sobre a qual também se tinha criado a opinião de que estavam todas elas a atravessar sérias dificuldades, portanto dando-se a ideia de que a falência de todas essas empresas estaria ou seria iminente.

Esta política foi um logro. Nem a pequena e média empresa foi ajudada nem o desemprego foi evitado.

Esta política foi para nós a execução duma estratégia de defesa dos interesses capitalistas. Essa estratégia consistiu em sacar capitais do Banco Central, colocar esses capitais nos bancos comerciais e, depois disso, distribuí-los pelas empresas dos grupos económicos, pelas famílias que detinham o poder económico neste país. O montante das responsabilidades da Banca comercial perante o Banco Central era em 25 de Abril de 1974 de cerca de 9 milhões de contos, mas aquando da nacionalização, estas responsabilidades ultrapassavam os 50 milhões de contos, o que equivale a dizer que o Banco Central pôs à disposição da banca privada mais 41 milhões de contos, os quais, sob o ponto de vista teórico, se tivessem sido canalizados para o investimento e, tendo em conta um investimento de uma intensidade capitalista média de 250 contos por cada posto de trabalho, teriam criado entre nós mais 164 000 postos de trabalho. Ora, o que se verificou foi um aumento galopante de desemprego após 25 de Abril, que neste momento se estima acima dos 200 000 trabalhadores, quando os números indicados pelos economistas burgueses antes do 25 de Abril nos davam uma média de 50 000 trabalhadores desempregados. Estes capitais postos à disposição da banca foram colocados nas empresas, nas famílias e nos amigos, como já referimos, que por sua vez empreenderam processos de sabotagem económica, como se evidencia, de resto, nos casos concretos de empresas que aumentaram as suas responsabilidades perante a Banca, e esse aumento de responsabilidades não deu origem à criação de mais postos de trabalho e, muito pelo contrário, em alguns casos verificou-se todo um processo no sentido de diminuir o rendimento das empresas, diminuir a produção, justificando-se as administrações aos seus trabalhadores com hipotéticas faltas de mercados para os seus produtos, o que aliás em muitos casos conseguiu ser desmascarado pela acção dos trabalhadores. Essas empresas nalguns casos tinham fábricas a trabalhar em quatro turnos e imediatamente começaram a fazer três turnos, e outras que, trabalhando todos os dias, passaram então a trabalhar apenas durante alguns dias na semana. Isto prova-nos que a estratégia global era, por um lado, provocar uma crise económica e, por outro lado, financiar todos os partidos de direita que iam aparecendo na cena política portuguesa, nomeadamente aqueles que se mostravam favoráveis a uma política aventureira do golpe de Estado no sentido de conseguirem instaurar pela força novamente um regime fascista. Trata-se, pois, de toda uma estratégia do ponto de vista capitalista bem arquitectada para provocar a crise económica, provocar certas condições objectivas que facilitassem um golpe da direita e favorecessem simultaneamente os partidos políticos que poderiam arquitectar esse golpe. Devemos ainda referir que na estratégia de defesa dos interesses do capital monopolista houve sempre um paralelismo entre a preparação política e a preparação económica. Ao mesmo tempo que se agudizavam as condições económicas, ou seja, a base material da sociedade, existia sempre uma preparação política correspondente no sentido do aproveitamento da sabotagem que se fazia a nível económico. É assim que o capitalismo utiliza uma táctica entre o 16 de Março e o 25 de Abril de 1974, é assim que começa depois por utilizar outra táctica entre o 25 de Abril e o golpe de Palma Carlos, uma nova táctica entre o golpe de Palma Carlos e os acontecimentos de 28 de Setembro e, finalmente, uma outra táctica entre o 28 de Setembro e o 11 de Março deste ano. Trata-se apenas, em cada um desses períodos, da aplicação política concreta de uma estratégia capitalista concebida no sentido de fazer perdurar entre nós as relações de exploração. Devemos ainda referir que no golpe de Palma Carlos se joga a nível de gabinete com o prestígio pessoal de duas figuras conhecidas (Palma Carlos e Spínola). No 28 de Setembro procura jogar-se já com as massas populares não consciencializadas. Por fim, no período que vai do 28 de Setembro aos factos ocorridos em 11 de Março tenta jogar-se com uma divisão das forças armadas, fazendo entrar nesse jogo uma pequena parte das forças armadas.»(1)

1.3. A nacionalização da Banca

Nacionalizar a Banca significou não só privar os monopólios de largas centenas de milhares de contos de lucros anuais, mas também retirar-lhes o controlo de um património de 200 milhões de contos que eram utilizados de uma forma discricionária em seu proveito e das famílias que os dominavam.

A nacionalização da Banca surgiu, em 11 de Março, como corolário da situação que deixámos caracterizada e da denúncia que os trabalhadores bancários, como fruto duma vigilância militante e constante, vinham fazendo desde o 25 de Abril, numa adesão total ao espírito revolucionário do Movimento das Forças Armadas. É certo que as circunstâncias políticas propícias só foram criadas com o golpe reaccionário de 11 de Março, mas se não fora a determinação da vigilância e a denúncia, por parte dos trabalhadores, dos autênticos actos de banditismo praticados pelos banqueiros, não seria possível a nacionalização.


Notas de rodapé:

(1) Sabotagem económica — BESCL (retornar ao texto)

Inclusão 19/07/2019