Curso Básico da ORM-PO

Organização Revolucionária Marxista - Política Operária


1. Apresentação - Ivaldo Pontes Filho(1)


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Em inícios de 1968, foi publicada a primeira edição do Curso Básico elaborado pela ORM-PO, Organização Revolucionária Marxista - Política Operária, também conhecida como POLOP. O Curso foi um instrumento importante da organização para transmitir e debater os conceitos Básicos do marxismo com os novos militantes que despertavam para a luta política.

A importância de resgatar os conceitos do marxismo militante tem sua própria história, remontando ao Congresso de sua fundação, realizado em 1961, na cidade paulista de Jundiaí, quando militantes originários de diversas partes do país se reuniram para formular uma alternativa à política de colaboração de classes dos partidos oficiais da época. O PCB falhara na tentativa de se tornar o partido do proletariado brasileiro, o PSB nunca se preocupou com essa tarefa e o PTB não passava de uma representação burguesa com forte presença nos sindicatos dos trabalhadores e no Ministério do Trabalho. Os militantes presentes no primeiro Congresso, já tinham consciência de que para avançar na teoria e na prática revolucionárias no Brasil precisariam enfrentar a tarefa que o PCB não havia enfrentado durante toda a sua existência: aplicar o marxismo à realidade brasileira.

Hoje, tantos anos depois, os mais jovens, os que não conhecem a história desse período, podem se perguntar, afinal, qual a análise que o PCB fazia da sociedade brasileira e que consequências isso traria para sua definição política, tão distante assim do marxismo. Um primeiro ponto a ser destacado era a caracterização do Brasil como uma sociedade com características feudais, ou semifeudais no campo, que impediam o livre desenvolvimento das forças produtivas. Considerando que ainda perduravam restos feudais no campo, a estratégia do PCB limitava-se à propaganda de uma revolução democrática burguesa. A principal consequência desta análise era a colaboração de classes com uma pretensa burguesia nacional, contra o imperialismo e o latifúndio. Foi em nome dessa aliança que o PCB sempre atrelou os interesses específicos do proletariado brasileiro aos interesses dessa fração burguesa.

A POLOP partia de outras premissas. Para a nascente organização, já vigorava no país o sistema capitalista de produção e estava na ordem do dia a defesa da revolução socialista como a única solução possível para os problemas sociais do Brasil. Na Convocatória para o primeiro Congresso(1) é possível verificar que isto seria ponto pacífico entre os delegados. A POLOP foi a primeira organização que se deu ao trabalho de elaborar uma fundamentação teórica da realidade e que procurou tirar consequências práticas da situação. É verdade que no esforço próprio para a caracterização da economia brasileira como capitalista e subdesenvolvida, contou também com as teses esboçadas por Aguirre(2) e posteriormente por Baran(3), Sweezy(4) e Gunder Frank(5).

Para a POLOP, a América Latina não conhecia o processo clássico de revolução burguesa, pois desconhecia, desde o início, o fenômeno do feudalismo. O latifúndio formou-se em grande parte em função do comércio internacional, usando processos pré-capitalistas (escravidão e colonato) para a exploração interna da mão de obra. Durante séculos de história, nosso papel na divisão internacional do trabalho foi a de fornecedor de recursos para a acumulação nas metrópoles, integrando a chamada acumulação primitiva do capital. A burguesia nasceu tardiamente, já na crise desse sistema no final do século XIX e início do século XX, mas manteve esse padrão: nunca fez outra coisa a não ser se adaptar às necessidades do capital internacional, sem superar seu papel de sócia menor no capitalismo.

