O PCP e a Luta pela Reforma Agrária

Partido Comunista Português


PELA REFORMA AGRÁRIA
ÁLVARO CUNHAL


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(In Rumo à Vitória, Edições «Avante!», 1964.)

1. Portugal encontra-se dividido, quanto ao regime de propriedade, em duas zonas bem diferenciadas, separadas pelo Tejo: ao norte predomina a pequena propriedade, ao sul predomina a grande propriedade. Neste panorama geral, aparecem algumas importantes manchas discordantes: por um lado, a da pequena propriedade no litoral algarvio, por outro lado, as de grande propriedade no Alto Douro, na região fronteira do nordeste e, como que num prolongamento do Alentejo para o norte do rio, no distrito de Castelo Branco até às serras da Gardunha e da Estrela e em concelhos ribeirinhos dos distritos de Lisboa e Santarém.

Na zona da grande propriedade, a terra está praticamente nas mãos dos grandes e muito grandes proprietários. Nos distritos de Portalegre, Évora, Beja e Setúbal 50 644 explorações de menos de 50 hectares, ou seja, mais de 90% do total de 55 850 explorações, têm apenas 18% da terra de cultura arvense (cereais e leguminosas em cultura extensiva). Quanto às grandes explorações, 3019 de mais de 100 hectares, ou seja 5,4% do número, ocupam mais de 1 milhão e meio de hectares de cultura arvense, ou seja três quartas partes do total. Às 777 maiores explorações (de mais de 500 hectares), que representam apenas 1,4% do número, cabe metade da terra de cultura arvense.

Ao sul do Tejo, há centenas de explorações agrícolas com mais de 1000 hectares, muitas dezenas com mais de 2500 hectares e são mais numerosas do que em geral se cuida as explorações com 5 mil, 10 mil hectares e mais.

O contraste entre estes grandes domínios territoriais e ai escassez da terra dos mais pequenos agricultores é de tal forma chocante que algumas simples comparações não podem deixar de provocar indignação e revolta. As Herdades da Palma e de Rio Frio, por exemplo, têm cada qual cerca de 16 000 hectares. Só qualquer destas duas herdades ocupa mais terra que numerosos concelhos, onde entretanto existem 50 000, 70 000, 90 000 e mais prédios rústicos.

Apesar da nítida diferenciação regional das zonas de grande e de pequena propriedade, seria errado supor que, nestas últimas, os pequenos proprietários dominam de facto as actividades agrícolas. É um erro deduzir das pequenas áreas dos prédios rústicos nas regiões de pequena propriedade que aí impera de facto a pequena propriedade, que «a terra está bem dividida», que «cada qual tem o seu bocado». Como já Lénine ensinou, os números relativos à divisão da propriedade «são fictícios e produzem a ilusão do bem-estar geral» («O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia», cap. II, 2). Nas regiões de grande propriedade, as áreas médias dos prédios ou das explorações escondem a enorme extensão dos grandes prédios e explorações. Nas regiões de pequena propriedade escondem tanto a escassez de terra ao dispor dos pequenos agricultores, como a existência de grandes proprietários. A verdade é que, mesmo nas regiões de pequena propriedade, a pequena produção está longe de ter a posição predominante que lhe é atribuída.

Quando verificamos que as áreas médias dos prédios rústicos oscilam nos distritos dessas regiões entre 0,3 e 0,6 hectares, as áreas médias das explorações agrícolas entre 4 e 17 hectares e as áreas médias por proprietário entre 3 e 9 hectares, isso é um sintoma de que há grandes explorações e há grandes proprietários com dezenas de pequenos prédios.

Além disso, em algumas regiões de pequena propriedade, um número muito elevado de pequenas explorações não são por conta própria, mas de rendeiros e parceiros (40% no distrito do Porto, 32% no de Braga). São os camponeses pobres que trabalham em pequenos casais ou quintas. Mas são os ricos proprietários que guardam o fruto desse trabalho nas numerosas parcelas que arrendam. Nesses casos, vemos predominarem a um tempo os grandes proprietários e os pequenos agricultores. Nas regiões de grande propriedade, a quase totalidade da terra pertence a explorações com centenas e milhares de hectares, as pequenas explorações quase desapareceram, predomina em absoluto o proletariado rural. Nas regiões de pequena propriedade, fortalece-se o poder de grandes proprietários de pequenas propriedades e uma classe ainda numerosa de pequenos agricultores em vias de ruína e de proletarização é confinada numa superfície agrícola cada vez mais reduzida.

Pode dizer-se, em relação ao conjunto continental, que em Portugal predominam as grandes explorações agrícolas. Um inquérito feito em 1952-54 revela que, num total de 801 162 explorações agrícolas existentes no Continente, 400 469 tinham menos de 1 hectare e 3546 mais de 100 hectares. A estas 3546 maiores explorações, que representavam apenas 0,4% do número total das explorações, cabiam cerca de 45% do total da terra, dez vezes mais terra que aquela que cabia às 400 mil mais pequenas explorações!

A concentração da terra nas mãos de um pequeno número de famílias, fica ainda mais evidenciada, ao considerarmos que menos de 10 000 proprietários possuem mais de metade da terra de Portugal continental; que a 848 explorações com mais de 500 hectares cabe mais de um quarto do total da terra; que os 500 maiores proprietários têm mais terra que os 500 mil mais pequenos!

