O Poder Popular em Portugal

M. Vieira e F. Oliveira


VI - O Poder Popular e a Luta de Classes


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Torna-se difícil definir com exactidão como se manifestou na realidade o fenómeno do Poder Popular em Portugal. Mas a sua existência foi constatada diariamente e pôde-se ver o funcionamento quotidiano dos organismos através dos quais o povo exercia de facto o seu poder. Chegou-se a um ponto tal em que praticamente já não havia nenhum sector da sociedade onde não se fizesse sentir a expressão da vontade popular, tendo esta chegado mesmo a atingir os domínios da justiça, com a realização de julgamentos populares.

O problema que sempre subsistiu para que esse poder pudesse afirmar-se a nível nacional e sobre o conjunto da sociedade refere-se à coordenação autónoma entre os diversos organismos já existentes, principalmente entre os organismos que expressavam a vontade dos militares revolucionários e aqueles que expressavam a vontade da classe operária, bem como às relações destes com as organizações revolucionárias objectivamente interessadas na revolução socialista. Este problema, obviamente, diz respeito à estruturação da direcção revolucionária, que parece ser a única etapa que não chegou a ser alcançada para que as massas tomassem definitivamente os seus destinos em suas próprias mãos.

As diversas tentativas de estruturação e centralização dos órgãos de Poder Popular realizadas depois do impasse da proposta do «Documento-Guia» ( organização das Comissões de Trabalhadores) não produziram resultados definitivos, seja porque a manipulação partidária existente por trás dessas tentativas tenha sido por demais evidente, seja porque as propostas políticas em jogo não combinassem a tomada do poder com a satisfação das necessidades concretas e imediatas das massas. Devido a isso, não foi possível descrever nem sequer as características que deveriam ter assumido os órgãos máximos da soberania popular, embora a clarificação do pólo do Poder Popular fosse uma condição prévia indispensável para que se dessem os últimos lances na fase mais decisiva da luta de classes.

Mas os combates pontuais travados pelas massas, e nos quais a sua vontade prevaleceu sobre o poder da burguesia, bem como os organismos que dirigiram esses recontros, dão-nos uma ideia dos componentes básicos que deveriam ter constituído a organização do Poder Popular, tanto na base como nas suas mais altas instâncias.

É interessante notar que as mais importantes lutas sociais levadas a cabo em Portugal não foram lideradas pelos partidos políticos mas sim pelas Comissões de Trabalhadores, embora como é evidente, nelas estivessem presentes trabalhadores que militavam em organizações de esquerda. É o caso do jornal República, por exemplo, onde os trabalhadores, dirigidos pela sua respectiva Comissão, tomaram o jornal, cujos dono®, militantes do PS, haviam colocado aquele órgão de divulgação ao serviço da cúpula de seu partido. A luta do República teve uma grande importância, dado o papel que um órgão de comunicação de massas joga nos períodos de grande agitação social. Estando ao serviço dos órgãos de Poder Popular, o jornal República foi acolhido com entusiasmo por grande parte da população trabalhadora. Uma recolha de fundos promovida pelo jornal para pagar as dívidas da administração anterior chegou a atingir bem mais de um milhão de escudos. E não foram poucas as vezes em que milhares de pessoas passaram noites a fio frente às suas instalações para defendê-lo de possíveis ataques da reacção. E assim que o República continuou de pé, apesar das ameaças e do cerco económico a que foi submetido pelo capital.

Sua queda somente veio a dar-se um mês após o 25 de Novembro, porque o grave revés sofrido pela esquerda criou uma conjuntura absolutamente desfavorável para a continuação da luta. Naturalmente, nenhuma conquista pontual importante das massas populares poderia ser assegurada independentemente da correlação de forças no conjunto da sociedade.