Outro ponto fundamental para a Organização era a constatação de que já havia no Brasil uma classe operária capaz de lutar por suas reivindicações específicas. Tratava-se, é verdade, de uma classe sem consciência de seus objetivos políticos, que ainda não havia dado o passo definitivo como classe para si, de acordo com o conteúdo que Marx dera ao termo. Esta situação objetiva do proletariado é o ponto de partida e o princípio norteador da POLOP em todas as fases da luta, desde sua fundação. Foi, durante anos, pautada pela defesa intransigente da necessidade da formação de uma vanguarda proletária(6). Hoje, cinquenta anos depois, este fato pode parecer uma obviedade, mas na época era uma ruptura definitiva com a prática do PCB. Uma ruptura que levou alguns historiadores(7) a caracterizar a fundação da POLOP como “um elo de uma longa corrente que desde então, não mais cessaria, quebrando o monopólio de representação política a que pretendia o PCB desde 1922”. Aliás, um monopólio que já perdurava há pelo menos quarenta anos em 1964.

Já na primeira Convocatória, antes mesmo da fundação da POLOP, é possível verificar o papel fundamental reservado ao proletariado brasileiro nas lutas que estavam por vir. Uma das principais tarefas propostas é a elaboração de um Programa que permitisse a hegemonia da classe operária na luta de classes no país:

Temos de criar um programa para um partido operário no Brasil. (...). Antes de chegar a esse ponto, teremos de estudar e interpretar a realidade brasileira sob um ângulo marxista, teremos de analisar a situação mundial, e, não por último, assimilar boa parte da experiência da luta de classe em escala internacional.”(1)

O programa não amadureceu imediatamente. Estendeu-se desde a convocatória para o primeiro Congresso até o IV Congresso da Organização, em 1967, no qual foi debatido e aprovado o Programa Socialista para o Brasil(8). Como ressaltado por Meyer(9) o período entre a fundação e a aprovação do Programa foi percorrido sob um processo dramaticamente afetado pelo golpe militar de 1964. Um golpe que significou, também, uma derrota política da proposta de colaboração de classes do PCB, que assistiu impotente à aliança entre a burguesia nacional e o imperialismo. A derrota forçou uma rediscussão generalizada na esquerda brasileira e as teses da POLOP, naqueles idos, assumiram o papel de um novo pólo alternativo às teses do PCB. Estávamos às vésperas das grandes mobilizações de 68 e, segundo a expressão da época, havia uma Nova Esquerda no Brasil.

De um ponto de vista histórico, o programa elaborado e proposto pela POLOP representou uma síntese da experiência prática e teórica da Organização desde sua fundação. Para a preparação do debate e para a elaboração do programa, alguns documentos, que depois se tornariam clássicos, foram publicados separadamente antes do IV Congresso (6, 10(10) e 11(11)). É fruto daquele Congresso, também, a proposta de elaboração do Curso Básico, divulgado posteriormente em 1968.

Nas aulas contidas no Curso, encontramos o primeiro arsenal de conceitos utilizado por Marx para dissecar o funcionamento do capitalismo (aulas I e II), como sociedade e luta de classes, mercadoria, força de trabalho, mais valia, lucro e exploração capitalista. Vários estudantes e operários, que vieram a se integrar na militância política durante a ditadura militar nas décadas de 60 e 70, tiveram sua formação inicial no marxismo com o Curso Básico e a “Bibliografia Básica” posteriormente divulgada.

É admirável o poder de síntese e o didatismo dos autores do Curso Básico, sem prejuízo do conteúdo, com explicações simples de conceitos e análises com certo grau de complexidade. Por se tratar de um curso para militantes, não se limita a uma visão acadêmica de formação. Há ainda no Curso Básico uma série de categorias tratadas pelas primeiras gerações de marxistas que praticamente haviam desaparecido do debate político nacional, uma vez que, no afã de fazer alianças com setores da burguesia, o PCB abrira mão das categorias marxistas. No Curso Básico, encontramos o conceito de Estado, como instrumento de dominação, de crises no capitalismo, bem como o conceito de imperialismo, a nova fase do capitalismo. Por fim, poderíamos citar também, o socialismo, a questão do partido revolucionário e as particularidades do desenvolvimento capitalista no Brasil.

