Curso Básico da ORM-PO

Organização Revolucionária Marxista - Política Operária


Aula II - A Exploração Capitalista


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O operário sabe perfeitamente que o seu trabalho enriquece cada vez mais o patrão, isto é, o capitalista, enquanto ele mesmo passa uma vida inteira realizando tarefas em troca de um salário suficiente apenas para a sua sobrevivência. Isso quer dizer que o fruto do trabalho não está retornando para o benefício do trabalhador. Grande parte desse fruto está sendo desviado para os cofres do patrão, está sendo apropriado pelo capitalista. Pois bem, à apropriação do fruto do trabalho alheio é que chamamos exploração.

Para compreendermos a mais moderna forma de exploração — a exploração capitalista — precisamos esclarecer os elementos que estão em jogo nesse processo. Quais são? Trata-se da mercadoria, da forca de trabalho, da mais valia e do lucro.

Mercadoria

Quando alguém produz um objeto para seu próprio uso ou para presentear um amigo, essa coisa produzida é sem duvida um produto, mas não é uma mercadoria. Porém se for obrigado a trocar esse objeto por dinheiro ou por outra coisa qualquer, então o que ele produziu passa a ser uma mercadoria.

Mercadoria, portanto, é tudo que se produz para a troca e não para o uso de quem a produziu. Assim, a mercadoria destina-se ao consumo de uma outra pessoa que, por sua vez, oferece uma outra mercadoria ou dinheiro, em troca daquela que necessita para uso próprio.

Em termos específicos, diremos que toda mercadoria tem um VALOR DE USO e um VALOR DE TROCA. Assim, por exemplo, o feijão comprado pela dona de casa tem um valor de uso, tem determinadas qualidades próprias para serem usadas como alimento. O valor de uso dos sapatos, por exemplo, está em que, graças ao material e ao formato, protegem os pés. Os tratores, por outro lado, tem certas qualidades que permitem que eles sejam usados na remoção de grandes volumes de terra, etc. Todos os produtos têm, portanto, um valor de uso. Os homens sempre produziram coisas necessárias para a sua sobrevivência, para satisfazer as suas necessidades, isto é, sempre produziram objetos que tem valor de uso.

O valor de troca, por sua vez, é característico dos produtos aos quais damos o nome de mercadorias. Os homens começaram a trocar quando uma parte deles passou a produzir coisas em quantidade superior ao seu próprio consumo, ao mesmo tempo em que deixavam de produzir outras coisas de que necessitavam. Assim, por exemplo, quem só cuidava do campo passou a comprar arados e outros utensílios produzidos por um artesão que, por sua vez, comprava alimentos que não plantava nem colhia.

Foi nesta fase da história — anterior ao surgimento do capitalismo — que o produto virou mercadoria, isto é, apareceu o valor de troca, além do valor de uso. No exemplo citado acima, o valor de troca do arado era, digamos, um saco de feijão. Isso quer dizer que, oferecendo um arado, o artesão podia obter uma certa quantidade de feijão oferecida pelo lavrador que necessitava do arado. Aos poucos,os homens foram tornando mais simples esse processo de trocas, foram simplificando o comércio. Em vez de carregar um saco de feijão nas costas, era mais simples o lavrador levar consigo uma pequena porção de uma coisa que fosse equivalente a um saco de feijão, isto é, que representasse o valor do saco de feijão. Essa coisa simples e equivalente ao valor de troca de uma mercadoria é o DINHEIRO. Então, o lavrador trocava a sua mercadoria (M) por dinheiro (D) para assim, comprar mais comodamente outras mercadorias (M) de que necessitava. Esse processo de trocas simples de mercadorias pode ser representado pela fórmula M-D-M.

Nesse ato de trocar surge um problema: como é que o lavrador pode saber que um saco de feijão tem o valor de um arado ou que o arado tem o valor de um saco de feijão e não de meio saco? Como é que se conhece o valor de troca de uma mercadoria?

