História da Filosofia

Escrito por Historiadores do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências da URSS


Capítulo I - A Filosofia Antiga


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Condições Históricas do Nascimento da Antiga Filosofia na Grécia e Roma Antigas e a Característica Geral dessa Filosofia

A Grécia é o berço da filosofia, o primeiro país em que nasceram e atingiram um alto grau de desenvolvimento suas tendências principais. A filosofia grega antiga, que serve de base a toda filosofia europeia posterior, nasceu no século VI A.C., durante o período em que se formou na Grécia a sociedade escravista de classes.

A decomposição do regime da comuna primitiva e a passagem da sociedade dessas comunas sem classe à primeira sociedade classista — à sociedade escravista — não se efetuou pacificamente, mas através de uma aguda luta de classes.

O poeta Teógnis de Megara (século VI A.C.) recomenda à classe recém-nascida dos escravistas:

"Coloca o duro pé sobre o peito do ignaro vulgo,
Com as brônzeas esporas, faça-o curvar-se sob o jugo!
Não há, sob o sol que tudo aclara no vazio mundo, um povo
Que livremente tolere as rijas rédeas dos senhores."

A população do país, anteriormente livre, opunha-se, por todas as formas, à sua escravização. A resistência do povo grego à sua sujeição está claramente expressa nos monumentos da literatura da época que chegaram aos nossos dias.

A escravidão é a forma mais desumana de exploração. O escravo é propriedade integral do escravista, uma "ferramenta animada", semelhante ao animal doméstico.

"Sob a escravidão , diz Stalin, "a lei" autorizava os escravistas a matarem os escravos."(4)

Os escravos não tinham acesso à atividade social, política e cultural. Não tinham direito algum. Todavia, esse regime da mais cruel agressão e exploração foi a base econômica do progresso da Grécia e Roma antigas. A classe dos escravistas da Grécia e Roma antigas, desembaraçando-se de extenuante trabalho físico que descarregou sobre os ombros dos escravos, pôde dedicar-se à criação das obras de filosofia, de ciência e de arte que até hoje nos despertam o entusiasmo.

A princípio, o modo de produção escravista favoreceu o desenvolvimento das forças produtivas, da técnica e da ciência.

"A escravidão criou a possibilidade de uma divisão do trabalho mais amplo entre a agricultura e a indústria, graças à qual foi possível o florescimento do mundo grego antigo.

"Sem a escravidão não teria havido o Estado grego, nem a arte e ciência gregas; sem a escravidão, tampouco teria existido Roma", disse Engels"(5).

O aparecimento da escravidão e o incremento do comércio, na Grécia e Roma antigas, contribuíram para a divisão do trabalho entre a cidade e o campo, fato que por sua vez conduziu à formação das cidades-Estados (polis). A polis grega era a organização política e econômica dos escravistas, destinada a prender e explorar os escravos e mantê-los subordinados à classe dos escravistas. Essas cidades eram também centros comerciais. A formação e crescimento das cidades gregas foi o fator que favoreceu o desenvolvimento da cultura grega. Nessas cidades nascem a indústria, os germes da ciência, da arte, da filosofia. Os comerciantes da Grécia antiga viajavam por uma série de países vizinhos (Egito, Pérsia, Síria), chegavam até à índia, estenderam sua atividade comercial a quase toda a bacia do Mediterrâneo.

A vida política da Grécia escravista se caracterizava por uma luta de classes cada vez mais encarniçada e complexa entre os escravos e seus senhores, entre os "livre-nascidos" indigentes (camponeses artesãos) e os ricos. Existia também uma luta dentro da própria classe escravista, entre a elite aristocrática e os escravistas de origem não aristocrática. O crescimento do comércio e da indústria na Grécia e em suas colônias contribuiu para aumentar o papel econômico dos grupos escravistas não aristocráticos recém-surgidos (mercadores, comerciantes, usurários). A velha aristocracia de casta opunha-se, por todos os meios, ao desenvolvimento desses novos grupos da classe dos escravistas, privando-os até de direitos políticos. Em resposta, os novos círculos escravistas, à medida que crescia seu papel econômico, manifestavam-se com mais decisão contra os aristocratas.

Assim, nos séculos VI e V A.C., abre-se uma nova época de choques agudos dentro da própria classe dos escravistas. No processo desta luta, que transcorria com êxitos variáveis para os dois bandos, adveio, em substituição aos Estados aristocráticos, o Estado democrático, característico do período do florescimento da antiga Grécia. Durante este último regime estabelece-se, de vez em quando, o Poder do tirano(6). É preciso não pensar, porém, que o triunfo da democracia significasse liberdade para toda a população grega. A democracia grega era de caráter escravista. Os escravos não tinham liberdade embora constituíssem nada menos da metade da população da Grécia; também as mulheres eram, de fato, escravas dos maridos.

A encarniçada luta que se travou na própria classe dos escravistas, entre a parte aristocrática e a democrática, repercutiu também no terreno da filosofia grega. Na antiga Grécia, como acentuou Lenin, lutavam duas linhas filosóficas: a linha do materialista Demócrito e a do idealista Platão; a primeira era defendida principalmente pelos grupos de escravistas democráticos, progressistas para aquela época; a segunda, pela aristocracia escravista.

A particularidade principal da antiga filosofia grega é que ela foi preferentemente uma filosofia materialista. A maioria esmagadora das obras filosóficas da Grécia antiga dedica-se ao estudo da natureza.

Também é verdade que, em múltiplas e variadas formas da filosofia grega se acham em embrião quase todos os tipos posteriores de concepção filosófica. Existia também na Grécia um idealismo muito desenvolvido. No entanto, o materialismo teve uma extensão e um desenvolvimento predominantes, particularmente durante o período do nascimento e florescimento da sociedade escravista grega. Esse fato se explica pelas necessidades da economia, da navegação comercial, etc., que obrigavam a classe dos escravistas a estudar a natureza, encaminhar a ciência num sentido que contribuísse para o desenvolvimento das forças produtivas, isto é, por via materialista.

"A concepção materialista do mundo — diz Engels — limita-se simplesmente a interpretar a natureza tal como é, sem nenhuma espécie de acréscimos estranhos e, por isso. essa concepção materialista era absolutamente logica e natural primitivamente entre os filósofos gregos."(7)

O antigo materialismo grego, devido ao débil e incipiente desenvolvimento das ciências naturais, tinha ainda um caráter primitivo, espontâneo. As ciências naturais daquele tempo ainda não estavam separadas da filosofia; as vezes se confundiam. É verdade também que, na etapa posterior do seu desenvolvimento, observa-se já na Grécia e Roma antigas certa diferenciação nas ciências. Já se distinguem a matemática (Euclides), a mecânica (Arquimedes), a astronomia (Eratóstenes, Ptolomeu), a medicina (Hipócrates, Galeno); o engenheiro romano Vitrúvio estabelece os primeiros fundamentos científicos da arte da construção.

Em geral, porém, na Grécia e Roma antigas, só existiam os germes dos conhecimentos científicos, ainda não diferenciados da filosofia. Em sua maioria, os filósofos gregos eram, ao mesmo tempo, astrônomos, matemáticos, físicos, etc. A experimentação científica não ocupava então lugar importante. Devido ao débil desenvolvimento da técnica e ao menosprezo pelo trabalho físico, os filósofos naturalistas gregos assentavam suas conclusões sobre conjecturas que, não raro, tinham um caráter ingênuo. Embora muitas dessas conjecturas fossem geniais e posteriormente confirmadas pelas experiências científicas.

A segunda particularidade histórica da filosofia da antiga Grécia consiste em seu caráter dialético. Os antigos filósofos gregos, diz Engels no "Anti-Dühring", eram todos dialéticos inatos. Souberam descobrir a mutabilidade constante na natureza, o incessante nascimento e caducidade das coisas, tentaram explicar historicamente os fenômenos da natureza.

Mas ao mesmo tempo, Engels destaca que a dialética dos antigos filósofos gregos ainda era espontânea, não científica. Não se baseava nas ciências naturais e sociais. Os gregos conjecturavam sobre o desenvolvimento dialético do mundo, viam o movimento e a mutação ininterrupta da natureza, mas não souberam provar cientificamente essa observação. Os antigos filósofos gregos compreenderam de uma maneira justa o panorama dialético geral do mundo, porém, devido ao pequeno desenvolvimento da ciência e da técnica, não foram capazes de interpretar suas diversas particularidades, nem de demonstrar como, baseados em que leis, efetuavam-se esse movimento e essa evolução. Focalizavam a natureza como um todo íntegro, pois não sabiam ainda efetuar sua desintegração e análise.

Isso foi mais tarde realizado pela filosofia durante os séculos XVII e XVIII de nossa era. Nesta época, os sábios e filósofos aprofundaram mais o estudo das diferentes partes da natureza, das diferentes coisas. Então, porém, semelhantemente, cometeram um grande erro. Deixaram de perceber a ligação que existe entre as coisas da natureza, deixaram de perceber a evolução e a mutação da natureza e converteram-se em metafísicos.

Também entre os antigos filósofos gregos havia metafísica. Mas em geral o materialismo grego tinha um caráter dialético espontâneo. Engels explica esse fato da seguinte maneira:

"Quando examinamos com o pensamento a natureza ou a história humana, ou nossa própria atividade espiritual, a primeira coisa que surge ante nós é o quadro de um complexo infinito de conjunções e ações mútuas, no qual nada permanece imóvel e sem modificar-se, mas tudo está movendo-se, transformando-se, nascendo e desaparecendo. Vemos, pois, primeiramente, um quadro geral cujas particularidades desaparecem em grau maior ou menor; prestamos mais atenção ao curso do movimento, às transformações e concatenações, do que àquilo que precisamente se move, se transforma ou se concatena. Essa concepção do mundo, primitiva, simplista, porém no fundo exata, era inerente à filosofia da antiga Grécia e, foi pela primeira vez expressa por Heráclito: tudo existe e ao mesmo tempo nada existe, posto que tudo flui, tudo muda incessantemente, tudo se acha num processo constante de nascimento e desaparecimento. Embora esta concepção abarque, de uma maneira exata, o caráter geral do quadro dos fenômenos, ela não é suficiente, contudo, para explicar as particularidades que o integram; enquanto não se conhecerem suas particularidades tampouco tornar-se-á claro "o quadro geral."(8)

Na dialética antiga,

"a conexão geral dos fenômenos no mundo não se comprova nos pormenores: para os gregos é o resultado da intuição imediata. E nisto consiste a insuficiência da filosofia grega, insuficiência que a fez posteriormente ceder o lugar a outra classe de concepções filosóficas do mundo. Mas nisto simultaneamente radica-se a sua superioridade sobre todas as suas posteriores rivais metafísicas. Se a metafísica tem razão relativamente aos gregos, nos pormenores, os gregos, de seu lado, têm razão relativamente à metafísica em sua visão de conjunto."(9)

Os Primeiros Materialistas da Grécia Antiga e a Germinação do Idealismo
A Filosofia Naturalista de Mileto

A escola filosófica mileteana (Tales, Anaximandro, Anaxímenes), existiu no século VI A.C.

A cidade de Mileto, no litoral jônico da Ásia Menor, foi naquela época um dos maiores centros comerciais e industriais da Grécia e servia de intermediária no comércio entre a Grécia, a Pérsia, o Egito e o litoral do mar Negro. Foi também em Mileto, cidade muito desenvolvida e florescente, que nasceu a filosofia materialista grega.

Tales foi o fundador da escola filosófica mileteana. Viveu nos fins do seculo VII e no princípio do século VI A.C. Com razão ele é considerado o pai da ciência e da filosofia gregas.

Tales, tendo em conta a época em que viveu, era um homem instruído sob todos os aspectos. Sendo comerciante, foi simultaneamente, político, filósofo, astrônomo, matemático, etc. Em suas viagens comerciais, conheceu a cultura e a ciência egípcias e babilônicas. Tales predisse um eclipse solar, fenômeno que explicou afirmando que era resultante da interposição da lua entre o sol e a terra. Ensinou que a luz da lua era apenas a luz solar refletida. Calculou a duração do movimento anual do sol em 365 dias. Descobriu a constelação do Carro (Ursa Menor). Segundo contam, soube predizer cientificamente o tempo. Cultivava também a geometria e particularmente o problema da igualdade dos ângulos e triângulos; sabia determinar a altura dos objetos pela sombra.

Tales considerava a água como o princípio, o elemento primordial de tudo o que existia. Da água, em sua opinião, formavam-se todos os objetos, que em água tornavam a converter-se. Sendo o princípio e o fundamento material de todas as substâncias, a água não era criada por ninguém e jamais perecia. Mas a água muda constantemente de estado, transformando-se em diversas substâncias diferentes. Ao negar a criação da natureza e do homem pelos deuses, Tales abalou os alicerces da religião grega.

Contudo, não pôde vencer por completo a religião. Dizia que o mundo era animado, que o ímã tinha alma, graças à qual atraia o ferro. Porém os deuses de Tales desempenham um papel muito insignificante, uma vez que ele considera a natureza eterna e não criada. A consciência é inerente à própria natureza e não é trazida de fora. A natureza inorgânica, segundo Tales, possui também uma consciência.

