Textos Históricos da Revolução

Organização e introdução de Orlando Neves


VASCO GONÇALVES NO CONGRESSO DOS SINDICATOS
(27-7-75)


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Depois de tanto calor humano que tendes posto na vossa aliança Povo—M. F. A., eu espero ter a serenidade suficiente para dizer qualquer coisa.

Sei que este congresso, em representação dos trabalhadores portugueses, é uma força fundamental da vanguarda da Revolução Portuguesa.

Desejo saudar-vos a todos e não posso deixar de focar aqui a diferença — bem sei que passaram muitos anos... — mas a diferença formidável que há entre este congresso de unidade a consciência daquilo que é preciso fazer em Portugal (como tenho observado por aquilo que tenho lido acerca do que aqui tem sido dito e pelas últimas palavras que proferiu aqui o camarada Manuel Lopes); não posso deixar de salientar quão diferentes são os tempos de hoje em relação àqueles em que foi celebrado, na Covilhã, um congresso operário português, em que passaram dois ou três dias a discutir se haviam de estar ao lado ou contra a União Soviética; o que é que representava a Revolução Russa; e sem mergulharem profundamente nos problemas e nas questões da sua própria pátria.

Isto demonstra que vós amadureceis, dia a dia, a vossa consciência de classe. E é muito importante que tenhais consciência de classe, porque o fortalecimento da consciência de classe dos trabalhadores portugueses é o fortalecimento do patriotismo português.

E porque é que o fortalecimento da consciência de classe dos trabalhadores não é divisionista, mas é unitário na nossa pátria, neste momento?

É porque os interesses do futuro de Portugal estão intimamente ligados àquilo que vós fizerdes no concreto.

Ao contrário do que propalam os detractores da classe operária, este Congresso demonstra a nossa unidade democraticamente assumida. A unidade sindical é fundamental para nós. É a pedra de toque. O primeiro golpe que nós demos no capitalismo monopolista de Estado foi precisamente a aprovação da unidade sindical.

O momento que estamos atravessando é muito grave. Todas as revoluções atravessam momentos destes. Essa gente que tantas críticas faz, como se se pudesse ter resolvido, ao fim de quinze meses, os problemas da incompatibilidade, por exemplo dos estratos sociais que devem estar aliados; os problemas da crise económica que estamos atravessando; os problemas das contradições todas Que têm decorrido, ao longo deste processo, quer no seio das Forças Armadas quer fora do Movimento das Forças Armadas. Não há nenhuma revolução que não tenha contradições destas; que não passe por fases de estrangulamento.

Ainda hoje, à tarde, ouvindo uma palestra sobre a revolução cubana, proferida pelo general-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas de Cuba, nós tivemos oportunidade de verificar as tremendas dificuldades que eles atravessaram. Por exemplo, ao fim de seis anos da revolução cubana (...), eles tiveram problemas de casos de sublevação reaccionária em todas as províncias, que tiveram de dominar. E haviam passado seis anos.

Esses problemas não deixaram de me lembrar os problemas que hoje temos entre nós, em certa regiões do nosso País.

Há uma questão muito importante. É que quando nós dizemos que optamos pelo socialismo isso é muito grave. Isso representa uma grande responsabilidade. Há pessoas que dizem que optaram pelo socialismo, mas não fazem bem ideia do que estão a dizer nesse momento.

É preciso ter bem a consciência do que significa a entrega total de uma pessoa optar pelo socialismo. É preciso que vós tenhais bem essa consciência. Dada a situação em que nós vivemos, dado o papel que apresentais em relação à classe operária, em relação às classes trabalhadoras, quer do campo quer da cidade; uma vez que sois uma vanguarda desses trabalhadores, vós deveis ter presente que toda a vossa vida está dedicada à implantação do socialismo em Portugal. Isso obriga a uma entrega total, a um combate total pelo socialismo. Isso não se resolve com verbalismo, mas com uma actividade quotidiana, com firmeza, com serenidade e lucidez, com a cabeça à prova de todas as pressões, com a cabeça à prova de todas as tensões. Deveis, em cada instante, ter isso bem presente.

