Alemanha: O único caminho

Leon Trotsky

14 de setembro de 1932


Primeira Edição: The Militant, 14 de setembro de 1932

Fonte: Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, Editora Laemmert, 1968

Tradução: Mário Pedrosa - de Chris Harman, primeiro publicada em Fascism, Stalinism and the United Front, Bookmarks Publishing, 1989

Transcrição: Aldo Sauda

HTML: Fernando Araújo.


Observação do Editor:(1)

O único caminho foi escrito semanas após a eleição de julho de 1932. Ali Trotsky analisa as forças em geral que atuavam na situação alemã. Ao mesmo tempo ele esta preocupado em mostrar que Hitler ainda poderia ser detido pela ação conjunta da classe trabalhadora; e, por outro lado, que as ilusões dos sociais-democratas, que o “mal menor” iria impedir um maior, e dos comunistas, para quem as vitorias eleitorais as custas do SPD iriam de alguma forma segurar Hitler ou garantir que eles o sucedessem, eram falsas. Novamente não reimprimimos aqui o trabalho inteiro por uma questão de espaço. Os capítulos que omitimos (4, 5, 6), porém, apenas repetem muitos dos argumentos dados em E agora? A Revolução Alemã e a burocracia stalinista.

Prefácio

1 - Bonapartismo e fascismo

2 - Burguesia, pequena burguesia e proletariado

3 - Aliança ou luta entre a social-democracia e o fascismo?

7 - A luta de classes à luz do ciclo econômico

8 - O caminho para o poder

9 - O único caminho

Posfácio


Prefácio

A queda do capitalismo promete ser ainda mais tempestuosa, dramática e sangrenta do que foi o seu advento. E o capitalismo alemão não poderá ser exceção neste caso. Se a sua agonia está se prolongando demais, a culpa – diga-se a verdade – cabe aos partidos do proletariado.

O capitalismo alemão chegou atrasado e viu-se destituído das prerrogativas de primogênito. O desenvolvimento da Rússia ficava mais ou menos situado entre a Inglaterra e a Índia; a Alemanha teria de ser colocada, nesse esquema, entre a Inglaterra e a Rússia, embora sem as formidáveis colônias transoceânicas da Grã-Bretanha e sem as colônias internas da Rússia czarista. A Alemanha, encerrada no coração da Europa, encontrou-se – numa época em que o mundo todo já estava repartido – diante da necessidade de conquistar os mercados estrangeiros e novamente retalhar colônias já partilhadas.

Não estava destinado ao capitalismo alemão nadar a favor da correnteza, entregar-se ao jogo livre das suas forças. Esse luxo, só a Grã-Bretanha pôde permitir-se, e ainda assim por um limitado período histórico, cujo fim se dá diante de nossos olhos. O capitalismo alemão também não pôde gozar do “sentimento de moderação” do capitalismo francês, que se consolidou em sua limitação e se armou, além do mais, de uma rica possessão colonial como reserva.

A burguesia alemã, inteiramente oportunista no campo da política interna, teve de elevar-se fortemente no campo da economia e da política mundial, tomar a dianteira e ampliar desmedidamente a produção, a fim de alcançar as velhas nações e brandir o sabre e lançar-se à guerra. A racionalização extrema da indústria alemã do pós-guerra originou-se também da necessidade de vencer as condições desfavoráveis do atraso histórico, da situação geográfica e da derrota da guerra.

Sendo os males econômicos de nossa época, em última análise, o resultado do fato de que as forças produtivas da humanidade são incompatíveis, tanto com a propriedade privada dos meios de produção o, quanto com as fronteiras nacionais, o capitalismo alemão sofre as maiores convulsões exatamente porque ele é o capitalismo mais moderno, mais progressista e mais dinâmico do continente europeu.

Os médicos do capitalismo alemão se repartem em três escolas: o liberalismo, a autarquia e a economia planificada.

O liberalismo pretende restabelecer as leis naturais do mercado. Entretanto, a lamentável solução política do liberalismo reflete apenas o fato de que o capitalismo alemão nunca se baseou no ‘manchesterianismo’,(2) mas passou do protecionismo para os trustes e monopólios. Não se pode fazer voltar a economia alemã a um passado “sadio” que nunca existiu.

O “nacional-socialismo” promete fazer a revisão, à sua maneira, da obra de Versalhes, isto é, prosseguir praticamente a ofensiva do imperialismo dos Hohenzollern. Ao mesmo tempo, pretende levar a Alemanha para a autarquia, isto é, conduzi-la ao caminho do provincianismo e da autolimitação. Assim, o rugido do leão dissimula a psicologia do cão espancado. Querer adaptar o capitalismo alemão às suas fronteiras nacionais é mais ou menos o mesmo que curar um homem lhe cortando a mão direita, o pé esquerdo e uma parte do crânio.

Curar o capitalismo por meio da economia planificada significa abolir a concorrência. Neste caso, deve-se começar pela abolição da propriedade privada dos meios de produção. As teorias burocráticas professorais não ousam abordar o problema. A economia alemã não é uma economia alemã pura, mas uma parte integrante da economia mundial. Um plano alemão só é concebível na perspectiva de um plano econômico internacional. Uma planificação nacional encerrada em si mesma significaria a renúncia à economia mundial, isto é, a tentativa de uma volta ao sistema autárquico.

Na realidade, as três escolas rivais se parecem, no sentido de que estão compreendidas no círculo mágico do utopismo reacionário. Não se trata de salvar o capitalismo alemão, mas a Alemanha do seu capitalismo.

Nos anos de crise, os burgueses alemães, pelo menos os teóricos, usam de uma linguagem de penitentes: “Sim, aplicamos uma política arriscada demais, recorremos ao crédito externo com muita leviandade, nos entregamos a um reaparelhamento exagerado das empresas etc.! No futuro, precisamos ser mais prudentes!” De fato, os dirigentes da burguesia alemã nunca penderam tanto – como o programa de Papen e a conduta do capital financeiro o provam – para a política das aventuras econômicas.

Aos primeiros sintomas de recuperação industrial, o capitalismo alemão se mostrará tal como o passado histórico o criou, e não como os moralistas liberais desejariam fazê-lo. Os fabricantes, famintos de lucro, abrirão de novo a válvula de pressão sem olhar o manômetro. A caça ao crédito exterior adquirirá de novo um caráter febril. Quanto menores as possibilidades de expansão, tanto maior é a necessidade de monopolizá-las. O mundo, espantado, reverá a imagem de um período já passado, apenas sob convulsões ainda mais intensas. Ao mesmo tempo, se dará o restabelecimento do militarismo alemão. Como se não tivessem existido os anos de 1914-1918! A burguesia alemã põe de novo à frente da nação os barões da margem oriental do Elba, que ainda estão mais propensos a arriscar a cabeça da nação sob o signo do bonapartismo do que sob o da monarquia legítima.

Nos seus minutos de lucidez, os chefes da social-democracia alemã devem perguntar a si mesmos: “Por força de que milagre, depois de tudo o que fez, nosso partido ainda arrasta milhões de trabalhadores atrás de si?” De grande importância, sem dúvida, é o conservadorismo interior de toda organização de massas. Várias gerações do proletariado passaram pela social- democracia como por uma escola política: isto criou uma grande tradição. Entretanto, a causa principal da resistência vital do reformismo não está aí. Apesar de todos os crimes da social-democracia, não é fácil para os operários deixar definitivamente esse partido: eles precisam poder substituí- lo por outro. Entretanto, há nove anos que o Partido Comunista alemão, na pessoa de seus chefes, emprega energicamente todas as suas forças para repelir as massas ou ao menos para impedi-las de reunir-se em torno do Partido Comunista.

A política de capitulação de Stalin-Brandler em 1923; o ziguezague ultraesquerdista de Maslov-Ruth-Fischer-Thälmann em 1924-1925; a bajulação oportunista diante da social-democracia em 1928; a aventura do “terceiro período” de 1928-1930; a teoria e a prática do “social-fascismo” e da “libertação nacional” de 1930-1932 – eis os fatores da operação. A sua soma dá: Hindenburg, Papen, Schleicher & Cia.

No caminho do capitalismo, não há uma só saída para o povo alemão. E está aí o principal recurso do Partido Comunista.

O exemplo da União Soviética prova, pela experiência, que só uma saída pelo caminho socialista é possível. E está aí o segundo recurso do Partido Comunista alemão.

Graças somente às condições de desenvolvimento do Estado proletário isolado, é que foi possível subir à direção da União Soviética uma burocracia nacional-oportunista, que não crê na revolução mundial, que luta por tornar-se independente desta e que, ao mesmo tempo, mantém um predomínio ilimitado sobre a Internacional Comunista. Eis em que consiste, atualmente, a maior infelicidade para o proletariado alemão e internacional. A situação parece criada expressamente para tornar possível ao Partido Comunista conquistar, em pouco tempo, a maioria dos trabalhadores. Bastava o Partido Comunista compreender que, ainda hoje, representa apenas a minoria do proletariado e dar os primeiros passos no caminho da frente única. Em vez disso, o Partido Comunista adotou uma tática que pode ser expressa nos seguintes termos: não dar aos operários alemães possibilidade nem de travar uma luta econômica, nem de opor resistência ao fascismo, nem de usar a arma da greve geral, nem de criar soviets, sem que todo o proletariado reconheça primeiro a direção do Partido Comunista. A tarefa política é transformada em ultimato.

Em que dará essa política ruinosa? A resposta é dada pela política da fração stalinista na União Soviética, onde o aparelho transformou a direção política em comando administrativo. A burocracia stalinista só se dirige aos operários na linguagem do ultimato, não permitindo a eles nem discutir, nem criticar, nem votar. A política de Thälmann é uma tentativa de tradução do stalinismo em mau alemão. A diferença consiste, porém, no fato de a burocracia da URSS dispor, para a sua política de comando, do poder do Estado que recebeu da Revolução de Outubro; ao passo que Thälmann, para a aprovação dos seus ultimatos, só pode contar com a autoridade formal da União Soviética.

