Textos Históricos da Revolução

Organização e introdução de Orlando Neves


Conselho da Revolução


Introdução 11

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O Conselho da Revolução, eleito na Assembleia Revolucionária na noite de 11 de Março, constitui, sem sombra de objecção, o grande acto revolucionário depois do 25 de Abril. Uma Assembleia, da qual fizeram parte sargentos e praças das Forças Armadas (acabara a hegemonia dos oficiais) escolhera um órgão que se tornaria eficaz e definitivo no processo.

A discussão, que se arrastava, para a institucionalização do MFA foi arramada nessa Assembleia. Os partidos não tiveram a menor influência nessa decisão. Durante uma noite, as Forças Armadas compreenderam que era preciso caminhar em força para a frente. O MFA, a sua Assembleia, o seu Conselho de Revolução surgiam, sem que fossem mais ouvidas as forças partidárias.

O primeiro comunicado do Conselho, o discurso de posse deste órgão feito pelo Presidente da República, salientam as características do novo rosto da Revolução. Tudo se adivinhava desde logo. Um grupo de oficiais, sargentos e praças tomava a direcção firme da Revolução.

Quantas resistências tinham sido vencidas! As primeiras decisões do Conselho — nacionalização da Banca e dos Seguros — davam o tom ao rumo da Revolução. Pela primeira vez o capital monopolista sofria um golpe quase definitivo. As forças trabalhadoras imediatamente se puseram ao lado do Conselho. Era o primeiro sintoma de que a contradição, de que temos vindo a falar, se ia resolver no sentido favorável às classes exploradas.

Os partidos progressistas e os seus militantes e simpatizantes rejubilaram. Os partidos do capital emudeceram. E os que estavam a meio-termo tecerem loas modestas.

A realidade era uma: o poder económico que ainda estava nas mãos da reacção passava para o Estado, que o mesmo 6 dizer, para as massas.

A reacção dos partidos sociais-democratas foi, como é óbvio, espectativa, do tipo de não perderem o comboio. Mas não

rejubilaram, antes pelo contrário, e decidiram explorar as armas que lhes restavam e eram, na altura, as eleições.

As eleições, adiadas para 25 de Abril iam surgir como mais uma chocante e magnífica realidade de Portugal.

O poder político absorvia o poder económico, pelo menos em grande parte. As classes trabalhadoras conscientes sabiam que este era o grande passo em frente. Um pouco mais e a Revolução criaria o seu estatuto definitivo.

Mas iam surgir as eleições e elas poderiam ser um tremendo erro na evolução do processo.

Institucionalização do M. F. A.

Lei n.º 5/75, de 14 de Março

Considerando que os acontecimentos ocorridos em 11 de Março de 1975 impõem uma tomada de atitudes muito firmes por parte do Movimento das Forças Armadas;

Considerando a determinação do Movimento das Forças Armadas em serem atingidos o mais rapidamente possível os objectivos constantes do seu Programa;

Considerando a necessidade de garantir ao povo português a segurança, a confiança e a tranquilidade que lhe permitam continuar com determinação a obra de reconstrução nacional;

Considerando que o Movimento das Forças Armadas decidiu institucionalizar-se, mediante a criação desde já de um Conselho da Revolução e de uma Assembleia do Movimento da Forças Armadas;

Visto o disposto no n.º 1 do artigo 13.º da Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio, o Conselho de Estado decreta e eu promulgo, para valer como lei institucional, o seguinte:

ARTIGO 1.º

São extintos a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado.

ARTIGO 2.º

  1. É instituído o Conselho da Revolução, sob a presidência do Presidente da República e constituído por:
  1. Presidente da República;
  2. Chefe e Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas;
  3. Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das forças armadas;
  4. Comandante-adjunto do COPCON;
  5. Comissão Coordenadora do Programa do Movimento das Forças Armadas, constituída por três elementos do Exército, dois da Armada e dois da Força Aérea;
  6. Oito elementos a designar pelo Movimento das Forças Armadas, sendo quatro do Exército, dois da Armada e dois da Força Aérea.
  1. Do Conselho de Revolução fazem também parte todos os membros da Junta de Salvação Nacional extinta pelo artigo l.º do presente diploma.
  2. O Primeiro-Ministro, se militar, será igualmente membro do Conselho da Revolução.

ARTIGO 3.º

É instituída a Assembleia do Movimento das Forças Armadas, constituída por representantes dos três ramos das forças armadas, competindo ao Conselho da Revolução definir a sua composição.