A resposta a essa pergunta só é possível se descobrirmos o que há de comum em todas as mercadorias. Que podemos encontrar tanto no feijão como no arado? O valor de uso não serve de base, porque as qualidades das mercadorias correspondem a necessidades imediatas diferentes. Ninguém come o arado e ninguém ara a terra com o feijão. O que há de comum em um e outro? O que há de comum em todas as mercadorias é que todas elas são trabalho humano materializado, isto é, todas elas — mesmo as laranjas colhidas no mato — dependem do trabalho do homem. O feijão comido pelo artesão depende do trabalho do lavrador e o arado usado por este dependeu do trabalho do artesão.

Assim, tanto no arado como no feijão há uma certa quantidade de trabalho despendida. Só esse trabalho — comum a todas as mercadorias — pode servir como critério para determinação do valor de troca de cada uma em relação à outra. A quantidade de trabalho pode ser medida em tempo, resultando disso que o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho necessário para produzi-la. Isso significa que a mercadoria aumenta de valor quando o operário é lento, preguiçoso, ou incompetente? Não evidentemente. O tempo a que nos referimos é um tempo médio, aquele que a sociedade gasta para produzir determinado tipo de mercadoria, dependendo do nível técnico, das máquinas e matérias primas à disposição.

O valor de uma mercadoria, portanto, é determinado pelo TEMPO DE TRABALHO SOCIALMENTE NECESSÁRIO PARA PRODUZI-LA.

Forca de trabalho

Quando falamos do artesão produtor do arado, nós nos referimos a um produtor independente, que era dono, não só de sua capacidade e habilidade para trabalhar, como também dos instrumentos e meios de produção que usava. Porém, com o surgimento da produção capitalista, da produção em grande escala nas fábricas, a maior parte desses artesãos deixou de ser dona dos instrumentos de trabalho e dos meios de produção. Muitos não conseguiam concorrer com a produção fabril, ficavam endividados, perdiam tudo. Perdiam tudo realmente? Não, continuavam donos de sua força de trabalho. Que fazer com ela? Que fazer com a capacidade e habilidade de trabalhar, de produzir arado, por exemplo? Para continuar vivendo a única saída era tornar-se assalariado, era vender essa força de trabalho em troca de um salário pago por um outro sujeito que possuísse os meios de produção. Foi o que fez a maioria dos trabalhadores. Foi o que fizeram não só os artesãos arruinados como também os camponeses sem terra. A existência dessas massas proletarizadas possibilitou a expansão do capitalismo industrial. Nesse regime a propriedade dos meios de produção, a propriedade das fábricas e das terras, das minas, etc., está nas mãos de uma minoria, está nas mãos da burguesia ao passo que o trabalho é executado pela imensa maioria.

“O dono dos meios de produção e de subsistência — explica Marx — encontra no mercado o trabalhador livre que vende a sua força de trabalho”.

Quando Marx fala de “trabalhador livre” nesse texto ele quer dizer trabalhador que, não possuindo meios de produção, pode, todavia vender sua força de trabalho a este ou àquele patrão. É livre para fazer ou não um contrato com esta ou aquela firma. E claro, na realidade, essa liberdade é restrita, pois numa sociedade capitalista, a oferta de mão de obra é maior do que a procura. Disto resulta não só o desemprego como também a impossibilidade de fato do operário “dar-se ao luxo” de escolher esta ou aquela ocupação. Por direito, o trabalhador é considerado livre porque não é um escravo, ou seja, o patrão não pode decidir sobre a vida ou a morte do empregado como faziam os senhores dos escravos. Para o capitalista, todos sabem disso, é necessário que o operário seja um assalariado e não um escravo pois, com esse salário, o operário compra parte das mercadorias que a burguesia joga no mercado.

Vimos que o feijão e o arado são mercadorias, isto é, além de terem valor de uso, podem também ser trocados por dinheiro ou por outras mercadorias. Quando o artesão perdeu os seus meios de produção, ficando apenas com a sua força de trabalho, vimos que ele foi obrigado a fazer com ela o que antes fazia com o seu arado, isto é, foi obrigado a trocá-la por dinheiro, trabalhando para o patrão. Portanto, é fácil notar que, na sociedade capitalista, A FORÇA DE TRABALHO NÃO PASSA DE UMA MERCADORIA, sendo tratada, exatamente, como uma mercadoria.