É, sem dúvida, um grande recurso moral, mas, nas condições presentes, só serve para tapar a boca dos operários comunistas, e não para conquistar os trabalhadores sociais-democratas. E é diante desta última tarefa que se concentra, agora, o problema da revolução alemã.

Incorporando-se aos trabalhos anteriores do autor dedicados à política do proletariado alemão, a presente brochura procura examinar as questões da política revolucionária alemã numa nova etapa.

1 - Bonapartismo e fascismo

Procuremos recordar em poucas linhas o que aconteceu e em que ponto nós estamos.

Graças à social-democracia, o governo Brüning dispunha do apoio do parlamento para governar por meio dos decretos-leis. Os chefes sociais- democratas diziam: “Desta maneira, fecharemos o caminho do poder ao fascismo.” A burocracia stalinista dizia: “Não, o fascismo já triunfou, o regime de Brüning já é o fascismo.”

Os dois estavam errados. Os sociais-democratas faziam passar o recuo passivo diante do fascismo por um combate contra o fascismo. Os stalinistas apresentavam as coisas como se a vitória do fascismo fosse um fato consumado. A força combativa do proletariado era minada dos dois lados, e a vitória do inimigo facilitada ou aproximada.

Em seu tempo, classificamos o governo Brüning como bonapartista (“caricatura do bonapartismo”), isto é, como um regime de ditadura militar- policial. Logo que a luta entre dois campos sociais – os possuidores e os proletários, os exploradores e os explorados – atinge a mais alta tensão, estabelecem-se as condições para a dominação da burocracia, da polícia e dos militares. O governo torna-se “independente” da sociedade. Recordemos mais uma vez o seguinte: se espetarmos, simetricamente, dois garfos numa rolha, esta pode ficar de pé, mesmo sobre uma cabeça de alfinete. Este é, precisamente, o esquema do bonapartismo. Naturalmente, tal governo não deixa de ser, por isso, o serviçal dos possuidores. Mas o serviçal está sentado sobre as costas do patrão, machuca-lhe a nuca e não faz cerimônias para esfregar-lhe, se for necessário, a bota na cara.

Podia-se supor que Brüning se mantivesse até a solução definitiva. Mas, na marcha dos acontecimentos, intercalou-se mais um elo: o governo Papen. Se quisermos ser precisos, teremos de fazer uma retificação na nossa definição anterior: o governo Brüning era um governo pré-bonapartista, Brüning era apenas um precursor. Sob uma forma evoluída, o bonapartismo entrou em cena na pessoa do governo Papen-Schleicher.

Onde está a diferença? Brüning afirmava não conhecer maior felicidade que a de “servir” Hindenburg e o parágrafo 48. Hitler “sustentava” com o punho o flanco direito de Brüning. Mas, com o cotovelo esquerdo, Brüning se escorava ao ombro de Wels. Brüning tinha, além disso, uma maioria no Reichstag que o dispensava da necessidade de contar com o Reichstag.

Quanto mais crescia a independência de Brüning com relação ao parlamento, mais a cúpula da burocracia sentia-se independente de Brüning e dos agrupamentos políticos que se escondiam atrás dele. Só faltava romper definitivamente os laços com o Reichstag. O governo von Papen nasceu de uma imaculada concepção burocrática. Com o cotovelo direito, apoia-se no ombro de Hitler. Com o punho policial, mantém-se contra o proletariado. Nisso reside o segredo de sua “estabilidade”, isto é, de não ter caído no momento de sua criação.

O governo Brüning tinha um caráter clerical-burocrático-policial. A Reichswehr ainda estava de reserva. A “Frente de Ferro” servia como sustentáculo imediato da ordem. Foi precisamente na eliminação da dependência com relação à “Frente de Ferro” que consistiu a essência do golpe de Estado Hindenburg-Papen. Os generais avançavam, assim, para o primeiro lugar.

Os líderes sociais-democratas posaram de completos bobos. É, de fato, o que lhes convém em período de crise social. Esses intrigueiros pequeno- burgueses parecem inteligentes nas circunstâncias em que a inteligência não é necessária. Agora, puxam as cobertas por cima da cabeça, suam e esperam um milagre. No fim, talvez se possa salvar não só a cabeça, mas os móveis macios e as pequenas economias inocentes. Mas não haverá milagres...

Infelizmente, o Partido Comunista também foi completamente surpreendido pelos acontecimentos. A burocracia stalinista não soube prever nada. Hoje, Thälmann, Remmele e outros falam a cada momento do “golpe de Estado de 20 de julho”. Mas como? No início, afirmavam que o fascismo já era um fato e que só os “trotskistas contrarrevolucionários” podiam falar nele como algo para o futuro. Agora, descobrem que, para passar de Brüning a Papen – não a Hitler, mas somente a Papen – foi necessário todo um “golpe de Estado”.

Mas o conteúdo de classe de Severing, Brüning e Hitler, ensinavam-nos esses sábios, é “o mesmo”. Então, de onde vem o golpe de Estado e com que finalidade?

A confusão, porém, não se limita a isso. Embora a diferença entre bonapartismo e fascismo esteja agora bem claramente posta à luz do dia, Thälmann, Remmele e outros falam do golpe de Estado fascista de 20 de julho. Ao mesmo tempo, põem os operários em guarda contra o perigo que se aproxima de um golpe hitlerista, isto é, igualmente fascista. Finalmente, a social-democracia é qualificada, agora como antes, de social-fascista. Os acontecimentos que se desenrolam reduzem-se a isso: variedades diferentes do fascismo tomam o poder uma da outra por meio de golpes de Estado “fascistas”. Não é evidente que toda a teoria stalinista foi criada expressamente para entupir o cérebro humano?

Quanto menos preparados os operários, tanto mais o aparecimento do governo Papen em cena dava a impressão de força: ignorância completa dos partidos, novos decretos-leis, dissolução do Reichstag, represálias, estado de sítio na capital, abolição da “democracia” prussiana. E com que facilidade! Mata-se o leão com balas; esmaga-se a pulga entre as unhas; despacham-se os ministros sociais-democratas com um peteleco no nariz.

Todavia, o governo Papen é “em si e por si”, apesar do aspecto de uma força concentrada, ainda mais fraco que o seu antecessor. O regime bonapartista só pode adquirir um caráter relativamente estável e durável no caso de fechar uma época revolucionária. E quando a correlação de forças já foi experimentada nas lutas, quando as classes revolucionárias já se gastaram, mas as classes possuidoras ainda não se libertaram do medo – não será isso sinal de novos abalos no dia seguinte? Sem essa condição fundamental, isto é, sem o esgotamento preliminar da energia das massas na luta, o regime bonapartista é incapaz de desenvolver-se.

Com o governo Papen, os barões, os magnatas capitalistas, os banqueiros, tentaram garantir a sua causa por meio da polícia e do Exército regular. A ideia de entregar todo o poder a Hitler, que se apoia nos bandos ávidos e desenfreados da pequena burguesia, não pode alegrá-los. Não duvidam, naturalmente, que Hitler seja, no final das contas, um instrumento dócil de sua dominação. Mas isso está ligado a abalos, ao risco de uma longa guerra civil e a enormes despesas. Sem dúvida alguma, como o mostra o exemplo da Itália, o fascismo vai dar, finalmente, em uma ditadura militar burocrática de tipo bonapartista. Mas mesmo no caso de uma vitória completa, ele necessita, para isso, de vários anos: na Alemanha, de um período mais longo que na Itália. Está claro que as classes possuidoras prefeririam um caminho mais econômico, isto é, o de Schleicher e não o de Hitler, sem contar que o próprio Schleicher dá preferência a si mesmo.

É óbvio que o fato de a fonte de existência do governo Papen residir na neutralização de campos irreconciliáveis não significa, de modo algum, que as forças do proletariado revolucionário e as da pequena burguesia

reacionária se equilibrem na balança da história. Aqui, toda a questão se transporta para o campo da política. Pelo mecanismo da “Frente de Ferro”, a social-democracia paralisa o proletariado. Pela política do ultimatismo insensato, a burocracia stalinista corta aos operários a saída revolucionária. Com uma direção correta do proletariado, o fascismo seria destruído sem dificuldade e não restariam brechas para o bonapartismo. Infelizmente, a situação não é essa. A força paralisada do proletariado toma a forma enganadora de uma “força” da camarilha bonapartista. Nisso consiste a fórmula política de hoje.

O governo Papen representa apenas o ponto de intersecção de grandes forças históricas. O seu próprio peso é nulo. Eis porque não podia deixar de assustar-se com seus próprios gestos e sentir a vertigem do vácuo existente em torno de si. É por isso, e só por isso, que se explica que até agora, nos atos do governo, a uma parte de audácia se acrescentem duas partes de covardia. Para com a Prússia, isto é, a social-democracia, o governo fazia um jogo seguro: sabia que aqueles senhores não lhe oporiam resistência alguma. Mas depois de dissolver o Reichstag, decretou novas eleições e não ousou adiá-las. Depois da proclamação do estado de sítio, apressou-se em explicá-las como um meio de facilitar a capitulação sem combate dos chefes sociais-democratas.

Mas e a Reichswehr? Não pretendemos esquecê-la. Engels define o Estado como destacamento de homens armados, prisões etc. No que diz respeito ao poder do governo presente, pode-se mesmo dizer que só a Reichswehr existe realmente. Mas a Reichswehr não representa, de modo algum, um instrumento dócil e seguro nas mãos do grupo encabeçado por Papen. Na realidade, o governo é antes uma espécie de comissão política junto à Reichswehr.

Entretanto, apesar de toda a sua preponderância no governo, a Reichswehr não pode pretender um papel político próprio. Cem mil soldados, por mais unidos e mais temperados que possam ser (o que ainda tem de ser posto à prova), não podem comandar uma nação de 65 milhões de seres, dilacerada pelas mais profundas contradições. A Reichswehr representa apenas um elemento, e, além do mais, um elemento que não é decisivo no jogo das forças.