Outra luta exemplar e que marcou profundamente a história dos conflitos sociais neste país foi aquela levada a cabo pelos deficientes das Forças Armadas. Quando milhares de mutilados de guerra saíram para a rua, muitos deles em cadeiras de rodas e outros carregados pelos seus camaradas, a sociedade constatou assombrada que a grande chaga do colonialismo ainda não tinha cicatrizado e que não seriam apenas os cravos e a alegria pluriclassista do «25 de Abril» que a curariam definitivamente. Os deficientes tiveram um comportamento absolutamente digno: não pediam esmolas, lutavam pelo direito ao trabalho, pela readaptação profissional e por uma pensão de guerra justa para os que fossem considerados definitivamente incapazes. Contando com a simpatia e o apoio militante de grande parte da população o de amplos sectores das próprias Forças Armadas, desenvolveram formas de luta bastante avançadas, chegando mesmo, em certa altura, a cercar o Palácio de Belém. Apesar de brutalmente reprimidos, não esmoreceram, pois, conforme eles mesmo afirmavam, a sua luta estava inserida «no contexto da luta dos explorados e oprimidos pela sua libertação». Finalmente, o governo foi obrigado a assinar um decreto liberando verbas para a assistência aos deficientes.

Todavia, a luta mais importante levada a cabo por uma Comissão de Trabalhadores foi a da Rádio Renascença. Essa emissora, que durante anos a fio tinha sido o porta-voz do patriarcado reaccionário da Igreja Católica, foi tomada pelos seus trabalhadores logo após o «25 de Abril». Desde então desenvolveu uma luta titânica, tanto contra o patriarcado como contra os sucessivos governos provisórios que tentaram resolver o conflito em favor da Igreja. A importância dessa luta foi dada pelo tremendo poder de mobilização de massas que possuem os órgãos de rádio difusão. Além disso, a classe operária portuguesa realmente sentiu que a Rádio Renascença era «a voz dos operários, dos camponeses e de todo o povo trabalhador». Milhares e milhares de operários desfilaram frente a seus estúdios hipotecando-lhe solidariedade e também aí as massas passaram muitas noites de vigília.

Após os acontecimentos de 29 de Setembro de 1975, em que o Primeiro Ministro Pinheiro de Azevedo tentou um golpe de Estado ocupando todas as estações de rádio de Lisboa, o governo selou os seus emissores, conseguindo assim silenciá-la temporariamente. Poucos dias depois, contudo, uma imensa manifestação popular dirigiu-se para o seu posto emissor, localizado no bairro da Buraca, nos arredores de Lisboa. Lá chegando, depois de umas três horas de marcha, e tendo esperado em vão até à madrugada por uma resposta do governo à sua exigência de reabertura da Rádio, as massas populares reabriram as suas instalações e a Renascença voltou triunfalmente ao ar.

A luta pela reabertura da Rádio Renascença tinha congregado em tomo de sua Comissão de Trabalhadores enormes contingentes de soldados e os sectores mais avançados da classe operária. A par disso, sua programação era profundamente revolucionária, constituindo-se no mais genuíno porta-voz de todos os órgãos da vontade popular. O governo já não sabia mais o que haveria de fazer para resolver o problema, pois não contava com força repressiva suficiente para fazer calar a sua voz. Foi nesse contexto que a suprema instância do poder em Portugal, o Conselho da Revolução, não tendo outros meios para silenciá-la, mandou dinamitar as suas instalações. O acto foi realizado de madrugada, através de uma acção de comando e nem os soldados que participaram da operação, como logo depois se veio a saber, tinham conhecimento exacto do que iriam fazer.

Quando os emissores da Rádio Renascença foram pelos ares o povo português constatou com perplexidade que o seu governo tinha se convertido numa simples célula terrorista, ou, em outras palavras, que já não havia praticamente mais poder constituído no país. Tinha-se a impressão que as ondas explosivas deflagradas na Buraca espalhar-se-iam por todo o país e por todas as instâncias da sociedade e que poderiam atingir até o Conselho da Revolução, que corria o risco de desintegrar-se, juntamente com as máquinas que havia mandado destruir.