Além da caracterização do capitalismo subdesenvolvido no país (aulas II e IX), do papel hegemônico do proletariado na luta de classes (aula III e VIII), do caráter socialista da revolução brasileira (aula VIII), a POLOP recuperou o conceito de Estado (aula IV) caro ao marxismo, praticamente ausente nos debates das vanguardas do continente. Voltando aos textos pioneiros de Marx(12), Engels(13) e Lênin(14) realçada, no Curso Básico, a necessidade para as classes dominantes de exercerem a coação e a opressão, a fim de enfrentar a resistência dos explorados em todos os tempos e em todos os lugares. Esse papel é exercido pelo Estado, mas um Estado burguês, que concentra todo o aparato de coação das classes dominantes e assumiu várias formas na história do capitalismo.

O tipo mais avançado e mais perfeito de funcionamento do Estado segundo Lênin(14) é a república democrática parlamentar, na qual as classes dominantes exercem o poder diretamente através do Parlamento, do Judiciário e do Executivo. No entanto, quando esta forma de dominação não é mais possível, em situações de crise, quando a democracia burguesa não garante mais a ordem existente, as classes dominantes lançam mão da ditadura aberta e indireta. Aberta, pois desnuda-se a folha de parreira da democracia, indireta, uma vez que a burguesia já não exerce o poder diretamente e sim através de um Executivo com uma aparente autonomia.

A primeira forma de ditadura aberta e indireta surgiu no século XIX, o bonapartismo, e foi analisado por Marx(15) em O 18 Brumário de Luis Bonaparte. No século XX, já na época do imperialismo, com o aguçamento das lutas de classes, a nova forma de ditadura aberta e indireta da burguesia assumiu uma forma muito mais violenta, o fascismo, como analisado por Thalheimer(16). Finalmente, na América Latina, a ditadura militar foi a forma mais frequente de ditadura aberta e indireta da burguesia. Esses conceitos e tipificações, surgidos ainda durante a fase ativa de Marx, guardam significados importantes. No Brasil, em 1964, o PCB e o PTB foram surpreendidos quando os militares tomaram o poder e começaram a desalojar também os velhos representantes da burguesia. Para a geração do pós-guerra formada na ideologia do desenvolvimentismo e da colaboração de classes, que abandonara o conceito de Estado como analisado por Marx, a mudança na forma de dominação em 1964 parecia cair como um raio em céu azul.

Esta apresentação estaria incompleta sem alguns comentários sobre os acontecimentos mais recentes da luta de classes no Brasil, ressaltando nexos de uma história que parecia interditada desde 64 ou 68. A rigor, a história tecia seus fios subjacentes à superfície. Em 68, as greves de Osasco e Contagem emitiam sinais da disposição da vanguarda operária. Uma década depois, irrompeu uma nova jornada de lutas de massas no ciclo grevista de 78-80. Iniciado no ABC paulista, alcançou praticamente todos os estados da federação. Uma nova geração de sindicalistas assumia a vanguarda do proletariado brasileiro e fundava o PT, um partido independente e oposto aos partidos burgueses. A POLOP saudou com entusiasmo a retomada do movimento operário na luta de classes no país. De imediato reconheceu a importância política do PT e a iniciativa da nova vanguarda de fundar um partido de classe independente de todas as facções burguesas, embora reconhecesse os limites do novo partido. Naquele momento, em certo sentido, é possível reconhecer um encontro imprevisível entre as propostas de um nascente movimento vivo com aquelas propostas de cinquenta anos atrás, dos jovens militantes que levantaram a bandeira da organização independente da classe operária — bandeira marcadamente presente, também no Curso Básico.

Finalmente, um esclarecimento ao leitor. Este documento — da Coleção Marxismo Militante publicada pelo Centro de Estudos Victor Meyer — é parte de um ciclo de comemorações dos 50 anos da POLOP. Como tal, será publicado de acordo com a sua versão original, mantendo intacto o caráter histórico da publicação. Isto torna inevitável a permanência de algumas estatísticas desatualizadas. É inevitável também que a dinâmica da luta de classes em nível nacional e internacional tenha tornado já ultrapassadas algumas situações e proposições políticas. Nos tópicos em que isso ocorre, procuramos preencher a lacuna com comentários ou atualizações e com novas referências. O Curso Básico é baseado em textos para a formação inicial de militantes marxistas e desse ponto de vista permanece sendo um importante instrumento de formação básica para os novos quadros que ora se voltam para a ação política. É necessário que se volte a debater a fase atual da luta de classes, as estratégias que elevem a situação política dos trabalhadores a um novo patamar e o significado da luta pelo socialismo. Pois o marxismo, quando liberto dos dogmas e dos esquemas apriorísticos é uma doutrina fecunda e atual(17).