Não podeis perder a serenidade. Não podeis perder a lucidez. Deveis compreender que o período revolucionário é um período agitado. E quando virdes um camarada menos firme, um camarada mais triste, um camarada mais desanimado, deveis lançar- -lhe imediatamente a mão, num abraço fraterno.

Esta luta — como disse o brigadeiro Corvacho, no Porto — esta luta é uma luta de morte contra o capitalismo. As formas a que recorre o grande capital, quer o nacional quer o internacional, para travar este processo, são múltiplas. É preciso ter uma actuação permanente. É preciso ter muita firmeza, espírito de sacrifício, estar-se disposto a entregar-se totalmente à pátria e ao povo.

Vós tendes um papel fundamental a desempenhar como vanguarda dos trabalhadores. Cada um de vós, quando sair daqui, deve ser um pólo de irradiação das ideias que aqui foram expostas, dos trabalho a cometer; um pólo de irradiação de vigilância popular. Estamos num período de intensa vigilância popular.

Deveis combater intensamente o divisionismo nas vossas fileiras. E eu tenho uma grande alegria, nós que aqui estamos temos uma grande alegria por sabermos que este congresso tem decorrido sob o signo da unidade. Pois nós pretendemos isso a todo o transe. A unidade das massas trabalhadoras portuguesas, a unidade com o Movimento da Forças Armadas, a unidade Povo-M. F. A. Isto não são palavras. Há muita gente que nos acusa de verbalismo. Mas estas frases têm de contribuir para a formação da consciência social de todos nós.

Nós temos um problema a resolver, que é pôr a consciência social de acordo com as transformações materiais que se têm operado na nossa sociedade. E ainda não conseguimos. Há um desfazamento entre a consciência social das transformações que se estão operando, daquilo que é preciso realizar, com o derrube, com o golpe de grande alcance — o golpe mortal, diria eu — que demos no capitalismo. Nós demos um golpe mortal no capitalismo monopolista de Estado. A infra-estrutura económica está, de facto, ferida mortalmente. Mas, por outro lado, a consciência dos portugueses — mesmo dos trabalhadores — e, nomeadamente, a consciência da pequena burguesia e de certos estratos de média burguesia, que interessam também ao processo, não acompanha esses golpes.

E isso é uma contradição muito importante que prejudica a consolidação da nossa revolução e que vós tendes de ter em atenção. E deveis procurar contribuir para a formação, de facto, dessa consciência, para a superação dessa contradição entre o facto de muitos de nós dizermos que optámos pelo socialismo e termos uma ascendência pequeno-burguesa que, na prática, não nos permite assumir verdadeiramente essa afirmação de que optámos pelo socialismo. É muito importante que tenhais isto presente.

Mas outras tarefas tendes quando saírdes daqui: a dignificação dos trabalhadores; o esclarecimento do que se está a passar neste momento. Este esclarecimento está intimamente ligado à consciência do que é o papel dos trabalhadores como vanguarda deste processo.

Nós não podemos caminhar para o socialismo sem os trabalhadores estarem integrados na vanguarda deste processo. Há o Movimento das Forças Armadas e um movimento revolucionário autónomo composto pelos trabalhadores, quer do campo quer da cidade. É a esta aliança, a esta união, que cabe o papel de vanguarda neste processo.

Mas esta vanguarda revolucionária não pode caminhar isolada para a construção do socialismo. Ela necessita de alianças. E muito importante que tenhamos a consciência disto.

Nós vivemos hoje um momento em que as pessoas têm consciência disso. Não nos podiam pedir isso quando estávamos fazendo o 25 de Abril e naquela luta constante que se seguiu. Mas nós hoje temos bem essa consciência. Nós — quando eu falo em nós somos todos aqueles que fazemos parte da vanguarda — nós temos que ter aliados. Esses aliados terão de ser a pequena burguesia, os pequenos industriais, os pequenos e médios agricultores. Esses aliados têm de ser conquistados pela nossa causa. Mas só cor medidas, só com actos materiais do tipo daquelas que aqui foram citadas nós poderemos provar que estamos conscientes de que deveremos caminhar com aliados. Só com essas medidas. Não é conversando, só conversando.