Como é determinado o valor dessa mercadoria chamada força de trabalho? Vimos que o valor de troca de uma mercadoria qualquer é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Ora, para retornar todo o dia à fábrica, para vender sempre de novo a sua força de trabalho, o operário precisa antes de tudo estar vivo, estar com saúde suficiente para aguentar a dureza do trabalho. O salário que é pago à classe operária destina-se justamente à reprodução dessa força de trabalho sem a qual as fábricas parariam. Para reproduzir sua força de trabalho, a classe operária necessita de outras mercadorias (arroz, feijão, etc.) que ela compra com o seu salário. Portanto, o valor da força de trabalho é igual ao valor desses meios de subsistência necessários.

É claro que o salário ganho por um operário dá muito mal para a sua sobrevivência, principalmente quando esse salário é congelado. Disso resulta que os filhos desses operários crescem em péssimas condições de saúde e de educação. Ora, como a reprodução da força de trabalho não pode ser apenas a reprodução da capacidade de trabalhar deste ou daquele operário, em particular, mas de toda a classe trabalhadora ao longo de gerações, sempre que a burguesia paga mal aos trabalhadores, ela está sendo não só desumana como também está demonstrando sua incapacidade para preparar a futura força de trabalho. No Brasil, a burguesia chega a ponto de financiar programas de restrição da natalidade, o que é um dos sinais de sua incapacidade para preparar e absorver novos contingentes de trabalhadores.

Mais-valia

Já vimos que, para se produzir uma mercadoria, há necessidade de outras mercadorias básicas para o processo de produção. É preciso que haja máquinas, matérias primas e força de trabalho. Mas só quem tem dinheiro (capital), pode comprar essas máquinas, as matérias primas e a força de trabalho. O capitalista — ou seja, o homem que dispõe desse dinheiro — reúne esses elementos num processo de produção, numa fábrica, por exemplo. Depois que os operários, com sua força de trabalho, movimentarem as máquinas, transformando as matérias primas num produto acabado, o capitalista vende esses produtos em troca de dinheiro. Com uma parte do dinheiro ganho, o patrão compra mais matéria prima, amplia e moderniza as máquinas e aluga mais força de trabalho. Torna a acionar tudo isso para novamente vender produtos acabados e ganhar mais dinheiro.

No processo de produção simples de mercadorias, como vimos anteriormente, o produtor trocava uma mercadoria (M) por dinheiro (D), em seguida comprava mercadorias (M) necessárias ao seu sustento. Resumimos esse processo com a fórmula M-D-M.

Agora, porém, já não acontece a mesma coisa. Com dinheiro (D), o capitalista compra certas mercadorias (M) que, após o processo de produção, são transformadas novamente em dinheiro assim que vendidas. Temos então uma segunda fórmula, diferente da primeira, e que pode ser assim representada: D-M-D.

Dissemos que o capitalista consegue ganhar uma quantidade maior de dinheiro do que a inicialmente empregada por ele na produção. De fato, todos percebem que o patrão se enriquece cada vez mais, enquanto o operário simplesmente reproduz sua força de trabalho até a morte. Isso quer dizer que, na fórmula D-M-D, o segundo "D" é maior do que o primeiro. De onde vem esse valor excedente que está na base do enriquecimento cada vez maior do capitalista? De onde vem esse sobre-valor ou, em termos específicos, de onde procede essa MAIS VALIA?

Não pode vir da troca. Sabemos que todo o capitalista é simultaneamente comprador e vendedor. Se a simples venda proporcionasse um sobre-valor, ele perderia seu ganho inicial na hora de comprar mercadorias. Ganhos e perdas se anulariam.

A mais-valia não deriva tampouco do material e das máquinas empregadas. Sabemos que, no custo final de um produto acabado, uma certa quantia corresponde justamente ao desgaste das máquinas empregadas. Dá-se a isso o nome de amortização do capital, segundo a contabilidade do patrão. Isso quer dizer que os meios de produção não transferem para o produto acabado uma quantidade de valor maior do que a contida neles. Por não transferirem mais valia do que contém, por não originarem mais-valia, é que são chamados de CAPITAL CONSTANTE.