Que indica uma tal situação? Indica a necessidade urgente de uma reforma agrária que entregue a terra, hoje em poder de um pequeno número de latifundiários, aos assalariados rurais e aos camponeses pobres. Uma tal reforma atingirá um número muito pequeno de famílias parasitárias e beneficiará muitas centenas de milhar de famílias camponesas.

A questão, na prática, é sem dúvida complexa. Não se pode levar a terra do sul para o norte, nem é fácil a deslocação para o sul de milhares de pequenos proprietários nortenhos. Dada a grande diferenciação regional quanto à divisão da propriedade, pode quase dizer-se que em Portugal se impõe a realização não de uma Reforma Agrária, mas de duas reformas agrárias, uma nas zonas de grande propriedade, outra nas zonas de pequena propriedade, reformas que tenham em conta as características especiais de cada região, o peso relativo do proletariado rural e do campesinato e dentro deste dos seus vários estratos. Mas a divisão da propriedade mostra claramente que um primeiro e decisivo passo pode ser alcançado em benefício da quase totalidade da população activa nos campos atingindo apenas uma mão-cheia de parasitas.

Repare-se: se a terra que cabe às 3500 maiores explorações agrícolas fosse distribuída pelas 400 000 mais pequenas, cada uma destas ficaria com cerca de 10 vezes mais terra do que tem na actualidade. Se se expropriassem apenas os 500 maiores proprietários e as terras fossem distribuídas pelo meio milhão de pequenos agricultores, estes veriam duplicadas as suas terras!

É evidente que, dadas as grandes diferenças regionais (de fertilidade dos terrenos, de cultura, de rega, etc.) não pode haver uma dimensão única à escala de todo o País, para as grandes e para as pequenas explorações agrícolas, para as grandes e para as pequenas propriedades. Dez hectares de regadio, por exemplo, podem constituir de facto uma exploração agrícola de «maior dimensão» do que 100 hectares de sequeiro.

Tendo em conta essas diferenças regionais, impõe-se como primeiro passo da Reforma Agrária, no que respeita à propriedade e posse da terra, a expropriação e a entrega aos assalariados rurais e aos camponeses pobres das muito grandes propriedades. Tal medida atingirá um número reduzido de grandes proprietários e beneficiará centenas de milhar de trabalhadores da terra.

2. Tempos atrás, na discussão deste problema, alguns camaradas lembraram as reclamações da lavoura, incluindo grandes proprietários, contra a política agrária do governo fascista. Não irá a reclamação da Reforma Agrária modificar essa sua posição? Não são os grandes proprietários rurais possíveis aliados contra a ditadura fascista?

Sem dúvida que existem contradições sérias entre os monopólios industriais e bancários e os grandes senhores da terra. Em muitos pontos, os interesses dos monopólios industriais e bancários e os interesses dos grandes proprietários rurais são contraditórios. Os industriais (ao contrário dos lavradores) estão interessados no baixo preço das matérias-primas agrícolas e dos produtos alimentares, que lhes permitem pagar mais baixos salários. Os lavradores (ao contrário dos industriais) estão interessados no baixo preço dos produtos industriais, designadamente os de aplicação na agricultura. Os industriais opõem-se à subida dos preços dos produtos agrícolas e os lavradores protestam contra os altos preços dos adubos, das máquinas, dos tecidos. Os industriais pretendem roubar ao domínio da agricultura as indústrias consideradas subsidiárias desta (moagem, descasque, lacticínios, conservas de fruta, legumes e carnes, etc.); os grandes lavradores pretendem alargar a sua actividade a tais ramos industriais.

Se os grandes moageiros conseguem impedir a instalação de fábricas de descasque de arroz pelos grandes proprietários, estes protestam. E se estes conseguem instalá-las, os moageiros fazem barulho. Se os grandes lavradores conseguem estabelecer uma instalação industrial «piloto» para a penteação de lãs, é a vez de protestarem os industriais. E como os lavradores que penteiam pretendem fiar e os industriais que fiam pretendem pentear, as escaramuças sucedem-se na zona fronteiriça dos seus interesses.

O mesmo sucede com os transportes. Se a CP alcança o exclusivo do transporte de adubos e não assegura a sua entrega a tempo e horas, reclamam os lavradores; e se os lavradores, pressionados pela necessidade, fazem transportar por sua conta os adubos, reclama a CP o pagamento do transporte!

O mesmo sucede com o crédito. Se os bancos põem restrições ao crédito e exigem maiores amortizações aos proprietários devedores, estes impacientam-se, protestam, exaltam-se, perdem as estribeiras e chegam a reivindicar «a reforma bancária ou a sua nacionalização». No órgão da União Nacional o pudemos ler (Diário da Manhã, 9-7-63).

Existe assim uma série de interesses contraditórios que colocam constantemente em conflito os grandes lavradores e os grandes industriais e banqueiros. E, porque, com a criação e domínio dos monopólios, «a desproporção entre o desenvolvimento da agricultura e o da indústria, característica do capitalismo em geral, ainda se acentua mais» (Lénine, «O Imperialismo», I) as crises da lavoura são frequentes e adquirem por vezes aspectos agudos. Mas, quando os grandes proprietários e capitalistas da agricultura reclamam modificações da política agrária do governo fascista, quando o grande proprietário Picão Caldeira fala na «situação aflitiva da lavoura» (30-3-62), ou o grande proprietário Nunes Mexia afirma que «nalgumas regiões não se está longe do limite máximo da resistência possível» (26-3-63), quando o fascista Nunes Barata reclama na Assembleia fascista contra a «distorção entre os preços dos produtos agrícolas e os preços dos produtos industriais (O Século, 13-12-60), quando nas «Jornadas Cerealíferas e Leiteiras» realizadas em Junho de 1963 os grandes lavradores reagem contra uma política demasiado favorável ao, capital industrial — eles não estão contra o governo, antes exigem do seu governo mais atenção pelos seus interesses, uma posição mais equitativa entre as várias classes que o governo serve.