Fevereiro de 2010


Notas de rodapé:

(1) Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco. (retornar ao texto)

Referências Bibliográficas:

(1) Erico Sachs (1960), Convocatória para o 1º Congresso da POLOP, publicado recentemente em, POLOP uma trajetória de luta pela organização da classe operária no Brasil (2009), Centro de Estudos Victor Meyer. (retornar ao texto)

(2) Manuel Augustin Aguirre (1959) A América Latina e o Socialismo, Revista Movimento Socialista nº 2, Rio de Janeiro. (retornar ao texto)

(3) Paul Baran (1972) A Economia Política do Desenvolvimento, Zahar Editores, R.J. Este livro foi editado pela primeira vez em 1957 pela Monthly Review, N.Y. (retornar ao texto)

(4) Paul M. Sweezy (1977) Capitalismo Moderno, Ed. Graal. Neste livro o autor reúne ensaios escritos ao longo de quinze anos (1956-1971) (retornar ao texto)

(5) Andre Gunder Frank(1967) Capitalismo e Subdesenvolvimento na América Latina. (retornar ao texto)

(6) Erico Sachs (1967) Formar a Vanguarda Proletária: a Linha Estratégica da Organização, publicado recentemente em, POLOP uma trajetória de luta pela organização da classe operária no Brasil (2009), Centro de Estudos Victor Meyer. (retornar ao texto)

(7) Daniel Aarão Reis e Jair Ferreira de Sá (1985) Imagens da Revolução, Editora Marco Zero. (retornar ao texto)

(8) POLOP (1967) O Programa Socialista para o Brasil (retornar ao texto)

(9) Victor Meyer (1999) Frágua inovadora: o tormentoso percurso da POLOP, publicado recentemente em, POLOP uma trajetória de luta pela organização da classe operária no Brasil (2009), Centro de Estudos Victor Meyer. (retornar ao texto)

(10) Erico Sachs (1967) Classe e Estado, democracia e ditadura. Publicado recentemente em, POLOP uma trajetória de luta pela organização da classe operária no Brasil (2009), Centro de Estudos Victor Meyer. (retornar ao texto)

(11) Erico Sachs (1967) Aonde Vamos? As três primeiras partes deste documento foram divulgadas em publicação póstuma em 1988, sob o título, Qual a Herança da Revolução Russa e Outros Textos, SEGRAC, BH. (retornar ao texto)

(12) Karl Marx (1871) A Guerra Civil na França, Karl Marx e Friedrich Engels, obras escolhidas, Editora Alfa-Omega, São Paulo. (retornar ao texto)

(13) F. Engels (1884) A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, Karl Marx e Friedrich Engels, obras escolhidas, Editora Alfa-Omega, São Paulo. (retornar ao texto)

(14) V. Lênin (1917) O Estado e a Revolução, V. I. Lênin, obras escolhidas, Editora Alfa-Omega, São Paulo. (retornar ao texto)

(15) K. Marx (1851) O Dezoito de Brumário de Luis Bonaparte, Karl Marx e Friedrich Engels, obras escolhidas, Editora Alfa-Omega, São Paulo. (retornar ao texto)

(16) A. Thalheimer (1928-1930) Sobre o Fascismo. Os textos foram republicados pelo Centro de Estudos Victor Meyer, Coleção Marxismo Militante, Número 1, em 2010. (retornar ao texto)

(17) Victor Meyer (1987) Acerca do autor e sua obra. Texto publicado em 1987 no livro Qual a Herança da Revolução Russa? E Outros Textos, Editora PRÁXIS, Salvador, BA. (retornar ao texto)

Inclusão 14/08/2019