O PCP e a Luta pela Reforma Agrária

Partido Comunista Português


A «REFORMA AGRÁRIA» QUE SALAZAR PREPARA
ÁLVARO CUNHAL


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(In Unidade, Garantia da Vitória. Informe ao Comité Central do Partido Comunista Português, Junho, 1947. Relator: Duarte(1).)

Na agricultura nada se faz para entregar aos camponeses o milhão de hectares incultos mas cultiváveis, nem outras centenas de milhar de hectares, de impossível avaliação à base das estatísticas oficiais, que os grandes latifundiários condenam à esterilidade. Aos pequenos proprietários e rendeiros não são dadas facilidades de crédito, nem de adubos, nem de auxílio técnico e sobre eles continuam pesando os sufocantes cargos tributários.

Em compensação fortalecem-se os monopólios na agricultura e um punhado de grandes agrários fascistas comanda a agricultura nacional de harmonia com os seus interesses particulares. A promessa feita pelo Ministro da Economia em 1 de Março da breve publicação do «Estatuto das Federações Regionais dos Grémios da Lavoura» outra coisa não será senão a consagração de, novos monopólios.

Decretos publicados em 24 e 25 de Novembro passado criaram um «Fundo de Melhoramentos Agrícolas» no montante de 200 mil contos. Desse «Fundo» são concedidas verbas aos grandes agrários nos termos da lei sobre a chamada «Assistência Técnica aos Agricultores» aprovada na «Assembleia Nacional» em Janeiro de 1946. Conforme prevenimos no II Congresso Ilegal, dessa lei — de que foi relator o grande agrário e senhor da C.a das Lezírias, Conselheiro Pinto Veloso — estão aproveitando os grandes agrários, em prejuízo dos pequenos proprietários e rendeiros, que têm de pagar os «melhoramentos fundiários» ou «um equitativo aumento de renda».

As preocupações fascistas quanto à agricultura residem na defesa dos lucros e dos bens dos grandes agrários. Em virtude da miséria e do desemprego que imperou nos campos alentejanos, este Inverno, como todos os Invernos, as populações famintas foram aos montados dos grandes senhores. O governo nada faz para resolver a situação dos camponeses. Ao contrário, na «Assembleia Nacional» vemos os deputados fascistas, eles próprios grandes agrários ou seus representantes, afirmarem que não chegam os guardas particulares, nem a G. N. R., e que se impõe a criação duma Polícia Rural. A mesma reclamação foi feita quando da visita do Ministro da Economia a Évora em 30/IV/47. O fascismo decreta a fome para as massas camponesas. Se protestam, é a repressão. Se procuram com que matar a fome é a repressão também.

A polícia fascista condena a população laboriosa dos campos à miséria, à fome e ao desemprego, e a agricultura nacional ao atraso, à ruína, às produções deficitárias que cada ano são justificadas com as tempestades, chuvas ou secas.

O salazarismo prepara, porém, o anúncio de espectaculosas medidas demagógicas. Essas medidas, mais dia menos dia, aparecerão com estardalhaço sob a forma duma «Reforma Agrária». Para responder, por um lado ao descontentamento das centenas de milhar de camponeses assalariados, para criar por outro lado uma nova classe camponesa reaccionária que sirva de tampão entre os grandes agrários e as massas assalariadas, para responder finalmente aos clamores que condenam o salazarismo de responsável da incultura e do atraso da agricultura nacional —o governo prepara-se para anunciar uma «Reforma Agrária».

Já em Novembro de 1945, Salazar, respondendo à pergunta de António Ferro «qual o dia de amanhã?» dizia dever juntar-se ao seu programa a preocupação de uma profunda «reforma agrária» («O Século», 15/XI/45). O fascista Araújo Correia, no «Parecer sobre as Contas Gerais do Estado» de 1945 põe como um dos grandes problemas a atacar «uma reforma agrária nacional, justa, prática e recomendadora». O fascista Bustorff Silva diz em 24 de Março na «Assembleia Nacional» que «a aspiração duma Reforma Agrária em bases racionais está mais que justificada».

Agora, o também, Secretário de Estado da Agricultura, na visita que fez em 16 de Março à Herdade do Pereiro, onde um grande agrário estabeleceu uma plataforma de colonização que lhe garante grandes lucros futuros, tornou mais claros os projectos fascistas.