Apesar porém destas contradições de interesses, os grandes proprietários e capitalistas da agricultura estão cada vez mais intimamente ligados ao capital financeiro. Os grandes agrários tornam-se banqueiros e industriais e quase não existe um grande industrial ou banqueiro que se não torne grande proprietário. Quem ignora que os grandes proprietários Manuel Vinhas, Calheiro Lopes, Carreiras de Sousa, Andrade Lopes, condes de Vilalva e outros são grandes banqueiros e industriais? Quem ignora que os grandes industriais Ferreiras do Ave e os Pinto de Azevedo são muito grandes proprietários? Quem ignora que o Banco Lisboa & Açores está na Agrícola Barrozinha, o Banco Espírito Santo na Herdade da Comporta e o Banco Borges & Irmão nos Vinhos do Porto? Quem ignora que os grandes proprietários do Alentejo criaram os seus próprios bancos (do Alentejo e da Agricultura) e intervêm assim em larga escala na indústria e nos negócios bancários?

Não. Os grandes proprietários disputam aos grandes industriais e banqueiros a partilha do bolo. mas, de braço dado com eles, apoiam e dirigem a política do governo fascista, exploram e oprimem as classes laboriosas e as mais vastas camadas da população. Não se espere dos grandes proprietários uma posição favorável à revolução democrática. Não haja ilusões. Eles não encabeçam a luta do campesinato. Eles procuram sim uma política mais favorável do governo, mas favorável para eles, grandes proprietários e capitalistas da agricultura. Eles pretendem resolver as suas dificuldades à custa do proletariado e do campesinato, em geral. Eles que já hoje têm nas suas mãos a maior parte das terras, têm em vista ainda uma maior exploração das classes laboriosas, têm em vista apressarem ainda mais a liquidação dos pequenos agricultores. A revolução democrática não pode ser deles, pois é contra eles. Esses poucos milhares de parasitas, que exploram quase um milhão de proletários e semiproletários rurais e que têm mais terra que o meio milhão de pequenos agricultores, são dos maiores inimigos do nosso povo e da nossa Pátria. A Reforma Agrária deve arrancar-lhes as terras e entregá-las a quem as trabalha.

Uma outra objecção surgiu ainda. Alguns camaradas lembraram que, entre os anti-salazaristas, poderia eventualmente haver alguns proprietários abastados. Não iriam eles assustar-se com a Reforma Agrária, passar a uma posição anticomunista e ligar-se ao salazarismo? E não seria mesmo de cortar o coração ver atingidas pela Reforma Agrária algumas boas pessoas de sentimentos democráticos? Naturalmente que, ao anunciar o Partido as linhas gerais de uma Reforma Agrária, alguns raros grandes proprietários de opiniões liberais vão medir melhor as suas terras e calcular se serão ou não expropriados. Que se assustem ou não se assustem é lá com eles. A revolução democrática e nacional em que o povo português está empenhado não é a revolução do Sr. Fulano ou do Sr. Beltrano. É, como todas as revoluções, a revolução de certas classes sociais contra outras classes sociais. É a revolução do proletariado, do campesinato, da pequena burguesia, de certos sectores da média burguesia, contra as classes que constituem a base social do fascismo — os grandes capitalistas e os latifundiários. Se há um ou outro latifundiário que, não evidentemente por nisso representar os interesses dos latifundiários, mas por uma posição individual, esteja pela revolução democrática, ninguém pretenderá que, por esse facto, esta tenha de alterar os seus objectivos políticos. À semelhança da palavra de ordem dada anos atrás para que os operários não assustassem com a luta os patrões anti-salazaristas, renunciar à Reforma Agrária a pretexto de tais alianças, seria do mais puro oportunismo.

Mas que não se preocupem os camaradas de corações sensíveis. Os grandes proprietários que serão atingidos pela Reforma Agrária têm sido uma das bases da ditadura fascista.

São eles, junto com os monopolistas, que traçam a política de perseguições, de fome, de terror, que o povo português tem duramente sofrido nos últimos 38 anos. São eles que, em relação à agricultura, têm sacrificado, em defesa dos seus interesse próprios, toda a população laboriosa dos campos. Expropriar-, -lhes as terras e entregá-las a quem as trabalha, não é apenas uma medida de justiça social, uma condição para o melhoramento da situação das classes laboriosas dos campos e para o progresso da agricultura e da economia portuguesa no seu conjunto. É também uma medida política necessária para elimina uma das principais bases sociais da reacção e do fascismo.

3. A política agrária do governo fascista tem estado inteiramente ao serviço dos latifundiários e do grande capital, contra todas as camadas laboriosas dos campos. Bater, arruinar, aniquilar a pequena produção agrícola, explorar sem limites o assalariado rural, — tal tem sido a política do governo fascista.

A pequena produção está irremediavelmente condenada pelo desenvolvimento do capitalismo. Em todos os aspectos está em situação desvantajosa em relação à grande exploração.

No que respeita a tractores, a distribuição regional mostra, sem sombra de dúvida, que só praticamente os utilizam os grandes lavradores; 82% dos tractores são utilizados nas zonas de grande propriedade.