Anaximandro (por volta dos anos 610-546 A.C.), discípulo de Tales, considerava como princípio primário de tudo o que existia o "apeyron", uma matéria indefinida, sem forma. Esta matéria indefinida servia para separar os contrastes, o calor e o frio, graças aos quais se formaram as diferentes substâncias do mundo. Da ação mútua do calor e do frio formou-se primitivamente a água. A decomposição da água deu lugar ao aparecimento do fogo, do ar e da terra. As diversas e múltiplas coisas que surgiram do "apeyron" tornam a converter-se nele mais tarde, e em seu lugar surgem outras coisas. Anaximandro considerava esse movimento perpétuo da matéria um fenômeno necessário e seu processo sujeito a certas leis. O mundo, segundo ele, achava-se num estado constante de transformação devido à luta dos contrastes contidos no "apeyron". Anaximandro concebia a natureza como um processo dialético espontâneo. Reconhecia a existência de uma multidão infinita de mundos, que se formavam, por via natural do "apeyron" eterno. Esses mundos, com o correr do tempo, morrem e em seu lugar nascem outros novos. Embora Anaximandro não negasse a existência dos deuses, esses, na sua opinião, não tomavam parte na formação e destruição dos mundos.

Anaximandro enunciava de forma simplista os germes da concepção evolucionista da natureza. Dizia que os animais se originavam da água e que o homem provinha do peixe. Foi um grande inventor; confeccionava relógios solares; foi o primeiro a traçar um mapa geográfico, etc.

Anaxímenes (meados do século VI A.C.) foi discípulo de Anaximandro. Anaxímenes regressa novamente da matéria abstrata de Anaximandro à forma concreta da matéria, considerando o ar como seu fundamento primário. Segundo ele, todas as coisas proveem do ar perpetuamente em movimento e em ar tornam a converter-se. O ar excitado converte-se em fogo; o ar condensado, em vento, nuvem, água, ferro, pedras. O ar se condensa, conforme a opinião de Anaxímenes, devido ao frio e se dilata pela ação do calor. Anaxímenes, sem negar diretamente a existência dos deuses, representava-os como seres materiais, afirmando que também eles se originavam do ar.

Anaxímenes considerava o céu como uma abóboda de cristal à qual as estrelas estavam presas. Essa abóboda celeste, de forma cilíndrica, cobre a terra. Entre o céu e a terra flutuam no ar o sol, a lua e os planetas, os quais se diferenciam das estrelas porque estas não têm um movimento próprio, visto estarem coladas à abóboda celeste, com a qual se movem. Anaxímenes explicava o eclipse do sol e da lua de uma forma ingênua, dizendo que o sol e a lua tinham um lado escuro e o outro luminoso, de forma que, quando voltavam o lado escuro para a terra, produzia-se o eclipse.

A filosofia dos mileteanos tem, incontestavelmente, caráter materialista, uma vez que considera fundamento do mundo um princípio material eterno, que ninguém criou; ela interpreta a natureza e suas leis pela observação da própria natureza, combatendo as interpretações mitológicas do mundo. Para eles a base do mundo é uma matéria concreta: a água, o ar. Os mileteanos eram dialéticos espontâneos, concebendo todo o mundo em movimento, em conexão mútua, em transformação recíproca.

O defeito principal dos filósofos mileteanos foi o de não terem sabido explicar a causa do movimento das coisas, a causa das transformações que se dão no mundo. Mais próximo da verdade que os mileteanos, esteve um dos maiores filósofos da Grécia jônica: Heráclito.

Heráclito

Heráclito, oriundo da cidade de Éfeso, na Ásia Menor, viveu nos fins do século VI e no princípio do V A.C. Pertencia à família real que foi despojada do Poder e desterrada de Éfeso. Foi o maior filósofo materialista e o representante mais notável da dialética grega. Exerceu grande influência no desenvolvimento da filosofia, não somente na Grécia, mas também na filosofia posterior. Hegel, por exemplo, escrevia:

"Não existe uma única conclusão de Heráclito que eu não tenha adotado na minha "lógica"(10).

Até nossos dias chegaram cerca de 130 fragmentos dos trabalhos filosóficos do pensador de Éfeso, os quais foram tirados das obras de diversos filósofos antigos que o citam, as quais foram conservadas.

Heráclito, semelhantemente aos mileteanos, considerava o fogo como base primordial e fundamento de toda substância material concreta.

"O mundo, diz, forma uma unidade por si mesmo, e não foi criado por qualquer deus ou homem, mas foi, é e será eternamente um fogo vivo que se acende e se apaga segundo certas leis"(11).

Essas palavras de Heráclito, assinala Lenin, são uma

"excelente definição dos princípios do materialismo dialético".

Heráclito considerava todos os fenômenos e coisas do mundo como um fogo de diversos aspectos.

"Tudo se converte em fogo e o fogo em tudo, da mesma forma que o ouro se troca por mercadorias e as mercadorias por ouro".

Também a atividade psíquica dos homens era considerada por ele como uma das manifestações do fogo.

Atribui-se a Heráclito a fórmula:

"Tudo flui e tudo se transforma".

Nos fragmentos que nos chegaram às mãos, Heráclito desenvolve este pensamento:

"Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio nem se pode surpreender duas vezes a natureza inanimada num mesmo estado, uma vez que novas e novas águas fluem constantemente para o rio, isto é, que a natureza se acha em constante mutação"(12).

Ou então:

"O sol não só é novo cada dia como se renova eterna e ininterruptamente".

Por mutabilidade universal das coisas, Heráclito entendia sua constante transformação em seu contrário.

"O fogo vive graças à morte da terra e o ar graças à morte do fogo; a água vive graças à morte do ar e a terra graças à da água", escreve Heráclito.

O enorme mérito histórico de Heráclito, na opinião de Lenin, consiste em que ele soube descobrir a causa das transformações da natureza. Esta causa é, segundo o filósofo de Éfeso, a contradição interna, a divisão de cada coisa em dois elementos opostos, e a luta que se estabelece entre esses elementos.

"Tudo acontece em consequência da luta", diz Heráclito.

A luta dos contrários é, segundo Heráclito, a causa não só da evolução da natureza, mas também da evolução social.

"A guerra é o pai e o rei de tudo", afirma Heráclito, "a alguns fez deuses, a outros, homens; uns fez escravos, outros, homens livres".

Qualquer fenômeno, qualquer substância, segundo ele, contém princípios opostos que lutar entre si e que, ao mesmo tempo, formam unidade.

"O mesmo ser é vivo e morto, está acordado e dormindo, é jovem e velho..."

Achando-se os contrários em estado de luta permanente, transformam-se um no outro:

"o frio se aquece, o calor esfria; a umidade seca; e o seco se umedece".

Heráclito negava a reconciliação desses contrastes considerando que o mundo material existe e se desenvolve só devido à força dessa luta. Este pensamento é por ele expresso claramente:

"É preciso saber que a guerra é universal e justa; que tudo acontece em consequência de luta e daí sua necessidade".

Heráclito denominava "logos" à sujeição do desenvolvimento do mundo, às leis e a necessidade. Precisamente no sentido da lei que rege o desenvolvimento universal, fala do "logos que tudo governa" e diz que "tudo se realiza condicionado pelo logos", ou seja de acordo com a lei.

Heráclito, pois, considerava a evolução da natureza resultante das contradições internas que nela se encontram, como uma evolução necessária, sujeita à uma lei inerente à própria matéria e não imposta do exterior por um deus. Para ele os próprios homens estão sujeitos à essa necessidade, à essa lei.

"Quando nascem, desejam (os homens — RED.) viver e, com isso, morrer, então se consolam, deixando filhos nascidos para morrer".

Não só as diferentes substâncias, mas também o universo, transforma-se constantemente, declarou Heráclito.

Assim, Heráclito aproximou-se do princípio dialético da geração e da morte.

Heráclito afirma que a finalidade do saber consiste no estudo da própria natureza:

"pensar é dignificante, e a sabedoria consiste em dizer a verdade e, ouvindo a natureza, proceder de acordo com ela".

Heráclito concede um grande papel aos órgãos sensoriais na função do pensamento:

"Prefiro o que se pode ver, ouvir e estudar".

Mas exige, ao mesmo tempo, que o pensamento não se detenha no testemunho dos sentidos, porém que o reelabore e comprove.

Em suas opiniões sociais, em compensação, Heráclito foi idealista e reacionário. Segundo ele, toda manifestação revolucionária do povo deve ser esmagada sem piedade. Sendo partidário da aristocracia escravista, mantinha uma atitude de desprezo em relação ao povo, à "multidão". Foi adversário furioso da democracia escravista triunfante na sua cidade natal, Éfeso. Assim, pois, as concepções político-sociais reacionárias de Heráclito, entraram em contradição com sua dialética revolucionária.

Heráclito, ao mesmo tempo que se manifestava contra a teoria da criação da natureza pelos deuses e proclamava a independência da natureza em relação aos deuses, não se tinha emancipado completamente da religião, pois referia-se a deuses e demônios. Ao mesmo tempo, porém, condenava claramente a adoração de divindades existentes entre os gregos.

"Em vão procuram, tintos de sangue, limpar-se por meio de sacrifícios, como se alguém pudesse enxugar-se atirando-se ao barro. A pessoa que procede assim devia ser tida por louca. Ficam orando essas estátuas, como se quisessem conversar com casas; não sabem distinguir os deuses e os heróis".

O materialismo e a dialética de Heráclito, como os dos mileteanos, apesar da sua profundeza, tinha um caráter espontâneo, simplista; não passava de conjecturas sem confirmação científica. Nas condições do seu tempo não teriam podido chegar ao materialismo dialético.

Os representantes da escola pitagórica e da eleática foram adversários decididos da dialética de Heráclito.

A Escola Pitagórica

A filosofia de Pitágoras empreendeu os primeiros passos do materialismo para o idealismo. Pitágoras, fundador dessa escola, viveu no século VI A.C. Parece que ele não escrevia pessoalmente suas obras filosóficas, limitava-se à prédica verbal das próprias concepções. A doutrina autêntica de Pitágoras está conturbada por uma série de lendas inventadas posteriormente por seus discípulos, que o consideravam um "homem-deus", capaz de realizar milagres.

Pitágoras nasceu e viveu durante muito tempo na ilha de Samos. Quando, em consequência dum movimento revolucionário, foi ali derrubado o poder da aristocracia, e implantado o regime democrático, Pitágoras viu-se obrigado a fugir e fixou residência na cidade de Crotona (sul da Itália). Nessa cidade fundou uma original organização política e filosófica da aristocracia: a União Pitagórica. Numa série de outras regiões da Grécia formaram-se depois secções dessa União. Sua finalidade era a luta pelo Poder, contra a democracia. Mas também em Crotona rebentou uma revolução contra o partido aristocrático Pitagórico, e seu fundador viu-se, portanto, obrigado a fugir dali, morrendo no desterro.

Pitágoras, baseando-se no fato das substâncias poderem ser matematicamente calculadas e medidas, estabeleceu como fundamento de tudo o que existe, não um princípio sensorial, material, como tinham feito os filósofos mileteanos e Heráclito, mas o número, a abstração quantitativa, sem qualquer fundo material. Conhecer as coisas e o mundo supõe, conforme pensavam os pitagóricos, conhecer os números, cujas leis regem o mundo.

Os pitagóricos punham o número como fundamento do mundo, porque todos os corpos estão delimitados por superfícies, as superfícies por linhas, as linhas por pontos. Partindo dessa base, reduziram a essência das substâncias a número de pontos, número ao qual consideravam como o princípio das coisas. Ao tomar o número como o princípio primário de todas as coisas, afastaram-se do materialismo, aproximando-se do idealismo. Esta corrente idealista foi ainda mais acentuada pelos discípulos de Pitágoras, os quais começaram a abordar os números de uma maneira mística, divinizando-os. O número dez, por exemplo, era considerado por eles, divino e perfeito.

O mérito histórico dos pitagóricos provém de que, "pela primeira vez emitem o pensamento sobre as leis a que está sujeito o universo"(13), sob a forma de relações numéricas. Os pitagóricos descobriram a existência dos aspectos quantitativos no mundo, as relações numéricos entre as coisas. Contudo separam esse aspecto quantitativo da variada forma qualitativa das coisas, reduzindo todo o mundo a um número simples e abstrato. Estenderam a mística dos números a todo o universo. Ao redor do fogo, que serve de centro, segundo a opinião dos pitagóricos, giram dez esferas ou planetas. Em seu movimento cada uma delas emite um som de tonalidade especial de acordo com a grandeza da esfera e a velocidade do seu movimento. A ressonância das dez esferas em movimento tem um caráter musical, harmônico, que entretanto, por estarmos acostumados a ela, não ouvimos, como o ferreiro não percebe o golpe do martelo.

O centro do universo, segundo a doutrina dos pitagóricos não é a terra e sim o fogo. Dessa forma, a concepção pitagórica do universo, apesar do seu caráter fantástico, dá um passo para o sistema heliocêntrico do mundo(14). A existência da harmonia das esferas fala, segundo o pensamento dos pitagóricos, da presença de uma ordem mundial, de uma lei que a rege, condicionada pela harmonia dos números. Tudo no mundo acha-se submetido à lei numérica, incluindo a própria vida social. Qualquer luta de contrastes é, segundo o ponto de vista dos pitagóricos, uma desordem, uma violação do equilíbrio, e portanto não deve existir.