Essa impressão era falsa, como logo depois se veio a constatar. O conflito da Rádio Renascença tinha chegado a um ponto tal que não poderia mais ser negociado dentro do esquema de correlação de forças então vigente. A sua solução só poderia ser encontrada a partir da ruptura definitiva entre as classes sociais em pugna pelo poder. A acção terrorista do Conselho da Revolução marcava o início da ofensiva violenta da burguesia e era o primeiro acto da ruptura total que logo a seguir viria a produzir-se. Mas no momento em que isso aconteceu ninguém em Portugal compreendeu exactamente o seu significado. A própria Comissão de Trabalhadores da Rádio ainda continuou a luta no sentido de promover uma ampla colecta popular e comprar novos emissores. A burguesia, entretanto, já sabia que a Renascença só voltaria novamente ao ar se a classe operária tomasse o poder. E começou a preparar-se rapidamente para que isso não acontecesse.

Outro acontecimento marcante no âmbito das organizações unitárias de base foi o surgimento da organização dos soldados. Nos primeiros dias de Setembro de 1975 apareceu no Porto a organização dos SUV (Soldados Unidos Vencerão) — que rapidamente se alastrou por todas as unidades militares do país.

Os soldados começaram a organizar-se independentemente logo depois da diluição do MFA, quando a direita, após a aprovação do «Documento-Guia» pela Assembleia do Movimento, começou a romper as suas estruturas de funcionamento e culminou esse processo com o abaixo assinado do «documento dos nove». Esse documento, que também foi chamado «documento Melo Antunes», embora não fosse um programa político ou económico da burguesia, fazia uma crítica de direita à prática do PCP e à facção maioritária do MFA. Utilizando-o como ponto de referência, a burguesia conseguiu efectivamente aglutinar uma ampla maioria de oficiais mas a base das Forças Armadas ainda estava completamente minada. Assim, os SUV constituiram-se imediatamente na resposta revolucionária para as articulações golpistas da direita.

A politização quase massiva que os soldados portugueses chegaram a alcançar num determinado momento não está de maneira nenhuma desvinculada do contacto que os mesmos tiveram com a classe operária, ao serem enviados por seus superiores em missão de serviço para os lugares onde se desenvolviam os grandes conflitos sociais. Ao presenciar diariamente o desenvolvimento da luta de classes, terminaram por participar da sua dinâmica e transportaram-na para dentro dos quartéis.

Outro factor que possibilitou a organização dos soldados foi a influência ideológica da esquerda revolucionária. Contudo, é significativo notar a esse respeito que a lição do Chile esteve presente apenas parcialmente em Portugal. A esquerda compreendeu que para derrotar a burguesia não bastava apenas organizar e armar a classe operária; era necessário também minar as suas Forças Armadas e trazer a maior parte possível delas para o campo da revolução. Mas, se bem que esse fosse um dos seus aspectos fundamentais, a experiência chilena não terminava aí, O problema do comando, ou do Estado Maior Revolucionário, que pudesse estruturar, organizar e dar uma direcção à altura do fenómeno da dualidade de poderes que começava a manifestar-se em todos os aspectos da sociedade e inclusive no seio das Forças Armadas tinha sido também uma das causas fundamentais do fracasso do processo revolucionário chileno. E lá, como também viria a acontecer aqui, mas já de uma maneira muito mais acentuada, a maior capacidade de direcção e centralização da direita teve um peso decisivo para fazer pender o equilíbrio da crise de poder em favor da burguesia.

Além disso, é evidente que o problema da direcção revolucionária não poderia ser visto isoladamente e apenas no âmbito da organização dos soldados e oficiais revolucionários, mas sim num contexto muito mais amplo, onde a organização da classe operária pudesse jogar um papel preponderante. A luta dos soldados em si mesma nunca poderia ter gerado uma resposta global, dirigida e organizada, contra o avanço da direita. O notável é que tenha chegado ao nível a que chegou nas condições em que se desenvolveu, ou seja, sem contar com uma direcção operária centralizada, que pudesse coordenar e dirigir o conjunto das lutas que então estavam sendo levadas a cabo.

A organização dos SUV, quando apareceu pela primeira vez, levantava as reivindicações mais sentidas pela tropa e inseria-se no âmbito das organizações do Poder Popular. Foram esses, certamente, os principais factores do seu relativo sucesso. O manifesto que deram a conhecer a esse respeito, quando a organização surgiu, é bastante significativo e, por isso, não hesitamos em transcrevê-lo na íntegra.

