A Revolução em Ruptura
Textos Históricos da Revolução II

Organização e introdução de Orlando Neves


Assembleia do MFA
Análise Política
(19-5-75)


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Um dos pontos da assembleia foi preenchido com uma perspectiva da situação política em que, a abrir, se afirma que o M.F.A., em aliança com o povo português, está empenhado numa revolução cuja meta é o socialismo, a «atingir por uma via de pluralismo revolucionário».

Considerando que as eleições recentes comportam, necessariamente, duas visões antagónicas, conforme se deposite a tónica na revolução ou na eleição, o documento afirma:

«Ou seja: existe a possibilidade de utilizar os resultados eleitorais, esquecendo que eles estão enquadrados numa revolução, o que significa que não se pretende alcançar o socialismo, ou então apenas se pretende a revolução, ignorando completamente a realidade das eleições. Dado que o nosso processo comportou esta contradição, forçoso é superá-la, extraindo das eleições as consequências que interessem e não ponham em causa o processo revolucionário em curso.

Esta será, assim o cremos, a única óptica possível a um revolucionário consequente: a maioria do eleitorado português aderiu ao projecto socialista do M.F.A., concedendo-lhe o seu aval ao votar prioritariamente nos partidos políticos que propuseram um programa claramente socialista. Mas mais importante Que isso: o ratificar, pela votação, o pacto estabelecido pelo M.F.A. com os partidos políticos, o povo português disse sim ao M.F.A. como motor e fiscal do processo revolucionário.»

Relativamente aos riscos da exploração contra-revolucionária das eleições, o documento aponta as seguintes:

  1. Os partidos concederem prioridade à estratégia de «não perder os votos», relegando para segundo plano as tarefas concretas da construção do socialismo, eventualmente pouco agradáveis à respectiva clientela eleitoral. Esta actuação traduzir-se-á por uma desmobilização perigosa das massas trabalhadoras.
  2. Tentativas de transposição mecânica dos resultados eleitorais para o domínio do aparelho de Estado (recomposição do actual Governo, conquista de autarquias locais em zonas «reaccionárias», etc.), ou da estrutura sindical, originando, como consequência, uma incentivação e alastramento de reivindicações salariais incomportáveis.
  3. Tentativas de «pressão» sobre o M.F.A., jogando com o peso eleitoral.
  4. Tentando «isolar» o M.F.A. com partidos minoritários, demonstrando assim que o M.F.A. não é apoiado pela maioria do povo português.
  5. Exploração, no seio do M.F.A., de eventuais rupturas provocadas pelo reflexo dos resultados eleitorais.
  6. Risco de divisão das massas populares interessadas no processo revolucionário, criando um clima pernicioso de disputa partidária, tipo «Benfica-Sporting».

O documento entra depois numa análise das linhas dos principais partidos políticos, que são apreciadas da seguinte forma:

«a. PARTIDO SOCIALISTA — «Ataque» nos sectores sindicais, autarquias locais, comissões de trabalhadores e meios de comunicação para conquista do Poder político. Aproximação com o M.F.A., na sua qualidade de Partido Socialista maioritário, tentativa de se transformar num único ou pelo menos, o mais poderoso dos «aliados» do M.F.A. Desconfiança mal dissimulada quanto à velocidade que o M.F.A. tem imprimido ao processo revolucionário. Fraco comprometimento real na mobilização para as tarefas do aumento da produção. Aproximação táctica anti-P.C.P. com partidos de extrema-esquerda, de forma esporádica. Esboço de aproximação com o P.C.P., sob o impulso da realidade da revolução socialista, embora com divergências ainda profundas, sem, no entanto, comprometer irremediavelmente as possibilidades de entendimento com o P.P.D. Desconfiança quanto às «amplas liberdades» preconizadas pelo P.C.P.

b. PARTIDO POPULAR DEMOCRÁTICO — Estratégia idêntica à do P.S., no que respeita à luta pelo domínio de autarquias locais. Fracas possibilidades de implantação nos sectores sindicais e meios de comunicação social. Tentativas de afastar o P.S. da «tentação» P.C.P., visionando uma aliança P.S.+P.P.D.

c. PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS — Empenhamento na defesa das posições que ocupa nos sectores do trabalho e da Intersindical, bem como nas autarquias locais e meios de comunicação social. Abertura ao diálogo com o P.S., forçado pela realidade do xadrez político nacional, se bem que manifestando desconfiança quanto às intenções daquele partido no que respeita à opção socialismo-social-democracia. Ataques indirectos à actuação da cúpula do P.S. Empenhamento real na mobilização popular para as tarefas de produção. Continuação das alianças tácticas P.C.P. + M.D.P. + F.S.P. + M.E.S.

d. MOVIMENTO DEMOCRÁTICO PORTUGUÊS (M.D.P.-C. D. E.) Aparentemente em crise na sua capacidade de mobilização popular, como reflexo do desaire eleitoral, onde ressaltou a inviabilidade da alternativa entre um P. C. considerado dogmático ou ortodoxo por alguns, e um P.S. motivando suspeitas de social-democrata para os mesmos. Esse desaire, quando situado na faixa do eleitorado acima citado, deve basear-se na incapacidade de definição política e na aliança demasiado incondicional, que mantém com o P.C.P. Pormenores recentes fazem prever uma evolução deste partido, passando por uma integração de outros sectores de esquerda não P. C. Actualmente, remete-se a uma táctica de defesa das posições que mantém em bastantes autarquias locais e comissões de moradores. Apoio e comprometimento reais quanto ás tarefas da reconstrução do socialismo.»

«Um estímulo socialista ainda inexistente»

A análise entra depois no sector económico do País, considerando que este não é de modo a permitir hesitações. «De facto — afirma — é imperioso que os trabalhadores portugueses se consciencializem que chegou a altura de intensificar o esforço da produção enquadrado num projecto socialista já definido pela reforma agrária, pela posse colectiva dos grandes meios de produção, já nacionalizados, e pela participação dos trabalhadores no controle da produção. É urgente substituir o estímulo do lucro, motor das sociedades capitalistas, por um estímulo socialista, ainda inexistente. Os objectivos imediatos indicados são os seguintes:

PLANO ECONÓMICO — aumento da produção: criação do estímulo socialista; criação de órgãos de controlo da produção pelos trabalhadores.

PLANO POLÍTICO — descentralização regional da revolução, ligação estreita aos órgãos de participação popular e apoio à sua criação como processo de avanço da revolução e de superação das contradições partidárias; incentivação da consciência popular de participação, por via da revolução cultural.

Para a construção do socialismo são indicados três grandes objectivos a definir: a independência nacional, a estrutura do desenvolvimento e o modelo de sociedade. No que se refere ao desenvolvimento o documento apresenta as seguintes prioridades:

  1. Agricultura: descentralização da indústria, com recurso a industria ligeira em zonas rurais.
  2. Aumento acelerado do produto nacional bruto; industrialização pesada, com sacrifício do consumo em favor do investimento.

(Relato publicado no Diário de Notícias de 20-5-1975)

continua>>>
Inclusão 30/04/2019