Textos Históricos da Revolução

Organização e introdução de Orlando Neves


Introdução 1


capa
Baixe o arquivo em pdf

A Revolução do 25 de Abril em Portugal, ainda por definir em absoluto, causou em todo o mundo político e teórico grande estupefacção.

Se nós próprios a vamos compreendendo melhor à medida que a vamos vivendo e a vamos, ao fim e ao cabo, fazendo, natural se toma que, para o mundo, ela seja motivo de espanto, de dúvida, de inquietação, de entusiasmo ou de repúdio.

Rompendo certos conceitos feitos pela teoria há que acreditar, em Maio de 1975, que a Revolução dos Cravos é uma revolução que, em que pese aqueles que a combatem, se insere numa problemática socialista, se encaminha, afinal, para a inversão de uma série de valores da cultura dita ocidental. A simples inversão da relação económica, a passagem, a prazo ainda por definir ou prever, de um sistema capitalista para um sistema socialista que o mesmo será dizer a retirada do controlo e da propriedade dos meios de produção à actividade privada para os entregar à propriedade colectiva, venha ela a definir-se pelo controlo estatal ou por qualquer outro controlo, que, de resto, se procura, na tentativa de tornar a nossa revolução original, essa inversão é, por si, algo de espantoso num país como o nosso que vinha não só de 48 anos do mais escuro fascismo como arrastava uma tradição secular de domínio das classes privilegiadas sobre as classes trabalhadoras.

É evidente que esta transformação da nossa sociedade, que se efectuará a um nível económico e político tem de arrastar consigo uma revolução também de natureza cultural — quiçá a mais difícil dado que a revolução das mentalidades tem sido sempre a que maiores resistências encontra pois as vai topar inclusive naqueles que, em outros sectores, são coerentemente revolucionários.

O socialismo em Portugal, se o processo puder decorrer a um ritmo semelhante àquele que tem sido seguido até aqui, porá provavelmente em causa alguns problemas teóricos. A tese marxista-leninista que o socialismo só é possível através de uma luta armada entre a classe exploradora e a classe explorada tem sido a tese vingadora, sobretudo após o colapso da via eleitoral para o socialismo experimentada no Chile. No caso português, o caminho para o socialismo, que está a ser travado com lutas obviamente, parece contrariar as duas teses pois ele se tem feito de modo insólito: não esqueçamos que os homens do 25 de Abril não ofereceram ao país apenas o derrube do fascismo, ofereceram também a abertura dos caminhos do socialismo, tôm sido também, não diremos o motor (que esse tem de ser e tem sido a luta de classes), mas o combustível da revolução socialista. Encontrar em elementos das Forças Armadas defensores tão acérrimos como a classe trabalhadora do processo socialista (descontadas, evidentemente, certas actuações práticas diversas) dá à revolução portuguesa o seu carácter original. Na verdade, em nenhuma outra revolução socialista, as Forças Armadas estiveram de alma e coração ao lado das lutas reivindicativas e, mais do que isso, as incentivaram, apoiaram e esperaram para, no uso do poder político, poderem ir mais além a cada momento.

É, portanto, natural que a Revolução Portuguesa cause grande espanto e inquietação nos países do mundo quer eles sejam capitalistas quer sejam socialistas — obviamente de pontos de vista diversos.

Esse espanto também tem sido característica de nós próprios que, todos os dias, nos assombramos com os avanços e recuos que a Revolução origina. Metidos no processo talvez ele nos pareça um pouco mais familiar. Mas nem por isso nos escapam várias fases de estupefacção.

Como foi possível a queda do fascismo em tão poucas horas nesse inesquecível 25 de Abril de 1974? Como foi possível a vitória — ainda não definitiva — sobre as forças reaccionárias em 28 de Setembro ou em 11 de Março? Como foi possível que, em todas as circunstâncias, os elementos progressistas das Forças Armadas saíssem não só vencedoras factuais como mais reforçados no seu propósito de caminhar para o socialismo? A resposta encontra-se em larga medida na extraordinária vitalidade do Povo Português que, em todos os momentos, soube apoiar e levar mais adiante as Forças Armadas impulsionando-as a um ousio cada vez maior.

Estão todos os portugueses e todo o mundo suspensos do resultado final da nossa Revolução. Ela virá provar (ou não) muitas teses que os teóricos lançam e muitas actuaçóes que os práticos experimentam.

Este livro, conjunto de textos, procura, por um lado, recolher o máximo de documentos oficiais ou para, no sentido de entregar ao público o repositório mais completo dos textos que foram fundamentais no devir deste ano e picos da nossa Revolução.

Através deles será talvez possível, numa leitura atenta, encontrar-se um notável evoluir do pensamento político e social dos homens do MFA.

Comunicados, discursos, conferências de imprensa, legislação, etc., preenchem as páginas deste volume organizado sob uma forma cronológica em que, no início de cada capítulo, se historiam muito brevemente os factos mais importantes de cada período e se realça aquilo que neles nos pareceu fundamental.

Convém destacar uma vez mais que do livro fazem parte apenas textos oficiais. Não constam dele textos de grande importância no processo da nossa Revolução como (e apenas para citar esses) os textos da autoria dos partidos políticos. Quis-se exclusivamente documentar o leitor com os textos oficiais que, na altura, causaram inegável impacto mas que haviam desaparecido ou em publicações oficiais ou nas páginas efémeras dos jornais.

Naturalmente, seguiu-se um critério que, como qualquer outro, poderá ser discutível. Cremos, todavia, que o volume contém suficente material de interesse histórico e teórico para merecer a atenção de quem se desejar documentar a pari e passu sobre o nosso tempo.

Muitos outros textos ficaram por seleccionar. Desde os da autoria dos partidos políticos até às simples entrevistas dos homens mais preponderantes do momento, desde as realizações e manifestações populares onde tantas vezes se encontram conceitos importantíssimos que muito ajudaram ao desenrolar do processo, até aos artigos e ensaios de teóricos portugueses e estrangeiros que sobre a nossa experiência já se têm debruçado. Mereceriam, sem dúvida, outros volumes aos quais talvez a Editora um dia se venha a abalançar.

Obra de interesse documental, este volume possuirá também, como se disse, o mérito de se tornar um livro de consulta onde se encontrarão, sem dúvida, muitos temas de reflexão futura.

Na elaboração do livro tiveram de consultar-se dezenas de publicações. Nesse facto poderá justificar-se alguma insuficiência de uniformização de termos ou siglas que venha a detectar-se apesar de, como é óbvio, se ter procurado evitar esse tipo de deficiência.


Inclusão 02/04/2019