Interessa deter um pouco a atenção no que se passa na Herdade do Pereiro. Trata-se da instalação, nas terras dum grande agrário, de 40 casais agrícolas, a cada casal é atribuída uma parcela, obrigando-se o colono à colaboração com o proprietário a fim de obter maiores e melhores produções; residir no casal; guardar e conservar a propriedade; trabalhar e cultivar a sua parcela; fornecer toda a mão-de-obra necessária à exploração, além de pagar metade das sementes, adubos, palhas, fenos, quota anual de desvalorização do gado e alfaias e de metade das despesas inerentes à elevação e distribuição das águas de rega. O agrário dá usufruição da propriedade, casa de habitação, estábulo e pocilga, paga contribuições, impostos e seguros, fornece gados e alfaias.

É bem evidente que se não trata de mau negócio para o grande agrário fascista. As quarenta famílias camponesas irão matar-se de super-trabalho nas courelas que não são suas. Metade dos produtos caberá ao grande agrário além da cortiça que lhe caberá integralmente. E essas 40 famílias constituirão a base duma nova classe, agarrada à terra pelas suas dificuldades e pelo sangue e pela vida queimada no seu amanho, explorando o trabalho camponês («o colono obriga-se a fornecer toda a mão-de-obra necessária à exploração»), tornando-se uma classe tampão entre o grande agrário e a massa dos camponeses assalariados.

Na sua visita a esta herdade, o Subsecretário afirmou:

«Os louvores devem ser cantados bem alto para que todos ouçam e proliferem as iniciativas desta índole que, multiplicadas, virão a constituir, à luz do interesse nacional, verdadeira reforma agrária, reforma agrária que não resulta da imposição legal, mas que é consequência lógica da compreensão, da inteligência, do coração e, porque não dizê-lo, do próprio interesse dos grandes lavradores da grande planície alentejana».

Não é pois uma reforma agrária o que o fascismo prepara, mas uma medida demagógica «consequência da compreensão, da inteligência, do coração e, porque não dizê-lo, do próprio interesse dos lavradores da grande planície alentejana», desses grandes lavradores que são ao mesmo tempo ministros, deputados fascistas, procuradores à Câmara Corporativa, embaixadores no estrangeiro. Serão os grandes agrários fascistas que, à semelhança do dono da Herdade do Pereiro, estabelecerão planos de colonização dos incultos, para que as terras sejam desbravadas em seu benefício pessoal e dos seus ricos herdeiros, à custa do suor, da saúde e das privações de gerações de famílias camponesas.

Quem esqueceu já o exemplo da Goucha, em que depois de gerações terem enriquecido a terra com o seu trabalho os camponeses tiveram que resistir em massa, defrontando a metralha para não serem expulsos das suas casas e das suas fazendas? E não está bem presente o caso da Serra de Mértola em que a ditadura fascista procura tirar as terras aos pequenos e pequeníssimos ceareiros que no seu cultivo têm dado as suas vidas, a das suas mulheres e dos seus filhos?

O salazarismo, ao anunciar uma «reforma agrária» não faz mais do que reeditar, ainda que em novos moldes, as tentativas feitas pela grande burguesia depois da Primeira Guerra Mundial em vários países para impedir a união do campesinato com o proletariado e a vaga crescente da revolta. Poderemos vir a ver o anúncio, em grandes letras, da distribuição de terras pelos camponeses; e a formação de Comissões para levarem à prática tal reforma; e a abertura de inscrições para os camponeses; e o anúncio até de que os que desejam emigrar de Portugal aí têm no próprio solo nacional um território a conquistar; e, no fim de tudo, a criação de uns tantos «Casais Agrícolas» de tipo semelhante ao da Herdade do Pereiro, ou a distribuição demagógica de uns pedaços de terra pobre.

É necessário desmascarar perante o País estes propósitos fascistas, alertando as classes camponesas contra qualquer «reforma agrária» que os grandes agrários, de colaboração com o governo de Salazar, venham a fazer, para a defesa dos seus interesses e não para satisfazer as reivindicações das massas camponesas e para o desenvolvimento da agricultura nacional.

Que as muitas centenas de milhar de hectares de terra inculta e dos grandes senhores absentistas, e as daqueles que enriquecem com a especulação ou negócios com o «Eixo», sejam entregues aos camponeses, que lhes seja dado crédito, e adubos, e sementes, e auxílio técnico. Que aos foreiros e rendeiros dos grandes latifundiários seja dada posse livre da terra. Que os pequenos proprietários sejam auxiliados financeiramente e tecnicamente e aliviados de contribuições. Esta é a reforma agrária imediata que a população laboriosa dos campos necessita para se salvar da fome e da ruína e que a agricultura nacional necessita para o seu progresso.

continua>>>

Notas de rodapé:

(1) Pseudónimo usado na clandestinidade pelo camarada Álvaro Cunhal. (retornar ao texto)

Inclusão 29/05/2019