O novo Reichstag, a seu modo, reflete muito bem a situação política que deu lugar à experiência bonapartista no país. Um parlamento sem maioria, com alas irreconciliáveis, representa um argumento evidente e irrefutável a favor da ditadura. Mais uma vez, os limites da democracia se desenham com toda a evidência. Quando se trata dos próprios fundamentos da sociedade, não é a aritmética parlamentar que decide, mas a luta.

Não tentaremos profetizar de longe os caminhos por que passarão, nos próximos dias, as tentativas de reconstrução do governo. Nossas hipóteses chegam, de qualquer forma, com atraso, e, além disso, as formas de transição e as combinações não resolvem a questão. Um bloco da direita com o centro significaria a “legalização” da chegada ao poder dos nacional- socialistas, isto é, a cobertura mais apropriada para o golpe de Estado fascista. Quanto à correlação de forças que se estabelecerá, nos primeiros tempos, entre Hitler, Schleicher e os dirigentes do centro, é algo mais importante para eles mesmos do que para o povo alemão. Politicamente, todas as combinações imagináveis com Hitler significariam a dissolução da burocracia, da justiça, da política e do exército no fascismo.

Caso admitamos que o centro não entrará numa coligação em que teria de romper com seus próprios operários para poder cumprir o papel de freio na locomotiva hitlerista, só restará, nesse caso, o caminho extraparlamentar aberto. Uma combinação sem o centro asseguraria ainda mais facilmente e mais depressa a preponderância dos nacional-socialistas. Se estes não se unificarem logo com Papen e se, ao mesmo tempo, não passarem à ofensiva imediata, o caráter bonapartista do governo deverá aparecer com maior agudez ainda: von Schleicher teria os seus “cem dias” ... sem os anos napoleônicos que os precederam.

Cem dias, não; estamos medindo com muita liberalidade. A Reichswehr não decide. Schleicher não basta. A ditadura extraparlamentar dos junkers e dos magnatas do capital financeiro só pode ser garantida pelos métodos de uma guerra civil demorada e impiedosa. Poderá Hitler desempenhar essa tarefa? Isso depende não só da vontade feroz do fascismo, mas também da vontade revolucionária do proletariado.

2 - Burguesia, pequena burguesia e proletariado

Toda análise séria da situação política deve partir da correlação entre as três classes: a burguesia, a pequena burguesia (dentro desta, o campesinato) e o proletariado.

A grande burguesia, economicamente poderosa, representa uma insignificante minoria da nação. Para consolidar a sua dominação, se vê obrigada a manter determinadas relações com a pequena burguesia e, através desta, com o proletariado.

Para a compreensão da dialética dessas relações, é necessário distinguir três etapas históricas: o desabrochar do desenvolvimento capitalista, quando a burguesia precisava, para resolver suas tarefas, de métodos revolucionários; o período de florescimento e amadurecimento do regime capitalista, quando a burguesia emprestava à sua dominação formas democráticas, ordenadas, pacíficas, conservadoras; e, finalmente, a época da decadência do capitalismo, quando a burguesia se vê obrigada a usar de métodos de guerra civil contra o proletariado para salvaguardar o seu direito à exploração.

Os programas políticos que caracterizam essas três etapas – o jacobinismo, a democracia reformista (incluída aí a social-democracia) e o fascismo – são, em essência, programas de correntes pequeno-burguesas. Basta esta circunstância para mostrar o significado decisivo, prodigioso, verdadeiro, que a autodeterminação política das massas pequeno-burguesas do povo tem para o destino de toda a sociedade burguesa!

Entretanto, as relações entre a burguesia e a sua base social fundamental, a pequena burguesia, não residem, de modo algum, na confiança recíproca baseada numa cooperação pacífica. Como massa, a pequena burguesia é uma classe explorada e prejudicada. Coloca- -se diante da grande burguesia com inveja e muitas vezes com ódio. A burguesia, por sua vez, enquanto se serve do apoio da pequena burguesia, desconfia desta, pois teme sempre, com toda a razão, que ela esteja disposta a transgredir os limites que lhe são impostos de cima.

Enquanto aplainavam e limpavam o caminho para o desenvolvimento burguês, os jacobinos entravam em choque com a burguesia a todo momento. Serviram-na lutando irreconciliavelmente contra ela. Depois de ter preenchido o seu limitado papel histórico, os jacobinos caíram, pois, a dominação do capital já estava assegurada.

Por meio de uma série de etapas, a burguesia consolidava o seu poder sob a forma da democracia parlamentar. De novo, nem pacífica, nem voluntariamente. A burguesia manifestou o seu medo de morte do sufrágio universal. Por fim, graças à combinação das medidas de violência com as concessões, da miséria com as reformas, conseguiu submeter, nos quadros da democracia formal, não só a antiga pequena burguesia, mas também, em medida considerável, o proletariado. Para isso, se serviu da nova pequena burguesia – a burocracia operária. Em agosto de 1914, a burguesia imperialista, por meio da democracia parlamentar, pôde arrastar à guerra dezenas de milhões de operários e camponeses.

É exatamente com a guerra que se torna clara a decadência do capitalismo e, sobretudo, de suas formas de dominação democráticas. Já não se trata, agora, de novas reformas e concessões, mas de cortar e suprimir as antigas. Assim, o domínio político da burguesia cai em contradição, não só com as instituições da democracia proletária (sindicatos e partidos políticos), mas também com a democracia parlamentar, em cujos quadros se formaram as organizações operárias. Daí a campanha contra o “marxismo” de um lado, e contra o parlamentarismo democrático de outro.

Da mesma forma que as cúpulas da burguesia liberal, em seu tempo, foram incapazes, por sua própria força, de se livrar da monarquia, do feudalismo e da igreja, assim também os magnatas do capital financeiro, sozinhos, são incapazes de liquidar o proletariado com a sua própria força. Precisam do auxílio da pequena burguesia, que, para isso, precisa ser agitada, posta de pé, mobilizada e armada. No entanto, esse método tem os seus inconvenientes. Ao passo que se serve do fascismo, a burguesia o teme. Pilsudsky foi obrigado, em maio de 1926, a salvar a sociedade burguesa por um golpe de Estado dado contra os partidos tradicionais da burguesia polaca.

A coisa foi tão longe, que o líder oficial do Partido Comunista da Polônia, Warsky – que passou, de Rosa Luxemburgo, não para Lenin, mas para Stalin – considerou o golpe de Pilsudsky como um caminho que conduz à “ditadura revolucionária democrática”, e convocou os operários a apoiar Pilsudsky. Na sessão da comissão polaca do Comitê Executivo da Komintern, em 2 de julho de 1926, o autor destas linhas dizia a propósito dos acontecimentos da Polônia:

Vista em conjunto, a insurreição de Pilsudsky é a maneira ‘plebeia’, pequeno-burguesa, de resolver as tarefas inadiáveis da sociedade burguesa decadente e em decomposição. Já existe, ali, uma aproximação direta com o fascismo italiano.

Ambas as correntes têm, indubitavelmente, os mesmos traços: as suas tropas de assalto são recrutadas, sobretudo, na pequena burguesia. Pilsudsky, como Mussolini, trabalha com métodos extraparlamentares, de violência aberta, de guerra civil; ambos se esforçaram, não paraderrubar, mas para salvar a sociedade burguesa. Ao mesmo tempo que puseram a pequena burguesia de pé, trataram, após a conquista do poder, de se unir abertamente à grande burguesia. Impõe-se agora, involuntariamente, uma generalização histórica, que nos faz lembrar a apreciação de Marx sobre o jacobinismo, como a maneira plebeia de ajuste de contas com os inimigos feudais da burguesia. Foi o que sucedeu na época de ascensão da burguesia. Pode- se dizer, agora, na época de declínio da sociedade burguesa, que a burguesia necessita novamente de uma maneira ‘plebeia’ de solucionar as suas tarefas, já não mais progressivas, mas inteiramente reacionárias. Neste sentido, o fascismo se torna uma caricatura reacionária dojacobinismo...

A burguesia em declínio é incapaz de se manter no poder pelos meios e métodos do Estado parlamentar que criou. Recorre ao fascismo como arma de autodefesa, pelo menos nos momentos mais críticos. A burguesia, entretanto, não gosta da maneira ‘plebeia’ de resolver os seus problemas. Manteve-se sempre em posição hostil ao jacobinismo, que lavou com sangue o caminho para o desenvolvimento da sociedade burguesa. Os fascistas estão imensamente mais próximos da burguesia em decadência do que os jacobinos da burguesia ascendente. Entretanto, a burguesia, prudentemente, não vê também com bons olhos a maneira fascista de resolver os seus problemas, pois os abalos, embora provocados no interesse da sociedade burguesa, são ao mesmo tempo perigosos. Daí a contradição entre o fascismo e os partidos burguesestradicionais.

A grande burguesia gosta tanto do fascismo quanto um homem com o maxilar dolorido pode gostar de arrancar um dente. Os círculos mais fortes da sociedade burguesa acompanham a contragosto a obra do dentista Pilsudsky, mas, por fim, sujeitam-se ao inevitável, embora com ameaças, negociações e transações. Assim, o ídolo de ontem da pequena burguesia se transforma em polícia do capital.”

A essa tentativa de assinalar o lugar histórico do fascismo como substituto político da social-democracia, foi oposta a teoria do “social-fascismo”. A princípio, podia passar por uma tolice inofensiva, embora arrogante e barulhenta. Os acontecimentos posteriores mostraram a perniciosa influência que a teoria stalinista exerceu sobre todo o desenvolvimento da Internacional Comunista.

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Resultará então, da função histórica do jacobinismo, da democracia e do fascismo, que a pequena burguesia esteja condenada a continuar como instrumento nas mãos do capital até o fim de seus dias? Se assim fosse, a ditadura do proletariado seria impossível numa série de países onde a pequena burguesia forma a maioria da nação, e extremamente dificultada em outros países onde a pequena burguesia representa uma minoria considerável. Felizmente, as coisas não se apresentam assim. Já ficou demonstrado, pela experiência da Comuna de Paris, nos limites de uma cidade, e, depois dela, pela experiência da Revolução de Outubro, numa escala incomparavelmente maior de tempo e de espaço, que a aliança entre a grande e a pequena burguesia não é indissolúvel. Como a pequena burguesia é incapaz de uma política independente (e eis porque a “ditadura democrática”, pequeno-burguesa, em particular, é irrealizável), só lhe resta escolher entre a burguesia e o proletariado.