No que respeita a gado, a grande maioria de pequenos agricultores não tem qualquer gado de trabalho, ao passo que são frequentes as grandes explorações com 200, 300 e mesmo 400 cabeças de gado de trabalho. No total de 400 000 explorações de menos de 1 hectare, cerca de 300 000 não têm gado de trabalho. Em contrapartida, as explorações de 500 a 2 500 hectares têm em média 40 animais de trabalho por exploração e as de mais de 2 500 hectares, 112 animais de trabalho.

No que respeita à venda de produtos, cada ano, com a batata, com o vinho, com as frutas, torna-se de clamorosa evidência que o pequeno produtor está à mercê dos grandes lavradores, armazenistas e intermediários, que, encaixados nos Grémios, Juntas e Federações fixam preços, organizam estrangulamentos no mercado, provocam a baixa e obrigam o pequeno produtor a vender apressadamente a preços ruinosos para depois eles venderem a altos preços. A fruta e a batata apodrecem no produtor, quando faltam no mercado, ou são pagas por 1 àquele para serem vendidas a 5 neste. Importa-se, quando o agricultor não consegue vender. Baixa o preço do gado e sobe o preço da carne. Bom vinho dos pequenos vai para a queima para que se coloque a zurrapa dos grandes. Toda a política fascista dos preços e dos mercados está dirigida contra o pequeno agricultor.

No que respeita aos impostos, observa-se o facto singular de serem eles tanto maiores quanto menores são as explorações. Tal situação tende e tenderá a agravar-se, tal como mostra o facto de a contribuição predial rústica aumentar mais rapidamente nas zonas de pequena propriedade que nas de grande.

No que respeita ao crédito, enquanto os grandes podem em certa medida obter empréstimos em bancos e outras instituições de crédito a juro moderado, os pequenos caem nas mãos dos usurários, que lhes emprestam pequenas quantias a juros elevadíssimos para depois em muitos casos lhes arrebatarem as terras.

A pequena produção agrícola não tem condições para competir vitoriosamente com a grande. Tem por si todas as desvantagens. Terra escassa, pior e muitas vezes parcelada em courelas insignificantes e distantes, impossibilidade de usar máquinas e uma técnica progressiva, penúria de gado, falta de dinheiro e de crédito, dificuldade de colocação dos produtos no mercado, venda na pior altura e aos piores preços.

Os pequenos produtores lutam desesperadamente para sobreviver. A intensidade do trabalho, através do qual dão à sociedade, como «presente gratuito», milhões de horas de trabalho, o trabalho das mulheres e das crianças, as privações familiares, são as únicas «armas» ao dispor dos pequenos agricultores para resistirem à exploração de que são vítimas por parte dos grandes proprietários e dos capitalistas, dos armazenistas e dos comerciantes, dos usurários e do governo. Não se salvam entretanto da derrota. Num processo lento ao longo dos anos, os pequenos produtores são conduzidos a dificuldades crescentes, ao endividamento e à ruína.

O governo fascista, prosseguindo uma política de protecção dos grandes proprietários rurais e dos grandes capitalistas na agricultura, criando para uns e para outros a organização corporativa, pondo o aparelho do Estado ao seu serviço, apressa o processo da liquidação da «pequena produção independente».

4. Toda a política fascista visa aniquilar de facto a pequena produção e a pôr a agricultura nacional nas mãos de um número cada vez menor de latifundiários e capitalistas.

As tão faladas leis do emparcelamento, da «colonização» e da «reconversão agrícola» do sul do país, são exemplos esclarecedores dessa política.

Qual o objectivo dos sucessivos projectos de emparcelamento? O objectivo tem sido, não a defesa dos interesses dos pequenos agricultores, pelo emparcelamento das suas pequenas leiras de terra de forma a tornar viável a exploração, mas sim a expropriação das melhores terras aos pequenos proprietários a fim de que os grandes proprietários nas regiões de pequena propriedade possam centralizar mais terra nas suas mãos e constituir grandes explorações de tipo capitalista mais «rentáveis», onde seja viável o emprego de máquinas e de melhores processos técnicos.

Em 1951, foi apresentado à Assembleia Nacional fascista um projecto de emparcelamento. Que estabelecia logo o primeiro artigo? Que o proprietário «pode ser obrigado por aquele que tenha terreno (confinante) com maior superfície (tripla) a trocá-lo por terreno da mesma natureza». No artigo 3, «na hipótese de o prédio do requerido ser encravado ou quando a área do prédio do requerente seja dez vezes superior à daquele, o maior confinante pode obrigar o requerido à venda do prédio». É evidente que se tinha em vista o emparcelamento compulsivo, que (a ser aprovado o projecto) seria uma arma violenta nas mãos dos grandes proprietários e pretexto para uma brutal cruzada de expropriações dos pequenos proprietários. O projecto não foi por diante, dada a encarniçada resistência a que previsivelmente daria lugar. Os grandes proprietários e os fascistas recuaram temporariamente.

