O Poder Popular em Portugal

M. Vieira e F. Oliveira


III - As Organizações Unitárias de Base no Contexto da Debilidade, Fragmentação e Sectarismo das Organizações Políticas de Esquerda


capa

Não se pode deixar de situar o desenvolvimento dos órgãos de Poder Popular no contexto da extrema debilidade da esquerda revolucionária e mesmo da esquerda em geral. De facto, em Portugal os grupos de esquerda sempre tiveram implantação muito reduzida no seio do movimento operário. O próprio PC, que de longe sempre foi a organização mais bem implantada nesse meio, e a que sempre teve maior capacidade de mobilização, cedo constatou que importantes sectores do movimento operário, principalmente aquele sector que mais se tinha radicalizado nas greves que se seguiram ao «25 de Abril», fugiam-lhe ao controlo partidário. Acrescente-se a isso o sectarismo dos grupos da pequeno-burguesia radicalizada e a incapacidade que os mesmos têm de libertar-se dos rígidos princípios e dos conceitos em que foram fundados e em torno dos quais se debatem e se enfraquecem em intermináveis divisões, não conseguindo penetrar na dinâmica real da luta de classes através da percepção das necessidades imediatas e objectivas das massas. Foi devido a isso que surgiu, mais uma vez, a necessidade da criação de organizações unitárias de base, que pudessem congregar toda a massa e que subalternizassem os conceitos e os princípios das organizações políticas, centrando as suas actividades na resolução dos problemas concretos e imediatos da classe operária. O estabelecimento dum ponto de convergência para o leque partidário que gravita em torno do movimento operário foi e é uma necessidade concreta e uma imposição das próprias massas. Os organismos de Poder Popular são o único ponto de convergência possível. É aí que confluem tanto as organizações de esquerda interessadas objectivamente na revolução socialista como aqueles sectores mais conscientes das massas que já se situam dentro dessas mesmas perspectivas. Se tal não tivesse acontecido, certamente teríamos visto o movimento operário muito mais fraccionado e enfraquecido pelas lutas interpartidárias e o processo revolucionário certamente não teria chegado nem sequer ao nível que chegou.

Tal foi, em determinados momentos, a importância e a amplitude das organizações unitárias de base no processo revolucionário português que dificilmente existiu uma organização de esquerda, por mais pequena que fosse, que não tentasse criar também a sua «organização unitária de base», para poder assim melhor penetrar no movimento de massas.

O Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP), por exemplo, fundou o «Secretariado Nacional das Comissões de Trabalhadores» e chegou a realizar um «Congresso das Comissões de Trabalhadores» na Covilhã; o MES, aproveitando-se do impacto do surgimento da organização dos soldados, tentou criar um movimento «unitário» chamado TUV (Trabalhadores Unidos Vencerão) ; A União Democrática Popular, por sua vez, camuflava-se por trás de diversas Comissões de Moradores, a que passou a chamar «órgãos da Vontade Popular», e o PCP, para não perder o barco, estruturou o chamado «Secretariado das Comissões de Trabalhadores da Cintura Industrial de Lisboa».

Mas apesar dessas caricaturas e deformações, dificilmente as organizações de esquerda em Portugal tiveram condições sequer de convocar uma manifestação de massas mais ampla sem se camuflarem por trás das organizações unitárias de base para poder assim utilizar o poder mobilizador das mesmas. A capacidade de mobilização dos organismos de Poder Popular sempre foi muito maior que a de qualquer organização ou mesmo conjunto de organizações. A confluência das massas em tomo dos seus próprios organismos unitários superou largamente a própria dinâmica organizativa dos partidos, embora isso não queira dizer que, devido a tal facto, estivesse automaticamente resolvido o problema da vanguarda revolucionária em Portugal. Este problema foi e continuará a ser por um bom tempo o nó górdio deste processo revolucionário.

Os maoistas, por exemplo, sempre colocaram a necessidade de formação do partido como condição prévia indispensável para qualquer avanço do processo. O PCP está convencido de que ele mesmo já é a vanguarda da classe operária. Algumas organizações revolucionárias chegaram a pensar que o Partido poderia surgir da união de diversos grupos de esquerda. Outros sectores, ideologicamente referenciados por teorias anarquistas — embora não se reivindicassem como tal — chegaram a afirmar que seriam os próprios organismos de Poder Popular, através de uma coordenação a nível nacional, que formariam as estruturas necessárias para a auto-organização das massas. Poucos foram, entretanto, aqueles que, pelo menos até agora, vislumbraram o surgimento e a afirmação de uma vanguarda revolucionária como resultado da confluência das organizações políticas da esquerda revolucionária com os sectores mais conscientes das massas no seio dos organismos de Poder Popular. No entanto, parece ser por esse caminho que o problema deverá encontrar uma solução correcta.


Inclusão 19/09/2019