Seria muito grave que não tivéssemos a consciência disso, que não deveríamos ter aliados nesta marcha para o socialismo. E será na prática quotidiana e será dentro de algum tempo — não é instantaneamente — que esses aliados verão que, de facto, só têm a ganhar com a revolução socialista, que ela lhes dá mais que o capitalismo monopolista de Estado. Pois sabeis bem que esses estratos sociais oscilam entre as classes trabalhadoras e a grande burguesia. Nós precisamos de conquistar esses estratos sociais, mas conquistá-los tendo bem a consciência de que nós somos a vanguarda deste processo.

Este processo tem uma vanguarda e tem aliados. E é nessa fusão desta vanguarda com esses aliados que nós devemos caminhar para o futuro. É claro que isto tem uma transposição ao nível político, ao nível das organizações políticas. E nós devemos procurar que essa aliança seja feita também ao nível das organizações políticas.

É claro que os diversos estratos sociais não têm uma expressão política perfeitamente clarificada. Quer dizer, a um estrato social deve corresponder uma determinada expressão ao nível político; a outro estrato social, outra expressão ao nível político. Sabeis que isso não se dá. Daí, muita confusão, muita falta de clarificação; daí o vosso grande papel de clarificar não só os vossos camaradas de trabalho, como também esses outros elementos que deverão ser nossos aliados, sobre a marcha deste processo. Mas é preciso que tenhamos consciência disto.

Nós devemos avançar com este processo com vanguardas, mas não devemos afastar camadas da população que deverão ser, na prática, nossos aliados. Isto tudo deve ser assumido conscientemente. Porque nós não estamos interessados em que ao longo do caminho para o socialismo, se invertam as relações da classe. Não é isso que eu estou aqui a propor. Este processo tem uma vanguarda, tem a consciência de que deve ter determinados aliados.

É nesse sentido que se pode falar também na aliança Povo—M. F. A. Eu vejo nesta aliança Povo—M. F. A. uma vanguarda constituída pelas classes trabalhadoras e pelo M. F. A., movimento revolucionário autónomo das Forças Armadas, aliado aos pequenos industriais, aos pequenos comerciantes, aos pequenos e médios agricultores, porque essa gente também era trucidada e explorada pelo capitalismo monopolista de Estado. E num sistema de transição que nós consideramos, de facto, pôr em prática e executar, essas camadas serão progressivamente conquistadas para a revolução. E, conquistadas para a revolução, terão de futuro, o seu lugar assegurado, e chegará o tempo em que a sociedade sem classes, sem exploração do homem pelo homem, será atingida.

É preciso termos a consciência suficiente de que neste momento nós não poderíamos nacionalizar totalmente a propriedade privada que existe no nosso País. Lá se chegará. Haverá um período intermédio, que teremos de percorrer com os nossos Aliados, mas sempre com a consciência de quem deve marcar passo ao processo. E depois, ao fim desse período intermédio, nós atingiremos a sociedade que procuramos realizar na prática e que aqui foi definida pelo vosso camarada, a sociedade sem classes, uma sociedade em que termina a exploração do homem pelo homem.

Por isso, é muito importante saber caracterizar o inimigo em cada instante. O nosso inimigo é, de facto, o capitalismo monopolista de Estado; são os grupos que ainda existem e que ainda não foram destruídos; são as próprias camadas da burguesia; são os próprios empresários que, num período que sentem de indefinição, estão hesitantes entre as classes trabalhadoras e os homens do grande capital que ainda lutam contra nós. Mas se eles perceberam bem que a definição está estabelecida, eles então sabem que o caminho a seguir é serem nossos aliados. É por isso que as forças capitalistas do nosso País pretendem dividir primeiro o M. F. A., porque o M. F. A. é um problema para o capitalismo nacional e internacional; depois, pretendem dividir a classe trabalhadora e pretendem pôr contra nós os pequenos e certos médios empresários; pretendem pôr contra nós a pequena burguesia, utilizando a situação que vivemos.