Em fins de 1959 o governo voltou à carga. Uma nova proposta de lei admitia o emparcelamento coercivo. A discussão prolongou-se cerca de dois anos. O Diário da Manhã afirmava «não ter razão de ser... a dúvida que paira no espírito de muita gente..., receosa de que o emparcelamento conduza à constituição de grandes explorações, à custa da exploração dos pequenos agricultores» (27-10-62). Mas outros fascistas foram demasiado claros. O emparcelamento estava na sua ideia de tal forma ligado à expropriação e à expulsão de pequenos agricultores, que defendiam que estes fossem povoar... as colónias. O Secretário da Agricultura teve a audácia de dizer: «o emparcelamento devia ser conjugado com a fixação em África do nosso excedente demográfico» (19-1- -62). E o Sr. Nunes Barata, apregoava: «Eis como as realidades da Metrópole se conjugam com as necessidades de ocupação de vastos territórios das províncias ultramarinas» (Diário da Manhã, 21-1-62). Os grandes proprietários gostariam de impor o princípio de emparcelamento coercivo, ou seja de obrigar pela força os pequenos proprietários a entregar-lhes as suas terras. Muitos dos seus representantes na Assembleia fascista assim o disseram. Não tiveram entretanto coragem de levar por diante o projecto inicial. Em primeiro lugar porque, tocando no «sagrado direito da propriedade individual» dos pequenos, poriam em causa também o «sagrado direito» dos grandes. Em segundo lugar porque o emparcelamento coercivo provocaria, sem dúvida alguma, uma onda de revoltas camponesas. Cuidado! — alertava um deputado fascista mais previdente. Cuidado com a «antipática reacção por parte das classes rurais» (Diário das Sessões, 18-1-62). Foi o medo que os fez recuar.

Ninguém pode negar que o emparcelamento poderia ser útil, se dirigido pelos pequenos proprietários e para benefício destes. Mas também ninguém pode negar que, nas mãos dos grandes agrários e dos fascistas, é uma perigosa arma dirigida contra os pequenos agricultores, tendo em vista a sua liquidação.

Ficaram ainda na lei algumas disposições que permitem aos grandes proprietários e ao governo forçar os pequenos proprietários a entregarem as suas terras. Segundo a lei (artigo 39) o Conselho de Ministros pode aprovar e obrigar o emparcelamento desde que o projecto tenha sido aprovado pela maioria dos proprietários com maioria do rendimento colectável, «entendendo-se que o aprovam os proprietários que não tenham apresentado qualquer reclamação». Como as comissões «arbitrais» para efeito de avaliação dos terrenos e para dirigirem as operações de emparcelamento são compostas por grandes proprietários e funcionários do Estado salazarista, é fácil ver até onde podem ir os abusos. Daí ser necessário da parte dos pequenos agricultores uma grande vigilância e a disposição para uma resposta pronta e enérgica a quaisquer propósitos de os esbulharem das suas terras.

Os fascistas dizem entretanto por vezes que visam apenas corrigir os «defeitos da estrutura agrária», que são os interesses dos camponeses pobres que defendem com os emparcelamentos nas zonas de pequena propriedade. A melhor prova disso seria que, nas zonas de grande propriedade, defendem o emparcelamento da grande propriedade, a criação de núcleos de novas pequenas explorações.

Qual é porém de facto o objectivo dos parcelamentos no sul? O que se pretende com a «colonização»? Pôr termo à grande exploração agrícola capitalista?

De forma alguma. O que se pretende é a transformação da cultura extensiva dos grandes latifúndios de muitos milhares de hectares em grandes explorações agrícolas de algumas centenas de hectares, mas com investimentos de capital (constante e variável) incomparavelmente superiores. Ao dividir-se uma parte de um latifúndio em pequenas glebas, tem-se em vista atrair trabalhadores de outras regiões e fixá-los junto da grande exploração capitalista para aí trabalharem como assalariados. É esse o espírito dos recentes planos para a instalação de famílias de trabalhadores em pequenas glebas à volta das zonas beneficiadas pelas obras da hidráulica agrícola. Que este é o objectivo fica bem evidenciado no facto de que as glebas já distribuídas ou a distribuir nunca asseguram nem assegurarão a manutenção da família dos «colonos», antes constituem apenas um «complemento de salário», ganho na grande exploração confinante. Tais «pequenas explorações» nas zonas de grande propriedade são apenas «apêndices» das grandes explorações capitalistas e são criadas apenas para obter mão-de-obra garantida e a baixo preço para a grande exploração.

Uma tal orientação não é aliás aplicada exclusivamente no Alentejo. Sempre com o mesmo objectivo de obter mão-de-obra a baixo preço para a grande exploração capitalista, seja na zona fronteiriça da Beira, seja na região demarcada do Douro, seja mesmo no Minho, aparecem empresas pulverizadas.

Se os demagogos fascistas muitas vezes berram o humanitarismo dos seus planos, os técnicos da Junta de Colonização Interna são mais explícitos ao definirem como orientação da colonização «completar a economia da família (de assalariados rurais) com o hortejo ou a courela, onde, nos períodos de menor actividade e nas horas vagas, o trabalhador encontrará forma de, cultivando a terra, conseguir um acréscimo nas receitas do seu parco orçamento doméstico».

A coisa é tão evidente que o mesmo pensamento existe em certas regiões (como Vieira de Leiria) da parte de industriais, que consideram as glebas como «verdadeiros complementos do salário da indústria» e onde os operários «empregam parte dos seus ócios em contactos vivificadores com a Natureza» (Diário de Noticias, 1-5-62)... O mesmo da parte de industriais, que projectam instalar-se no Alentejo e propõem que se distribuam glebas complementares de salários nos arredores da fábrica, onde depois do trabalho, os operários poderiam matar o vício (sic) e ajudar a economia familiar (Eng. J. Sampaio, Jornal do Comércio, 30-8-63).

