As tarefas da educação comunista

Leon Trótski

16 de agosto de 1923


Primeira edição: artigo publicado no International Press Correspondence, vol. 3, Nº 56 [34], 16 de agosto de 1923, pp. 599–600.

Fonte para a tradução: seção inglesa do Arquivo Marxista na Internet.

Tradução: Vinícius Azevedo.

HTML: João Victor Bastos Batalha.

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O “novo homem” e o revolucionário

Afirma-se frequentemente que a tarefa do iluminismo comunista consiste na educação do novo homem. Essas palavras são um tanto genéricas, um tanto patéticas, e devemos ter um cuidado especial para não permitir qualquer interpretação humanitária difusa do conceito de “novo homem” ou das tarefas da educação comunista. Não há dúvida alguma de que o homem do futuro, o cidadão da comuna, será uma criatura extremamente interessante e atraente, e que sua psicologia (os futuristas me perdoem, mas imagino que o homem do futuro possuirá uma psicologia) será muito diferente da nossa. Nossa tarefa atual, infelizmente, não pode ser a educação do ser humano do futuro. O ponto de vista utópico e humanitário-psicológico é que o novo homem deve primeiro ser formado e que ele então criará as novas condições. Não podemos acreditar nisso. Sabemos que o homem é um produto das condições sociais. Mas também sabemos que entre os seres humanos e as condições existe uma relação mútua complicada e ativa. O próprio homem é um instrumento desse desenvolvimento histórico, e não menos importante. E nessa complicada ação do reflexo histórico das condições vividas pelos seres humanos ativos, não criamos o cidadão abstratamente harmonioso e perfeito da comuna, mas formamos os seres humanos concretos de nossa época, que ainda precisam lutar pela criação das condições a partir das quais o cidadão harmonioso da comuna possa surgir. Isso, é claro, é algo muito diferente, pela simples razão de que nosso bisneto, o cidadão da comuna, não será revolucionário.

À primeira vista, isso parece errado, soa quase insultuoso. E, no entanto, é assim mesmo. O conceito de “revolucionário” é formado por nós a partir de nossos pensamentos e desejos, da totalidade de nossas melhores paixões e, portanto, a palavra “revolucionário” está impregnada dos mais elevados ideais e valores morais que herdamos de toda a época anterior da evolução cultural. Assim, parece-nos que lançamos uma calúnia sobre nossa posteridade quando não pensamos neles como revolucionários. Mas não devemos esquecer que o revolucionário é um produto de condições históricas definidas, um produto da sociedade de classes. O revolucionário não é uma abstração psicológica. A revolução em si não é um princípio abstrato, mas um fato histórico material, que surge do antagonismo de classes, da subjugação violenta de uma classe por outra. Assim, o revolucionário é um tipo histórico concreto e, consequentemente, um tipo temporário. Temos orgulho de pertencer a esse tipo. Mas, por meio de nosso trabalho, estamos criando as condições para uma ordem social na qual não existirão antagonismos de classe, nem revoluções e, portanto, nem revolucionários. É verdade que podemos ampliar o significado da palavra “revolucionário” até que ela abranja toda a atividade consciente do homem dirigida à subjugação da natureza e à expansão dos ganhos técnicos e culturais. Mas não temos o direito de fazer tal abstração, tal extensão ilimitada do conceito de “revolucionário”, pois de modo algum cumprimos nossa tarefa revolucionária histórica concreta, a derrubada da sociedade de classes. Consequentemente, estamos longe de ser obrigados a educar o cidadão harmonioso da comuna, formando-o por meio de um cuidadoso trabalho de laboratório, em um estágio de transição extremamente desarmônico da sociedade. Tal empreendimento seria uma utopia miseravelmente infantil. O que queremos formar são campeões, revolucionários, que herdarão e completarão nossas tradições históricas, que ainda não levamos a termo.

Revolução e misticismo

Quais são as principais características do revolucionário? É preciso enfatizar que não temos o direito de separar o revolucionário da base de classe na qual ele se desenvolveu e sem a qual ele não é nada. O revolucionário de nossa época, que só pode ser associado à classe trabalhadora, possui características psicológicas especiais, características de intelecto e vontade. Se necessário e possível, o revolucionário destrói os obstáculos históricos, recorrendo à força para esse fim. Se isso não for possível, ele faz um desvio, minando e esmagando, com paciência e determinação. Ele é um revolucionário porque não teme destruir obstáculos e empregar a força de forma implacável; ao mesmo tempo, ele conhece seu valor histórico. É seu esforço constante manter seu trabalho destrutivo e criativo no auge de sua atividade, ou seja, obter das condições históricas dadas o máximo que elas são capazes de render para o avanço da classe revolucionária.