«1 — Soldados Unidos Vencerão (SUV) é uma frente unitária anti-capitalista e anti-imperialista que aparece no momento em que a reacção fascista se organiza de novo, aproveitando-se das hesitações e das divisões introduzidas no seio dos trabalhadores assim como da política dos governos que não souberam nem quiseram defender as justas reivindicações das lutas dos operários e camponeses dos quais, nós, soldados, fazemos parte.

«2 — Considerando que já por diversas vezes fizemos cedências à burguesia nomeadamente ao submetermos a nossa luta à aliança com o MFA, movimento de oficiais das Forças Armadas, que por causa das suas contradições e hesitações no passado, e de hoje estar ao serviço de elementos contra-revolucionários, nos tem valido não só o afastamento e hostilidade de camadas importantes da população (especialmente dos nosso irmãos camponeses), como também a desmoralização de numerosos combatentes das nossas fileiras e o adormecimento perante a ofensiva reaccionária dentro e fora dos quartéis,

S.U.V. propõe-se a levar a cabo uma ofensiva autónoma com carácter de classe:

«3 — Soldados Unidos Vencerão (SUV) luta com todos os trabalhadores pela preparação de condições que permitam a destruição do Exército burguês e a criação de braço armado do poder dos trabalhadores: o Exército Popular Revolucionário.»

Ao analisar o Manifesto dos SUV vemos que, por um lado, esta organização unitária de soldados se propunha a «aprofundar a ligação dos órgãos de Poder Popular (...) fortalecendo o poder dos explorados através das Assembleias Populares», e, por outro, que os «SUV luta com todos os trabalhadores pela preparação das condições que permitam a destruição do Exército burguês e a criação do braço armado do poder dos trabalhadores: o Exército Popular Revolucionário». Estas são as referências mais próximas à questão do Poder de Estado, embora, como é evidente, não se pudesse conceber a criação do «braço armado do poder dos trabalhadores» sem colocar previamente o problema da destruição dos centros de poder burguês e a construção do poder operário global. Acontece que não cabia somente aos soldados formular e resolver esta questão. Se a classe operária não tivesse aqui uma palavra a dizer, os soldados, por si só, não poderiam, como de facto não puderam, levar a sua luta até às últimas consequências.

Mas nem por isso o processo de desintegração que as Forças Armadas viveram num determinado período e as lutas que se desenvolveram no seu seio deixaram de ter um conteúdo profundamente revolucionário. São experiências que a classe operária portuguesa (e não só) terá que valorar em futuras épocas de crise revolucionária, quando o confronto total com a burguesia entrar novamente na ordem do dia.

A par do significado imediato das lutas dos SUV, as organizações unitárias de soldados deram também importantes contribuições teóricas para o processo. O «Documento-Guia» delineava, por assim dizer, o esqueleto de uma teoria revolucionária. Os órgãos de Poder Popular iriam produzir o seu conteúdo mais profundo, exactamente no palco da luta de classes e no fragor dos principais combates levados a cabo.

Quando o comandante da Região Militar do Norte mandou dissolver o quartel progressista do CICAP e os SUV, em resposta, ocuparam o Regimento de Artilharia Pesada da Serra do Pilar (RASP), o Comité de Luta da referida ocupação emitiu um comunicado, do qual extraímos as suas partes mais notáveis.

«1 — A burguesia e os seus agentes nos quartéis perceberam a importância política da nossa luta.

«Eles sabem que o encerramento do CICAP é uma peça importante na restauração do controlo militar da Região Militar do Norte pelos oficiais reaccionários.

«Eles sabem que sem assegurar o controlo das Forças Armadas através da disciplina militarista e do ataque às conquistas dos soldados não podem avançar decididamente na destruição da organização popular.

«Eles sabem que sem ser restituído todo o poder aos oficiais reaccionários dentro dos quartéis a burguesia pode governar, mas não tem o poder suficientemente seguro nas suas mãos, para fazer executar as suas leis.