Também é verdade que, na doutrina dos pitagóricos, há elementos de dialética. Eles afirmavam que a base de todos os números era a unidade, por ela conter propriedades antagônicas dos números pares e impares. Ao ajuntar uma unidade ao número par obtém-se um número impar (2 mais 1 são 3), e juntando a unidade ao número ímpar obtém-se o número par (3 mais 1 são 4). Reconheciam a existência do contraste: o limitado e o ilimitado, ímpar e par, unidade e multiplicidade, direita e esquerda, masculino e feminino, repouso e movimento, reta e curva, luz e escuridão, bem e mal, quadrado e paralelogramo. Mas, contrariamente a Heráclito, esses contrastes, na opinião dos pitagóricos, são de caráter externo: acham-se só frente a frente, sem lutar entre si e sem transformar-se um no outro.

Na doutrina dos pitagóricos há elementos sobre o caráter materialista na alma. Consideravam, por exemplo, que a alma era um fragmento de éter, o qual, por sua vez, se compunha de poeira solar. Lenin considerava essa afirmação dos pitagóricos uma alusão à estrutura atômica da matéria. Porém Lenin acentua, ao mesmo tempo, que, na doutrina dos pitagóricos, no que se refere à alma, há

"ligação entre os germes do pensamento científico e fantasias religiosas e mitológicas"(15).

Sua mística residia no fato de considerarem a alma imortal e acreditarem na sua transmigração de um a outro corpo.

Os pitagóricos foram ardentes defensores da religião. A propaganda religiosa e a severa prática das cerimônias religiosas estavam entre as principais obrigações dos membros da União Pitagórica.

Assim começavam os pitagóricos a abrir, na filosofia, o caminho ao idealismo.

Pitágoras e seus discípulos, porém, desempenharam ao mesma tempo um papel considerável no desenvolvimento da ciência, especialmente das matemáticas. Basta recordar o famoso teorema de Pitágoras: num triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Outro de seus teoremas é o que afirma que a soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois ângulos retos. Os pitagóricos estudaram o cubo e outras figuras geométricas. Parece que muitas conclusões geométricas de Euclides foram copiadas dos pitagóricos. A estes correspondem também o mérito da descoberta dos números quadrados, da proporção, da média aritmética, da tabela de multiplicação.

Os Eleáticos

O passo seguinte do materialismo para o idealismo, e da dialética para a metafísica, foi dado pelos filósofos eleáticos ou eleatas. Essa escola tirou seu nome da cidade — colônia de Eléa (sul da Itália) de onde provinha a maior parte de seus pensadores.

Xenófanes da Ásia Menor (por volta de 590-480 A.C.), Parmênides (nascido por volta do ano 500 A.C.) e Zenon (500 A.C.) de Eléa, foram os representantes principais da escola eleática. Os dois últimos pertenceram inicialmente à União Pitagórica. Todos eles foram adeptos da aristocracia escravista e, por consequência, perseguidos pelos círculos democráticos. Zenon, por exemplo, segundo alguns testemunhos, foi condenado por organizar um "complot" contra o regime democrático de Eléa.

Também na filosofia, os eleáticos revelam seu espírito conservador, pregando a falta de contrastes e de mobilidade em tudo o que existe.

Os eleáticos, adversários dos filósofos mileteanos e de Heráclito, consideravam como princípio básico do mundo, não a matéria concreta, perceptível, mas um ser único, indivisível, imutável, imóvel e de uma só espécie.

Parmênides assim definia o ser:

"Não tem nascimento nem destruição; é um todo

De uma espécie única, imóvel e sem limites".

Os eleáticos achavam que o ser possuía a forma de uma esfera perfeita, inteiramente redonda, e isto, segundo eles, servia para demonstrar que o ser era perfeito, homogêneo, sem princípio nem fim. Negando a existência do espaço vazio, os eleáticos tiravam a conclusão errônea de que o movimento era impossível.

Negavam o caráter sensível do ser; achavam que o ser só era perceptível para a razão pura, ideia que servia de base à sua interpretação idealista. Porém, ao mesmo tempo, recusando a possibilidade da criação do ser e falando da sua forma perfeitamente esférica, reconheciam-lhe o caráter material. Os eleáticos, pois, na sua teoria do ser, ocuparam uma posição intermediária entre o materialismo e o idealismo.

Na defesa da sua teoria da imobilidade do ser, Zenon fez reluzir uma série de "aporias" (raciocínios), que chegavam a contradições insuperáveis para servir de "refutação" à realidade do movimento. Por exemplo, na aporia "Dicotomia" (a divisão em dois), "demonstra" a impossibilidade do movimento da seguinte maneira: Antes de chegar a um determinado ponto, um objeto deve, primeiramente, atravessar a metade do caminho. Contudo, para chegar à metade do caminho, deve, antes, ultrapassar a quarta parte do caminho e assim por diante até o infinito (uma oitava parte, 1/16, 1/32, etc.). Quer dizer, conclui Zenon, que o objeto jamais começa o movimento, pois disso o impede a divisibilidade infinita do caminho que tem de percorrer.

Em sua segunda aporia, "Aquiles e a tartaruga"(16), Zenon procura "demonstrar" que Aquiles, apesar dos pés alados, jamais, poderia, no entanto, alcançar uma tartaruga. Suponhamos que Aquiles se acha cem passos atrás da tartaruga e que corre a uma velocidade dez vezes maior que a do animal. Quando Aquiles tiver percorrido os cem passos que o separam da tartaruga, ela, por sua vez, terá avançado dez passos. Quando Aquiles tiver percorrido estes dez passos, a tartaruga, por sua vez, terá andado mais um passo. O tempo que Aquiles empregar para percorrer este passo, a tartaruga usará para avançar uma décima parte do passo e assim sucessivamente. A distância entre Aquiles e a tartaruga diminuirá cada vez mais. Todavia, existirá sempre entre eles alguma distância e, por conseguinte, Aquiles jamais poderá alcançar a tartaruga.

Na aporia "a flecha em voo", Zenon trata também de "demonstrar" a irrealidade do movimento. Na sua opinião, a flecha disparada ocupa, em cada instante, um ponto determinado no espaço e, nesse instante, é como se estivesse parada nesse ponto. Quer dizer, sentencia Zenon, o movimento da flecha compõe-se da soma dos seus pontos de repouso. Isto é uma contradição e portanto Zenon declara impossível o movimento.

Zenon, adversário de toda a contradição, negava-se a reconhecer o caráter contraditório do movimento. Entretanto, o movimento é realmente contraditório, pois o corpo em deslocamento acha-se, em cada instante, em um ponto determinado do espaço por não ter passado ainda a outro ponto e, contudo, não se acha no ponto determinado porque já passou ao outro ponto. Zenon, ao contrário, raciocina metafisicamente, ao afirmar que o corpo em cada fragmento de tempo tem de achar-se só num ponto determinado e em nenhum outro, o que consequentemente o leva a afirmar a impossibilidade do movimento em geral.

Segundo conta a lenda, o filósofo Diógenes de Sinope, refutou o raciocínio de Zenon sobre a irrealidade do movimento, levantando-se em silêncio e começando a andar para trás e para diante. Não obstante, Zenon tampouco negava que o testemunho dos sentidos fala da existência do movimento; apenas considerava que esse movimento não podia ser traduzido em ideias lógicas, em raciocínio, porque achava que o testemunho dos sentidos sobre a existência do movimento não era verdadeiro, mas ilusório. Os eleáticos consideravam inverídico, falso, o mundo das múltiplas e variadas coisas mutáveis, sensorialmente perceptíveis; só o ser imóvel e imutável era verdadeiro. Também neste problema os eleáticos são metafísicos, ao declarar que o movimento não é verdadeiro, mas apenas aparente.

Não obstante seus erros, os eleáticos contam, conforme assinala Lenin, com o mérito histórico de ter realizado a primeira tentativa de descobrir o caráter contraditório do movimento e de levantar o problema da necessidade de expressar o movimento em ideias lógicas.

Os eleáticos contam também com uma série de realizações positivas. Xenófanes, por exemplo, embora chame de deus ao mundo, manifesta-se ao mesmo tempo contrário às crenças religiosas.

Xenófanes emite a opinião de que os homens atribuem aos deuses sua própria natureza. Os etíopes imaginam seus deuses chatos e negros; os tracianos, consideram-nos vermelhos de olhos azuis. Se os animais tivessem mãos e pudessem criar imagens de deuses, fá-las-iam à sua imagem e semelhança. Lenin gostou muito dessa obervação de Xenófanes, no fundo até, ia sobre a origem terrena da religião.

Os eleáticos, como os demais filósofos gregos, não puderam deixar de perceber a dialética da natureza. Mas, em vez de reconhecer caráter real dessa dialética; declararam ilusórios, inverossímeis, o movimento e as contradições. Eis porque Hegel, com toda a razão, os denomina "dialéticos negativistas"; nesse sentido, a filosofia dos eleáticos perdeu para a filosofia dialética de Heráclito.

Contra a doutrina eleática do ser único, imóvel, manifestaram-se os materialistas Anaxágoras, Empédocles e Demócrito.

A Luta Entre o Materialismo e o Idealismo Durante o Período do Florescimento da Grécia Escravista

O materialismo dos filósofos mileteanos e de Heráclito surgiu no século VI A.C., quando a sociedade escravista estava em formação na Grécia. Em compensação o materialismo dos filósofos posteriores — Anaxágoras, Empédocles, Leucipo e Demócrito — desenvolveu-se no século V A.C., quando a sociedade escravista grega já estava formada e atravessava o seu período de maior desenvolvimento. Naquele tempo Atenas desempenhava o papel político básico. As cidades-Estados gregas, sob a direção de Atenas, tinham conseguido um triunfo decisivo sabre os persas que tentaram dominar a Grécia. Os dramaturgos mais famosos da Grécia, Esquilo, Sófocles, Aristófanes; os escultores Policleto, Fídias, Praxíteles e outros, criaram então as obras universalmente conhecidas que ainda em nosso tempo provocam admiração.

Nos fins do século V A.C., durante a década de 30, teve lugar na Grécia a chamada guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta. Esta guerra foi, no fundo, uma luta entre os escravistas democratas atenienses e a nobreza de origem que governava em Esparta e outras cidades que se lhe uniram. O regime aristocrático de Esparta encontrou também apoio entre a aristocracia de origem da própria Atenas. Os aristocratas atenienses, relegados a segundo plano pelo regime democrático triunfante, organizaram, em união com Esparta, toda espécie de intrigas contra a democracia ateniense. Esta luta que crescia constantemente, entre os aristocratas e os democratas, dividiu também os filósofos em dois campos: os filósofos idealistas de Atenas, Sócrates e Platão, simpatizavam abertamente com os espartanos, com a aristocracia, enquanto que os materialistas atenienses foram adeptos da democracia escravista, então no governo.

Também o materialista mais notável da antiguidade, Demócrito, fundador da doutrina atômica da matéria, foi partidário da democracia.

As condições para o materialismo atomista de Demócrito foram criadas pelas doutrinas de seus predecessores — Anaxágoras e Empédocles —, que deram os primeiros passos da dialética espontânea dos mileteanos e de Heráclito para o materialismo mecanicista, que se desenvolveu plenamente nos séculos XVII e XVIII de nossa era.

Anaxágoras

Anaxágoras (500-428 A.C.) viveu e lecionou em Atenas. Foi íntimo do chefe da democracia ateniense Péricles, que governou Atenas nos seus anos de maior progresso. Anaxágoras, ao contrário dos filósofos mileteanos, achava que o fundamento do mundo não era um elemento primário material único. Concebia a matéria como uma multidão infinita de múltiplas e diversas pequenas partículas, às quais chamava "sementes das coisas" (homo emerias). Na sua opinião, cada uma dessas partículas representa uma cópia pequeníssima das substâncias respectivas.

Em cada substância, na doutrina de Anaxágoras, acham-se partículas de natureza diferente, porém em número menor, e, por isso, desempenha um papel secundário na substância. Quando, porém, essas partículas de natureza diferente, começam a predominar na substância, esta converte-se em outra. A neve branca, por exemplo, converte-se na água turva, devido a terem aumentado nela as partículas turvas e do líquido diminuído as partículas brancas sólidas.

Anaxágoras foi o primeiro que concebeu a matéria como infinitamente divisível, composta de uma quantidade infinita de elementos qualitativamente variados. Mas deu simultaneamente um passo para a concepção mecanicista da matéria, considerando-lhe os elementos imutáveis e a substância a simples soma desses elementos.

O germe do mecanicismo na doutrina de Anaxágoras provém de que a causa do movimento das partículas, segundo ele, a causa da formação das substâncias durante o processo do movimento, deve-se a um primeiro impulso exterior engendrado pela "inteligência" ou pelo "nous", como ele a chama. A "inteligência" provocou um movimento circular das partículas e favoreceu sua diferenciação qualitativa. Separou o seco do molhado; o frio do quente; o rarefeito do compacto; as trevas da luz, etc. O seco, o quente e o rarefeito se elevavam; o úmido, o frio e o escuro convertiam-se em ar.