Os parcelamentos no sul inscrevem-se assim, tal como os emparcelamentos no norte, na mesma política de protecção aos grandes agrários e capitalistas, na mesma política de centralização e concentração na agricultura.

Quais os objectivos dos novos planos do povoamento florestal no Alentejo?

Segundo as declarações do Secretário da Agricultura feitas e n Novembro do ano findo, referentes à «reconversão agrícola» ao sul do Tejo, a cultura agrícola de sequeiro passará de 2 020 000 para 750 000 hectares, a florestal de 200 000 para 2 230 000 hectares e a de regadio de 60 000 para 230 000 hectares. A primeira coisa que salta à vista é o propósito aberto de liquidar a cultura cerealífera. Durante dezenas de anos toda a política do governo foi no sentido do fomento, da extensão, do «encorajamento» da cultura do trigo. Do pé para a mão, o governo resolve, nas palavras do Secretário da Agricultura, «desencorajar» a cultura do trigo e reduzir em mais de 1 milhão de hectares a cultura cerealífera no sul, ou seja reduzir esta a um terço da superfície actual. Desde logo se poderia dizer que, ou tem sido completamente imbecil a política do governo ao longo de dezenas de anos, ou é completa mente imbecil a política que agora se propõe seguir. Mas na verdade, contrária aos interesses da nação, sim, completamente irresponsável, também, imbecil de todo talvez não seja. Durante dezenas de anos o governo, com a sua política de trigo, com os subsídios dados aos grandes lavradores, garantiu a estes uma vida desafogada fundada na exploração miserável dos trabalhadores, na rotina, na preguiça, no desprezo pelos interesses nacionais. Só assim se tornou possível que se alargasse sempre mais e mais a cultura do trigo, apesar de se verificarem baixíssimos rendimentos médios de 6 quintais por hectare, que se exageraram e falsificaram para mais enquanto se seguiu a política do fomento da cultura trigueira, e que agora, para «desencorajar», se afirma também exageradamente terem sido apenas de 5 quintais. O governo serviu assim os grandes latifundiários seus patrões.

Agora, que objectivos têm os novos planos?

Um é responder às exigências do capital industrial e dos monopólios estrangeiros que pretendem criar no sul grandes fábricas (celulose e outras) utilizando a madeira como matéria-prima. Os alemães financiam a irrigação do sul, mas exigem, além dos juros, outras vantagens. E o dócil governo de traição nacional classifica rapidamente 1 milhão e 200 000 hectares como terras «não aptas» para a cultura de cereais e determina que «devem ser dadas à exploração florestal para desenvolver indústrias que tenham a madeira como matéria-prima e para exportar esta» (Diário da Manhã, 28-8-62).

No que respeita à lavoura, o Ministro da Economia tornou recentemente clara a intenção dos planos. No entender dos salazaristas, qual a causa de tão fracos resultados da cultura do trigo? «Parece que a grande questão (disse o Ministro da Economia na Assembleia Nacional) se encontra nos muitos milhares de pequenos produtores, que obtêm produtividades de duas e três sementes e vão esgotando progressivamente os solos» (Diário da Manhã, 14- -2-64). Por esta forma, os fascistas atiram com a responsabilidade para cima dos pequenos produtores, e procurarão impedi-los de cultivar trigo. Os planos têm assim claramente em vista entregar o monopólio da cultura de trigo aos maiores lavradores (os que têm as terras «aptas») dando-lhes para isso obras de rega e créditos e abrindo-lhes ao mesmo tempo a possibilidade de, em ligação com os monopólios industriais, virem a obter chorudos lucros com a floresta. Quanto aos pequenos agricultores, ainda existentes no sul, possuidores das terras «não aptas», impossibilitados de cultivar cereais, como podem eles passar à cultura da floresta e esperar que as árvores cresçam? Tudo quanto o governo tem para lhes oferecer é, nas palavras do Secretário da Agricultura, «entrarem para as empresas industriais com a terra a constituir a sua quota» (Diário da Manhã, 7-11-63). Isto é: o governo prepara-se para liquidar a pequena produção de trigo e expropriar os pequenos agricultores.

O plano não irá por diante na escala pretendida. Mas dará lugar, sem dúvida, a medidas que atingirão ainda mais fortemente os pequenos agricultores.

O que se verifica em relação aos planos de emparcelamento, de parcelamento, de «reconversão agrária» no sul, verifica-se também em relação à hidráulica agrícola, de que beneficiam os grandes proprietários do Sado, e contra a qual se ouvem os «queixumes» e «clamores» dos pequenos agricultores do Liz; verifica-se em relação ao «aproveitamento» dos baldios, de que cantam louvores os grandes senhores que se apossaram indevidamente de boas terras, e contra a qual se erguem indignados os pequenos agricultores serranos, esbulhados dos pastos e das folhas de cereais; verifica- -se em relação ao arrendamento cujo novo prazo mínimo de 6 anos fixado na lei visa incitar os rendeiros a fazer melhoramentos para beneficiar o proprietário.

Assim como na indústria a política fascista tem sido a de apressar a centralização e concentração, arruinando e liquidando a pequena indústria e estabelecendo o domínio absoluto dos monopólios, — assim na agricultura tem sido a de impulsionar o desenvolvimento do capitalismo, apressando a ruína e a proletarização dos pequenos agricultores e dando o domínio absoluto da agricultura aos grandes proprietários e capitalistas. Tal como sucede com a pequena indústria, o governo fascista estimulou e estimula uma verdadeira cruzada de expropriações dos pequenos agricultores.

