A Revolução Alemã e a Burocracia Estalinista
(Problemas Vitais do Proletariado Alemão)

Léon Trotsky


Introdução


Devido ao facto do seu atraso extremo, o capitalismo russo mostrou ser o elo mais fraco da cadeia imperialista. O capitalismo alemão aparece na crise actual como o elo mais fraco pela razão oposta: é o capitalismo mais avançado na Europa que se encontra numa situação sem saída. Mais se afirma o carácter dinâmico das forças produtivas na Alemanha, mais estas últimas sufocam no sistema etático da Europa, parecido ao ''sistema'' de gaiolas de uma miserável exposição provincial. Cada viragem da conjuntura coloca o capitalismo alemão face às tarefas que ele se esforçou de resolver pelo meio da guerra. Por intermédio do governo dos Hohenzollern, a burguesia alemã prestava-se a ''organizar a Europa''. Com o governo de Bruning-Curtius ela tentou realizar … a união alfandegária com a Áustria. Que terrível redução da tarefas, de possibilidades, de perspectivas! Mas teve que renunciar a esta união. O sistema europeu tem pés de barro. Se alguns milhões de austríacos se unem à Alemanha, a grande hegemonia salvadora da França pode desmoronar-se.

A Europa e sobretudo a Alemanha não podem progredir na via do capitalismo. Se a crise actual fosse ultrapassada temporariamente graças ao jogo automático das forças do próprio capitalismo – nas costas dos operários – isso implicaria o renascimento a breve prazo de todas as contradições sob uma forma ainda mais concentrada.

O peso da Europa na economia mundial só pode diminuir. As etiquetas americanas: plano Dawes, plano Young, moratória Hoover aderem solidamente à frente da Europa. A Europa foi submetida à ração americana.

O apodrecimento do capitalismo implica o apodrecimento social e cultural. A via da diferenciação sistemática das nações, do crescimento do proletariado ao preço da diminuição das classes médias, é bloqueada. Uma paragem ulterior da crise social só pode significar a pauperização da pequena burguesia e uma degenerescência das camadas sempre maiores do proletariado em lumpen. Esse perigo, que é o mais grave, apanha pela garganta a vanguarda alemã.

A burocracia social-democrata é a parte mais podre da Europa capitalista apodrecida. Ela começou o seu percurso histórico sob a bandeira de Marx e Engels. Ela fixou-se como objectivo o derrube da dominação da burguesia. A potente subida do capitalismo aspirou-a e arrastou-a consigo. Em nome da reforma, ela renunciou à revolução, primeiro nos factos depois em palavras. Kautsky, evidentemente, defendeu ainda durante muito tempo a fraseologia revolucionária, adaptando-a às necessidades do reformismo. Bernstein pelo contrário exigiu que se renunciasse à revolução: o capitalismo entra num período de prosperidade pacífica, sem crise nem guerra. Predição exemplar. Pode parecer que entre Kautsky e Bernstein, houve uma contradição irredutível. De facto, eles se completavam um ao outro simetricamente, como a bota esquerda e a bota direita do reformismo.

A guerra rebentou. A social-democracia apoiou a guerra em nome da prosperidade futura. Em vez da prosperidade, foi o declínio. Hoje, já não se trata mais de deduzir a necessidade da revolução da falência do capitalismo; nem de reconciliar os operários com o capitalismo por intermédio de reformas. A nova política da social-democracia consiste em salvar a sociedade burguesa renunciando às reformas.

Mas a decadência da social-democracia não pára aí. A crise actual do capitalismo agonizante obrigou a social-democracia a renunciar aos frutos da longa luta económica e política e a trazer os operários alemãs ao nível de vida de seus pais, de seus avôs e mesmo dos ses bisavôs. Não há quadro histórico mais trágico e ao mesmo tempo mais repugnante que o apodrecimento pernicioso do reformismo no meio dos estilhaços de todas as conquistas e de todas as suas esperanças. O teatro está à procura do modernismo. Que ele encena muitas vezes Os Tecelões de Hauptmann, a peça mais actual de todas as peças. Mas que o director do teatro não esqueça reservar as primeiras filas para os chefes da social-democrata.

Aliás, eles não querem saber dos espectáculos: eles chegaram ao extremo limite da sua faculdade de adaptação. Há um limite abaixo do qual a classe operária da Alemanha não pode aceitar descer por muito tempo. Todavia, o regime burguês que luta pela sua existência não quer reconhecer esse limite. Os decretos de excepção de Bruning são só o início para apalpar o terreno. O regime de Bruning mantêm-se graças ao apoio cobarde e pérfida da burocracia social-democrata, que apoia-se sobre a confiança misturada e enfadonha de uma parte do proletariado. O sistema dos decretos burocráticos é instável, incerto e pouco viável. O capital necessita de outra política mais decisiva. O apoio da social-democracia que não pode esquecer os seus próprios operários, é não somente insuficiente para que ele possa realizar os seus próprios objectivos, mas ele começa já a estorvar. O período das meias medidas passou. Para tentar encontrar uma saída, a burguesia deve se libertar definitivamente da pressão das organizações operárias, ela deve varrê-las, quebrá-las, dispersá-las.

Aqui começa a missão histórica do fascismo. Ele promove as classes que se encontram imediatamente acima do proletariado e temem ser precipitadas nas suas fileiras; ele organiza-as, militariza-as graças aos meios do capital financeiro, sob a cobertura do Estado oficial, manda-as esmagar as organizações proletárias, das mais revolucionárias às mais moderadas.