Segundo Anaxágoras, o papel da "inteligência" é limitado. Ela não é criadora da matéria. Ninguém criou a matéria que existe eternamente. A "inteligência" de Anaxágoras é um pouco semelhante ao "logus" de Heráclito. Tanto aquela, como este, são considerados por eles uma necessidade, uma lei, uma ordem. Apenas o "logus" de Heráclito é uma propriedade intrínseca da primeira matéria, o fogo, enquanto que a "inteligência" de Anaxágoras é uma força externa, separada da matéria; com isto abriu-se de certa forma o acesso ao idealismo. Anaxágoras, porém, concebe a própria "inteligência" como uma coisa material, como uma substância mais sutil e mais fina.

Anaxágoras foi acusado de ateísmo por seus contemporâneos, por considerar os corpos celestes, especialmente o sol, não uma divindade, mas apenas uma massa de pedras incandescentes. Foi condenado à morte por "blasfêmia", tendo em seguida, a pena sido comutada para desterro.

Outro filósofo materialista grego que deu também os primeiros passos para o mecanicismo e a metafísica foi Empédocles, contemporâneo de Anaxágoras.

Empédocles

Nasceu e viveu na cidade grega de Agrigento (sul da Itália), aproximadamente desde o ano de 483 até 423 A.C.). Empédocles, segundo testemunhos chegados até nossos dias, desempenhou um grande papel político nos círculos democráticos. Sobre sua vida formaram-se muitas lendas; dizem que se considerava oráculo e dedicava-se a fazer profecias; que acreditava na transmigração das almas, etc. Segundo outra lenda, Empédocles terminou seus dias com o suicídio, precipitando-se no vulcão Etna.

Empédocles era filósofo, poeta, médico, físico e um dos melhores oradores gregos. Considerava como princípios básicos do mundo quatro elementos materiais: o fogo, o ar, a água e a terra. Todas as coisas se formam dessas quatro "raízes". Os germes do mecanicismo e da metafísica na sua doutrina estão no fato dele considerar cada substância uma simples união quantitativa desses quatro elementos imutáveis. A formação das diversas substâncias para ele, deve-se às diversas uniões proporcionais desses elementos. Se, a juízo de Heráclito, as coisas nascem por causa de suas contradições internas, para Empédocles, os próprios elementos materiais são passivos. Há duas forças externas que põem esses elementos em movimento: o amor e o ódio. O amor favorece a união e a formação da substância, o ódio separa-as e lhes provoca a destruição.

Empédocles, ao contrário dos eleáticos, reconhecia a realidade do movimento, o qual considerava como eternamente existente. Mas abordou seu estudo de forma mecanicista, reconhecendo uma única forma de movimento; o deslocamento do corpo no espaço. Considera tudo, no processo universal, como um movimento dentro de um círculo fechado no qual constantemente se repetem os diversos períodos de desenvolvimento. Empédocles explicava o desenvolvimento e a morte do mundo pelo domínio alternativo do amor e do ódio.

Sua teoria da formação dos organismos tem grande interesse. Durante o primeiro período, para ele, os diversos membros do organismo viviam independentemente, isolados uns dos outros.

"Assim nasceu uma multidão de cabeças sem pescoço, vagavam braços soltos que não tinham ombros; moviam-se olhos sem órbitas".

Durante o segundo período, essas partes do organismo, mutuamente atraídas pelo amor, uniram-se de qualquer forma e formaram-se os monstros.

"Apareceu uma multidão de criaturas com duplo rosto e duplo peito. Nasceram touros com cabeças de homem e, vice-versa, homens com cabeça de touro".

Os monstros não tinham aptidão para a vida e, em consequência do ódio, pereceram, nascendo em seu lugar novos seres. Empédocles chama-os "seres da natureza pura"; eles ainda não tinham divisão de sexo. Por último, no quarto período, surgem a vegetação, os animais e os homens do tipo atual, que nascem pela procriação sexual.

Desta forma ingênua e fantástica, Empédocles enuncia, pois, o pensamento sobre a sobrevivência dos seres de maior adaptação e o desaparecimento dos inaptos. Nesta doutrina já existe alguma alusão à seleção natural, teoria que muito mais tarde foi cientificamente demonstrada por Darwin.

Demócrito

O maior materialista do mundo antigo foi Demócrito.

Nasceu em Abdera (Trácia), por volta do ano 470 A.C. e viveu muitos anos, até 380 ou 370 A.C. Recebeu uma grande herança do pai e realizou muitas e longas viagens; segundo diversos testemunhos, esteve na Babilônia, Pérsia, Egito. Depois fixou residência em Atenas, onde conheceu a filosofia idealista de Sócrates e se tornou seu adversário mais decidido. Manifestou-se igualmente contra as concepções políticas de Sócrates e de Platão. Demócrito foi um ardente defensor do regime democrático. Sendo hostil à nobreza escravista, apresenta a democracia como modelo aos comerciantes e artesãos avançados.

Demócrito, no entanto, além de ser adepto da já triunfante democracia escravista, foi simultaneamente contrário à participação das camadas indigentes da população no governo político do país. Como representante da classe escravista, opôs-se com grande energia às camadas populares "de baixo", quando estas atentavam contra a propriedade privada. Considerava os escravos simples ferramentas à disposição de seus amos, os escravistas. Dizia:

"Devemos empregar os escravos como os membros de nosso corpo, usando uns para um fim e outros para outro".

Dava grande importância ao governo do Estado, que servia para impedir a "discórdia" entre os homens e ajudar a manter os escravos submissos.

Demócrito, considerada a época em que viveu, foi um homem culto em múltiplos aspectos. Escrevia, não só sobre filosofia, como também sobre matemática, física, técnica, meteorologia, zoologia, estética, etc. Demócrito, diz Aristóteles,

"entendia de tudo e sabia orientar-se em qualquer situação".

Os representantes das classes reacionárias governamentais e os filósofos idealistas (entre eles Platão), sendo inimigos do materialismo de Demócrito, destruíram-lhe quase todas as obras. Só chegaram até nós alguns pequenos fragmentos de seus trabalhos.

Demócrito, segundo informa Aristóteles, foi discípulo e continuador do filósofo jônico, Leucipo, que ó considerado o fundador do atomismo. De Leucipo quase nenhuma informação se conservou.

Demócrito considerava que o princípio primário do mundo não era, o ser único dos eleáticos, mas a multidão dos átomos ("átomo" em grego significa "indivisível") e o vácuo, no qual os átomos moviam-se eternamente. Por átomo entendia as menores partículas materiais, invisíveis a olho nu, impenetráveis e indivisíveis. Os átomos são eternos, imutáveis; seu número é infinitamente grande. Todos os objetos da natureza, entre os quais o homem, compõem-se desses átomos. Os átomos distinguem-se uns dos outros pela forma exterior, pela posição no espaço e pela ordem de distribuição. As substâncias distinguem-se umas das outras pela combinação dos átomos. Conforme afirmam diferentes historiadores, Demócrito diferenciava também os átomos pelo seu peso. Sem saber ainda que no vácuo todos os corpos caem com a mesma velocidade, achava que os átomos mais leves caiam mais lentamente no espaço e os pesados com maior rapidez. Era assim, segundo dizia, que uns alcançavam os outros, chocavam-se entre si e se encadeavam mutuamente por meio de pequenos ganchos especiais. O resultado dessa concatenação dos átomos era a formação das substâncias.

Demócrito reconhece a realidade do movimento e o considera inerente aos próprios átomos, levantando dessa forma um problema muito importante sobre a conexão indissolúvel da matéria e do movimento. Embora fosse verdade que Demócrito ainda entendesse o movimento de uma forma mecanicista, como simples deslocamento no espaço de átomos internamente indestrutíveis e imutáveis.

Para Demócrito, o universo compõe-se de uma quantidade infinita de mundos, que se formam em consequência da colisão dos átomos produzida pelo seu movimento em torvelinho; nesse torvelinho unem-se uns e outros formando grandes aglomerações que, no processo do seu movimento, adotam a forma esférica. O número dos mundos, segundo Demócrito, é infinitamente grande. No lugar dos mundos que perecem, surgem outros novos. Cada um deles está numa fase diferente de desenvolvimento. Uns são povoados e outros não, quer porque a vida orgânica já tenha desaparecido ou por ainda não ter surgido. Este modo de encarar o universo de Demócrito, não está destituído de certos traços dialéticos.

Ao considerar nossa terra apenas uma pequena parte da multidão infinita dos mundos, Demócrito deu um golpe de morte na religião, coisa que foi também feita pela sua ideia de que a vida orgânica não é trazida para o mundo de fora, por um deus criador, mas que é o resultado necessário do próprio movimento mecânico do mundo, da concatenação dos átomos, pensamento sem dúvida, igualmente ateu.

Segundo Demócrito, a alma compõe-se de átomos especialmente sutis, que se distinguem por maior mobilidade, graças à qual põem o corpo em movimento. A alma é tão mortal quanto o corpo.

Demócrito achava que o mundo exterior era cognoscível, porquanto as coisas que o homem ia conhecendo se compunham dos mesmos átomos que o mundo. Reconhecia a importância dos órgãos sensoriais para o conhecimento. Supunha que pequenas imagens materiais emanavam dos objetos, as quais, passando para nossos olhos, criavam no homem a representação do objeto determinado. Contudo desprezava um pouco o papel de testemunha dos nossos órgãos dos sentidos. Considerava que os conhecimentos recebidos através das sensações, apenas podiam ser considerados "juízos", quer dizer, conhecimentos ainda "obscuros", não fidedignos. Afirmava, erroneamente, que o calor, o cheiro e o tato não eram inerentes ao objeto. Todas essas propriedades, segundo achava, só existiam em nossas representações. De fato, existiam apenas as qualidades "primárias": a figura, a quantidade, a indivisibilidade e a impenetrabilidade dos átomos. Assim, é Demócrito que começa a teoria das qualidades primárias e secundárias, a qual é uma concessão ao idealismo, posteriormente desenvolvida na filosofia por Locke (século XVIII). Na verdade, também as qualidades chamadas "secundárias" são inerentes aos objetos. A sensação da cor não é apenas subjetiva como supunha Demócrito, mas também objetiva, já que a diferença das cores é provocada pela diferença das ondas luminosas que emanam dos objetos.

Quanto às concepções político-sociais, é preciso notar que Demócrito tentou abordar historicamente a vida social. Em sua opinião, os homens viviam primeiramente como os animais selvagens, e só mais tarde, graças a imitação da natureza, a humanidade atingiu a cultura. Considerava que o homem aprendeu a tecer e a coser o vestuário com a aranha; a construir casas com a andorinha; a cantar com os pássaros, etc.

Demócrito, como seu sucessor Epicuro, foi um dos representantes mais notáveis do materialismo antigo. Foi ele quem pela primeira vez emitiu a suposição referente à estrutura atômica da matéria, posteriormente confirmada cientificamente. É preciso compreender que o conceito de Demócrito sobre a estrutura atômica da matéria, ainda é muito primitiva; os átomos, por exemplo, eram considerados indivisíveis e imutáveis. Hoje a ciência moderna considera a estrutura do átomo da maneira diversa: o átomo é decomponível; ele compõe-se de elétrons e prótons, etc.

O grande mérito histórico de Demócrito está em reconhecer a existência de uma lei sobre tudo que se opera no mundo material, bem como da sua necessidade. Exigia a explicação causal de todos os fenômenos da natureza. Não obstante, seu modo de encarar a causalidade é limitado. Comete o erro de recusar-se a reconhecer a existência da casualidade, declarando que os homens consideram casuais os fenômenos cujas causas desconhecem. Demócrito, ao negar a existência da casualidade, tampouco foi partidário da existência de alguma vontade divina ou dum destino cego regendo a sorte dos homens e dos mundos. Sem chegar todavia à negação completa da existência dos deuses, refutava seu caráter sobrenatural, sua natureza espiritual. Os deuses, para ele, são também criações da natureza, porém mais perfeitas que os homens. Os deuses, e todos os demais corpos, compõem-se de átomos materiais e não interferem nos assuntes do mundo. Os corpos movem-se segundo as próprias leis mecânicas do movimento dos átomos. Estas leis também servem de base ao mundo material.

Demócrito, adversário da religião, reconhecia que nem os mundos nem os homens foram criados. Considerava a alma humana mortal, e assim minava a mitologia grega. Desempenhou um papel considerável no desenvolvimento ulterior do ateísmo. Negava a possibilidade de qualquer milagre. Era adversário de profecias e bruxarias. Explicava a existência da religião como resultante da ignorância dos homens, ao seu desconhecimento das leis da natureza e seu temor aos fenômenos naturais. Eis aqui por que o idealista Platão, que pregava a origem divina do mundo, a imortalidade da alma, etc., professava um ódio feroz a Demócrito. Platão, segundo afirmam alguns, assenhorou-se das obras de Demócrito, e queimou-as, chegando a negar-se a mencionar em suas obras o nome do filósofo que tanto odiava. O idealista Hegel não adotou uma atitude melhor para com esse grande materialista e ateu grego. Lenin escrevia:

"Hegel, fatalmente, considera Demócrito uma madrasta, em quase todas as suas páginas (17°-272). O idealista não pode suportar o espírito do materialista!"(17).