Na época de ascensão e florescimento do capitalismo, a pequena burguesia, apesar de fortes acessos de descontentamento, quase sempre caminhou obediente na esteira do capitalismo. E não lhe restava outra coisa a fazer. Mas nas condições de decomposição capitalista e da situação econômica sem saída, a pequena burguesia tenta, procura, experimenta livrar-se dos grilhões dos velhos senhores e dirigentes da sociedade. Ela é perfeitamente capaz de ligar o seu destino ao do proletariado. Para isso, basta uma coisa: a pequena burguesia ter confiança na capacidade do proletariado de dar à sociedade um novo rumo. O proletariado só pode inspirar-lhe essa confiança por sua própria força, pela segurança de suas ações, pela destreza de sua ofensiva contra o inimigo, pelo sucesso de sua política revolucionária.

Mas que desgraça se o partido revolucionário não se mostra à altura da situação! A luta cotidiana agrava a instabilidade da sociedade burguesa. As perturbações políticas e as greves pioram a situação econômica do país. A pequena burguesia estaria disposta a conformar-se passageiramente com as crescentes privações se chegasse, pela experiência, à convicção de que o proletariado é capaz de guiá-la por uma nova estrada. Mas se o partido revolucionário se mostra sempre, apesar da intensificação ininterrupta da luta de classes, incapaz de reunir em torno de si a classe operária, se vacila, se se desorienta, se se contradiz; então, a pequena burguesia perde a paciência e começa a ver nos trabalhadores revolucionários os culpados de sua própria miséria. Todos os partidos burgueses, inclusive a social-democracia, empurram os pensamentos da pequena burguesia nesta direção. E é quando a crise começa a adquirir uma intensidade insuportável, que entra em cena um partido especial, cujo objetivo é trazer a pequena burguesia a um ponto candente e a dirigir o seu ódio e o seu desespero contra o proletariado. Esta função histórica desempenha hoje na Alemanha o nacional-socialismo, uma ampla corrente, cuja ideologia se compõe de todas as exalações fétidas da sociedade burguesa em decomposição.

A principal responsabilidade política pelo crescimento do fascismo cabe naturalmente à social-democracia. Desde a guerra imperialista que o trabalho desse partido consiste em expulsar da consciência do proletariado a ideia de uma política autônoma, inspirando-lhe a crença na eternidade do capitalismo e obrigando-o a ajoelhar-se diante da burguesia decadente. A pequena burguesia só pode seguir o operário se vê neste o novo senhor. A social-democracia ensina ao trabalhador ser lacaio. A um lacaio, a pequena burguesia não seguirá. A política do reformismo tira do proletariado a possibilidade de guiar as massas plebeias da pequena burguesia, e com isso as transforma em bucha de canhão do fascismo.

Para nós, porém, politicamente, a questão não fica de forma alguma resolvida com a responsabilidade da social-democracia. Já desde o começo da guerra que denunciamos esse partido como uma agência da burguesia imperialista no seio do proletariado. Desta nova orientação dos marxistas revolucionários nasceu a III Internacional, cuja tarefa consistia em unificar o proletariado sob a bandeira da revolução e as- segurar-lhe, assim, a possibilidade de exercer uma influência dirigente sobre as massas oprimidas da pequena burguesia da cidade e do campo.

O período de pós-guerra foi, na Alemanha, mais do que em qualquer outra parte, um tempo de desespero econômico e de guerra civil. Condições, tanto internas como internacionais, empurravam imperiosamente o país para o caminho do socialismo. Cada passo da social-democracia punha a nu a sua degradação e a sua impotência, a essência reacionária de sua política, a corrupção de seus chefes. Que condições, então, ainda são necessárias para o crescimento do Partido Comunista? Entretanto, o comunismo alemão, depois dos primeiros anos de triunfos significativos, entrou numa era de vacilações, de ziguezagues, de oportunismos e aventureirismos alternados. A burocracia centrista enfraqueceu sistematicamente a vanguarda proletária, impedindo-a de arrastar a classe atrás de si. Arrebatou, com isso, ao proletariado de conjunto, a possibilidade de arrastar as massas oprimidas da pequena burguesia. A responsabilidade direta e imediata perante a vanguarda proletária pelo crescimento do fascismo é da burocracia stalinista.

3 - Aliança ou luta entre a social-democracia e o fascismo?

Compreender as relações entre as classes à luz de um esquema já feito é relativamente simples. Incomparavelmente mais difícil é a apreciação das relações concretas entre as classes numa situação concreta.

Atualmente, a grande burguesia hesita, o que é nela um estado muito raro. Uma parte chegou decididamente à convicção da inevitabilidade do caminho fascista e pretendia apressar a operação. Outra parte espera dominar a situação com auxílio da ditadura bonapartista militar-policial. Neste campo, ninguém deseja uma volta à “democracia” de Weimar.

A pequena burguesia está dividida. O nacional-socialismo, que conseguiu reunir sob a sua bandeira a ampla maioria das classes intermediárias, quer todo o poder nas mãos. A ala democrática da pequena burguesia, que ainda tem atrás de si milhões de trabalhadores, deseja a volta à democracia de Ebert. Em último caso, está pronta a apoiar, pelo menos passivamente, a ditadura bonapartista. A social-democracia calcula da seguinte maneira: Sob a pressão dos nazistas, o governo Papen-Schleicher será obrigado, pelo fortalecimento de sua ala esquerda, a restabelecer um equilíbrio; neste meio tempo, talvez ocorra uma atenuação da crise; talvez a pequena burguesia recupere o “juízo”; talvez o capital diminua a sua furiosa pressão sobre a classe operária; e assim, com a graça de Deus, tudo ficará de novo em ordem.

A camarilha bonapartista não deseja, efetivamente, a vitória completa do fascismo. Não se negará a utilizar, em certos limites, o apoio da social-democracia. Com este fim, é obrigada, porém, a “tolerar” as organizações operárias, o que no caso só seria realizável se ao menos se permitisse, até um certo grau, a existência legal do Partido Comunista. Além disso, o apoio da social-democracia à ditadura militar impeliria irremediavelmente os trabalhadores para as fileiras do comunismo. Procurando um amparo contra o diabo marrom, o governo iria cair, em breve, sob os golpes do belzebu vermelho.

A imprensa comunista oficial afirma que a tolerância de Brüning com os sociais-democratas preparou o caminho a von Papen e que a semitolerância de Papen apressará a chegada de Hitler ao poder. Isto é absolutamente certo. Nestes limites, não há, entre os stalinistas e nós, diferença de opinião. Mas isto significa justamente que, nos tempos de crise social, a política do reformismo já não é mais apenas contra as massas, mas também contra si mesmo. Neste processo, o momento crítico já chegou.

Hitler tolera Schleicher. A social-democracia não se opõe a Papen. Se esta situação se prolongar realmente por muito tempo, a social-democracia será transformada em ala esquerda do bonapartismo, cabendo ao fascismo o papel de ala direita. Em teoria não é impossível, naturalmente, que a crise atual do capitalismo alemão, sem precedente na história, não encontre solução definitiva, isto é, não termine nem com a vitória do proletariado, nem com a da contrarrevolução fascista. Se o Partido Comunista prossegue na sua estúpida política de ultimatismo e salva assim a social-democracia da queda inevitável; se Hitler não se decide, muito em breve, a dar o golpe de força, provocando com isso a decomposição inevitável das próprias fileiras; se a conjuntura econômica melhora antes de Schleicher cair; é possível, então, que a combinação bonapartista do parágrafo 48 da Constituição de Weimar, do Exército, da semioposição social-democrata e da semioposição fascista se sustente (até um novo abalo social, que, em todo caso, seria de se esperar para breve).

Entretanto, tal disposição feliz de condições, que é o objeto das divagações social-democráticas, ainda está longe por enquanto e não é nada garantida. Os stalinistas também acreditam muito pouco na capacidade de resistência e duração do regime de Papen-Schleicher. Tudo indica que o triângulo Wels-Schleicher-Hitler se desfaça antes mesmo de ser formado de fato.

Mas talvez viesse a ser substituído pela combinação Hitler-Wels? Segundo Stalin, eles são “gêmeos, e não antípodas”. Admitamos que a social- democracia, sem intimidar-se perante os seus próprios operários, quisesse vender a Hitler a sua tolerância. Mas o fascismo não faz essa transação: não precisa da tolerância, mas da demolição da social-democracia. O governo de Hitler só pode realizar a sua tarefa se quebrar a resistência dos trabalhadores, desfazendo-se de todos os órgãos capazes de tal resistência. Eis em que consiste o papel histórico do fascismo.

Os stalinistas se limitam a um julgamento puramente psicológico, ou, mais exatamente, moral, dos covardes e egoístas pequeno-burgueses que dirigem a social-democracia. É lícito supor que esses traidores completos se separem da burguesia e se contraponham a ela? Um método tão idealista pouco tem em comum com o marxismo, que não parte daquilo que os homens pensam de si mesmos e do que desejam, mas, antes de tudo, das condições em que estão colocados e do modo como essas condições se transformam.

A social-democracia sustenta o regime burguês, não por causa dos lucros dos magnatas do carvão, do aço e outros, mas por amor ao seu próprio lucro, o qual ela recebe, como partido, através do seu numeroso e potente aparelho. Certamente, o fascismo não constitui nenhuma ameaça para o regime burguês, cuja defesa está sob a responsabilidade da social-democracia. Mas o fascismo prejudica a função que a social-democracia exerce no regime burguês, bem como as rendas que ela recebe por seu desempenho. Se os stalinistas esquecem este lado da questão, a social-democracia não o perde de vista, pois considera o fascismo como um perigo de morte, pairando não sobre a burguesia, mas justamente sobre ela, social- democracia.