O revolucionário conhece apenas obstáculos externos à sua atividade, nenhum interno. Ou seja: ele tem que desenvolver dentro de si a capacidade de avaliar a arena de sua atividade em toda a sua concretude, com seus aspectos positivos e negativos, e encontrar um equilíbrio político correto. Mas se ele é internamente impedido por obstáculos subjetivos à ação, se lhe falta compreensão ou força de vontade, se está paralisado por discórdias internas, por preconceitos religiosos, nacionais ou profissionais, então ele é, na melhor das hipóteses, apenas meio revolucionário. Já existem muitos obstáculos nas condições objetivas, e o revolucionário não pode se dar ao luxo de multiplicar os obstáculos e atritos objetivos por outros subjetivos. Portanto, a educação do revolucionário deve consistir, acima de tudo, em sua emancipação daquele resquício de ignorância e superstição, que é frequentemente encontrado em uma consciência muito “sensível”. E, portanto, adotamos uma atitude implacavelmente irreconciliável com qualquer pessoa que pronuncie uma única palavra no sentido de que o misticismo ou o sentimentalismo religioso possam ser combinados com o comunismo. A religiosidade é irreconciliável com o ponto de vista marxista. Somos da opinião de que o ateísmo, como elemento inseparável da visão materialista da vida, é uma condição necessária para a educação teórica do revolucionário. Aquele que acredita em outro mundo não é capaz de concentrar toda a sua paixão na transformação deste.

Darwinismo e marxismo

Mesmo que Darwin, como ele mesmo afirmou, não tenha perdido sua crença em Deus por rejeitar a teoria bíblica da criação, o darwinismo em si é totalmente incompatível com essa crença. Nesse aspecto, como em outros, o darwinismo é um precursor, uma preparação para o marxismo. Em um sentido amplamente materialista e dialético, o marxismo é a aplicação do darwinismo à sociedade humana. O liberalismo de Manchester tentou encaixar mecanicamente o darwinismo na sociologia. Tais tentativas só levaram a analogias infantis que velavam uma apologia burguesa maliciosa: a competição de Marx foi explicada como a lei “eterna” da luta pela existência. Isso é um absurdo. É apenas a conexão interna entre o darwinismo e o marxismo que possibilita compreender o fluxo vivo do ser em sua conexão primitiva com a natureza inorgânica; em sua posterior particularização e evolução; em sua dinâmica; na diferenciação das necessidades da vida entre as primeiras variedades elementares dos reinos vegetal e animal; em suas lutas; no aparecimento do “primeiro” homem ou criatura semelhante ao homem, fazendo uso da primeira ferramenta; no desenvolvimento da cooperação primitiva, empregando órgãos associativos; na estratificação posterior da sociedade em consequência do desenvolvimento dos meios de produção, ou seja, dos meios de subjugar a natureza; na luta de classes; e, finalmente, na luta pela elevação das classes.

Compreender o mundo a partir de um ponto de vista tão amplo significa a emancipação da consciência do homem pela primeira vez dos resquícios do misticismo e a garantia de uma base firme. Significa ter clareza sobre o fato de que, no futuro, não haverá obstáculos subjetivos internos à luta, mas que os únicos obstáculos e reações existentes são externos e devem ser superados de várias maneiras, de acordo com as condições do conflito.

A teoria da ação revolucionária

Quantas vezes já dissemos: “a prática vence no final”. Isso é correto no sentido de que a experiência coletiva de uma classe e de toda a humanidade varre gradualmente ilusões e as falsas teorias baseadas em generalizações precipitadas. Mas pode-se dizer com igual verdade: “a teoria vence no final”, quando entendemos por isso que a teoria, na realidade, compreende a experiência total da humanidade. Visto desse ponto de vista, a oposição entre teoria e prática desaparece, pois a teoria nada mais é do que a prática corretamente considerada e generalizada. A teoria não derrota a prática, mas a atitude irrefletida, empírica e grosseira em relação a ela. Para poder avaliar adequadamente as condições da luta, a situação de nossa própria classe, devemos possuir um método confiável de orientação política e histórica. Isso é o marxismo ou, com relação à época mais recente, o leninismo.

Marx e Lenin – esses são nossos dois guias supremos na esfera da pesquisa social. Para a geração mais jovem, o caminho para Marx passa por Lenin. O caminho reto se torna cada vez mais difícil, pois o período que separa a geração emergente do gênio daqueles que fundaram o socialismo científico, Marx e Engels, é muito longo. O leninismo é a mais alta encarnação e condensação do marxismo para a ação revolucionária direta na época da agonia imperialista da sociedade burguesa. O Instituto Lenin em Moscou deve se tornar uma academia superior de estratégia revolucionária. Nosso Partido Comunista está impregnado do poderoso espírito de Lenin. Seu gênio revolucionário está conosco. Nossos pulmões revolucionários respiram a atmosfera dessa doutrina melhor e mais elevada que o desenvolvimento anterior do pensamento humano criou. É por isso que estamos tão profundamente convencidos de que o amanhã é nosso.