O fascismo não é somente um sistema de repressão, de violência e de terror policial. O fascismo é um sistema de Estado particular que é fundado sobre a extirpação de todos os elementos da democracia proletária na sociedade burguesa. A tarefa do fascismo não é de esmagar somente a vanguarda comunista, mas também de manter toda a classe numa situação de atomização forçada. Para isso, não basta exterminar fisicamente a camada mais revolucionária dos operários. É preciso esmagar todas as organizações livres e independentes, destruir todas as bases de apoio do proletariado e liquidar os resultados de três quartos de séculos de trabalho da social-democracia e dos sindicatos. Porque é sobre esse trabalho que em última análise se apoia o Partido comunista.

A social-democracia preparou todas as condições para a vitória do fascismo. Mas também por aí ela preparou as condições para a sua própria liquidação política. É completamente justo atribuir à social-democracia a responsabilidade da legislação de excepção de Bruning tal como a ameaça da barbárie fascista. Mas é absurdo de identificar a social-democracia com o fascismo.

Pela sua política durante a Revolução de 1848 a burguesia liberal preparou o triunfo da contra-revolução, que, seguidamente reduziu o liberalismo à impotência. Marx e Engels fustigaram a burguesia liberal alemã, tão violentamente como Lassalle e de maneira mais aprofundada que este último. Mas quando os lassallianos meteram no ''mesmo saco reaccionário'' a contra-revolução feudal e a burguesia liberal, Marx e Engels indignaram-se justamente deste ultra-esquerdismo a despeito do carácter globalmente progressista do seu trabalho, infinitamente mais importante que o trabalho dos liberais.

A teoria do ''social-fascismo'' reproduz o erro fundamental dos lassallianos nas bases históricas novas. Ao colar aos nacional-socialistas e aos sociais-democratas a mesma etiqueta fascista, a burocracia estalinista é levada nas acções tais como o apoio ao referendo de Hitler: isto não é melhor que as combinações dos lassallianos com Bismarck.

Na sua luta contra a social-democracia, os comunistas alemãs devem apoiar-se na etapa actual sobre duas posições distintas:

  1. a responsabilidade política da social-democracia no que diz respeito a potência do fascismo;
  2. a incompatibilidade absoluta que existe entre o fascismo e as organizações operárias sobre as quais se apoia a social-democracia.

As contradições do capitalismo alemão atingiram hoje uma tal tensão que uma explosão é inevitável. A capacidade de adaptação da social-democracia atingiu o limite que precede a auto-liquidação. Os erros da burocracia estalinista atingiram os limites da catástrofe. Tais são os três termos da equação que caracteriza a situação na Alemanha. Tudo se mantém sobre o fio da navalha.

Quando se segue a situação alemã através dos jornais que chegam com um atraso de quase uma semana, quando um manuscrito precisa uma nova semana para atravessar a distância que separa Constantinopla de Berlim, e quando é preciso ainda semanas para que um caderno chegue até ao leitor, diz-se involuntariamente: não será demasiado tarde? E responde-se cada vez: não, os exércitos que participam a esse combate são demasiado gigantescos para que se tenha a temer uma decisão simultanea e fulminante. As forças do proletariado alemão não estão esgotadas. Elas nem mesmo estão em movimento. A lógica dos factos falará cada dia de modo mais imperativo. Isso justifica a tentativa do autor de fazer ouvir a sua voz, mesmo com o atraso de várias semanas, isto é de todo um período histórico.

A burocracia estalinista decidiu que ela realizaria mais tranquilamente o seu trabalho, se ela fechasse o autor destas linhas em Prinkipo. Ela obteve do social-democrata Hermann Muller que recusasse o visa a … um ''menchevique'': a frente única foi nesta ocasião realizada sem hesitações. Hoje os estalinistas declaram nos jornais soviéticos oficiais, que eu ''defendo'' o governo de Bruning de acordo com a social-democracia que se bate para que me acordem o direito de entrar na Alemanha. Em vez de se indignar desta baixaria, é melhor rir desta estupidez. Mas não riamos por demasiado tempo, porque temos pouco tempo.

Não há dúvida nenhuma que a evolução da situação demonstra a justeza do que nós afirmamos. Mas por qual via a História administrará esta prova: porque a falência da fracção estalinista ou pela vitória da política marxista? Toda a questão está aí. Trata-se do destino do povo alemão, e não somente dele.

As questões que são examinadas neste caderno não datam de ontem. Há já nove anos que a direcção da Internacional Comunista ocupa-se em revisar os valores e se esforça de desorganizar a vanguarda internacional do proletariado, por convulsões tácticas, cuja soma é o que se chama a ''linha geral''. A oposição de esquerda russa (os bolcheviques-leninistas) formou-se na base não somente dos problemas russos, mas também dos problemas internacionais. E os problemas do desenvolvimento revolucionário da Alemanha não eram a sua última da sua preocupação. Os desacordos sérios nesse domínio apareceram desde 1923. O autor destas páginas exprimiu-se várias vezes sobre questões debatidas. Uma parte importante das suas obras críticas foi mesmo editada em alemão. O presente caderno se situa na linha do trabalho teórico e político da oposição de esquerda. Muito do que não é mencionado de passagem fez no momento oportuno objecto de um estudo detalhado. Envio o leitor em particular aos meus livros: ''A revolução internacional e a Internacional Comunista'', ''A revolução permanente'', etc. Agora que os desacordos surgem a todos sob o aspecto de um grande problema histórico, pode-se apreciar melhor e com mais profundidade a sua origem. Para um revolucionário serio, para um marxista autêntico, isso é absolutamente necessário. Os eclécticos vivem de pensamentos episódicos, de improvisações que surgem sob a pressão dos acontecimentos. Os quadros marxistas, capazes de dirigir a revolução proletária, educam-se por um estudo aprofundado, permanente e seguido das tarefas e das divergências.

Prinkipo, 27 de Janeiro de 1932


Inclusão 09/11/2018