O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril
Os 580 dias - Depoimentos orais e citações

Edições Dinossauro


Dormir ao relento à porta da fábrica
Maria Luisa Campina Segundo, empregada comercial, 41 anos


capa

No 25 de Abril não fui trabalhar. Queria juntar-me às manifestações mas a minha mãe tinha medo que a PIDE depois me prendesse. Só mais para a parte é que consegui sair. Havia manifestações por tudo o que era sítio.

Só passados sete meses, com a greve do comércio, é que me tornei activista e fui eleita delegada sindical. O PCP dominava o sindicato e eu tinha grandes discussões com eles, que queriam que votasse segundo os seus critérios e eu entendia que não. Votei sempre segundo aquilo que achei justo.

Estive na luta das conservas que se arrastou por um mês. O Algarve ficou paralisado. Depois havia gente que, como o sindicato era dominado pelo PC, queria furar a greve. Houve até ameaças, e comunicados jogados à porta das fábricas de carros que passavam a grande velocidade, tudo para desmotivar as pessoas... Na altura havia um grupo de intervenção cultural, o CAC. Pedimos a eles para virem cá baixo cantarem. Estiveram cá mais ou menos uma semana a apoiar a luta das conserveiras, percorrendo todo o Algarve, para impedir que saíssem conservas das fábricas. Mas a luta foi fraquejando. Chegou-se ao ponto de só haver uma ou duas pessoas na porta das fábricas, as mais combativas. Eu e mais algumas camaradas dividíamo-nos por Portimão, Ferragudo, etc., para apoiarmos as grevistas. Dormíamos ao relento com elas, à porta das fábricas. Levávamos-lhes café, bolachas, sandes, etc. Por volta das 8 horas da manhã regressava a casa, tomava um banho e às nove estava na loja.

No 25 de Novembro tivemos medo. Já havia quem tivesse preparado saquinho com pão e laranjas e posto o passaporte em dia para, se fosse preciso, fugir. Não se sabia o que aquilo ia dar, e foi uma noite de sobressalto, sempre em contacto com Lisboa.

★★★

NA HERDADE DO VALE FANADO

Na herdade do Vale Fanado
terra rica em trigo e gado
Freguesia de Albernoa
O povo era explorado
Por Mariana Vilhena
Burguesa vil e patroa

Nas terras que ela dizia
serem suas por herança
do nascer ao pôr do sol
homens, mulheres e crianças
anos e anos a fio
Passaram miséria e fome

Até que um dia o povo
de foice e punho no ar
num só grito disse não
41 trabalhadores
homens do campo e mulheres
fizeram a ocupação

Ocuparam a Herdade
com as máquinas e o gado
mostrando a essa malvada
que só tem direito à terra
quem com a enxada trabalha
quem a sua, quem a lavra

Agora os camponeses
da herdade do Vale Fanado
trabalham com alegria
nas terras que já são suas
pois o fruto do seu trabalho
já não vai p'rá burguesia

As dificuldades virão
porque os ocupantes sabem
que o governo é dos burgueses
por isso pedem apoio
a todos os seus irmãos
operários e camponeses

A Herdade do Vale Fanado
pede a todos os soldados
operários e camponeses
que se unam e organizem
com o povo de Albernoa
p ’ra tirar o poder aos burgueses

A LUTA PELA BATATA DE SEMENTE

É o camponês quem semeia a batata
Quem dobra a espinha, sacha e sulfata
Mas o dinheiro que rende
Nao é p’ra ele, é p’ra quem n’a vende

Tanto escaravelho dá na batata
Que o sulfato não chega a nada
Se mata aquele que anda na rama
Não mata aquele que mais nos trama

Tanta semente armazenada
E tanta gente a ser enganada
Nunca vi que ela faltasse
A quem bom dinheiro pagasse

Tanto escaravelho que dá na semente
E que bem trama a vida da gente
E compra-a só para ganhar
E vender a quem bem pagar

Cortar o leite, parar os comboios
Tudo serviu para a batalha
Mas o remédio mais santo
É a união de quem trabalha

Tanta semente armazenada
E tanta gente a ser enganada
A maior força para a batalha
É a união de quem trabalha.

continua>>>


Inclusão 23/11/2018