«Por isso, a grande ofensiva dos capitalistas é, neste momento ,nas Unidades militares, procurando destruir a organização de classe dos soldados, expulsar os elementos progressistas e restabelecer a hierarquia tradicional no exército fascista e colonialista. Este é o primeiro passo. A que se seguirá o ataque em força às conquistas da classe operária, dos camponeses e de todo o povo trabalhador, às suas organizações de poder popular e aos partidos progressistas e revolucionários. (...)

«O encerramento do CICAP e os saneamentos à esquerda ordenados pelo brigadeiro Veloso estão integrados na grande ofensiva da direita, a nível militar e civil. Por sua vez a nossa luta contra essas medidas assume o seu verdadeiro significado político como luta que diz respeito a todos os soldados e marinheiros, aos operários e camponeses e a todo o povo trabalhador com vista à destruição da exploração capitalista.

«Vivemos um momento em que os explorados e oprimidos avançam ou a burguesia nos esmaga.

«Nós e as massas populares temos compreendido isto. Por isso, a nossa determinação e Unidade fortalece-se dia-«a-dia até à vitória.

«3 — A nossa luta representa também o aprofundamento de algumas experiências de democracia e de poder de organização que temos vivido ultimamente dentro dos quartéis. No RASP, apesar de alguns erros cometidos e das limitações resultantes da rapidez com que os acontecimentos se sucedem, temos vindo a construir um novo tipo de relações e a avançar a experiência de um novo poder.

«Quem decide é o plenário dos militares em luta, face ao qual todos os órgãos eleitos são responsáveis e a todo o momento destituíveis. As leis que governam a nossa luta são as leis que saem da nossa vontade colectiva expressa no plenário. A tradicional divisão entre os que mandam e pensam e os que executam e são embrutecidos desapareceu nos seus aspectos essenciais.

«Na nossa experiência recolhem-se ensinamentos que são um enriquecimento não só para nós como para todo o povo trabalhador, fardado ou não. Na nossa experiência encontramos a semente dos princípios de funcionamento do que será o Exército Popular Revolucionário numa sociedade em que os trabalhadores detenham o Poder. (...)

«5 —Contra todas as manobras (para nos dividir) contamos com a cada vez mais sólida Unidade revolucionária entre os operários, camponeses, soldados e marinheiros, com a qual construiremos a vitória: reabertura do CICAP, reintegração de todos os expulsos e nenhuma sanção sobre os camaradas que têm estado em luta no RASP.

«Esta vitória que conseguiremos contribuirá para que se dê mais um passo no sentido da tomada do Poder pelos explorados e oprimidos, para a destruição da exploração capitalista e a sua total emancipação »

O desfecho da luta do RASP traduziu-se numa solução de compromisso entre os soldados rebelados e a hierarquia militar. Este resultado teve uma influência decisiva nos acontecimentos que se sucederam, pois as forças revolucionárias viram nele uma vitória, ainda que parcial dos militares progressistas contra os comandantes reaccionários. Mas, na verdade, o compromisso obtido, se bem que não significasse uma derrota imediata na luta dos soldados, iria ter um significado completamente desfavorável logo a seguir. É certo que o CICAP não 3oi formalmente dissolvido e os soldados participantes na luta não foram punidos. Contudo, o precedente aberto iria provocar ilusões fatais pouco tempo depois. A esquerda passou a acreditar que conflitos dessa natureza, que envolviam questões de extrema seriedade, podiam ser negociados dentro do sistema vigente e que a simples soma dessas lutas parciais e sectorizadas provocariam um avanço irreversível do processo e o debilitamento progressivo do poder da direita. Dessa forma, não advertia que estava muito próximo o ponto de ruptura definitivo e que impunha-se encarar imediatamente a questão do Poder, não através de avanços pontuais mas sim em toda a sua amplitude. A burguesia, em todo o caso, já compreendera isso. Não perdeu a visão de conjunto, não confundiu o secundário com o principal e congelou o conflito do RASP, bem como outros de menor amplitude que depois se sucederam. A solução desses impasses ficava assim condicionada à mudança da correlação de forças ou à ruptura do relativo equilíbrio que ainda havia nos centros superiores de decisão.


Inclusão 19/09/2019