Os Sofistas

A escola sofista é de vários matizes, tanto pela sua filiação política quanto por suas concepções filosóficas. Entre os primeiros sofistas predomina o materialismo; os posteriores deslisam para o idealismo. O próprio significado da palavra sofista mudou historicamente, com a mudança do caráter da atividade dos sofistas. A princípio os sábios em geral, os pensadores ("Sofos", sábio), eram chamados sofistas na Grécia. Mais tarde Platão e Aristóteles denominavam sofista o homem que, mediante uma série de argumentos verbais, dispunha-se, por dinheiro, a demonstrar qualquer conclusão.

Os sofistas foram os primeiros filósofos profissionais, que, perambulando pelas cidades da Grécia, ensinavam por dinheiro, instruindo a população. Os sofistas criticavam e ridicularizavam duramente as concepções religiosas e mitológicas do mundo, a moral de casta, que já tinha se tornado atrasada, etc. Nisso indubitavelmente está seu mérito. Quase nada se conservou das obras dos sofistas. Na história da filosofia, os sofistas dividem-se em velhos e jovens. Os maiores representantes da velha geração foram Protágoras (481-411 A.C.) e Górgias (483-375 A.C.).

Protágoras de Abdera, contemporâneo de Demócrito, era partidário da democracia grega. Sua filosofia é, no fundo, materialista. Reconhece a existência do mundo material, a mutabilidade da matéria, sua fluidez. Em sua posição de crítica à religião, dizia:

"Não sei se deus existe ou não".

Mas nos problemas do conhecimento inclinava-se para o idealismo dizendo:

"O homem é a medida de todas as coisas".

Cada homem, a juízo de Protágoras, concebe o mundo a seu modo; não pode haver um conhecimento fidedigno do mundo. O que pode parecer verdade a um, pode parecer falso a outro.

Górgias, outro dos representantes da velha geração dos sofistas, aproximou-se mais que Protágoras do idealismo subjetivo e do ceticismo. Negava a possibilidade de um conhecimento autêntico e exato do mundo; também duvidava da existência objetiva da natureza. Sua obra principal chama-se: "Sobre o Inexistente ou Sobre a Natureza".

Os sofistas dedicavam enorme atenção ao problema das contradições. Mas, contrariamente aos eleáticos, que afirmavam serem as contradições imaginárias, ilusórias, os sofistas demonstravam o caráter contraditório de todos os fenômenos do mundo. Foi dessa forma que levantaram novamente o problema da dialética. Contudo, na maioria dos casos, os sofistas chegavam a conclusões idealistas, subjetivas. Em sua opinião qualquer uma de duas conclusões opostas podia ser perfeitamente demonstrada. Partindo daí chegavam a negar a verdade objetiva.

Os jovens sofistas (Antifonte, Crítias, Alquidam), que viveram nos fins do século V e princípios do IV A.C., dedicaram-se preferentemente aos problemas de moral. Um deles enunciou a ideia do "direito natural", declarando que todos os homens são iguais por natureza, que não devia haver uma desigualdade entre os helenos e os bárbaros (Antifonte). O sofista Alquidam mostrou-se partidário da abolição da escravatura, dizendo:

"Os deuses fizeram-nos livres; a ninguém fizeram escravo".

Outros, em compensação, justificavam a escravidão e a opressão, manifestando-se adversários furibundos do regime democrático. Reconheciam a necessidade da religião como meio de manter a massa sob o jugo da "elite" da sociedade; acentuavam o caráter político da religião. Nos fins do século V A.C., o sofista Crítias (tio de Platão), encabeçou em Atenas um "complot" aristocrático que desencadeou o terror mais cruel durante vários anos.

Os pontos de vista contraditórios dos jovens sofistas refletiam as tendências antagônicas existentes no seio da sociedade da antiga Grécia, no período do começo de sua decadência, no século IV A.C.

Alguns elementos progressistas dessa sociedade chegaram até à ideia de que era necessário abolir a escravidão, que se ia tomando desvantajosa, em vista do seu pequeno rendimento de trabalho. A nobreza escravista, em compensação, com a esperança de voltar ao governo, era partidária da escravidão e da maior opressão das amplas massas populares.

A escola sofista mais tarde degenerou definitivamente. A sofistica ficou adstrita a uma prestidigitação verbal, que ensinava como vencer o adversário numa disputa, embora não se tivesse razão. Daí nasceu o novo conceito da denominação "sofista" que se dá a um charlatão que defende conscientemente uma tese contrária à realidade.

Sócrates

Sócrates, mestre de Platão, provém da escola dos sofistas.

Nasceu por volta do ano 469 A.C., em Atenas, na família de um escultor. Expunha sua filosofia verbalmente. Sobre suas atividades e opiniões pode-se julgar; principalmente, pelo testemunho dos seus contemporâneos, Platão e Xenofonte. Por suas opiniões políticas, Sócrates foi o ideólogo da nobreza escravista. Figurava nas primeiras filas dos inimigos da democracia ateniense, pregando em toda a parte e em qualquer oportunidade o ódio à democracia e a necessidade de volver ao velho regime aristocrático. Ao que parece, organizou e dirigiu um círculo de adeptos da aristocracia, que lutava ativamente, e por todos os meios, contra o estado democrático ateniense. Em consequência de sua atividade reacionária, foi submetido a julgamento e condenado à morte. Ingerindo veneno, morreu no cárcere no ano 399 A.C.

Sócrates era idealista: considerava a natureza criada pelos deuses, os quais prepararam o mundo tendo em vista os interesses do homem, com o fim de satisfazer-lhe as necessidades. Achava que estudar a natureza era uma ação contrária a Deus, uma intervenção do homem nos assuntos divinos, para ele inacessíveis. O único objeto do conhecimento deve ser o próprio homem. "Conhece-te a ti mesmo". Os conceitos do entendimento humano, ou os "gerais" como os chama, e os problemas de moral, são os únicos objetos do conhecimento. O mérito histórico de Sócrates está no fato de ser o primeiro a levantar o problema do papel dos conceitos gerais no conhecimento. Mas considera os próprios conceitos de forma idealista. Se o materialista define os conceitos, as abstrações, como reflexo na consciência do homem, daquilo que ocorre no mundo objetivo, na natureza, Sócrates considerava os conceitos o elemento primário, o princípio do mundo. Os conceitos, a juízo de Sócrates, engendram as substâncias e não o contrário. Não reconhecia o conhecimento sensível, as sensações como fonte dos conceitos.

Sócrates desenvolveu sua teoria dos conceitos gerais em luta contra os sofistas. Estes tratavam de minar a moral religiosa e destruir as tradições ideológicas do regime aristocrático, demonstrando que o homem deve tomar seus interesses pessoais como base de ação, deve aspirar à felicidade. Sócrates, em oposição ao individualismo dos sofistas, levanta os conceitos do bem, da justiça, da equidade, do dever, aplicáveis a todos os homens (segundo afirma). Nesses conceitos gerais que todos os homens deviam seguir, procurava encontrar uma base firme para a sociedade aristocrática. Por isso considerava uma das principais condições para volver ao regime aristocrático, a educação moral dos homens no espírito conveniente à aristocracia. Identifica a moral com o conhecimento, interpretando-a de forma idealista, como o conhecimento do homem sobre sua natureza espiritual, seus conceitos.

Em seu desprezo ao povo, Sócrates achava que o mesmo não devia possuir conhecimentos e, em consequência, não podia ser virtuoso; que o povo era viciado por natureza. Aqui se revela claramente o caráter aristocrático de sua moral; considera que a tarefa básica da educação moral consiste em dar ao homem uma educação que contribua para o advento da subida ao poder da aristocracia escravista, para a eliminação da eletividade dos órgãos do poder, e para a renúncia à intervenção do povo no governo do Estado. Para Sócrates, o reconhecimento desses princípios era a virtude principal do "homem cidadão". O idealismo de Sócrates desenvolveu-se plenamente com Platão.

Platão

Platão, discípulo de Sócrates, é um dos representantes e sistematizadores mais notáveis do idealismo da antiga Grécia. Sua filosofia exerceu também grande influência sobre a religião cristã.

Platão viveu do ano 427 até o ano 347 A.C. Provinha dos meios aristocráticos atenienses. Por parte de pai descendia da família real de Atenas. Foi adversário encarniçado do regime democrático. Tomou contacto político com os pitagóricos e participou numa série de "complots" da aristocracia que não tiveram êxito. Fundou em Atenas uma escola filosófica idealista: a Academia. Quase todas as obras de Platão chegaram às nossas mãos. Nelas expõe suas teorias em forma de conversação entre várias pessoas. Habitualmente o representante de suas próprias opiniões é Sócrates.

Platão foi um idealista perigoso. A teoria das Ideias, desenvolvimento ulterior da teoria socrática dos "gerais", dos conceitos, é a base da filosofia de Platão. Para ele o princípio de todas as coisas é o mundo das ideias supersensíveis. As coisas percebidas pelos sentidos constituem apenas o reflexo, a sombra do mundo das ideias, sua cópia imperfeita. As ideias existem separadas das coisas, noutro mundo. Ali, segundo ele, existem as ideias, por exemplo, da mesa, da casa, dos animais, dos vegetais, etc. Cada mesa, casa, etc., material, deriva-se dessas ideias. Assim também, a beleza terrestre dos homens e das coisas é apenas o reflexo imperfeito da ideia do belo.

Platão reconhece, portanto, dois mundos, separados um do outro: o mundo das ideias e o das coisas, no qual vive o homem. As ideias são eternas e imutáveis; possuem uma existência efetiva e geral. Em compensação as coisas sensíveis são mutáveis, inconstantes, nascem e morrem. Por isso, Platão declara ilusória a existência dessas coisas. A ideia suprema é a ideia do bem, é Deus. Aqui se evidencia, de forma clara, como o idealismo se entrelaça com a religião.

Platão concebe o conhecimento como uma reminiscência das ideias entrevistas pela alma imortal, no mundo divino, onde residia antes de encarnar no corpo humano. O conhecimento sensível não é verídico, é insuficiente; ele apenas dá aos homens a percepção das coisas. A essência primária das coisas — o mundo das ideias — só pode ser conhecido pelo pensamento teórico, "puro", pela razão. Somente separando-se de tudo que seja sensível, tampando os ouvidos e cerrando os olhos, como diz Platão, o homem começa a recordar confusamente o que sua alma contemplava no mundo das ideias. Poucos homens escolhidos, ilustres, os aristocratas e os filósofos, são capazes de chegar ao conhecimento, ou melhor, a recordar o mundo das ideias. As próprias criações do homem, são, para Platão, apenas cópias das ideias. Por exemplo, a estátua feita pelo escultor é a imagem imperfeita da ideia que existe eternamente e da qual o escultor genial recordou-se.

Platão relacionou estreitamente sua filosofia com a política, como se observa até pelo fato de achar que à frente do Estado ideal, por ele imaginado, deviam estar os filósofos. No regime social ideal descrito por Platão, conserva-se a divisão de classes. A seu ver, a sociedade deve compor-se de três camadas sociais:

  1. a camada dos filósofos que governam o Estado;
  2. a dos guerreiros e guardas que defendem o Estado de ataques externos e levantes populares, e
  3. o resto do povo que se dedica a trabalhos físicos: artesãos, camponeses.

Fora dessas três camadas restavam os escravos. Cada uma das três camadas tem uma virtude especial: os governantes, a sabedoria; os guerreiros, a valentia; o povo, a plena obediência aos governantes e disposição para trabalhar para as primeiras camadas. O Estado ideal de Platão representa um original "comunismo" dos escravistas. As primeiras duas camadas, segundo Platão, não têm propriedade privada. Para elas existe a propriedade comum do Estado. Marx escrevia que o Estado utópico de Platão representava a idealização do regime de casta egípcio, o regime da aristocracia de origem escravista, cuja base econômica era a propriedade privada comum dos cidadãos ativos do Estado

"obrigados a conservar essa forma de associação naturalmente surgida ante os escravos"(18).

Platão, na sua teoria do Estado, tenta, de uma maneira completamente clara, realizar os sonhos da aristocracia. O poder ficará a cargo somente de alguns homens e a escravidão será conservada. Platão proibiu categoricamente o acesso do povo às primeiras camadas.

Exigia que toda a vida social estivesse impregnada de religião. A virtude geral inerente a todas as camadas é, para ele, a adoração de Deus e da equidade. Com isso ele quer dizer que cada camada social deve dedicar-se a seus assuntos, e as camadas inferiores devem obedecer incondicionalmente às superiores.

Platão exige a proibição absoluta do povo participar no governo do Estado. Julga que o povo é completamente inapto para a filosofia, para o conhecimento; é incapaz de conhecer o mundo das ideias.

Platão foi um reacionário convicto, tanto na filosofia como em seus pontos de vista sociais. Lenin fala da luta entre a linha de Demócrito e a de Platão como sendo a fundamental entre os partidos filosóficos do mundo antigo.

