Elementos para a Compreensão do 25 de Novembro

Capitão Manuel Duran Clemente


III - Para a História do MFA


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Na quarta reunião dos capitães em Bissau (a 28 de Agosto de 1973) fiz a seguinte declaração que julgo oportuno divulgar publicamente pela primeira vez:

«Na última reunião passou-se algo sobre o que desejava manifestar a todos os presentes qual a minha posição; posição essa que julgo honestamente ser meu dever divulgar na medida em que, caso venha a concretizar-se a desejada coesão do corpo de oficiais do QP, esta coesão seja fruto dum conjunto de pessoas e portanto resultado dum conjunto de opiniões individuais. Estas para além de terem de ser respeitadas são a própria FORÇA e DINÂMICA desse corpo.

Antes desta reunião tivemos três reuniões:

1.ª Reunião:

1.° — Tomada de conhecimento de uma atitude do GOVERNO (o PODER) que prejudica sob o ponto de vista de qualquer ética e sob o ponto de vista material alguns (a maioria) dos capitães presentes;

2.º — Tomada de consciência da violência dessa atitude por parte do Governo e necessidade de lhe ser manifestado o desagrado, em princípio, pelos prejudicados directamente (os pertencentes às armas de Infantaria, Cavalaria e Artilharia);

3.º — Em face do sucedido verificou-se a existência de presentes também nessa reunião de outros capitães solidarizados com os prejudicados directamente e verificou-se concluir-se em conjunto que já outras atitudes governamentais, a acrescentar a mais esta atitude recente, tem contribuído para o enfraquecimento e desvirtuamento das Forças Armadas — falo em enfraquecimento e desvirtuamento porque se empregasse o termo «prestígio» sentia-me obrigado a analisar a expressão no sentido mais complexo;

4.º — Em face dessa tomada de consciência foi aceite que uma Comissão escrevesse um projecto de carta a enviar a determinadas entidades do Governo: Presidente da República; Presidente do Conselho; Ministro da Defesa e Exército; Ministro da Educação, etc. — carta essa que seria assinada pelos capitães que desejassem.

2.ª Reunião:

1.ºA carta foi posta à consideração dos presentes na reunião anterior e de outros que estavam presentes pela primeira vez;

2.º — Fizeram-se algumas alterações, «limaram-se arestas», estabeleceram-se pormenores de ordem secundária, etc. De significativo pouco mais há a assinalar.

3ª Reunião:

1.º Debateram-se vários temas, alguns já referidos nas duas reuniões anteriores, que voluntariamente achei preferível fixar agora nesta síntese. Do que se disse julgo sublinhar o seguinte, não tendo a ordem qualquer significado:

..................

Como esta resenha ou esta síntese sobre o que se passou é uma interpretação pessoal desejava inserir nela o que entendi e como calou no fundo de mim próprio a intervenção de um dos nossos camaradas ao referir que até devíamos estar preparados para a revolução violenta quer passiva quer activa e como passados dois dias dessa intervenção, neste intervalo, tive oportunidade de ouvir e de sentir o efeito que essa intervenção teve não só ainda durante a reunião como posteriormente. Depreendendo que alguns ou muitos dos camaradas ficaram impressionados com o cariz de violência que a aludida intervenção tinha gostaria de perguntar o seguinte:

ISTO NA EUROPA.

E na África, onde dizemos estar, que se viu e que se vê?

PERGUNTO o que se chama a isto e a muito mais que a falta de tempo me tirou para poder debruçar-me com o apontamento de mais questões?

EU CHAMO A ISTO: «a verdadeira, a autêntica VIOLÊNCIA».

E depois nós militares não a contactamos em tantos lados?

No campo militar, nem é preciso enumerar, nós conhecemos os reflexos de todas as agressões e violências de carácter nacional no nosso próprio meio desde o sobrinho do Ministro que vai para a Escola Prática, é mobilizado para o Ultramar... ilude a mobilização com o ingresso na Academia Militar... reprova nesta, e entretanto já há oficiais milicianos de curso ou cursos mais recentes para serem mobilizados e depois... o protegido fica... não vem...

... Deste caso a tantos outros que acabam nos Conselhos de Administração da Diamang, da Siderurgia, do Banco X, Y ou Z...

Que a consciência de cada um de nós com estes ou outros elementos verifique se na referida coesão dos oficiais do QP são ou não válidos os que consideram isto VIOLÊNCIA!

... Nem sempre ajustamos as palavras às realidades. Uns quantos que dominam se organizam para nos desviar a atenção mais cuidada, mais profunda!

Bissau, 28 de Agosto de 1973

Nota: No fim desta reunião foi eleita a primeira comissão do Movimento de Capitães e arrancou-se decisivamente para o 25 de Abril fazendo força com os companheiros.

Essa comissão era constituída pelos capitães: Coimbra, Matos Gomes, Duran Clemente e Caetano, tendo sido este depois substituído pelo Sousa Pinto. Além destes, recordo que fizeram parte do movimento de capitães na Guiné entre outros, dos mais conhecidos, os seguintes militares dos três ramos: Otelo Saraiva de Carvalho, Salgueiro Maia, Monge, Casanova Ferreira, Varela Rubin (preso), Faria Paulino (preso), Marques Pinto (preso), Pinela (preso), Nunes Pereira (preso), Jorge Alves (preso), Pessoa Brandão, Manuel Serrano, Jorge Golias, Aragão, Faia Correia, etc.


Inclusão 24/04/2019