ARTIGO 4.º

O Conselho da Revolução faz parte da Assembleia do Movimento das Forças Armadas, à qual presidirá através do seu próprio presidente ou de quem as suas vezes fizer.

ARTIGO 5.º

O Conselho da Revolução funcionará em plenário ou por secções, conforme vier a ser definido por diploma regulamentar.

ARTIGO 6.º

  1. Ao Conselho da Revolução são conferidas desde já as atribuições que pertenciam aos órgãos a que se refere o artigo 1.2 e ainda os poderes legislativos actualmente atribuídos ao Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores.
  2. Os poderes constituintes, até agora pertencentes ao Conselho de Estado e transferidos para o Conselho da Revolução, manter-se-ão até à promulgação da nova Constituição, a elaborar pela Assembleia Constituinte.

ARTIGO 7.º

Os actos legislativos emanados do Conselho da Revolução não carecem de referenda e são promulgados e feitos publicar pelo Presidente da República.

ARTIGO 8.º

As referências à Junta de Salvação Nacional e ao Conselho de Estado, contidas, nas leis em vigor, consideram-se feitas ao Conselho da Revolução.

ARTIGO 9.º

Esta lei entra imediatamente em vigor.

Vista e aprovada em Conselho de Estado.

Promulgada em 14 de Março de 1975.

Publique-se.

O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.

Comunicado do Conselho da Revolução

O Conselho de Revolução, apreciando as circunstâncias e as possíveis causas determinantes ou propiciatórias da tentativa do golpe revolucionário de 11 de Março e a situação política e social consequente, considera conveniente esclarecer a opinião pública sobre os seguintes pontos:

  1. — É determinação do MFA e do Governo Português manter inalteráveis as linhas de política externas enunciadas no Programa do MFA, nomeadamente o respeito pelos compromissos assumidos e o cumprimento das obrigações decorrentes de acordos e tratados internacionais celebrados.
  2. — O MFA e o Governo reafirmam a garantia de protecção das pessoas e bens de todos os estrangeiros em Portugal. Em completo respeito às convenções internacionais a que aderiu.
  3. — O MFA garantirá as liberdades democráticas e a realização das eleições para a Assembleia Constituinte.
  4. — Entende o MFA que as alterações da ordem pública e outras acções atentatórias da autoridade democrática, verificadas no período que antecedeu a tentativa contra-revolucionária, constituíram um dos factores de que a reacção se serviu para criar uma clima favorável às suas actividades, quando não foram por ela mesmo provocadas.

Consideram-se, assim, contra-revolucionários e, como tal, passíveis de severa repressão, os actos de violência, roubo ou outras quaisquer formas de desrespeito pela ordem democrática.

Nesta condições, o Conselho da Revolução apela para a consciência democrática do Povo Português e para os partidos políticos seus lídimos representantes no sentido de que a proclamada adesão ao Programa do MFA se traduza no integral e pronto cumprimento das normas e medidas executórias dele emergentes.

Nacionalização da Banca

Decreto-Lei n.º 132-A/75, de 14 de Março

Considerando a necessidade de concretizar uma política económica antimonopolista que sirva as classes trabalhadoras e as camadas mais desfavorecidas da população portuguesa, no cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas;

Considerando que o sistema bancário, na sua função privada, se tem caracterizado como um elemento ao serviço dos grandes grupos monopolistas, em detrimento da mobilização da poupança e da canalização do investimento em direcção à satisfação das reais necessidades da população portuguesa e ao apoio às pequenas e médias empresas;

Considerando que o sistema bancário constitui a alavanca fundamental de comando da economia, e que é por meio dela que se pode dinamizar a actividade económica, em especial a criação de novos postos de trabalho;

Considerando que os recentes acontecimentos de 11 de Março vieram pôr em evidência os perigos que para os superiores interesses da Revolução existem se não forem tomadas medidas imediatas no campo de controle efectivo do poder económico;

Considerando a necessidade de tais medidas terem em atenção a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores da banca na fiscalização e controle do respectivo sector de actividade;

Considerando, finalmente, a necessidade de salvaguardar os interesses legítimos dos depositantes;

Nestes termos:

Usando os poderes conferidos pelo artigo 6.º da Lei Constitucional n.º 5/75, de 14 de Março, o Conselho da Revolução decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo 1.º:

1. São nacionalizadas todas as instituições de crédito com sede no continente e ilhas adjacentes, com excepção:

  1. Do Crédit Franco-Portugais e dos departamentos portugueses do Bank of London & South America e do Banco do Brasil;
  2. Das caixas económicas e das caixas de crédito agrícola mútuo, que serão objecto de legislação especial a publicar dentro de noventa dias.