Mais ou menos há três anos, quando acentuamos que o ponto de partida da próxima crise política, segundo todas as probabilidades, se formaria em torno da incompatibilidade entre a social-democracia e o fascismo; quando, baseados nesse fato, acusávamos a teoria do “social-fascismo” de ocultar o conflito que se aproximava, ao invés de revelá-lo; quando chamávamos a atenção para a possibilidade de a social-democracia, com uma parte considerável de seu aparelho, ser arrastada, pela marcha dos acontecimentos, a uma luta contra o fascismo, proporcionando ao Partido Comunista um ponto de partida favorável à ofensiva posterior, muitos camaradas nos acusavam (e havia entre eles não só funcionários comprados, mas até mesmo verdadeiros revolucionários) de “idealizar” a social- democracia. Só nos restava encolher os ombros. É difícil discutir com gente cujo pensamento para precisamente no ponto em que a questão apenas começa para os marxistas.

Na discussão usei, muitas vezes, o seguinte exemplo: A burguesia judia da Rússia czarista representava uma parte profundamente amedrontada e desmoralizada do conjunto da burguesia russa. No entanto, na medida em que os pogroms das Centúrias Negras, que se efetuavam principalmente contra os judeus pobres, alcançavam também a burguesia, esta via-se obrigada a organizar a sua autodefesa. Certamente, também neste terreno ela não demonstrava qualquer bravura notável. Entretanto, diante do perigo que pairava sobre a sua cabeça, os judeus liberais burgueses recolhiam respeitáveis somas para o armamento de trabalhadores e estudantes revolucionários. Dessa maneira, efetuaram-se acordos práticos, momentâneos, entre os operários mais revolucionários, prontos a lutar de armas na mão, e o mais aterrorizado grupo burguês, acossado pelos acontecimentos.

No ano passado, escrevi que os comunistas, em sua luta contra o fascismo, eram obrigados a entrar em acordos práticos não só com o diabo e sua avó, mas até com Grzesinsky. Esta frase circulou pela imprensa stalinista do mundo inteiro: Podia haver melhor prova do “social-fascismo” da Oposição de Esquerda? Muitos camaradas, antecipadamente, me preveniram: “Eles vão se apegar a esta frase.” Respondi-lhes: “Foi escrita para isso, para que se agarrem a ela. Se agarrarão em ferro quente e queimarão os dedos. Esses indivíduos que voam ao sabor do vento precisam receber uma lição.”

O curso da luta chegou a isto: von Papen fez Grzesinsky conhecer a prisão. Confirmou este episódio a teoria do “social-fascismo” e as profecias da burocracia stalinista? Não, ele as contradiz inteiramente. A nossa apreciação da situação, porém, calculou essa possibilidade e lhe reservou um lugar determinado.

Mas desta vez a social-democracia também evitou a luta, nos responderá um stalinista. Sim, evitou-a. Quem ficou esperando que a social- democracia, pela atuação de seus líderes, aceitasse sozinha a luta, principalmente em condições nas quais o próprio Partido Comunista se mostrava incapaz de lutar, teve de sofrer, naturalmente, uma decepção. Nós não esperamos tal milagre. Não tivemos, por isso, qualquer “decepção”.

Que Grzesinsky não se tenha transformado num tigre revolucionário, acreditamos sem dificuldade. Em todo caso, sempre existe uma diferença entre a situação em que Grzesinsky, sentado em sua fortaleza, mandava divisões da polícia contra os operários revolucionários para defender a “democracia”, e aquela em que o salvador bonapartista do capitalismo metia o próprio sr. Grzesinsky na cadeia. Será que não devemos fazer o nosso cálculo político baseado nesta diferença e utilizá-la?

Voltemos ao exemplo citado acima: não é difícil ver que existe uma diferença entre um industrial judeu, que dá gorjeta aos policiais para bater nos grevistas de sua fábrica, e o mesmo industrial, que dá dinheiro aos grevistas de ontem para a aquisição de armas contra os pogromistas. O burguês continua o mesmo. Mas da diferença da situação resulta uma diferença de conduta. Os bolcheviques conduziam a greve contra o industrial. Mais tarde, recebiam dinheiro do mesmo industrial para a luta contra o pogrom. Isto, naturalmente, não impediu o trabalhador, quando chegou a hora, de dirigir sua arma contra a burguesia.

Tudo que foi dito significa, então, que a social-democracia, como um todo, lutará contra o fascismo? A esse respeito, respondemos: Uma parte dos funcionários sociais-democratas passará, indubitavelmente, para o lado dos fascistas; uma porção mais considerável, na hora do perigo, se esconderá debaixo da cama. Também a massa dos trabalhadores não entrará na batalha em sua totalidade. Adivinhar, antecipadamente, qual parte dos trabalhadores sociais-democratas entrará na luta, e quando entrará, e que parte do aparelho será arrastada por aqueles, é completamente impossível. Isso depende de muitas circunstâncias e, entre elas, da atitude do Partido Comunista. A frente única política tem como tarefa separar os que querem lutar dos que não querem; empurrar para frente os que vacilam; enfim, comprometer aos olhos dos operários os chefes capituladores e fortalecer, assim, a capacidade de luta do proletariado.

Quanto tempo já se perdeu inutilmente, estupidamente, vergonhosamente! Quanto se teria conseguido, mesmo só nos dois últimos anos! Pois era, desde o princípio, perfeitamente claro que o capital financeiro e o seu exército fascista iriam empurrar a social-democracia, com murros e pancadas, no caminho da oposição e da autodefesa. Era preciso espalhar essa perspectiva diante de toda a classe operária, tomar para si a iniciativa da frente única e, em cada nova etapa, conservar firme em mãos essa iniciativa. Em vez de se gritar e berrar, devia se ter jogado um jogo calmo e aberto. Bastaria que se tivesse formulado, nítida e claramente, a inevitabilidade de cada próximo passo do inimigo e apresentado um programa prático de frente única, sem exagero e sem concessões, mas também sem fraqueza e condescendência. Como o Partido Comunista estaria bem, agora, se estivesse de posse do abecê da política leninista e o tivesse aplicado com a necessária tenacidade!

7 - A luta de classes à luz do ciclo econômico

Quando exigimos, insistentemente, que se diferencie o bonapartismo do fascismo, não o fazemos, em absoluto, por pedantismo teórico. Os termos servem para definir conceitos; os conceitos, por sua vez, para distinguir as forças reais na política. A destruição do fascismo não deixaria, de resto, qualquer espaço ao bonapartismo, e, como é de se esperar, significaria o início imediato da revolução socialista. Entretanto, o proletariado não está preparado para a revolução. A correlação entre a social-democracia e o governo bonapartista de um lado, e entre o bonapartismo e o fascismo de outro, assinalam, sem decidir a questão fundamental, o caminho e a velocidade em que a luta entre o proletariado e a contrarrevolução fascista será preparada. As contradições entre Schleicher, Hitler e Wels dificultam, na situação presente, a vitória do fascismo e abrem ao Partido Comunista o mais decisivo de todos os créditos: o crédito de tempo.

“O fascismo chegará ao poder pela via fria”, ouvimos reiteradamente do lado dos teóricos stalinistas. Esta fórmula deveria significar que os fascistas chegariam ao poder legalmente, pacificamente, por meio de coligações, sem precisar de uma insurreição aberta. Os acontecimentos já contrariaram esse prognóstico. O governo de Papen subiu ao poder por um golpe de Estado, e o completou com um golpe de Estado na Prússia. Suponhamos que a coligação entre os nazistas e o centro derrubará o governo bonapartista de Papen com métodos “constitucionais”: isto, em si, nada decidirá. Entre a subida de Hitler ao poder e a implantação do regime fascista existe ainda uma grande distância. A coligação viria apenas para simplificar o golpe de Estado, e não o substituir. Ao lado da supressão definitiva da Constituição de Weimar, continuaria de pé a tarefa mais importante: a supressão dos órgãos da democracia proletária. O que significa, sob esse aspecto, a “via fria”? A ausência de resistência por parte dos trabalhadores. O golpe de Estado bonapartista de Papen não encontrou, de fato, qualquer resistência. Não ficará também o golpe fascista de Hitler sem resposta? É justamente em torno dessa questão que, consciente ou inconscientemente, gira a insinuação da “via fria”.

Se o Partido Comunista representasse uma força esmagadora, e se o proletariado caminhasse diretamente para o poder, todas as contradições no campo dos possuidores se apagariam momentaneamente: fascistas, bonapartistas e democratas se colocariam numa frente única contra a revolução proletária. Mas não é este o caso. A fraqueza do Partido Comunista e o fracionamento do proletariado permitem que as classes possuidoras e os seus partidos tornem públicas as suas divergências. Somente apoiando-se em tais divergências, o Partido Comunista poderá fortalecer-se.

Há uma probabilidade, na Alemanha altamente industrializada, de o fascismo não se decidir, afinal de contas, a fazer valer suas pretensões a todo o poder? Sem dúvida alguma, o proletariado alemão é incomparavelmente mais numeroso e potencialmente mais forte do que o italiano. Embora o fascismo na Alemanha represente um campo mais numeroso e mais bem organizado do que o correspondente, ao seu tempo, na Itália, a tarefa da liquidação do “marxismo” deve, entretanto, apresentar- se aos fascistas como difícil e arriscada. Além disso, não é impossível que o ponto politicamente culminante de Hitler já esteja para trás. O período já muito prolongado de espera e as novas barreiras surgidas no caminho sob a forma de bonapartismo enfraquecem indubitavelmente o fascismo, agravam as suas contradições internas, e podem atenuar consideravelmente a sua pressão. Mas a esse respeito, estamos ainda no campo das tendências, que, até o momento, não se podem, de modo algum, calcular antecipadamente. Só a luta viva pode responder a essa questão. Apoiar-se, desde já, na suposição de que o nacional-socialismo estacionará, inevitavelmente, no meio do caminho, seria extremamente leviano.