5. De 1926 para agora podem calcular-se em mais de 200 000 o número de pequenas explorações desaparecidas. O processo continua tão clamoroso que até os fascistas são obrigados a reconhecê-lo. O presidente de um Conselho Regional da Agricultura, dizia não há muito: «Estão a desagregar-se os últimos quadros da economia de subsistência» (Século, 25-4-62). De facto sectores cada vez mais vastos de pequenos proprietários e rendeiros passaram sucessivamente à condição de semiproletários.

Em 1950, o censo geral da população mostrou claramente o grau adiantado da decomposição da pequena produção e o elevado grau de desenvolvimento do capitalismo na agricultura portuguesa. Na base desse censo, pode calcular-se que o número de proletários rurais se elevava já então a cerca de 950 000, enquanto o de pequenos e médios agricultores (activos na agricultura) era já só de 450 000, dos quais apenas 335 000 proprietários.

O censo indicava ainda que os pequenos agricultores, que nem trabalham como assalariados para outrem, nem têm assalariados a trabalhar para si (os chamados «isolados»), representavam apenas 21,5% da população agrícola activa e os «isolados proprietários» apenas 15,8% . Apenas no distrito de Viana do Castelo os «isolados» representavam mais de 50% da população agrícola activa e apenas em 83 concelhos do total de 273 representavam mais de 50% .

O reduzido peso dos pequenos agricultores «independentes» mostra bem a que ponto chegou já a sua ruína e proletarização. Estas não se dão subitamente. O pequeno agricultor não passa em geral directamente de agricultor «independente» a «camponês sem terra». Ele começa por ir trabalhar à jorna de quando em quando, ou ir em ranchos trabalhar noutras regiões, ou mandar os filhos trabalhar à jorna. São ainda pequenos agricultores e já são também assalariados. São aqueles a que Lénine chamou os «semiproletários». Em Portugal, dado o adiantado grau de decomposição da pequena produção, uma grande parte dos pequenos agricultores estão já reduzidos à condição de semiproletários.

Um inquérito realizado há cerca de 10 anos pelo Instituto Nacional de Estatística, mostrava que no total de 700 000 «explorações familiares» (por conta própria e por arrendamento) existentes no Continente, em 425 000, ou seja 61% , os pequenos produtores trabalham também como assalariados, são semiproletários, e que no total de 418 000 «explorações familiares de conta própria» (isto é, explorações de pequenos proprietários), em 255 000, ou seja também 61% , os pequenos proprietários têm que vender a sua força de trabalho, são semiproletários.

Nada tem acusado porém mais claramente o desenvolvimento do capitalismo na agricultura portuguesa e a liquidação da pequena produção do que o aumento do número de assalariados rurais de forma a ser hoje de longe o proletariado a classe predominante nos campos. De 1940 para 1950, o número de assalariados aumentou mais de 100 000, atingiu em 1950 cerca de 950000 e passou de 57,4% para 67,5% da população agrícola activa.

Nos distritos alentejanos, os assalariados representavam já em 1950 de 87 a 91% da população agrícola activa e nos de Lisboa, Santarém e Castelo Branco à volta de 75% . O que porém pode surpreender aqueles que falam da estabilidade e das vantagens da pequena produção é o facto de que também em regiões de «pequena propriedade» (distritos de Braga, Coimbra, Guarda, Leiria, Porto, Vila Real, Viseu) predominam os assalariados rurais. Talvez que os nossos camaradas das Beiras nunca tenham notado que no distrito de Viseu há cerca de 60 mil assalariados rurais e no de Coimbra cerca de 50 mil. Só em dois distritos (o de Aveiro e o de Viana do Castelo) os assalariados não representam a maioria da população agrícola activa, embora não andem muito longe disso. De 273 concelhos no Continente, apenas em 49 os assalariados representam menos de metade da população agrícola activa e em 120 concelhos representam mais de 70% . Em 100 concelhos, por cada pequeno agricultor independente, há de 2 a 9 assalariados, em 62 concelhos mais de 10 assalariados, em 28 mais de 20 assalariados!

Infelizmente, só estão ainda publicados parcialmente os resultados do censo da população de 1960. Os números de 1950 mostravam porém já com inexcedível clareza, o grau adiantado da liquidação da pequena produção e o grau elevado do desenvolvimento das relações de produção capitalista nos campos.

Até 1950, um dos principais índices do desenvolvimento do capitalismo nos campos portugueses foi o rápido aumento numérico do proletariado rural. Esse aumento foi provocado pela - liquidação vertiginosa da pequena produção, pelos lentos progressos técnicos na agricultura, designadamente da utilização de máquinas, pelo lento progresso industrial e a consequente lenta absorção pela indústria da mão-de-obra libertada da agricultura.