Resta, portanto, a força de trabalho como a única mercadoria que, no processo de produção e nos investimentos de capital, tem a qualidade de criar um valor maior do que aquele pelo qual ela é alugada. É ela que transfere para o produto acabado um valor maior do que o contido nela. Por isso, a força de trabalho é também denominada CAPITAL VARIÁVEL. É essa qualidade excepcional da mercadoria força de trabalho que encerra em si o segredo da exploração capitalista.

Recordemos com uma frase de Marx o que dissemos anteriormente: "O valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho". Pois bem, é com o salário recebido que o trabalhador compra esses artigos de primeira necessidade. O contrato firmado ente o patrão e o operário prevê que este trabalhe um determinado número de horas por dia, digamos 8. Acontece porém, que os valores criados pela atividade do operário durante 8 horas excedem o valor dos meios de subsistência necessários, valor este que serve de base para o salário. Durante determinadas horas da jornada de trabalho, digamos 4, o operário trabalha de fato em troca do salário, isto é, durante esse tempo ele de fato criou valores equivalentes aos dos alimentos e demais mercadorias de que necessita. Marx chama esse trabalho de TRABALHO NECESSÁRIO, pois nessas horas o operário produz realmente em troca do seu sustento. Mas o fato do operário ter produzido em 4 horas exatamente os valores equivalentes aos valores das mercadorias necessárias ao seu sustento, não quer dizer que ele já possa encerrar o dia de trabalho. Ao assinar o contrato, aceitou trabalhar 8 horas, isto é, 4 horas a mais do que o tempo de trabalho necessário para obter os recursos que o sustentam. Nas 4 horas restantes a classe operaria produz um excedente de mercadorias cujo valor vai para o capitalista. Portanto, além do trabalho necessário, a classe operária é obrigada a executar um TRABALHO EXCEDENTE (ou sobre-trabalho), cujo fruto — chamado sobre-produto, ou mais valor, ou mais-valia — é apropriado totalmente pela burguesia. Aí está a exploração capitalista.

Em resumo, durante o trabalho necessário, o operário produz uma quantidade de mercadorias cujo valor corresponde ao salário que recebe para alimentar sua força de trabalho. Mas se abandonasse a fábrica nesse momento, o burguês chamaria a polícia, pois, nesse caso, o operário não teria trabalhado para os capitalistas. Por isso, em obediência ao contrato, o operário executa um trabalho excedente durante o qual produz um sobre-produto, cujo valor é embolsado pelo capitalista em forma de mais-valia. Assim, quando o capitalista afirma que paga o trabalho do operário, ele está mentindo. O que ele paga, em forma de salário, é o trabalho necessário. O trabalho excedente fica sem remuneração. Trata-se de um roubo organizado que as leis do regime capitalista protegem.

A tendência do capitalista é aumentar o grau de exploração do operário, isto é, aumentar a parte excedente da jornada de trabalho. Para isso, ele tem principalmente dois recursos à sua disposição. Primeiramente o patronato pode aumentar o dia de trabalho. Permanecendo um maior número de horas na fábrica, o operário aumenta a produção de mais-valia. Outra variante desse recurso é diminuir ou desvalorizar o salário, de modo que baixa o nível de subsistência do operário, ou, como diz o capitalista, "baixa os custos de produção". Nesses casos cresce o grau de exploração direta do operário e aumenta a MAIS-VALIA ABSOLUTA. Por outro lado, o patrão pode também usar o seguinte recurso: sem diminuir o nível de vida do operário e sem aumentar a jornada de trabalho, é possível aumentar a produtividade do trabalho mediante o emprego de máquinas novas, modernizadas. Nesse caso, o operário produz, em um menor número de horas de trabalho, os valores equivalentes aos gastos reclamados pelo seu sustento, bem como aumenta os valores resultantes do trabalho excedente e dos quais o capitalista se apropria. Neste caso, aumentou a produção da chamada MAIS VALIA RELATIVA.

Lucro

Dissemos antes que a mais valia é embolsada pelo capitalista. Mas o que de fato é embolsado pelo patrão é uma parte da mais-valia, uma parte chamada lucro.

As outras partes da mais-valia servem para outras coisas; pagar juros, renda da terra, etc. Outra parte é destinada a pagar o sustento do funcionalismo administrativo das empresas, dos funcionários públicos de toda máquina administrativa do Estado, bem como do próprio Exército, que é o instrumento de opressão usado pelos capitalistas contra os operários. Enfim, toda a sociedade mantém-se como está graças à produção da mais-valia pelos trabalhadores.

