Dossier Brigadas Revolucionárias


ERNESTO E LUÍS


Ernesto e Luís morreram a 9 de Março de 1973, quando realizavam acções de sabotagem no Distrito de Recrutamento e Mobilização na Avenida de Berna e no Quartel-Mestre-General da Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa. À sua morte deve-se a um erro técnico na montagem do sistema de relógio das bombas, levado a cabo por um destes camaradas.

As Brigadas Revolucionárias tiveram sempre uma enorme preocupação em não ferir ou matar elementos da população. Para isso avisavam a polícia para isolar as ruas à hora dos rebentamentos. Escolhiam sempre locais isolados e horas tardias. Chegaram a avisar pelo telefone os moradores dos prédios junto dos locais das acções para que não fossem surpreendidas pelo susto. Deste modo conseguiram que nenhum elemento da população fosse atingido.

Mas não puderam evitar que dois camaradas morressem.

Luís e Ernesto eram dois militantes operários que hoje estavam decerto na organização da luta sob outras formas. Mas Luís e Ernesto morreram. Como tantos outros que deram a vida pela revolução em todo o mundo, Luís e Ernesto sabiam que arriscavam.

A melhor homenagem que as Brigadas lhes prestam é continuar a luta, sem concessões nem cedências.

A PIDE nunca soube quem era Ernesto. E ainda hoje se mantém no anonimato este camarada, defendendo assim a sua família e os seus amigos da incerteza do futuro. Mas Luís foi identificado. Luís era pseudónimo, o nome de guerra. O seu verdadeiro nome era Carlos Alberto Ferreira Curto.

Era filho de Maria Teresa Gomes Ferreira Curto e de Viriato Manuel Curto. Nasceu a 3 de Abril de 1952 em Alcoentre, concelho de Azambuja. Aos 16 anos terminou o curso industrial e começou a trabalhar no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa.

Depois do 25 de Abril, podemos enfim conversar com os seus pais que nos disseram:

«Eu andava sempre preocupada — diz-nos a mãe — porque conhecia as ideias do meu filho. Eu presumia os perigos que ele corria. Cheguei a dizer-lhe: «filho, andas influenciado, mas ele sempre me respondeu que não e que só fazia o que considerava certo.»

«Nos primeiros dias, ainda me convenci que ele tinha saído para o estrangeiro, mas, quando ouvi a notícia na rádio convenci-me logo da verdade. Sempre procurei evitar qualquer contacto com a Pide, mas, como não tinha outro caminho para saber do paradeiro do meu filho, vi-me em contacto com a polícia.»

«Como o meu marido trabalha no Limoeiro (é carcereiro), resolveu falar com o Director e foi ele que nos pós em contacto com a Pide. Vieram cá a casa, mas eu já tinha queimado alguns papéis e escondido alguns livros. Eram coisas sem importância, mas às vezes podiam pór outras pessoas em perigo. Chegou a cá vir uma agente, mas todas as coisas que levaram eram sem importância. Chegaram a levar coisas que não tinham nada a ver com o meu filho».

«A Pide veio cá a casa porque lhes tinham dito que as bombas eram feitas aqui, mas é mentira.»

«A Pide dizia que os amigos o tinham influenciado e que o desastre podia ter acontecido por duas coisas: por deficiência técnica ou por a organização se querer ver livre dele e então fizeram lhe isso!»

«Não senhor, não acredito que a organização lhe tenha feito isso».

«Nestas alturas a vizinhança fala sempre. Chegaram a dizer que o meu filho tinha sido drogado, mas não é verdade. Ele só ia fazer isso se quisesse, pois ninguém o podia obrigar. O meu filho tinha essas ideias e vivia para elas. Ele morreu por um ideal, lutou por um ideal».

«O funeral realizou-se a 16 de Julho e saiu do Instituto de Medicina Legal para o cemitério de Benfica e está na campa 3314 — secção 43. Foi muito difícil conseguirmos autorização para o funeral. Diziam-me que era amanhã, era depois e nunca se chegava a realizar. Nunca nos deixaram velar o meu filho. No funeral iam muitas pessoas conhecidas e amigos do meu filho e ele, que não podia ver os Pides... mas tantos que foram acompanhá-lo».

«Durante muitos dias, a Pide rondou a minha casa, estavam sempre ai em frente».

«Uns dias antes do desastre — diz-nos o pai — tive uma conversa com ele e perguntei-lhe: ouve lá, se tivermos de ir em frente para defender um ideal, mas que ponha em risco a nossa própria vida, o que é que devemos fazer, avançar ou recuar? Ele respondeu-me que se devia ir em frente».


Inclusão 17/06/2019