2. As condições de reembolso dos accionistas das instituições nacionalizadas nos termos do n.º 1 do presente artigo e a orgânica de gestão e fiscalização dessas instituições serão estabelecidas em legislação a publicar pelo Governo dentro de noventa dias.

Art. 2.º São dissolvidos os actuais órgãos sociais das instituições de crédito nacionalizadas nos termos do artigo anterior.

Art. 3.º O Primeiro-Ministro, ouvidos o Ministro das Finanças e os sindicatos dos bancários, nomeará por despacho uma comissão administrativa para cada uma das instituições nacionalizadas nos termos do presente diploma, composta por três a cinco elementos de reconhecida competência em problemas bancários.

Art. 4.º As comissões administrativas nomeadas nos termos do artigo anterior exercerão funções até à entrada em funcionamento dos órgãos de gestão que venham a ser constituídos nos termos previstos no n.º 2 do artigo 1.º.

Art. 5.º Os administradores das instituições nacionalizadas nos termos do presente diploma que tenham sido nomeados pelo Conselho de Ministros mantêm-se em funções, integrados nas respectivas comissões administrativas.

Art. 6.º:

1. As comissões administrativas terão todos os poderes que, pela lei ou pelos estatutos das respectivas instituições de crédito, pertenciam aos conselhos de administração ou de gerência, com excepção:

  1. Da faculdade de admissão, promoção, transferência, demissão ou alteração de remunerações ou quaisquer outras regalias dos trabalhadores;
  2. Da capacidade para a prática de actos que não estejam estritamente relacionados com as necessidades de gestão corrente das respectivas instituições de crédito.

2. A prática dos actos mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior dependerá, em cada caso, de despacho de autorização do Ministro das Finanças.

Art. 7.º As remunerações dos membros das comissões administrativas a atribuir enquanto esses membros exercerem tais funções serão fixadas por despacho do Ministro das Finanças, observados os limites estabelecidos no Decreto-Lei n.º 446/74, de 13 de Setembro, constituindo encargo das respectivas instituições de crédito.

Art. 8.º A responsabilidade perante terceiros decorrente dos actos de gestão praticados pelos membros das comissões administrativas será directa e exclusivamente assumida pelo Estado, perante o qual tais membros responderão pelos referidos actos.

Art. 9.º As comissões administrativas elaborarão, após o termo do seu mandato, relatório circunstanciado sobre a sua actividade e prestarão contas da mesma para apreciação pelo Ministério das Finanças.

Art. 10.º Os membros dos conselhos de administração, de gerência ou fiscal, dissolvidos nos termos do presente diploma ficam obrigados a prestar às comissões administrativas as informações e esclarecimentos que se tornarem necessários para o normal exercício das suas funções, sob pena de incorrerem no crime de desobediência qualificada.

Art. 11.º O presente diploma entra imediatamente em vigor.

Visto e aprovado em Conselho da Revolução.

Promulgado em 14 de Março de 1975.

Publique-se.

O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.

Nacionalização dos Seguros

Decreto-Lei n.º 135-A/75, de 15 de Março
(excerto)

Considerando o elevado volume de poupança privada retido pelas sociedades de seguros e que tem sido aplicado não em benefício das classes trabalhadoras mas com fins especulativos e em manifesto proveito dos grandes grupos económicos;

Considerando a proliferação de sociedades de seguros constituídas, que têm conduzido a uma concorrência desleal com perigo até para a própria solvabilidade dessas empresas;

Considerando a necessidade de proporcionar maior segurança aos capitais confiados às sociedades de seguros através dos prémios arrecadados, garantindo, assim, o integral pagamento dos capitais seguros;

Considerando que as elevadas somas de capital em poder das sociedades de seguros devem ser aplicadas em investimentos com interesse nacional e, portanto, em benefício das camadas da população mais desfavorecidas, no cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas;

Considerando a necessidade de tais medidas terem em atenção a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores de seguros na apreciação de situações irregulares no domínio da gestão que já haviam imposto até a intervenção do Estado;