Pois, de facto, nós não podíamos ao fim de quinze meses, inseridos na crise geral do capitalismo que o País vive e ainda na nossa própria crise, na crise do nosso próprio processo, não poderíamos, de facto, ter resolvido praticamente problemas que urge resolver, problemas da pequena burguesia que urge resolver de facto, e vós também tendes a consciência disso. Isso também foi dito aqui pelo vosso camarada. São todas estas diferenças de interesses e os descontentamentos que existem neste momento que são utilizados para nos dividir, com o objectivo final de restabelecer o sistema capitalista no nosso País. Esse é que é o objectivo final das forças reaccionárias e do capital que nos atacam. É preciso ter muito bem a consciência disso.

Na prática, essas forças que nos combatem, desenvolvem actividades no sentido dos trabalhadores exigirem reivindicações incomportáveis, neste momento, com a economia do nosso País. Eu julgo que já se vai fazendo luz na cabeça dos nossos trabalhadores; que o produto nacional bruto não compreende, não comporta certas reivindicações que são feitas hoje, que têm um carácter prejudicial, objectivamente contra-revolucionário. Nós vivemos num período em que é preciso, também, transformar a consciência social dos trabalhadores.

Foi muito importante o papel que os trabalhadores, a Intersindical, que as lutas reivindicativas desempenharam, no tempo do fascismo. Quando nós derrubámos o fascismo, no dia 25 de Abril, havia greve, digamos, na cintura de Lisboa. Havia poderosas lutas da classe operária que eram silenciadas e não vieram nos jornais. Daí se ter desenvolvido imediatamente uma verdadeira revolução social no nosso País depois do 25 de Abril. Não foram só os militares que fizeram o que hoje está feito em Portugal. Foram vocês, foram as classes trabalhadoras, em aliança estreita com os militares, que o fizeram e isso já vinha de trás. Essa luta heróica da Intersindical, por exemplo, e que por vezes tão denegrida é pelos adversários do processo revolucionário, portanto, os nossos inimigos, procurava meter «cunhas» entre nós, dividir. Além disso que eu referi, quanto a essas reivindicações que são absolutamente incomportáveis pela nossa economia — o que não significa que não sejam justas, que não possam ser justas —, enfim essas reivindicações se possam justificar, porque todas as revoluções lançam enormes esperanças na resolução dos problemas.

É evidente que o povo português, após o 25 de Abril, teve uma esperança enorme que fossem resolvidos rapidamente os seus problemas, mas isso não é real, isso não é possível, essa esperança está ligada à própria despolitização das pessoas, ao desconhecimento destes processos. Nós não podemos resolver os problemas rapidamente, com a velocidade que nós desejaríamos que fossem resolvidos. Ora, isso é aproveitado pelas forças da reacção. Também eles procuram desmobilizar os trabalhadores da batalha da produção, introduzem factores de perturbação da reforma agrária e nas nacionalizações, lançam hostes entre os pequenos e médios proprietários, atribuindo ao M. F. A. e às classes trabalhadoras desígnios que nunca passaram pela nossa cabeça. Então, nós temos de nos defender e antes temos de combater isso, porque nós deve- mo saber que a melhor defesa é o combate. Nós devemos combater os nossos adversários, nós temos até agora avançado combatendo os nossos inimigos e temos de o continuar a fazer. Neste momento, avançar na revolução é consolidar as conquistas alcançadas, é alargar a nossa base de apoio, mas não devemos estar torturados nem viciados pela situação em que vivemos, esta situação é vivida por todas as revoluções.