Platão denomina dialética seu método de conhecimento; porém por isto entende a exposição do assunto sob a forma de perguntas e respostas, a habilidade de fazer perguntas e respondê-las, de desenvolver as opiniões em forma de conversação, de diálogos. Para ele o fundamento de tudo o que existe são as ideias eternas e imutáveis, que não nascem nem morrem e não têm qualquer espécie de contradições internas. Por conseguinte, no fundo, Platão foi um metafísico incondicional.

Não obstante, pode-se encontrar em sua filosofia elementos de dialética. O fato, por exemplo, de reconhecer a mutabilidade constante do mundo das substâncias sensíveis, embora não considere esse mundo verídico, precisamente devido a sua fluidez. Em seu diálogo "Elforista", diz:

"A dificuldade e a verdade consistem em demonstrar que o que é outra coisa é a mesma coisa, e que o quê é a mesma coisa é outra, e, precisamente, em um e mesmo aspecto".

Platão aproxima-se aqui do reconhecimento do caráter contraditório das coisas. Lenin acentuou este ponto de Platão, anotando-o nos seus "Cadernos Filosóficos"(19). Platão declarou que um homem enfermo que sente calor, sente ao mesmo tempo frio; que o mesmo homem é falso e verdadeiro simultaneamente, etc.

Aristóteles

O cume do desenvolvimento da filosofia na Grécia antiga está nas doutrinas de Aristóteles, que sintetizou os resultados científicos de seus antecessores, tomando deles tudo o que achava positivo e criticando severamente o que considerava errôneo. Introduziu muita novidade numa série de domínios da ciência e da arte, sabendo fazê-las avançar. Particularmente no domínio da filosofia, criou muita coisa valiosa, exercendo uma grande influência sobre o desenvolvimento ulterior do pensamento filosófico universal.

Aristóteles viveu no período em que Atenas, em consequência da derrota na chamada guerra do Peloponeso com Esparta e de desordens interiores (levantes de escravos e de pobres), debilitou-se ao extremo de perder a independência e ficar submetida, assim como sua vencedora Esparta e quase todas as cidades gregas, ao poderoso Estado Macedônico.

Aristóteles nasceu no ano 384 A.C. Seu pai, Nicômaco, foi médico da corte do rei da Macedônia. Aristóteles, na juventude, foi para Atenas e teve Platão por seu mestre durante longo tempo.

No ano 343 A.C., o rei Felipe da Macedônia confiou a Aristóteles a educação de seu filho Alexandre. O grande sábio grego soube inculcar em seu aluno — posteriormente famoso chefe de exércitos Alexandre Magno — o amor à cultura e à ciência grega. Mais tarde, por ordem de Alexandre, durante sua marcha sobre o Oriente, foram reunidas, para Aristóteles, as mais ricas coleções científicas e culturais. No ano 335, quando Alexandre avançava com seus exércitos na Ásia, Aristóteles regressou à Atenas onde formou sua escola filosófica, o Liceu.

Depois da morte de Alexandre, aumentou em Atenas o mal-estar contra o domínio macedônico, e Aristóteles foi também objeto de perseguição, devido as suas relações com a corte macedônica, vendo-se obrigado a refugiar-se na ilha de Eudéa, onde morreu pouco depois, no ano 322 A.C.

A maior parte das obras de Aristóteles sobre filosofia, história, ciências naturais, arte, etc., chegaram-nos às mãos. Parece que Aristóteles não escreveu todas essas obras sozinho, mas ajudado por seus discípulos Teofrasto, Eudemo e outros, que, depois da morte do mestre, tomaram a frente da escola.

Na solução do problema fundamental da filosofia, Aristóteles oscila entre o materialismo e o idealismo.

Aristóteles "não tem dúvidas a respeito da realidade do mundo exterior"(20).

Reconhece a existência objetiva das coisas e critica Platão duramente por seu idealismo, por ter concebido a natureza apenas como uma ilusão, como uma sombra imperfeita do mundo das ideias. Para Aristóteles, é, pois, indubitável, evidente, a existência objetiva da natureza.

"É ridículo tentar, diz Aristóteles, demonstrar que a natureza não existe"(21).

Essa declaração do filósofo tem um conteúdo absolutamente materialista. Aristóteles, ao combater a favor da realidade da natureza, e ao refutar a existência do mundo platônico das ideias divinas, abalou os fundamentos do idealismo. Contudo, não soube manter uma posição materialista consequente. Afirma que a base de todas as coisas, sua essência íntima, e a "forma" que ele entende como um princípio ideal, espiritual e material. Para ele, porém, a matéria é outro princípio primário, outra essência das coisas. Dessa forma Aristóteles concebe, como fundamento do mundo, dois princípios antagônicos, a matéria e a forma, ou seja, nesse problema foi dualista.

"O homem emaranhou-se", diz Lenin referindo-se a ele(22).

Esses dois princípios, segundo Aristóteles, estão constantemente relacionados entre si, no mundo real, não existem separadamente e, em conjunto, compõem uma coisa íntegra. Só mentalmente é possível concebê-los separados. Assim combateu Platão, que separava o mundo das ideias do dos objetos. Ao contrário de Platão, que reconhecia como essência do mundo o "geral", a ideia, Aristóteles considera como tal as "substancias", as coisas materiais.

Como dualista que era, porém, adotou, em última instância, uma posição idealista, concedendo o papel primário à forma, ao princípio espiritual. A matéria, na sua opinião, é uma coisa caótica, bruta, inerte, que só graças ao princípio ativo — a forma — converte-se em algo determinado. O bloco de mármore, por exemplo, nas mãos do escultor que o conforma, converte-se numa estátua. A matéria, sem introduzir nela a forma, constitui apenas a possibilidade de nascimento das coisas. Somente quando ela se une à forma, surgem dela coisas autênticas, reais. A forma, como força ativa, converte a matéria duma possibilidade, numa realidade, transforma-a num objeto determinado.

A teoria de Aristóteles sobre a forma e a matéria também contém traços dialéticos. A matéria é concebida por ele em mutação constante, na qual adquire continuamente novas formas mais perfeitas. Assim Aristóteles aproxima-se do reconhecimento da evolução, da transformação do mundo. Em contradição com o seu dualismo, fala do trânsito mútuo da forma e da matéria, da transformação duma na outra. O que numa fase de desenvolvimento é forma, noutra, na fase superior, é matéria. O ladrilho, por exemplo, relativamente à argila, é uma forma e argila é uma matéria, mas este mesmo ladrilho relativamente a uma casa já é uma matéria.

Aristóteles reconhecia a ligação estreita que existe entre o movimento e as coisas; afirmava que o movimento não podia existir fora dos objetos, que ele era inerente às coisas da natureza. Isto constitui o grande mérito científico de Aristóteles. Entendia por movimento não apenas o deslocamento no espaço, o aumento ou diminuição quantitativa das coisas como também suas modificações qualitativas, sua transformação em seus contrários ou em outros objetos, a geração e a morte dos objetos. Por isso Lenin, transcrevendo uma citação da "Metafísica" de Aristóteles, na qual este diz que

"tudo que é material é sempre transitório",

escreve por sua conta:

"Aqui há um ponto de vista materialista dialético, embora seja casual, sem firmeza, sem desenvolvimento e passageiro"(23).

Em Aristóteles pode-se observar algumas insinuações sobre o reconhecimento do movimento por saltos, quando diz que a troca qualitativa pode efetuar-se "bruscamente", e dá como exemplo a congelação da água(24).

Contudo, Aristóteles interpreta com espírito idealista a causa da transformação dos objetos. Considera que a coisa morre e se transforma em outra devido a mudança das formas, que são eternas, imutáveis, e que não podem transformar-se uma na outra.

Tampouco mantém consequentemente sua forma dialética de abordar o movimento, porque subordina todas as formas do movimento à do deslocamento no espaço. Vê a causa do movimento na influência de um objeto sobre outro. O movimento das coisas terrestres é, a seu ver, provocado pelo movimento do céu, dos planetas, que sendo imutáveis, movem-se mecanicamente, em círculo. O movimento do céu, por sua vez, é condicionado pela ação de uma força espiritual externa, que Aristóteles denomina o primeiro motor divino ou, simplesmente, Deus. E dessa forma, tendo Aristóteles, no modo de conceber o movimento, saído fora dos limites do mecanicismo, volta novamente para ele. Além disso, vê a causa final do movimento em Deus, que considera imutável.

De qualquer forma, Aristóteles não chegou a reconhecer a contradição interna como causa fundamental de toda espécie de mutações; sob esse aspecto, faz uma concessão a Heráclito, com o qual sustentou uma aguda polêmica sobre o problema. Também é verdade que em Aristóteles pode-se encontrar, várias vezes, um reconhecimento do caráter contraditório das coisas. Por exemplo, na "metafísica" faz a seguinte pergunta: o homem vivo não é um morto eventual? Apesar disso, porém, seus elementos de dialética não desenvolvidos, apresentados só em forma de insinuações, entram em choque com a lei das contradições, detalhadamente elaborada por ele, na qual refuta categoricamente a existência de contradições nas coisas.

Nos problemas do conhecimento Aristóteles revela tendências materialistas bastante fortes. Lenin diz que aqui "aproxima-se bastante do materialismo"(25). Se Platão chamava conhecimento a reminiscência na alma imortal do mundo das ideias, Aristóteles, repelindo esse mundo das ideias, colocava a fonte do conhecimento na própria natureza, no mundo que envolve o homem; afirmava que este mundo é cognoscível.

Aristóteles concede um grande papel aos sentidos no conhecimento. A sensação é provocada pelas coisas que existem objetivamente, independentemente do homem. Ele compara as percepções sensíveis à impressão deixada por um anel de ouro na cera: assim acentua que a sensação não é a própria coisa, mas sua impressão, sua imagem nos sentidos do homem. Contudo limita o papel das sensações. Com a ajuda das sensações, na opinião de Aristóteles o homem só adquire conhecimento das coisas ou dos fenômenos isolados. E por isso afirma que as pessoas não devem limitar-se ao conhecimento sensível, mas devem ir mais longe, recorrendo ao raciocínio, que generaliza as coisas singulares, compara-as entre si, distingue-as uma da outra e cria conceitos gerais sobre a multidão unida dos fenômenos.

Aristóteles reconhecia que as sensações fornecem o material para o raciocínio; que, sem as sensações, a razão é apenas uma tábua rasa onde nada está escrito. Menosprezou porém as sensações, concedendo o papel primário ao raciocínio, baseando-se em que, por meio das sensações, não se pode descobrir o princípio ideal geral de todas as coisas — a forma — nem conhecer a "forma das formas": Deus. Essa última coisa só é accessível ao pensamento. Segundo Aristóteles, as sensações são somente o impulso que incita o homem a pensar. A verdade, pois, não se acha nelas, mas na razão, nos conceitos.

De maneira que Aristóteles, até certo ponto, separa o conhecimento sensível do pensamento. Por isso não encontramos em Aristóteles uma explicação científica da maneira por quê as sensações, mediante as quais se adquire conhecimento das coisas singulares, ligam-se ao pensamento, aos conceitos gerais dessas coisas, como o singular passa ao geral. Nisto se cifra uma séria insuficiência da sua teoria do conhecimento. Essa separação entre o singular e o geral exprime-se também no fato de Aristóteles considerar as coisas singulares como mutáveis, e seu princípio — as formas ideais —, imutável.

A lógica criada por Aristóteles teve uma importância enorme. O conjunto das suas obras lógicas tomou mais tarde o título de "organon" (órgão — método de ciência). Na época de Aristóteles a ciência alcançou um tal grau de desenvolvimento que foi preciso criar um método para sintetizar os materiais acumulados, uma teoria científica das demonstrações, julgamentos, deduções. Com tal método universal, Aristóteles criou sua lógica dedutiva, segundo a qual, nas indagações e nos pensamentos dedutivos, deve-se partir das conclusões gerais para o caso particular .

Todas as conclusões científicas, segundo Aristóteles, devem ser deduzidas das premissas gerais imprescindíveis, mediante a cadeia de deduções imediatas, os silogismos. A forma do silogismo é aproximadamente a seguinte:

  1. toma-se a conclusão geral admitida como indiscutivelmente justa e não sujeita à demonstração (o axioma matemático, uma síntese demonstrada praticamente, etc.). Por exemplo, "todos os homens são mortais";
  2. em seguida toma-se um caso singular, particular, ou um juízo sujeito à explicação, e se estabelece a relação existente entre ele e a conclusão geral. Por exemplo: "João é um homem";
  3. finalmente, da confrontação do juízo geral e do particular, faz-se uma determinada dedução que estabelece que o atributo inerente ao fenômeno geral é também extensivo ao particular: "por conseguinte, João também é mortal.

Aristóteles não foi um espírito dedutivo limitado; não separava a dedução da indução. Acentuava que as perícias gerais imprescindíveis (sobretudo a maioria delas) deviam servir à síntese dos dados da experiência. Aristóteles foi o primeiro dos pensadores antigos que pesquisou a forma do pensamento humano. Aristóteles estabelece dez formas-categorias do pensamento:

Aristóteles acentua, entretanto, que essas categorias são inerentes não só à consciência como também ao ser; que refletem em conceitos, o conteúdo, as formas, as leis do mundo objetivo.