Considerando, ainda, que interessa deixar inalteradas as relações com companhias de seguros estrangeiras que detêm participações significativas no capital de companhias de seguros nacionais;

Considerando finalmente a necessidade de salvaguardar os interesses legítimos dos segurados;

Nestes termos:

Usando dos poderes conferidos pelo artigo 6.9 da Lei Constitucional n.º 5/75, de 14 de Março, o Conselho da Revolução decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo 1.º São nacionalizadas todas as companhias de seguros com sede no continente e ilhas adjacentes, com excepção:

  1. Das Companhias de Seguros Europeia, Metrópole, Portugal, Portugal Previdente, A Social, Sociedade Portuguesa de Seguros e O Trabalho, dada a significativa participação de companhias de seguros estrangeiras no seu capital;
  2. Das agências das companhias de seguros estrangeiras autorizadas para o exercício da actividade de seguros em Portugal;
  3. Das mútuas de seguros.

Costa Gomes, em 17 de Março

Consumidos já alguns dias e algumas noites de trabalho decisivo, aproveitaremos uma ligeira pausa para esta cerimónia simples, da posse do Conselho de Revolução.

Mais uma vez prestarei contas ao País, agora para explicitar as razões profundas que tornaram imediatamente indispensável a institucionalização do M. F. A., especialmente no que respeita a este órgão cimeiro de que vão depender os destinos de Portugal.

Como é público, estes actos políticos estavam previstos mas, em relação a eles, os acontecimentos de 11 de Março foram o catalizador que veio acelerar um processo indispensável.

Tem havido órgãos de decisão em excesso e o Conselho da Revolução vem substituir três, designadamente: a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Conselho dos Vinte.

Também a dinâmica de decisão dos órgãos centrais evidenciou um ritmo inferior às necessidades de um processo revolucionário; inclusivamente muitos diplomas legais surgiram dolorosamente ultrapassados.

Este Conselho da Revolução, em poucos dias, já demonstrou capacidade legislativa revolucionária e ninguém o acusará de limitado quanto a horário de trabalho ou quanto à coragem das suas decisões.

Temos ainda verificado que muitas pessoas não distinguem entre ser livre e ser libertado, confundindo democracia com a ausência de autoridade e de legalidade.

Sem intenção de se fixar em legalismos conservadores, o Conselho da Revolução irá impor-se pela sua determinação em fazer respeitar a autoridade democrática e pela coragem de coagir extremismos ao respeito pelo espírito do Programa do M. F. A.

Entre outras razões citaremos ainda o facto do Povo Português não estar suficientemente esclarecido politicamente para rejeitar partidos elitistas, ou pseudo-revolucionários.

É pois necessário um polo de poder decidido e determinado a sanear, se necessário, um excessivo leque partidário.

Nós, Conselho da Revolução, sentimos o apelo destas razões profundas e serviremos o Povo sem esquecer a sua vontade autenticamente expressa.

Iremos criar uma Assembleia Geral do M. F. A. que represente, em termos progressistas, o sentimento autêntico de todas as Forças Armadas, do general ao soldado.

Conduziremos umas eleições livres e delas obteremos uma Assembleia Constituinte, que será uma fonte de inspiração quanto à genuína vontade do Povo.

Resumindo o preâmbulo da Lei 5/75, que cria este Conselho, diremos que estamos agora em condições de cumprir os deveres, de tomar atitudes mais firmes, atingir mais rapidamente os objectivos programáticos do M. F. A. e de criar o ambiente de segurança, confiança e tranquilidade necessários à reconstrução nacional.

Como membro do Conselho da Revolução, a nossa missão tem algo de grandioso, mas será esmagadora em sacrifícios e responsabilidades históricas.

Não olharemos às exigências do corpo fatigado mas seremos subordinados à consciência de quem não quer impor a sua vontade e convicção ao País, mas pretende interpretar, servir e aceitar uma vontade colectiva livremente expressa.

Assim o País e as forças autenticamente democráticas nos aceitarão como o «motor da Revolução» que, por caminhos de sacrifício, conduzirá Portugal ao desenvolvimento, à paz e à justiça social.

Assim mereceremos o crédito e a colaboração de um Governo de transição coligado, e a confiança dos partidos autênticos, amanhã dispostos a servir a felicidade e a vontade do Povo que os vivifica.

Que a História nos venha a julgar dignos do Povo a que pertencemos.

continua>>>


Inclusão 02/04/2019