As revoluções não se fazem a compasso de esquadro, não se fazem com ensaios gerais, todos os revolucionários devem ter a consciência que um período conturbado, é um período de crise, crise que se reflecte até no seio dos nossos lares. E é preciso ter essa tal tensão, esse vigor intenso de vontade, os valores espirituais. Já o tenho dito: um período revolucionário tem muito mais importância do que um período estabilizado. Vocês têm de ter uma paciência, uma calma, uma serenidade, uma firmeza, a toda a prova e a todos os níveis, no vosso trabalho quotidiano nas empresas onde estais empregados, na discussão com os adversários do processo, na discussão com os camaradas que são utilizados, até, como adversários deste processo inconscientemente, nas discussões familiares com os vossos filhos, com as vossas famílias. É isso que se traduz no espírito revolucionário, na prática, sem esquecer o desenvolvimento do movimento operário, que é uma peça fundamental. Sem um forte desenvolvimento do movimento operário, sem um forte espírito de classe, sem a consciência que sois a vanguarda desta revolução, da responsabilidade que pesa sobre os vossos ombros (nós já temos dito, muitas vezes, que o novo português tem hoje uma oportunidade como teve em 1383), nós não podemos frustrar as esperanças do povo português. Isso é uma responsabilidade formidável, é uma responsabilidade que empenha toda a nossa vida.

Vós que sois verdadeiros revolucionários, já não pertenceis a vós próprios, nem à vossa família, mas a um todo muito mais largo, que é a nossa pátria. Isto não são palavras, nem é verbalice, é muito fácil aqueles que não têm a consciência que devem pôr de acordo com aquilo que lhes vai nas ideias e no pensamento com a sua acção, é muito fácil dizer isto que eu aqui estou a dizer e vós aí estais para me julgardes. Mas vocês também têm de vos examinar a vós próprios. Isto não é verbalismo, é prática. Tendes uma responsabilidade formidável como dirigentes sindicais, estais entregues às classes trabalhadoras, quer do campo quer da cidade. Estais entregues ao vosso povo, à vossa pátria, é preciso reflectir nisto, porque o vosso papel, o papel do homem, é fundamental nesta revolução. Vós podeis multiplicar-vos por dez, por cem, por mil, vós tendes de estar na frente do combate permanentemente, é isso que significa a vigilância popular; é a dádiva, é a dádiva total da vossa vida à revolução.

As revoluções fazem-se com isso. Às vezes há pessoas que criticam: mas então vamos pedir tantos sacrifícios a uma geração de portugueses? De facto, nós temos de fazer o socialismo, nós temos de nos sacrificar, não é possível manter os níveis de uma sociedade de consumo e transformar essa sociedade noutro sentido, mas nós podemos compensar, compensar esses bens materiais que têm sido objecto de actividades dos homens numa sociedade capitalista.

Eu pergunto: «É mais livre um tipo por ter um automóvel, frigorífico, moradia, etc., mas tendo que andar dentro daqueles cânones da sociedade capitalista, sem liberdades, ou com falsas liberdades; será melhor a vida desse homem ou de um que tenha um nível de vida material muito pior, mas que participe na edificação da sua pátria; que discuta com os outros nas comissões de moradores, nas comissões de bairro?

O poder popular não é nenhum papão senão para aqueles que não estão com as massas trabalhadoras.

O poder popular constrói-se a céu aberto, à vista de todos, sem sofisticações, na unidade das massas trabalhadoras e das outras suas aliadas com o Movimento das Forças Armadas. O poder popular é assim que se constrói. Quotidianamente, é nele que podemos realizar essa unidade e esse alargamento da base.

Eu não tenho dotes oratórios. Quando estive em Moçambique e vi lá o desfile no dia da independência nacional, nós víamos diversos grupos a desfilar e por eles caracterizávamos até grosseiramente as classes sociais a que pertenciam. E, a determinada altura, vi desfilar um grupo mais heterogéneo, de pessoas

melhor vestidas, de pessoas pior vestidas. Uns via-se que eram operários, outros que eram estudantes, outros funcionários ou pequenos comerciantes, etc. E eu perguntei ao camarada Chissano o que era aquele grupo.

Era uma comissão de bairro.

Ora vêem vocês aí construída na prática a tal aliança dos trabalhadores com as outras classes que devem estar interessadas no desenvolvimento dessa revolução? Interessadas e não amedrontadas por ela?

Portanto, o poder popular não deve ser um papão mas antes qualquer coisa que se constrói a céu aberto, em íntima ligação com o M. F. A. e que é o nosso projecto do futuro, é o projecto da construção do socialismo em Portugal.