"Em Aristóteles, escreve Lenin, a lógica objetiva mistura-se em toda a parte com a subjetiva, de modo que, em toda a parte, a objetiva é visível. Não tem dúvida do objetivismo do conhecimento. A crença na força da razão, na força, na potência, na veracidade objetiva do conhecimento é ingênua."(26).

Em sua lógica, Aristóteles, oscila também entre o materialismo e o idealismo, entre a dialética e a metafísica. Em sua lógica há muitos elementos de dialética, porém sua base é a lei da contradição que exclui a contradição interna, tanto das coisas como do juízo feito sobre elas. Os discípulos e comentaristas de Aristóteles acentuaram os momentos formalistas de sua lógica e converteram-na numa lógica formal. Os teólogos e escolásticos da idade média repeliram definitivamente o lado materialista e dialético da lógica de Aristóteles e eternizaram seus aspectos metafísicos e idealistas. Como premissas gerais, às quais se adaptam todos os múltiplos e variados fenômenos da realidade, começou a tomar-se exclusivamente os dogmas religiosos e as citações das "sagradas escrituras". A escolástica e o obscurantismo clerical tiraram de Aristóteles o morto e não o vivo: as interrogações, as pesquisas..."

"A lógica de Aristóteles é uma interrogação, uma pesquisa, um meio de acesso à lógica de Hegel; dela, da lógica de Aristóteles (que em toda parte, a cada passo levanta o problema precisamente da dialética), fizeram uma escolástica morta, abandonando todas as indagações, oscilações, o processo de levantar problemas"(27).

Também nas suas concepções científico-naturais, Aristóteles aproxima-se consideravelmente do materialismo. Considera que a natureza está sempre ligada à matéria. Concebe o universo como eternamente existente, nunca tendo sido criado, dando assim a Deus um papel secundário, isto é, o de ser apenas motor do mundo e não seu criador. O universo, na opinião de Aristóteles, tem a forma mais perfeita, a forma de um globo. O universo divide-se em duas partes, diferentes em princípio uma da outra: o céu perfeito e imutável, a terra mutável e imperfeita. Na parte mais longínqua do céu estão espalhadas as estrelas imutáveis e imóveis. Sob elas está o sol, a lua e cinco planetas que se movem em círculo fechado ao redor da terra imóvel, os quais têm forma esférica e se encontram a diversas distâncias da terra. Aristóteles considera este movimento dos planetas eternos e imutáveis, em círculo fechado, a forma mais perfeita de movimento da qual são incapazes os corpos terrestres. A fonte do movimento dos planetas é o céu das estrelas imóveis, o qual por sua vez, recebeu seu movimento do primeiro motor divino que se acha atrás dessa esfera celeste.

Aristóteles considerava que os objetos terrestres se compunham da combinação de quatro elementos primários:

Igualmente a matéria compõe-se desses elementos. Reconhecia a troca, a transformação desses elementos básicos uns nos outros: do fogo pode formar-se o ar, do ar a água, etc. Reconhecia as constantes mutações existentes na terra, a geração e a destruição das coisas terrestres. Mas, ao estabelecer as causas dessa mutação, oscila de novo entre o materialismo e o idealismo. De um lado, condiciona a geração e a destruição das coisas à aproximação e ao afastamento entre o sol e a terra. E, de outro lado, explica essa mutação pelo desejo de perfeição da natureza que aspira atingir a forma mais próxima da "forma suprema", Deus. A matéria — princípio inerte, passivo — opõe-se a essa troca; por isso, o movimento das coisas inferiores para o superior efetua-se na natureza, não de súbito, mas através de uma série de fases. Aqui Aristóteles revela uma certa tendência a reconhecer a evolução do mundo do inferior para o superior, do inorgânico para o orgânico. A natureza, a juízo de Aristóteles, no seu desejo de perfeição, atravessou as seguintes fases: corpo inorgânico, vegetal, animal e homem. Este é sua criação suprema.

Aristóteles e sua escola dedicaram-se também ao estudo dos problemas sociais: política, Estado, economia.

Aristóteles chamava o homem de "animal político", isto é, considerava-o um ser social. Manifestando-se um ardente defensor do regime escravista, afirmou que a própria natureza sempre dividiu os homens em livres e escravos, determinando que os escravos trabalhassem para seus senhores e se lhes submetessem incondicionalmente. Aristóteles defende a existência da propriedade privada; considera que a mesma brota da própria natureza do homem e que existe eternamente com a sociedade. Também o Estado existe eternamente e é determinado pela natureza do homem. Aristóteles considerava a submissão dos cidadãos ao Estado, a observância das leis, a obrigação de não se opor ao regime estatal existente, a justiça e a virtude supremas.

Muito se aproxima também do reconhecimento de que o Estado é o poder de uma classe, dos escravistas. Aconselha a despojar dos direitos políticos, não só os escravos como também os artesãos e agricultores, quer dizer, todos que se dediquem a trabalho físico.

Mas seria injustiça apresentar Aristóteles como partidário exclusivo da aristocracia escravista. No seu Estado ideal concede o papel predominante a gente arremediada. Na opinião do filósofo, para evitar uma revolução, é preciso impedir, forçando o aumento do número de homens arremediados, a possibilidade de uma profunda miséria de uns e de uma riqueza desmesurada de outros.

Na opinião de Aristóteles o Poder deve pertencer a esta gente arremediada.

A Filosofia Durante O Período da Decadência do Mundo Antigo

A decadência da antiga Grécia começou durante a época helênica do seu desenvolvimento, a qual durou da segunda metade do século IV A.C., ou seja do tempo de Alexandre Magno, até a perda da independência política da Grécia e sua conquista, bem como a dos demais países helênicos do Oriente pelos romanos, nos fins do século II e princípios do I A.C.

"A Grécia morreu devido a escravidão", diz Engels na "Dialética da Natureza"(28).

O trabalho forçado, pouco produtivo, dos escravos começou a frear o desenvolvimento da economia grega e a luta de classe entre os escravos e os escravistas, que cada vez se tornava mais aguda, debilitou politicamente a Grécia. Também influiu para esse debilitamento a luta dos indigentes "livre-nascidos" contra os ricos, bem como a luta que se travava entre a aristocracia e a democracia dentro da própria classe escravista. A Grécia, em consequência de tudo isso, perdeu sua independência política e converteu-se numa colônia romana.

A decomposição do regime escravista grego conduziu também à corrupção da filosofia grega. Isso se traduziu na transformação da filosofia em idealismo e misticismo. Os filósofos gregos da época da decadência do mundo antigo, em vez de estudar a natureza e a vida social, dedicaram atenção especial aos problemas de moral e da conduta pessoal dos homens. Os filósofos gregos começaram a cingir-se ao círculo dos interesses individuais, dando atenção exclusivamente ao estudo dos problemas da vida pessoal, da conduta dos homens. Criaram diferentes "remédios" morais para auxiliar a classe dos escravistas a manter-se firme, imperturbável e tranquila.

Mas não se deve considerar a filosofia grega da época da decadência da sociedade escravista como uma nódoa, uma repetição grosseira das mais antigas escolas idealistas gregas. À filosofia antiga marchava para seu crepúsculo. Este crepúsculo, contudo, segundo a expressão figurada de Marx, foi como o pôr do sol, semelhante à morte do herói. Durante as épocas helênica e romana e muito tempo depois, continuou o brilhante desenvolvimento científico especialmente na cidade de Alexandria, que se converteu no centro comercial e cultural mais importante do mundo antigo. Os sábios alexandrinos iniciaram o estudo prático, experimental, da natureza. Mas esse desenvolvimento foi suspenso pela onda de decomposição do regime escravista. Também após a morte de Aristóteles, a filosofia antiga, apoiada no crescimento da ciência, deu mais alguns passos para diante. A filosofia da época do helenismo apresenta nomes ilustres que elevaram o materialismo grego a um nível mais elevado. Epicuro é um desses filósofos materialistas.

Epicuro viveu desde o ano 342 até 270 A.C., e fundou em Atenas sua escola filosófica. Ao travar conhecimento com a filosofia de Demócrito, tornou-se em seu adepto mais ardente e continuador. As obras de Epicuro não chegaram às nossas mãos, exceto alguns fragmentos soltos e algumas epístolas. É característico que o idealista Hegel ficasse contente com a perda das obras desse ateu e materialista grego.

As concepções filosóficas de Epicuro estão expostas de forma sintética no poema "Sobre a natureza das coisas", escrita por seu sucessor, o filósofo materialista romano Tito Lucrécio Caro. A tarefa da filosofia, segundo Epicuro, é ensinar aos homens os meios de alcançar a felicidade. O estudo da natureza e suas leis é condição indispensável Para alcançar a felicidade. Epicuro, de acordo com esta ideia, divide a filosofia em três partes:

Em sua física, ao mesmo tempo que combate o idealismo de Platão, Epicuro defende a teoria atômica de Demócrito. Como este, acha que a única realidade objetiva são os átomos materiais móveis e o vácuo. Reconhece também a diferença dos átomos pelo seu peso. A esse respeito Engels escreveu que Epicuro, ao atribuir aos átomos não só grandeza diferente, como também peso desigual, já conhecia de certo modo, o peso e o volume atômicos.

Distinguindo-se de Demócrito, Epicuro acha que todos os átomos, independentemente de seu peso, movem-se no vácuo com a mesma velocidade. Na opinião de Epicuro, a colisão dos átomos se produz porque eles se movem obliquamente, desviando-se da linha reta. Assim provocam sua concatenação e a formação dos objetos. A causa desse desvio, para Epicuro, é a casualidade e o livre arbítrio do átomo no seu impulso interno.

Este pensamento de Epicuro, apesar de seu caráter de certo modo idealista, é positivamente apreciado por Marx e Engels; Epicuro aproxima-se assim, espontaneamente do reconhecimento da atividade interna do átomo, do reconhecimento do auto-movimento da matéria. Lenin faz notar que a filosofia de Epicuro contém uma série de hipóteses geniais.

Quanto à teoria do conhecimento, Epicuro diferencia-se de Demócrito por conceder, exclusivamente, uma grande importância às sensações, considerando-as a única fonte do conhecimento.

Lucrécio, comentando esta afirmação de Epicuro escreve:

"Sabes ? Não só teus livros se verão falidos,
Tua própria vida perecerá fatalmente
Se não ousares confiar em teus sentidos".

As sensações jamais nos enganam. Só pode haver um erro de conhecimento apoiado na razão quando esta se desliga das sensações. Epicuro concebia as sensações de forma primitiva: do objeto separam- se pequenas cópias invisíveis ao olho, as quais penetram nos poros dos órgãos dos sentidos humanos. A teoria do conhecimento de Epicuro apesar da sua ingenuidade, tem um caráter absolutamente materialista.

Também interpreta de forma ingenuamente materialista a alma humana, afirmando que a mesma se compõe de átomos redondos, especialmente móveis, e que se corrompem junto com o corpo humano.

"...Os que consideram a alma incorpórea, deliram", diz Epicuro numa carta à Heródoto.

Os conceitos éticos de Epicuro emanam de sua física e de sua teoria do conhecimento. Ao conceber o homem como uma determinada combinação de átomos, como um ser material, Epicuro vê a felicidade do homem no prazer material e espiritual. O homem aspira ao prazer e foge aos sofrimentos físicos. A moral de Epicuro porém, não é, como pintam os filósofos da Idade Média e burgueses, a prédica da libertinagem e da orgia. Epicuro só admitia os prazeres materiais que não contradissessem a natureza do homem, que não provocassem sofrimento. Assim escreve:

"Pois o que torna a vida maravilhosa, não é a licenciosidade, não são os prazeres carnais entre homens e mulheres, não e devorar peixes e outras iguarias duma mesa rica, mas a razão sensata que conhece o motivo do que se deve escolher e do que se deve recusar refuta as suposições errôneas que provocam uma grande intranquilidade da alma".

Epicuro previne que o prazer é sempre acompanhado de sofrimento. Por isso, a felicidade plena, a tranquilidade e a serenidade (taraxia), só são atingidas pelo homem quando ele reduz suas inclinações materiais a satisfação sem as quais é impossível a existência do próprio homem (a necessidade de alimentar-se, etc.).

Uma das condições mais importantes para atingir a tranquilidade e a serenidade é a ciência, mediante a qual o homem se desembaraça do temor da morte e dos deuses. Os homens receiam a morte por não saberem o que os esperam na vida de além-túmulo. Não existe porém, vida de além-túmulo. A morte do homem significa decomposição dos átomos que o conformam e, por conseguinte, o seu desaparecimento total e bem assim o de sua alma. A filosofia emancipa também o homem do medo aos deuses, demonstrando-lhe que

"fora do universo nada existe que possa intrometer-se nele e provocar qualquer transformação".