Entretanto, numa fase mais adiantada do desenvolvimento do capitalismo, diminui o número absoluto dos proletários rurais. Marx ensinou que «na agricultura, o capital variável requerido para trabalhar num campo dado diminui em sentido absoluto» («O Capital», L. I, cap. XV, 10 e L. III). E Lénine escreveu falando dos proletários rurais:

«Quando se chega a certo grau de desenvolvimento do capitalismo, quando a agricultura em todo o país se organiza por completo de modo capitalista e se torna geral o emprego de máquinas para as operações mais diversas, então verifica-se a diminuição do seu número absoluto» («O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia»),

Em Portugal, nota-se nos últimos anos o apressamento do ritmo do desenvolvimento capitalista. Só de 1952 para 1962, o número de tractores passou de 2 961 para 11 806 e o número de debulhadoras de 3 121 para 5 288. O alargamento das relações de produção capitalista a todo o território nacional, o crescente uso de máquinas, a generalização da debulha mecânica, a utilização da monda química e outros progressos técnicos, estão repelindo da agricultura um número crescente de braços a que dantes davam trabalho. Dada a diversidade da divisão da propriedade nas várias regiões do país, são entretanto de esperar grandes diferenças regionais. É natural que o proletariado rural continue a aumentar nas regiões de pequena propriedade e comece a diminuir nas regiões de grande propriedade. O prosseguimento da emigração tradicional dos pequenos agricultores do norte e o fenómeno novo da emigração maciça dos assalariados rurais alentejanos parecem indicar que assim é.

Deve estar entretanto a atingir-se no conjunto nacional um ponto de viragem, em que a mão-de-obra assalariada dispensada pela mecanização é superior à nova força de trabalho, que aparece à venda no mercado em virtude da proletarização dos pequenos agricultores.

Se até recentemente o desenvolvimento do capitalismo provocava o aumento do número absoluto de proletários rurais, devemos estar chegando (e os primeiros números conhecidos do Censo de 1960 parecem indicar que já chegamos) ao ponto em que o desenvolvimento do capitalismo passará a provocar a diminuição do seu número absoluto no conjunto do país.

6. Os grandes agrários e capitalistas e os seus porta-vozes fascistas sentem-se inquietos com o desenvolvimento social. Por um lado liquidam e expropriam a pequena produção. Por outro, vêem crescer nos campos, como resultado desse processo, o proletariado rural revolucionário. Daí lamentarem por vezes a liquidação da pequena produção que eles próprios levam a cabo; daí procurarem por vezes reanimá-la, criando núcleos de pequenos agricultores remediados, que criem ilusões ao proletariado rural e sirvam de tampão entre a grande propriedade e o proletariado. O capitalismo não pode resolveu a insanável contradição que o rói e lhe cavará a tumba. Expropriando os pequenos produtores na indústria e na agricultura e reduzindo-os ao assalariato, a burguesia está criando os seus próprios expropriadores. O capitalismo não pode fugir a esse destino histórico.

Nós, comunistas, temos razões para nos alegrarmos com o peso numérico dominante do proletariado rural nos campos portugueses. O proletariado rural alarga nos campos a base social da revolução democrática e cria condições objectivas favoráveis para o socialismo. O proletariado rural de todo o sul do país das zonas de grande propriedade tem mostrado em milhares de lutas heróicas contra a ditadura fascista o seu elevado espírito revolucionário. O nosso Partido tem razão para se sentir orgulhoso da confiança que nele tem depositado o proletariado rural. Nós saudamos a força crescente do proletariado rural, como um factor da mais alta importância para o desenvolvimento da luta contra a ditadura fascista, para a realização da Reforma Agrária, para a construção do Portugal democrático de amanhã.

Isto não significa entretanto que nós possamos aplaudir, ou entusiasmar a política de exploração, de ruína, de expropriação, de liquidação dos pequenos agricultores, pelo facto de engrossarem o proletariado rural. Nós dizemos aos pequenos agricultores que a sua situação dentro do capitalismo é sem esperança. Nós repetimos-lhes as palavras de Engels, apresentando-lhes «a absoluta certeza de que a grande produção capitalista passará por cima da sua impotente e antiquada pequena exploração como um comboio por cima de um carro de mão» («O Problema Camponês na França e na Alemanha»). Nós defendemos intransigentemente os seus interesses contra a política do governo fascista ao serviço do capital financeiro e dos latifundiários, e apresentamos-lhes a única solução que os pode salvar da completa miséria.

A Reforma Agrária não beneficiará apenas os assalariados rurais. Ela beneficiará também a maioria esmagadora dos camponeses. As terras expropriadas aos grandes agrários devem ser entregues aos assalariados e aos camponeses pobres para que as utilizem como melhor entendam: ou em explorações individuais, que só poderão garantir uma vida folgada aos camponeses se associados em cooperativas, ou como herdades do Estado. A Reforma Agrária não poderá porém ser apenas a entrega da terra expropriada. Ela implica, além da garantia de trabalho e de melhores salários aos assalariados rurais, a concessão de créditos aos pequenos agricultores, a diminuição dos impostos dos pequenos proprietários ao Estado e às Câmaras, o auxílio em máquinas e técnica, a abolição de formas feudais de exploração (foros, parcerias, etc.), a diminuição ou extinção das rendas, o perdão das dívidas dos camponeses pobres às instituições de crédito e aos usurários, a organização completa do comércio de produtos agrícolas, o estabelecimento de preços compensadores.

Na realização da Reforma Agrária estão interessadas todas as classes e camadas laboriosas dos campos. E está interessada a nação portuguesa no seu conjunto.

Num país em que a maioria da população trabalhadora se emprega na agricultura, o atraso agrícola e o consequente baixo poder de compra de população rural restringe o mercado para os produtos industriais. A Reforma Agrária é condição indispensável para o desenvolvimento económico geral. Só a Reforma Agrária (conjugada com outras reformas profundas da estrutura económica e social) poderá permitir a transformação da atrasada agricultura portuguesa numa agricultura progressiva, base indispensável de uma vida desafogada para todos os portugueses e de uma economia nacional próspera e independente.

continua>>>
Inclusão 29/05/2019