É preciso que tenhais consciência de que ao dizermos isto não estamos a alterar o Programa do M. F. A., nem o pacto que assinámos com os partidos. Tudo isso é coerente. É mergulhar nesses textos e ver se não estão lá os «germens» disto que estamos a dizer.

Mas é uma grande responsabilidade esta da construção do poder popular. E é muito grave. É preciso que tenhais bem a noção da responsabilidade que tendes sobre os vossos ombros, e nós sobre os nossos, na construção da sociedade para o futuro.

Isto tem de ser feito com cuidado, com cautela para não frustrar esperanças, sem desilusões. Evidentemente, que há-de ser feito com erros. Todas as revoluções cometem erros. Mas é preciso analisar esses erros.

Tem de ser feito sem sectarismos, com verdadeiro espírito de unidade, esse espírito de unidade que vós desenvolveis nos sindicatos, tendo por objectivo aquela meta comum que é a do socialismo, a da independência da nossa Pátria, a da felicidade do nosso povo.

Mas isso tem de ser feito com muita consciência, com calma. Não é feito a andar para trás. É termos bem a noção de que quando estamos a criar essas organizações unitárias, nós não devemos ser sectários, para não afastar outros, para não julgarem que há certas forças políticas que querem eliminar outras forças políticas no seio dessas organizações unitárias.

Devemos ter o maior senso da gravidade da tarefa em que nos metemos. Nós, de facto, adoptámos o caminho para o socialismo, mas temos de ter muito cuidado ao percorrê-lo. Isto não quer dizer que fiquemos de mãos atadas. Quer dizer é que não devemos ser levianos, não devemos queimar etapas levianamente, devemos ponderar, devemos consolidar primeiro a nossa revolução.

Eu quereria, então, apontar aqui muito ligeiramente as tarefas fundamentais que nos cumprem no combate à reacção. Devemos fazer avançar imediatamente medidas de carácter económico que vão ao encontro das aspirações profundas das camadas que deverão ser nossas aliadas e das camadas dos trabalhadores.

Isso, de resto, foi aqui apontado. Eu não estou aqui a dizer nada de novo. Isso mostra o amadurecimento da consciência das lasses trabalhadoras. Eu não estou aqui a dar novidade nenhuma. Vós ali, naqueles trabalhos que tendes feito, dizeis isto. Isto mostra que as classes trabalhadoras vão amadurecendo. De resto, desejaria dizer também o seguinte: Vós deveis instruir-vos e discutir isto cada vez mais. Porque é entre vós que vão ser escolhidos os futuros dirigentes desta Revolução. São os trabalhadores que devem ser promovidos. É o espírito revolucionário que deve ser promovido. E vós deveis ser os futuros dirigentes desta Revolução. Vós e os vossos filhos.

Devemos avançar com a tal revolução cultural. Dizem-nos também: «Andam para aí só com esse palavreado da revolução cultural».

Isto que nós estamos aqui a fazer, esta reunião que estamos a ter também faz parte da revolução cultural. A revolução cultural não se faz assim: Rapaziada, vamos agora acabar, não vamos agora fazer mais nada senão discutir as coisas, às horas de trabalho, etc. Não é assim.

A revolução cultural também é quotidiana. Tem que ter uma orientação.

Há pessoas que nos criticam porque a gente tomou medidas de nacionalização, etc. E a revolução cultural?... Como se a revolução cultural se pudesse fazer do pé para a mão; como se a gente pudesse ter feito uma revolução cultural sistematizada antes do 28 de Setembro, antes do 11 de Março; como se não tivessem passado só quatro meses depois do 11 de Março.

Eu pergunto: quantos anos depois de a China ter conquistado o poder começou lá a fazer a sua revolução cultural? E que condições têm eles com 700 milhões de habitantes, com larguíssimas fronteiras, com níveis de vida até diferentes dos nossos?

As revoluções culturais não se improvisam. Mas para aqueles que não andam de olhos fechados, eles deverão perceber que, desde o 25 de Abril, começou uma grande revolução cultural no nosso país.