A teoria da “via fria”, em última análise, não é nada melhor do que a teoria do “social-fascismo”, ou, mais exatamente, representa apenas o seu reverso. As contradições entre as partes componentes do campo inimigo, em ambos os casos, são completamente desprezadas; as etapas sucessivas e subsequentes do processo são esquecidas. O Partido Comunista é posto inteiramente de lado. Não é em vão que o teórico da “via fria”, Hirsch, é ao mesmo tempo o do “social-fascismo”.

A crise política do país desenvolve-se sobre a base da crise econômica. Mas a economia não permanece imutável. Éramos, ontem, obrigados a dizer que a crise conjuntural apenas intensifica a crise permanente, orgânica, do sistema capitalista; hoje, somos obrigados a lembrar também que a decadência geral do capitalismo não exclui as variações de conjuntura. A crise atual não durará eternamente. As esperanças do mundo capitalista em uma mudança de conjuntura são extremamente exageradas, mas não infundadas. É preciso ligar a questão da luta das forças políticas à perspectiva econômica. Isto se torna tanto mais inadiável, quanto o próprio programa de Papen parte de uma próxima conjuntura ascendente.

A reconstrução econômica entra em cena, visível a todo mundo, logo que se manifesta sob a forma de venda crescente de mercadorias, de aumento da produção e do número de operários ocupados. A coisa, porém, nunca começa por aí. Antes dessa reconstrução, aparecem processos preparatórios no domínio da circulação monetária e do crédito. Os capitais empregados nas empresas e nos ramos econômicos não-lucrativos precisam tornar-se livres e assumir a forma de dinheiro circulante, à procura de colocação. O mercado, libertado de seus depósitos de gordura, inchaços e tumores, precisa mostrar uma verdadeira demanda. Os fabricantes precisam adquirir “confiança” no mercado e uns nos outros. Por seu turno, essa “confiança”, de que tanto se fala na imprensa mundial, precisa receber estímulos, não só dos fatores econômicos, como também dos fatores políticos (reparações, dívidas de guerra, desarmamento-armamento etc.).

Um crescimento das vendas de mercadorias, da produção, do número dos operários ocupados não é visto ainda em parte alguma. Pelo contrário, a queda continua. No que concerne aos processos preparatórios de mudança de conjuntura, é evidente que já cumpriram a maior parte das tarefas que lhes cabem. Realmente, muitos indícios permitem supor que o momento da mudança de conjuntura se aproxima, se não está iminente. Esta é uma apreciação feita em escala mundial. Entretanto, cabe fazer uma distinção entre os países credores (Estados Unidos, Inglaterra e França) e os países devedores, ou melhor, os países em bancarrota. O primeiro lugar do segundo grupo pertence à Alemanha. A Alemanha não possui qualquer capital móvel. A sua economia só pode receber um impulso pela afluência de capitais de fora. Mas um país incapaz de saldar suas velhas dívidas não obtém um só empréstimo. Em todo o caso, antes de lhe abrir o cofre, os credores precisam convencer-se de que a Alemanha se encontra de novo em condições de exportar uma soma maior do que carece importar: a diferença servirá para cobrir as dívidas. A procura de mercadorias alemãs parte principalmente dos países agrários, sobretudo do sul da Europa. Porém, os países agrários dependem, por sua vez, da procura de matérias-primas e de produtos alimentícios por parte dos países industriais. A Alemanha, em consequência, será forçada a esperar: a corrente de vitalidade percorrerá primeiro o grupo de seus concorrentes capitalistas e parceiros agrários, antes de espalhar pela Alemanha a sua própria energia.

Entretanto, a burguesia alemã não pode esperar. E a camarilha bonapartista, ainda menos. Enquanto ela promete não tocar na estabilidade da moeda, o governo de Papen introduz sorrateiramente a inflação. E, ao mesmo tempo, com discursos sobre a renascença do liberalismo econômico, resolve controlar administrativamente o ciclo econômico e, em nome da liberdade da iniciativa privada, submete diretamente os contribuintes aos donos capitalistas das empresas privadas.

O eixo em torno do qual o programa do governo gira é a esperança de uma próxima mudança de conjuntura. Se isto não se realizar a tempo, os dois bilhões se evaporarão como duas gotas d’água sobre uma chapa incandescente. O plano de Papen tem um caráter de jogo de azar e especulação, numa medida incomensuravelmente maior do que o movimento de alta que começa a se desenrolar neste momento na bolsa de Nova York. As consequências de um desastre do jogo bonapartista serão, em todo o caso, muito mais catastróficas.

O resultado mais próximo e sensível de um rompimento entre os planos do governo e o movimento efetivo do mercado será a queda do marco. Os males sociais, acrescidos pela inflação, se tornarão insuportáveis. A bancarrota do programa econômico de Papen exigirá a sua substituição por um outro mais eficiente. Por qual? Evidentemente, pelo programa do fascismo. Uma vez que não se consiga impulsionar a conjuntura pela terapêutica bonapartista, é preciso experimentar a cirurgia fascista. Nesse meio tempo, a social-democracia assumirá ares de “esquerda” e se fracionará. O Partido Comunista, no caso de não entravar-se a si próprio, crescerá. Isto significará, em suma, uma situação revolucionária. A questão de perspectiva de vitória, nestas condições, concentra-se em três quartas partes na estratégia comunista.

O partido revolucionário deve, entretanto, estar também preparado para uma outra perspectiva, como a de uma mudança rápida de conjuntura. Suponhamos que o governo Schleicher-Papen consiga manter-se até o começo de um reaquecimento industrial e comercial. Estaria o governo salvo por isso? Não, o começo de uma conjuntura ascendente significaria o fim certo do bonapartismo e talvez ainda de alguma coisa mais.

As forças do proletariado alemão não estão esgotadas. Estão, porém, minadas: por sacrifícios, derrotas e decepções que começaram em 1914; pela felonia sistemática da social-democracia; pela autodesmoralização do Partido Comunista. Seis, sete milhões de desempregados amontoam-se, como uma carga pesada, aos pés do proletariado. Os decretos-leis de Brüning e Papen não encontraram resistência. O golpe de Estado de 20 de julho ficou sem resposta.

Pode prever-se, com toda a segurança, que a transformação de conjuntura dê à atividade atualmente deficiente do proletariado um impulso poderoso. A partir do momento em que a fábrica parar de demitir operários e admitir novos, se afirmará a autossegurança do trabalhador: são de novo necessários. A mola comprimida começa de novo a se restabelecer. Os operários entram cada vez mais facilmente na luta para a reconquista das posições perdidas e para a conquista de novas. E os operários alemães perderam muito. Nem por decretos-leis, nem pela aplicação da força armada, poderão liquidar-se as greves de massa que se desenvolverão na onda ascendente. O regime bonapartista, que só pode manter-se pela “paz interna”, será a primeira vítima da mudança de conjuntura.

Já se observa, agora, em diferentes países, um crescimento das lutas grevistas: Bélgica, Inglaterra, Polônia, Estados Unidos (em parte). Na Alemanha, não. Fazer uma avaliação, à luz da conjuntura econômica, das greves de massas que atualmente estão se desenrolando não é nada fácil. As estatísticas fixam as variações de conjuntura com atraso inevitável. O reaquecimento precisa tornar-se um fato, antes de poder ser registrado. Em geral, os trabalhadores sentem as mudanças de conjuntura antes das estatísticas. Novas encomendas (ou mesmo a espera de novas), reformas das empresas para ampliação da produção, ou, pelo menos, interrupção na dispensa de trabalhadores – tudo isso aumenta inevitavelmente as forças de resistência e as pretensões do operário. A greve de defesa dos operários têxteis em Lancashire é provocada, inegavelmente, por certa animação na indústria têxtil.

Quanto à greve belga, desenvolve-se, visivelmente, na base da crise do carvão, ainda em aprofundamento. Ao caráter de transformação da atual seção da conjuntura mundial correspondem as diferentes modalidades dos choques econômicos, que estão na base das últimas greves. Mas em geral, o crescimento do movimento de massas significa, antes, uma mudança de conjuntura que já se está fazendo sentir. Em todo o caso, a reanimação real da conjuntura, já nos seus primeiros passos, provocará um amplo movimento das lutas de massas.

As classes dominantes de todos os países esperam milagres de um renascimento industrial: disso já dão testemunho as sábias especulações nas bolsas. Se o capitalismo entrasse na fase de uma prosperidade ou mesmo de uma ascensão lenta, mas prolongada, isto traria naturalmente sua estabilização e, simultaneamente, o fortalecimento do reformismo. Entretanto, não há absolutamente um só motivo para esperar ou temer que a nova e inevitável reanimação de conjuntura possa se sobrepor à tendência geral para a decadência da economia e, particularmente, da economia europeia. O capitalismo anterior à guerra desenvolveu-se no quadro de uma produção progressiva de mercadorias, mas o capitalismo atual representa apenas, com todas as suas variações de conjuntura, uma produção ampliada de misérias e catástrofes. O novo ciclo conjuntural formará inevitáveis reagrupamentos de forças, não só em cada país isolado, como no campo capitalista em geral, predominando esse deslocamento no sentido da Europa para a América. Mas já dentro de curto prazo, esse ciclo levará o mundo capitalista a novas contradições insolúveis e o condenará a novas e mais pavorosas convulsões.

Sem risco de erro, pode-se estabelecer a seguinte previsão: A reanimação econômica bastará para solidificar o sentimento de segurança dos trabalhadores e dar à sua luta um novo impulso, mas de modo algum bastará para abrir ao capitalismo, especialmente europeu, a possibilidade de um renascimento.

As conquistas práticas que a nova melhora de conjuntura do capitalismo decadente permitirá ao movimento operário terão necessariamente um caráter extremamente limitado. Poderá o capitalismo alemão, no auge da nova reconstrução econômica, restabelecer para os operários as condições existentes antes da crise de agora? Tudo justifica uma resposta antecipada a essa pergunta pela negativa. E tanto mais brutalmente deverá o movimento de massas despertado tomar o caminho político.