Do ponto de vista do operário que produz mais-valia, esse sobre-produto que não retorna para seu benefício, "é questão secundáriadiz Marx — que essa mais-valia seja embolsada exclusivamente pelo empregador capitalista ou que este seja obrigado a ceder parte dela a terceiros, com o nome de renda do solo ou juro". O importante é que o operário tenha em vista que o salário pago pelo patrão deixa sem remuneração um trabalho excedente que, produzindo um sobre-valor, enriquece o empregador no processo de exploração capitalista e sustenta toda sociedade em que a classe operária vive como explorada.

Desenvolvimento capitalista no Brasil

A economia brasileira é hoje(NOTA2) uma economia predominantemente capitalista, uma economia em grande parte orientada para a produção de mercadorias. As estatísticas revelam isso, não só em termos absolutos como também do ponto de vista do desenvolvimento e crescimento dos diversos setores de vida econômica. Realmente, conforme dados fornecidos pela Revista Brasileira de Economia, de março de 1962, é o seguinte o quadro nos últimos vinte anos:

PARTICIPAÇÃO DOS DIVERSOS SETORES NO PRODUTO NACIONAL EM %
ESPECIFICAÇÃO 1939 1947 1955 1960
Agricultura 33,3 27,00 29,7 28,2
Indústria 17,9 21,4 24,6 25,8
Transporte e Comunicações 6,7 7,8 7,5 7,6
Comércio 12,6 16,7 12,6 12,5
Interm. financeira 2,8 2,1 2,7 2,9
Serviços 10,4 15,1 11,9 11,2
Aluguéis 6,5 3,1 3,7 3,9
Governo 9,8 6,8 7,3 7,9
RENDA INTERNA 100 100 100 100

Como se observa, conquanto a agricultura tenha fornecido ainda 33,3% do Produto Nacional em 1939 e a indústria, unicamente 17,9%, em 1960, porém, essa relação foi de 28,2% e 25,6% respectivamente. É claro que isto não basta para dar uma ideia do crescimento do setor capitalista do país. Sem considerarmos a penetração do capitalismo na própria agricultura — onde cresceu a margem de trabalho assalariado — temos de encarar "transporte e comunicações", "comércio", "intermediação financeira" (isto é, bancos e créditos), "serviços", grande parte das rubricas "aluguéis" e "governo", como pertencentes ao setor capitalista propriamente dito. Por outro lado, as estatísticas acima transcritas são computadas à base de "preços correntes", não dando uma ideia exata do VOLUME da produção. A própria Revista que divulgou aqueles dados, quando apresenta a tabela, chama a atenção para o fato de que, se se tomasse os preços de 1939 como base (isto é, preços constantes e livres de oscilações), o setor agricultura cobriria somente 21,4% do Produto Nacional Interno, enquanto o setor indústria subiria a 34%, sem levar em conta ainda as demais rubricas que participam do setor capitalista.

O desenvolvimento da economia capitalista no Brasil é confirmado ainda pelos dados relativos às mudanças ocorridas na estrutura da população economicamente ativa entre 1940 e 1960. Assim, conforme, dados fornecidos pela "Fundação Getúlio Vargas", temos o seguinte quadro(NOTA3):

EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA
1940 1950 1960
ESPECIFICAÇÃO 1000 hab % 1000 hab % 1000 hab %
Agricultura 9.448 67,8 9.960 57,8 11.795 49,2
Indústria 1.792 12,9 2.749 15,9 4.459 18,6
Outros 2.689 19,3 4.535 26,3 7.701 32,2
TOTAL 13.929 100 17.244 100 23.955 100

Não se pode também afirmar neste caso que a setor capitalista ocupe somente 18,6%. A maior parte dos 32,2%, ocupantes da rubrica "outros", está exercendo suas atividades em funções de produção e distribuição de mercadorias. Os 18,6% ("indústria") estão diretamente ligados à produção, isto é, ao setor de extração, transformação, acabamento e transportes, incluindo ainda o setor de fornecimento de energia. Mas, embora seja de quase 4,5 milhões o número de pessoas que pagam contribuições para o antigo Instituto dos Industriários, nem todos são operários.

