Elementos para a Compreensão do 25 de Novembro

Capitão Manuel Duran Clemente


VIII - A Crise de Agosto


capa
Baixe o arquivo em pdf

Das minhas intervenções no programa de rádio do MFA (5.ª Divisão/EMGFA) durante a crise de Agosto julgo oportuno recordar parte do programa especial do dia 23-8-75 transcrito no jornal «O Século» dois dias depois:

PORQUE ACONTECEU O 11 DE MARÇO E PORQUÊ A ACTUAL CRISE?

As causas poderão ser encontradas na indefinição política da maior parte dos nossos camaradas, na deficiente e, muitas vezes, distorcida informação capitalista e burguesa que é prestada, tornando-se assim presas fáceis de falsas palavras de ordem contrariando e negando a liberdade, a democracia, o socialismo. A pouca militância revolucionária, o deixa andar que alguém resolverá, a existência de um espírito de disciplina não democrática ajudaram os oportunistas a atraiçoarem os camaradas, e o que é ainda mais grave, a atraiçoarem o povo que começou a libertar-se em 25 de Abril.

Nestes momentos históricos que a Nação atravessa, às Forças Armadas revolucionárias e progressistas estão cometidas pesadas responsabilidades. Essas responsabilidades emanam das concretas aspirações do povo e as aspirações deste são coincidentes com as forças armadas progressistas, dos seus soldados, dos seus sargentos, dos seus oficiais, de todos aqueles que em comunhão defendem a única revolução possível: a nossa revolução socialista.

Até 11 de Março, assistimos à escalada sucessiva que conservadores faziam aos centros de decisão. Arregimentados por legalismo cretino, os «democráticos representantes das bases» calmamente preparavam o 11 de Março, sapando assembleias de delegados, adiando soluções, evitando responsabilidades, negando o espírito do Programa do Movimento das Forças Armadas.

Esta escalada repete-se nos dias de hoje, mais gravemente ainda, pela demagogia dos seus membros.

A nossa Revolução, como já se disse, não é uma tarefa simples. Os seus principais responsáveis têm que ser realmente responsáveis pela Revolução em aliança com o Povo Português.

RECONSTRUIR PORTUGAL MAIS LIVRE E MAIS JUSTO

A primeira obrigação de um militar em Portugal, seja soldado, seja sargento, seja oficial, seja presidente, seja ministro, seja do Conselho da Revolução — a sua primeira obrigação, neste momento, é conhecer o que significa a via socialista da Revolução— a ideologia, claramente enunciada nos verdadeiros documentos do Movimento das Forças Armadas, ontem referidos nas linhas de acção programáticas e tarefas de transição a que se dispõe o V Governo Provisório.

A mobilização do Povo Português para a independência nacional tem de sobrepor-se a todas as pseudo-condicionantes externas, quer económicas, quer geo-políticas. As fantasiosas invasões de esquadras estrangeiras não podem amedrontar nenhum português, e muito menos qualquer dos seus militares verdadeiramente revolucionários. O patriotismo de qualquer português responsável materializa a objectiva coesão Movimento das Forças Armadas - Povo/Povo - Movimento das Forças Armadas. E é exactamente nas ocasiões de pressão interna, partidária ou pessoal, de pressão externa, do capitalismo internacional ou de blocos multinacionais, é exactamente nessas ocasiões que a Revolução impõe e exige que o patriotismo aponte para uma mobilização de todos os portugueses, por forma a que sejam eles, por si só, a reconstruir o Portugal mais livre e mais justo. O Portugal verdadeiramente socialista, sem ambiguidades, a que o Movimento das Forças Armadas e o povo trabalhador se devotaram.

V GOVERNO: ACTIVIDADE EXEMPLAR

O jogo oportunista daqueles que tentam resolver os problemas nacionais nas costas do Povo Português, em jogos e golpes de gabinete, estimulados pela pressão de potências estrangeiras, vendendo a sua ambição pessoal aos interesses do capitalismo internacional — começa a ser desmascarado.

A sua actuação demagógica, tentando contrapor à realidade nacional, planos e mais planos, mistificadores de uma mesma realidade, jogando com palavras, como independência nacional ao mesmo tempo que se sujeitam e subordinam às mais descaradas pressões e exigências do capitalismo internacional, grande inimigo da Revolução Portuguesa, esta actuação contraditória desmascara o fundo das suas intenções e da sua real incapacidade para acompanhar o processo revolucionário português, porque o Povo Português e os verdadeiros revolucionários estão atentos, eles são traídos pela sua desmedida ambição.

A actividade exemplar do V Governo, que em duas semanas produziu mais que os anteriores Governos em vários meses, que se torna perigoso para a reacção, a essa actividade tenta-se contrapor e fabricar governos fantasmas, vergando a espinha às pressões e chantagens de interesses estrangeiros que pretendem controlar e dominar a evolução do processo português.

Vivemos um momento em que o patriotismo de todos os portugueses nos é posto à prova, perante a tentativa de ingerência descarada, na situação interna do nosso pequeno país.

O que se passa em Portugal desde o 25 de Abril é, para o capitalismo internacional, o tal mau exemplo. A consolidação de um regime verdadeiramente democrático e independente, neste canto da Europa, é um estímulo à luta dos povos sujeitos à exploração da social-democracia, isto é, do capitalismo.

O V Governo ataca, com decisão, o capitalismo monopolista e latifundiário através de medidas de carácter jurídico, económico, social e político, assim se estabelecendo condições favoráveis à caminhada socialista, mas que, por outro lado, estarão na base das tensões e crises que levaram à dissolução do IV Governo Provisório, bem como à agudização da actual crise política e militar. Esta crise, pontuada pelos violentos ataques verbais e até físicos, às forças progressistas e revolucionárias possibilitou um crescendo da contra-revolução e, economicamente, veio contribuir para a diluição da unidade e da autoridade revolucionária de que são sintoma as alianças paradoxais de certas forças políticas, até aqui empenhadas no processo.

CLARIFICAR A ESTRUTURA DO PODER POLÍTICO

O V Governo assumiu a missão de agir de forma unitária e não partidária, possibilitando pausa política para ultrapassagem da crise político-militar e assegurando uma firme defesa das conquistas revolucionárias, quer contra a vasta movimentação reaccionária quer contra tentativas de desestabilização do processo revolucionário português, por formas e forças capitalistas, tipo social-democrata.

Não apresentando o Governo outro programa que não seja o de concretizar e defender a Revolução, acima de compromissos e conflitos partidários, tem de lhe ser dada toda a autoridade e toda a força que dispuser a própria Revolução, não podendo, neste contexto, deixar de confundir com uma crise da própria autoridade revolucionária, qualquer sintoma de fraqueza do Governo no cumprimento do seu programa mínimo. Sem uma clarificação da estrutura do poder político, será impossível a realização das tarefas governativas e, assim, a concretização dos objectivos já assumidos pela revolução portuguesa.

Presa a compromissos concretos com o Povo Português, consubstanciados nos últimos documentos provindos do Conselho da Revolução e da Assembleia do Movimento das Forças Armadas, a vanguarda revolucionária, constituída pelos militares progressistas, pode estar certa que encontra neste V Governo o instrumento leal e devotado de realização desses compromissos. Instrumento que, todavia, terá de apoiar com o seu prestígio revolucionário e, sendo caso disso, com a madrugada de 25 de Abril que iniciou a libertação da nossa Pátria.


Inclusão 24/04/2019