A primeira etapa da reanimação industrial já será extremamente perigosa para a social-democracia. Os trabalhadores se lançarão à luta com o objetivo de recuperar o que perderam. A cúpula da social-democracia será de novo empolgada pelas esperanças de um restabelecimento da ordem “normal”. A sua principal preocupação será restabelecer a própria capacidade de coligação. Chefes e massas – Cada qual irá puxar para seu lado. Para aproveitar decisivamente a nova crise do reformismo, os comunistas precisam seguir uma orientação correta nas mudanças de conjuntura e preparar um programa de ação prática, partindo, sobretudo, das perdas sofridas pelos trabalhadores nos anos de crise. A transformação da luta econômica em luta política é o momento especialmente propício para a consolidação das forças e da influência do partido proletário revolucionário. Um sucesso neste ou naquele caminho só será atingido sob uma condição: pela aplicação correta da política de frente única. Para o Partido Comunista alemão, isto significa, sobretudo, o seguinte: acabar com a dúbia posição ocupada atualmente no campo sindical; orientação clara para os sindicatos livres; dissolução dos quadros existentes da RGO; início de uma luta sistemática, por meio dos sindicatos, pela influência nos comitês de fábrica; desenvolvimento de uma ampla campanha pela palavra de ordem de controle operário da produção.

8 - O caminho para o poder

Kautsky e Hilferding, entre outros, declararam mais de uma vez nos últimos anos que nunca compartilharam a teoria do colapso do capitalismo, que os revisionistas, no passado, atribuíram aos marxistas e que os kautskistas atribuem, hoje, constantemente, aos comunistas.

Os bernsteinianos traçaram duas perspectivas: uma irreal, evidentemente “marxista”, ortodoxa, segundo a qual, com o correr do tempo, sob a influência dos antagonismos internacionais do capitalismo, deveria ocorrer o colapso mecânico do sistema; e outra “realista”, segundo a qual deveria ocorrer uma evolução gradual do capitalismo para o socialismo. Tão opostos quanto possam parecer à primeira vista, estes dois esquemas estão unidos, entretanto, por um traço comum: a ausência do fator revolucionário. Ao passo que desmentiam a caricatura do colapso automático do capitalismo que lhes era atribuída, os marxistas demonstravam que, sob a influência da intensificação da luta de classe, o proletariado realizaria a revolução muito antes das condições objetivas do capitalismo poderem provocar-lhe o colapso automático.

Essa discussão se deu numa época tão distante quanto o fim do século passado. Entretanto, é preciso reconhecer que depois da guerra a realidade capitalista aproximou-se, sob certos aspectos, muito mais da caricatura bernsteiniana do que qualquer pessoa poderia ter esperado e, antes de tudo, do que o poderiam os próprios revisionistas: porque estes só desenharam o espectro do colapso com o fim de mostrar a sua irrealidade. Verifica-se hoje, entretanto, que, quanto mais perto está o capitalismo da queda automática, tanto mais retardada está a intervenção revolucionária do proletariado no destino da sociedade.

A parte componente mais importante da teoria do colapso foi a teoria da pauperização. Os marxistas afirmavam, com certa prudência, que a intensificação dos antagonismos sociais não seria necessariamente correspondente a uma baixa absoluta do nível de vida das massas. Na realidade, é este último processo que se está desenvolvendo. Como poderia o colapso do capitalismo expressar-se com maior agudeza do que no desemprego crônico e na destruição do seguro social, isto é, na recusa da ordem social a nutrir os seus próprios escravos?

Os freios oportunistas contra o proletariado demonstraram ser bastante fortes para garantir às forças elementares do capitalismo sobrevivente algumas décadas de vida a mais. Como consequência, não foi o idílio da transformação pacífica do capitalismo em socialismo que se verificou, mas um estado de coisas infinitamente mais próximo da dissolução social.

Durante muito tempo, os reformistas procuraram atribuir à guerra a responsabilidade pelo atual estado da sociedade. Mas em primeiro lugar, a guerra não criou as tendências destrutivas do capitalismo: apenas trouxe-as à superfície e acelerou o processo. Em segundo lugar, a guerra não teria conseguido levar a cabo sua obra de destruição sem o apoio político do reformismo. Em terceiro lugar, as contradições insolúveis do capitalismo estão preparando novas guerras de vários lados. O reformismo não conseguirá livrar-se da responsabilidade histórica. Paralisando e entravando a energia revolucionária do proletariado, a social-democracia internacional dá ao processo do colapso capitalista as formas mais cegas, mais implacáveis, mais catastróficas e mais sangrentas.

Naturalmente, só de forma condicional se pode falar de uma realização da caricatura revisionista do marxismo, aplicável a um período histórico definido. A saída do capitalismo decadente se dará, embora com um grande atraso, não pelo caminho do colapso automático, mas pelo caminho revolucionário.

A crise atual varreu pela última vez os resquícios das utopias reformistas. Atualmente, a prática oportunista não possui qualquer disfarce teórico. O número de catástrofes que ainda desabarão sobre a cabeça das massas populares é, no final das contas, absolutamente indiferente a Wels, Hilferding, Grzesinsky e Noske, contanto que os seus interesses pessoais fiquem intactos. Mas a questão é que a crise do regime burguês também atinge os chefes reformistas.

“Age, Estado, age!”, gritou, ainda há pouco tempo, a social-democracia quando teve de recuar diante do fascismo. E o Estado agiu: Otto Braun e Severing foram postos na rua a pontapés. Agora, escreveu o Vorwärts, todos têm que reconhecer as vantagens da democracia sobre o regime da ditadura.

Dessa experiência, tiraram a conclusão: “Já é tempo de caminharmos para a socialização!” Tarnov, ainda ontem um médico do capitalismo, resolveu, subitamente, tornar-se seu coveiro. Quando o capitalismo transforma os seus ministros reformistas, chefes de polícia e prefeitos, em desempregados, é porque está manifesta- mente exausto. Wels escreve um artigo programático: “Soou a hora do socialismo!” Só falta Schleicher roubar dos deputados os seus subsídios e dos ministros aposentados as suas pensões para Hilferding escrever um estudo sobre o papel histórico da greve geral.

O giro à “esquerda” dos chefes sociais-democratas impressiona pela estupidez e falsidade. Contudo, isso não significa, de modo algum, que a manobra esteja condenada a falhar de antemão. Esse partido, carregado de crimes, ainda está à frente de milhões. Não cairá por si só. É preciso que se saiba derrubá-lo.

O Partido Comunista declarará que a corrida de Wels-Tarnov para o socialismo é uma nova forma de enganar as massas, o que é correto. Contará a história das “socializações” sociais-democratas dos últimos catorze anos. Isso será útil. Mas é insuficiente: a história, mesmo a mais recente, não pode substituir a política ativa.

Tarnov procura reduzir a questão do caminho revolucionário ou reformista para o socialismo à simples questão do “ritmo” das transformações. É impossível um teórico cair mais baixo. O ritmo das transformações socialistas depende, na realidade, do estado das forças produtivas do país, de sua cultura, da proporção das despesas necessárias para a sua defesa etc. Mas as transformações socialistas, rápidas ou lentas, só são possíveis se nos postos de mando da sociedade está uma classe interessada no socialismo, e à frente dessa classe um partido que não engane os explorados e esteja sempre pronto a enfrentar a resistência dos exploradores. Precisamos explicar aos trabalhadores que o regime da ditadura do proletariado consiste precisamente nisso.

Mas ainda não basta. Tratando-se dos problemas candentes do proletariado, não se deveria esquecer – como faz a Komintern – o fato da existência da União Soviética. Com relação à Alemanha, a tarefa hoje não é começar, pela primeira vez, uma construção socialista, mas unir as forças produtivas da Alemanha, a sua cultura, o seu gênio técnico e organizativo, à construção socialista que já se vem processando na União Soviética.

O Partido Comunista alemão limita-se apenas a exaltar os sucessos da União Soviética, e nesse sentido comete grandes e perigosos exageros. Mas é completamente incapaz de ligar as tarefas da revolução proletária na Alemanha à construção socialista na URSS, às suas enormes experiências e valiosas realizações. A burocracia stalinista, por sua vez, é a que menos está em condições de prestar ao Partido Comunista alemão qualquer auxílio nessa questão de grande importância: as suas perspectivas se limitam a um só país.

Os projetos incoerentes e covardes de capitalismo de Estado da social-democracia precisam ser combatidos com um plano geral para a construção socialista conjunta da URSS e da Alemanha. Ninguém exige que se faça um plano detalhado imediatamente. Basta um ligeiro esboço preliminar. As colunas básicas são necessárias. Esse plano precisa tornar-se, tão depressa quanto possível, objeto de estudo de todas as organizações da classe operária alemã, principalmente de seus sindicatos.

As forças progressivas, entre os técnicos, os estatísticos e os economistas alemães, devem ser atraídas para esse empreendimento. A construção socialista já está em andamento: é preciso que se estabeleça para esse trabalho uma ponte que ultrapasse as fronteiras nacionais. Aqui está o primeiro plano: estudem-no, melhorem-no, precisem-no! É necessário que os trabalhadores elejam comissões especiais de plano, encarregando-as de entrar em contato com os sindicatos e órgãos econômicos dos soviets.

Na base dos sindicatos alemães, dos conselhos de empresa e outras organizações proletárias, deve ser criada uma comissão central para a elaboração do plano, que entrará em ligação com a Comissão de Planejamento Estatal da URSS. Arrastemos para essa tarefa os engenheiros, organizadores e economistas alemães! É o único passo preliminar correto para abordar a questão da economia planificada, hoje, no ano de 1932, depois de quinze anos de existência dos soviets, depois de catorze anos de convulsões da república capitalista da Alemanha. Nada mais fácil do que ridicularizar a burocracia social-democrata, a começar por Wels, que entoou um cântico de louvor ao socialismo. Contudo, não se deve esquecer que os trabalhadores reformistas consideram com profunda seriedade a questão do socialismo. É preciso ter uma atitude séria com os trabalhadores reformistas. E é quando o problema da frente única entra novamente em cena com toda a sua força.