A classe operária brasileira pode ser estimada em cerca de 3 milhões de membros. As estatísticas oficiais de fins de 1965 (Grupo Especial de Trabalho para as Estatísticas Industriais) indicam (números arredondados) os seguintes dados:

Indústria de transformação (fábricas) 1 600 000
Indústria de extração 50 000
Serviços e Transportes 500 000
Serviços Ind. de Utilidade Pública 200 000
Construção civil 300 000
TOTAL 2 700 000

Levando em conta o desemprego parcial e latente e a burla de Legislação Trabalhista por parte dos patrões, podemos estimar a força numérica do proletariado industrial em um mínimo de 3 milhões de pessoas. Trata-se da base da pirâmide social que cria mais-valia, a fonte de riqueza da economia capitalista no Brasil.


Notas de rodapé:

(NOTA2) Devemos ressaltar que esse texto foi redigido em 67/68, contando com estatísticas disponíveis até o ano de 1960. Esse esforço da POLOP em demonstrar que o Brasil era um país capitalista deveu-se às teses do PCB que defendia a existência de restos feudais no campo e a necessidade de uma revolução democrática burguesa no país. Como citado na apresentação, a POLOP partia de outras premissas, a saber, vigorava no Brasil uma economia capitalista, subdesenvolvida é verdade, mas capitalista. Desde então o desenvolvimento capitalista no Brasil se aprofundou e o sistema passou por transformações quantitativas e qualitativas. Nos anos da ditadura, a partir de 1964, o governo agia com o movimento operário silenciado pela força. Nestas condições foi possível arrochar o salário e aumentar significativamente a extração de mais valia. Agia também com autonomia frente às frações das classes dominantes. Foi capaz então de agir em nome de todo o capital, otimizando, tanto quanto possível no capitalismo, a alocação de recursos. E essas foram às bases políticas que permitiram o "milagre econômico" na década de 70.
A partir da década de 80, com a crise da dívida, o capitalismo no Brasil passou por longo período de estagnação e outros de excessiva inflação. O Plano Real em 1993, conseguiu reorganizar o ciclo inflacionário. Executou uma política de privatizações de grandes empresas, reprimiu e isolou politicamente o movimento sindical e novamente concentrou capital. Com o fortalecimento do capital foi executada uma nova concentração bancária e o Brasil hoje é parte da financeirização do capital. Houve também uma forte penetração do capitalismo no campo.
Esses aspectos do capitalismo brasileiro aliados ao atual caráter das suas relações com o imperialismo precisam ser analisados do ponto de vista do marxismo para se avançar na compreensão do atual estágio do desenvolvimento capitalista no Brasil. (retornar ao texto)

(NOTA3) Segundo os dados da PNAD-IBGE, 2008, verifica-se que a População Economicamente Ativa (PEA) vem sofrendo aumento absoluto e relativo da força de trabalho. Os operários industriais, da construção civil e do setor de transporte já atingem a marca de aproximadamente 25 milhões de trabalhadores, que formam a base do proletariado no Brasil. Os dados relacionados abaixo reforçam todo o esforço realizado pela POLOP na década de 60 para demonstrar que o Brasil era um país capitalista, que a revolução brasileira será socialista e o proletariado sua liderança intelectual e material.
Desde então o desenvolvimento capitalista no Brasil se aprofundou e o sistema passou por transformações quantitativas e qualitativas.

Em nº absoluto Percentual
População Brasileira: 183 900 000
População Economicamente Ativa: 92 395 000
a. Agricultura 16 100 000 17,4
b. Indústria 13 995 000 15,1
c. Construção 6 905 000 7,5
d. Comércio 16 093 000 17,4
e. Alojamento e alimentação 3 592 000 3,9
f. Transporte, armazenagem e comunicação 4 596 000 5,0
g. Administração pública 4 531 000 4,9
h. Educação, saúde e serviços sociais 8 539 000 9,2
i. Serviços domésticos 6 626 000 7,2
j. Outros serviços coletivos 4 083 000 4,4
k. Outras atividades 7 134 000 7,7
l. Atividades mal definidas 201 000
0,2

(retornar ao texto)

Inclusão 14/08/2019