Vamos modificar o aparelho de Estado. E aqui tem muita importância o papel dos sindicatos. As vossas ideias, as organizações que vocês esboçam, a colaboração que dêem para a construção do «controle» dos trabalhadores sobre as empresas nacionalizadas e particulares. E mesmo sobre as outras.

Têm de se descobrir formas de «controle» diferentes para as empresas nacionalizadas e para as empresas privadas. Mas todas elas devem estar subordinadas a um plano geral de desenvolvimento do nosso país.

Mas isso deve ser definido. E nós temos ideias sobre como definir isso, de maneira que cada um saiba a missão que lhe está destinada na construção do novo Portugal. Sem ambiguidades e com segurança.

Essas organizações do poder popular — como há pouco estive a dizer — têm um grande papel também no combate à reacção. Forjam a grande unidade entre o Movimento das Forças Armadas e as massas trabalhadoras e outras camadas que devem ser nossas aliadas.

As associações dos pequenos e médios empresários, as ligas as organizações cívicas, tudo isso trabalhando em uníssono, em unidade, será a tal base social do nosso apoio. Serão essas organizações, a unidade dessas organizações.

Dentro dessas tarefas, este congresso e o movimento sindical têm um papel fundamental a desempenhar. Sem o triunfo do movimento sindical, sem a consolidação da nossa unidade, que deveis defender acima de tudo e contra todos, não é possível o triunfo da Revolução portuguesa. Isto é preciso que esteja muito claro na cabeça dos Portugueses. Há muita gente a quem custam estas afirmações.

Porque os trabalhadores eram a classe mais desfavorecida, porque ao fim e ao cabo era o extrato social que se encontrava no fim da escala social, embora haja trabalhadores até que sejam muito bem pagos. Mas globalmente as classes trabalhadoras estavam no fundo da escala social. Então como é que se compreende que agora passem essas classes trabalhadoras para a vanguarda?

Compreende-se porque estamos fazendo uma revolução; uma revolução que tende a caminho do socialismo. E não se viu nunca, em parte nenhuma do mundo, uma revolução a caminho do socialismo, sem que os trabalhadores estivessem na vanguarda dessa revolução.|

Portanto, a responsabilidade deste congresso no seu conjunto deve ser empenhar-se nestas tarefas que eu muito ligeiramente adiantei e que os senhores têm consciência e que até pormenorizaram mais neste trabalho que foi lido pelo vosso camarada e nosso camarada Manuel Lopes.

O reforço da unidade de todos os trabalhadores, a reconstrução económica, o esclarecimento da importância que tem para a classe operária a aliança com a pequena burguesia e certos sectores mesmo da média burguesia. As conclusões deste congresso devem servir para a unidade de todos os trabalhadores. Vós deveis discutir essas conclusões a todos os níveis da classe trabalhadora, com persistência, com insistência. Porque dessa discussão sairá uma maior consciência de todos os trabalhadores.

Vós, como vanguarda dos trabalhadores, não vos podeis destacar do conjunto da classe trabalhadora. Vós tendes é que levar aos vossos camaradas essas ideias de vanguarda, para que a vanguarda seja cada vez maior, mais poderosa. E deveis ter o cuidado de não vos descolardes dessa vanguarda.

É nesse sentido que devemos estar sempre com atenção às relações entre a vanguarda e os estratos que apoiam essa vanguarda. Isso é muito importante e faz parte do «bê-à-bá» de qualquer revolução. Não nos afastarmos daqueles que nos apoiam.

O M. F. A. está convosco. É convosco que pensa que deve ser construído o socialismo. (...)

O nosso povo não é reaccionário. Mesmo quando se fala dos homens do Norte e tudo isso. Não tenhamos ilusões. O povo não é reaccionário. Pode é ser utilizado pelas forças da reacção.

Nós, M. F. A. estamos, portanto, empenhados em que esta vanguarda se consolide, porque sem uma vanguarda forte nós não construiremos o socialismo.

«A revolução é uma vereda aberta na exploração capitalista, uma vereda que nos há-de levar à clareira, ao sol do socialismo, onde não há exploração do homem pelo homem.»

continua>>>
Inclusão 14/05/2019