Epicuro era, pois, no fundo, ateu. Foi, segundo palavras de Marx, o maior educador da antiguidade: atacava abertamente a religião antiga, lutava contra a adoração dos deuses, contra a superstição. Explicava a crença nas divindades como uma consequência da ignorância dos homens, do seu desconhecimento das leis naturais. A religião, na opinião de Epicuro, era mesmo criminosa, pois chegava até a assassinar homens para oferecer sacrifícios a Deus. É verdade que não negava completamente a existência dos deuses; porém achava que os mesmos, por viverem fora dos limites mundiais, não intervinham na vida humana, não eram criadores do mundo nem o dirigiam. Com isto refutava também a parte da doutrina de Aristóteles referente ao primeiro motor divino, e via a causa do movimento dos átomos e das coisas da natureza nelas próprias, na própria matéria.

Epicuro, em seus conceitos sociais, parece que sob a influência da decomposição da Grécia escravista e da perda da independência política de Atenas, aconselhava a renúncia à atividade política, pondo acima de tudo, os interesses pessoais do homem. Contudo, reconhecia ao mesmo tempo que a felicidade individual humana era inatingível somente com as forças individuais. Por isso, os homens uniam-se voluntariamente em sociedade concordando em não causar aborrecimentos sensíveis uns aos outros. Devido a isto Marx afirma que já se descobre em Epicuro a teoria do contrato social, que foi muito mais tarde desenvolvida por Hobbes e Rousseau.

Um fervoroso adepto da filosofia de Epicuro na antiga Roma foi Tito Lucrécio Caro, que viveu nos anos 99-55 A.C. Ele apresenta seus conceitos filosóficos no poema "Sobre a Natureza das Coisas".

Sem repetir os problemas da filosofia de Lucrécio, já explicados quando foram expostos os pontos de vista de Demócrito e Epicuro, é preciso acentuar que Lucrécio é o continuador da linha materialista grega. No seu ateísmo ainda vai mais longe: exige a eliminação completa da religião por meio da divulgação cada vez mais ampla, dos conhecimentos científicos. O mundo, para Lucrécio, nada tem a ver com Deus. O mundo existe e se desenvolve segundo leis próprias. "Do nada, nada se faz": nada é criação dos deuses; tudo nasce dos átomos materiais eternamente existentes. Na doutrina de Lucrécio pede achar-se também uma série de conclusões dialéticas. Por exemplo, ele tende a reconhecer que os organismos proveem dos corpos inorgânicos. Afirma:

"dos corpos insensíveis nasceram os seres vivos".

Particularmente interessantes são seus pontos de vista político-sociais, nos quais aborda historicamente a vida social, demonstrando sua evolução progressiva. Os homens achavam-se, primeiramente, num estado selvagem idêntico ao dos animais; viviam em bosques e cavernas, não tinham roupa nem conheciam o fogo; comiam os alimentos em seu estado natural; suas relações sexuais eram desordenadas. Em seguida, depois de muitos séculos, elevou-se-lhes um pouco o nível cultural. Começaram a confeccionar roupas com peles de animais e a construir casas. Iniciaram o uso do fogo; aprenderam a empregar os metais; criaram a família. Mais tarde, os homens, por livre e espontânea vontade, uniram-se em clãs e tribos e criaram o Estado. Por fim, surgiram as cidades, a propriedade privada, e, derivando-se dela, a divisão dos homens em ricos e pobres, os quais mantinham-se em luta constante. Lucrécio via a causa deste movimento histórico da sociedade, do crescimento da sua técnica e da sua cultura em geral, no progresso do conhecimento da natureza pelo homem e em sua aspiração de satisfazer as próprias necessidades.

A filosofia grega, depois de Epicuro, sob a influência da decomposição do regime escravista e da perda da independência política da Grécia, vai-se consumindo cada vez mais. Ao submeter a Grécia, Roma apropria-se também dos seus valores culturais, entre eles a filosofia grega. Inicia-se uma peregrinação dos filósofos gregos à Roma. Mas também aqui aparece o crepúsculo do regime escravista. Embora os romanos contassem com uma série de filósofos ilustres, em geral a filosofia romana não tinha um caráter original como a da antiga Grécia. Os filósofos romanos, em sua maioria, limitavam-se a reelaborar a filosofia grega. No império romano, a filosofia teve um caráter predominantemente moral-religioso. A classe dominante buscava encontrar, na moral e na religião o apaziguamento das desordens sociais e um meio de fortalecer a sociedade escravista em decomposição. Por isso, com exceção do materialismo de Lucrécio e de outros discípulos de Epicuro, as escolas filosóficas idealistas gregas dos históricos, céticos, ecléticos e neoplatônicos tiveram em Roma a maior divulgação.

O Estoicismo

A filosofia dos estoicos nasceu na Grécia, no período da sua decadência. O fundador dessa filosofia foi Zenon, que viveu nos anos 336-264 A.C. Os representantes mais destacados da filosofia estoica em Roma foram o mestre do imperador Nero, Sêneca (ano 3 A.C. até 65 D.C.), o ex-escravo Epiteto (aproximadamente 50-138 D.C.) e o imperador Marco Aurélio (anos 121-180 D .C.).

Os estoicos tomaram suas conclusões de Heráclito e Aristóteles. Os primeiros estoicos aproximavam-se do materialismo. Como Heráclito, enunciavam o pensamento materialista sobre o papel primário do fogo que consideravam o princípio elementar do mundo. Mas, afastando-se da posição materialista, identificaram o fogo com a razão divina universal. Na teoria do conhecimento repetiam em grau considerável os pontos de vista de Aristóteles.

Os estoicos dedicavam-se antes de tudo aos problemas da moral. Reconheciam, em princípio, a igualdade dos homens, inclusive os escravos. Cada homem era um cidadão do mundo e não de uma cidade ou Estado separado. Nessas opiniões, os estoicos refletiam a influência niveladora do Império mundial romano, que tinha rompido os estreitos limites das antigas divergências entre tribos e cidades. Os estoicos achavam que a atividade filosófica devia ser encaminhada, antes de tudo, para o estabelecimento de normas de conduta humanas, de educação moral dos homens. Em seus conceitos éticos, foram partidários da apatia, isto é, da paz da alma obtida mediante o ascetismo.

A prédica da submissão à realidade e ao idealismo mostrou-se particularmente forte no estoicismo romano (Sêneca, Epiteto, Marco Aurélio). Esses conceitos mais tarde foram copiados pela religião cristã.

O Ceticismo

Outra corrente filosófica do período da decadência do regime escravista foi o ceticismo. Seu fundador foi o grego Pirron (viveu aproximadamente nos anos 360-270 A.C.) e seus continuadores mais proeminentes foram Carnéades (214-129 A.C.) e Sexto Empírico (por volta do ano 150 D.C.). Partindo também dos problemas da moral, os céticos viam a felicidade do homem na tranquilidade. Para atingir essa tranquilidade o homem devia abster-se de todo o juízo concreto sobre as coisas porque desconhece o que elas representam e jamais poderia conhecer-lhes a natureza. Os órgãos dos sentidos não forneciam provas fidedignas. Homens diversos percebem as coisas de forma diversa e, em consequência, emitem sobre elas julgamentos contraditórios, nenhum dos quais é verídico, mas "provado". Por isso, deve-se renunciar ao conhecimento do mundo, deve-se ser indiferente à verdade e, dessa forma, alcançar uma vida calma.

Uma expressão clara da decadência da filosofia da sociedade antiga, incapaz já de produzir qualquer novidade, qualquer coisa original, foi a filosofia eclética. O maior representante do ecletismo foi o famoso orador romano Marco Túlio Cícero (anos 106-43 A.C.). Os ecléticos procuravam conciliar as diferentes correntes filosóficas hostis: platônicos, aristotélicos, epicuristas e estoicos. Nada criaram de original.

O Neoplatonismo

Uma influência enorme sobre o desenvolvimento da filosofia cristã exerceu a filosofia mistico-religiosa dos neoplatônicos, na qual a doutrina de Platão sobre as ideias aproxima-se do cristianismo pela prédica da religião e do ascetismo. O representante mais notável do neoplatonismo foi Plotino (segunda metade do século III D.C.). Na sua doutrina, o princípio primário, a causa de tudo que existe é Deus, o ser espiritual mais perfeito. Deus cria a Inteligência universal por sua emanação, sua irradiação. Essa Inteligência, por sua vez, engendra a alma universal e produz a matéria sensível, a natureza. As coisas da natureza estão dotadas de uma alma singular que é parte integrante da alma universal. Também o homem tem alma. A alma humana, antes de revestir-se de envólucro corporal, encontrava-se no mundo supersensível, onde contemplava a Inteligência universal e a divindade. O corpo do homem, como toda a matéria, é mau; induz a alma humana a desejos materiais pecadores, contrários à divindade. Por isso, o objetivo da conduta humana deve ser a renúncia a todas as atrações corporais, à libertação da alma humana das exigências corporais. Nessas condições, a alma humana volve novamente ao supersensível para contemplar a divindade e unir-se a ela. Se a alma humana pecar, ou se entregar aos prazeres materiais, será trasladada, como castigo, a outro corpo inferior, a um corpo de escravo, dum animal e mesmo dum vegetal.

Esta filosofia mística dos neoplatônicos teve sua parte mais notável absorvida pela religião cristã. O cristianismo, expulsando o materialismo grego e romano, destruindo uma série de obras dos filósofos dessa tendência, vingava-se desapiedadamente de seus adversários durante um milênio, enviando à fogueira todos aqueles que se manifestavam contrários à religião e ao idealismo e favoráveis ao livre desenvolvimento da ciência.


Notas de rodapé:

(4) J. Stalin. Discurso pronunciado no primeiro congresso dos colkhosianos de choque. "Questões do Leninismo". Versão espanhola, Moscou de 1941, página 493. (retornar ao texto)

(5) F. Engels. Anti-Dühring, obras de Marx Engels, tomo XIV, edição russa, página 183. (retornar ao texto)

(6) Pelo nome de tirania grega, onde a palavra tirania é empregada com um sentido completamente diverso do que tomou posteriormente, deve-se entender um poder ditatorial que não defende, entretanto, os interesses da "Elite" aristocrática da sociedade, mas da parte democrática dos escravistas, contribuindo para o desenvolvimento comercial, industrial, etc. Tal foi, por exemplo, o tirano Písistrato de Atenas (anos 560-527 A.C.) (retornar ao texto)

(7) F. Engels. Ludwig Feuerbach, obras de Marx Engels, tomo XIV, edição russa, páginas 651 e 652.(retornar ao texto)

(8) F. Engels. Anti-Dühring, obras de Marx Engels, tomo XIV, edição russa, páginas 20 e 21. (retornar ao texto)

(9) Idem, página 340. (retornar ao texto)

(10) Hegel. Obras, tomo XIX, edição russa, página 308. (retornar ao texto)

(11) Citado por Lenin. Cadernos Filosóficos, edição russa, página 318. (retornar ao texto)

(12) Crátilo, discípulo de Heráclito, exagerou o ponto de vista dialético de seu mestre sobre o mundo até o absurdo, afirmando que não se pode entrar sequer uma única vez num rio. Negava a existência das próprias coisas, considerando-as uma espécie de torvelinho em que nada se podia distinguir. Por isso, Crátilo, segundo afirmam, renunciou a chamar as coisas pelos seus nomes, já que "nada pode dizer-se de nada", e limitava-se, em silêncio, a indicar os objetos com o dedo. Esse ponto de vista, de fundo idealista subjetivo, que, em princípio, nega a presença do caráter estável e definido da matéria em movimento, que considera tudo absolutamente relativo, condicional, chama-se relativismo. (retornar ao texto)

(13) F. Engels, Dialética da Natureza. (retornar ao texto)

(14) Os astrônomos gregos posteriores, particularmente Aristarco de Samos, deram passos mais decisivos para o sistema heliocêntrico do mundo, declarando que não era o sol que girava em torno da terra, mas a terra que girava em torno do sol imóvel. (retornar ao texto)

(15) Lênin, Cadernos Filosóficos, edição russa, página 261. (retornar ao texto)

(16) Aquiles, herói da guerra de Troia, que corria com muita velocidade: introduzido na "Ilíada" de Homero. (retornar ao texto)

(17) Lenine. Cadernos Filosóficos, edição russa, página 275. (retornar ao texto)

(18) Marx e Engels. Ideologia Alemã. (retornar ao texto)

(19) Lenine. Cadernos Filosóficos, edição russa, página 286. (retornar ao texto)

(20) Lenin. Cadernos Filosóficos, edição russa, página 333. (retornar ao texto)

(21) Aristóteles. Física, Livro II, Capítulo I. Edição russa. (retornar ao texto)

(22) Lenin. Cadernos Filosóficos, edição russa, página 332. (retornar ao texto)

(23) Lenin. Cadernos Filosóficos, edição russa, página 334. (retornar ao texto)

(24) Aristóteles. Física. Livro VIII, Capítulo III, edição russa. (retornar ao texto)

(25) Lenin. Cadernos Filosóficos. Edição russa, página 282. (retornar ao texto)

(26) Lenin. Cadernos Filosóficos. Edição russa, página 332. (retornar ao texto)

(27) Lenin. Obra cit., página 332. (retornar ao texto)

(28) Engels. Dialética da Natureza. Em obras de Marx e Engels, tomo XIV, edição russa, página 455. (retornar ao texto)

Inclusão 09/11/2015