Se a social-democracia se propõe (em palavras, nós bem o sabemos!) a não salvar o capitalismo, mas construir o socialismo, está obrigada, por isso mesmo, a procurar um acordo, não com o centro, mas com os comunistas. O Partido Comunista rejeitará esse acordo? De modo algum. Ao contrário, ele mesmo deverá propô-lo, exigindo-o diante das massas como resgate por esta mudança socialista, só agora proclamada.

Atualmente, o ataque do Partido Comunista contra a social-democracia deve ser feito sobre três linhas. A tarefa de liquidar o fascismo continua com toda a sua agudeza. A batalha decisiva do proletariado contra o fascismo significará, simultaneamente, a colisão com o aparelho de Estado bonapartista. Isso torna a greve geral uma arma de combate indispensável, que precisa ser preparada. É preciso organizar um plano especial de greve geral, isto é, um plano de mobilização das forças, para levá-la a cabo. Em torno desse plano, é necessário desenvolver uma campanha de massas e, na base desta, propor à social-democracia um acordo para a execução da greve geral, sob condições políticas definidas. Repetida e concretizada em cada nova fase, essa proposta conduzirá, no processo de seu desenvolvimento, à criação dos soviets como órgãos supremos da frente única.

Os próprios chefes da social-democracia e dos sindicatos reconhecem, em palavras, que o plano econômico de Papen, agora lei, lança o proletariado alemão a uma pobreza sem precedentes. Na imprensa, manifestam-se com uma veemência que há muito tempo não se notava neles. Entre as suas palavras e os seus atos, há um abismo (nós bem o sabemos), mas precisamos saber como lançar contra eles as suas próprias palavras. Um sistema de medidas de luta em comum contra o regime dos decretos de emergência e do bonapartismo precisa ser elaborado.

Essa luta, imposta a todo o proletariado por toda a situação, não pode, por sua própria natureza, ser conduzida dentro dos moldes da democracia. Uma situação em que Hitler possui um exército de 400 mil homens; Papen- Schleicher, além da Reichswehr, o exército semiparticular dos Stahlhelm, com 200 mil homens; a democracia burguesa, o exército semitolerado da Reichsbanner; o Partido Comunista, o exército proscrito da Frente Vermelha – uma situação como esta faz surgir, por si só, o problema do Estado como problema do poder. Não se pode imaginar melhor escola revolucionária!

O Partido Comunista deve dizer à classe operária: Schleicher não será derrubado por um jogo parlamentar. Se a social-democracia quer trabalhar para derrubar o governo bonapartista por outros meios, o Partido Comunista está pronto a auxiliar a social-democracia com toda a sua força. Ao mesmo tempo, os comunistas se comprometem antecipadamente em não empregar métodos violentos contra um governo social-democrata, enquanto este se basear na maioria da classe operária e enquanto garantir ao Partido Comunista liberdade de organização e de agitação. Uma tal maneira de pôr a questão será compreensível a todos os trabalhadores sociais-democratas e sem partido.

A terceira linha, finalmente, é a luta pelo socialismo. Também aqui, o ferro precisa ser malhado enquanto está quente, e a social-democracia levada à parede com um plano concreto de colaboração com a URSS. O que é necessário nessa questão já ficou dito acima.

Naturalmente, esses campos de luta, que têm importâncias diversas na perspectiva estratégica geral, não estão separados um do outro, mas, ao contrário, misturam-se e se completam.

A crise política da sociedade exige a combinação das questões gerais: reside precisamente nisso a essência da situação revolucionária.

9 - O único caminho

É de se esperar que o Comitê Central do Partido Comunista realize, por si mesmo, uma mudança para o verdadeiro caminho? Todo seu passado demonstra que não.

Mal começou a melhorar, e o aparelho viu-se diante da perspectiva do “trotskismo”. Se o próprio Thälmann não compreendeu logo, foi- -lhe explicado de Moscou que, por amor ao “todo”, é preciso saber sacrificar a “parte”, isto é, os interesses da revolução alemã pelo amor aos interesses do aparelho stalinista. As tímidas tentativas de corrigir a política foram novamente suspensas. A reação burocrática triunfou de novo em toda a linha. Isto tudo, naturalmente, não depende de Thälmann. Se a Komintern tivesse dado às suas seções a possibilidade de viver, pensar e desenvolver- se, elas teriam escolhido e formado os seus próprios quadros dirigentes há muito tempo. Mas a burocracia instituiu um sistema de nomeações dos líderes sustentados por meios artificiais. Thälmann é um produto desse sistema, mas ao mesmo tempo, a sua vítima.

Os quadros, paralisados em seu desenvolvimento, enfraquecem o partido. E as insuficiências se completam pelas repressões. As hesitações e a insegurança do partido passam, inevitavelmente, para toda a classe. Não se pode chamar as massas para ações audaciosas, quando o próprio partido é destituído de decisão e firmeza. Mesmo que Thälmann recebesse, amanhã, um telegrama de Manuilsky sobre a necessidade de um giro no caminho da frente única, o novo ziguezague dos dirigentes seria de pouca utilidade. A direção já está comprometida demais. Uma política correta exige um regime são. A democracia no partido, atualmente simples joguete nas mãos da burocracia, precisa voltar a ser uma realidade. O partido precisa ser de fato um partido, e então as massas acreditarão nele. Na prática, isto significa colocar na ordem do dia: um congresso extraordinário do partido e um congresso extraordinário da Komintern.

Uma discussão ampla e franca deve, naturalmente, preceder o congresso. Todas as barreiras do aparelho devem ser derrubadas. Cada organização do partido, cada célula, tem o direito de convocar para as suas reuniões todos os comunistas, membros do partido ou dele expulsos, e ouvi-los quando assim julgar necessário para formar a sua opinião. A imprensa deve ser posta a serviço da discussão, devendo, em cada jornal do partido, diariamente, ser reservado um espaço suficiente para os artigos críticos. Comissões especiais de imprensa, eleitas nas assembleias gerais do partido, devem fiscalizar se os jornais do partido estão ou não servindo à burocracia. Evidentemente, a discussão não exigirá pouco tempo nem poucas forças. O aparelho irá apelar para isto: em um período crítico como este, o partido não pode “dar-se ao luxo de discussões”. Os salvadores burocratas julgam que o partido deve calar-se diante de circunstâncias difíceis. Os marxistas, ao contrário, pensam que quanto mais difícil é a situação, tanto mais importante é a função autônoma do partido.

A direção do Partido Bolchevique gozava, em 1917, de uma autoridade imensa. No entanto, durante todo o ano de 1917, houve uma série de profundas discussões no partido. Às vésperas da insurreição de outubro, todo o partido debatia apaixonadamente a questão de saber qual das suas partes do Comitê Central tinha razão: a maioria, que era pela insurreição, ou a minoria, que era contra. Nunca houve, em absoluto, expulsões, nem repressões, apesar da profundidade das divergências de opinião. Dessas discussões, participaram as massas sem partido. Em Petrogrado, uma reunião de mulheres trabalhadoras sem partido enviou uma delegação ao Comitê Central para apoiar a maioria. Certamente, a discussão exigiu tempo. Mas justamente por isso, da discussão aberta, sem ameaças, mentiras e falsidades, saiu a convicção geral, inabalável, da correção da política, o que é o bastante para tornar possível a vitória.

Que rumo tomarão as coisas na Alemanha? Conseguirá a pequena roda da Oposição de Esquerda virar a tempo a grande roda do partido? Eis como se apresenta, agora, a questão. Ressoam, muitas vezes, as vozes pessimistas. Nos diferentes agrupamentos comunistas, no próprio partido, como na sua periferia, não são poucos os elementos que dizem: em todas as questões importantes, a Oposição de Esquerda tem uma posição correta, mas é muito fraca. Os seus quadros são pequenos em número e inexperientes politicamente. Pode, então, uma tal organização, com um pequeno jornal semanal (Die Permanente Revolution), opor-se com êxito à poderosa máquina da Komintern?

As lições dos acontecimentos são mais fortes do que a burocracia stalinista. E queremos ser os intérpretes dessas lições perante as massas comunistas. Reside aí o nosso papel histórico como fração. Não exigimos, como Seydewitz & Cia, que o proletariado revolucionário creia em nosso juramento. Reservamo-nos um papel mais modesto: oferecemos à vanguarda comunista o nosso auxílio na preparação da linha correta. Para esse trabalho, organizamos e educamos quadros próprios. Não se pode saltar esse estágio preparatório. Cada nova etapa da luta impelirá os elementos mais refletidos e críticos do proletariado para o nosso lado.

O partido revolucionário começa com uma ideia, um programa, que é dirigido contra o mais poderoso aparelho da sociedade de classes. Não são os quadros que criam a ideia, mas é a ideia que cria os quadros. O temor ante o poder do aparelho é um dos traços mais característicos daquele oportunismo especial que a burocracia stalinista cultiva. A crítica marxista é mais forte do que todos os aparelhos.

A força organizadora da Oposição de Esquerda dependerá, em seu desenvolvimento posterior, de muitas circunstâncias: do ímpeto dos golpes históricos, do grau de resistência da burocracia stalinista, da atividade dos simples comunistas, da energia da própria Oposição. Os princípios e métodos por que lutamos são postos à prova pelos maiores acontecimentos da história mundial, por seus triunfos e por suas derrotas. E hão de fazer caminho.

Os sucessos da Oposição em todos os países, inclusive na Alemanha, são indiscutíveis e notórios. O seu desenvolvimento é, porém, mais lento do que muitos de nós pensávamos. O fato pode ser lamentado, mas não há que se admirar por isso. Todo comunista que começa a ouvir a Oposição de Esquerda é colocado pela burocracia diante da alternativa: ou participar da caçada ao “trotskismo”, ou ser expulso das fileiras da Komintern. Para os burocratas do partido, trata-se de defender os cargos e o salário: sobre esta tecla, o aparelho stalinista sabe tocar com perfeição. Infinitamente mais importantes, porém, são os milhares de simples comunistas que se ailaceram entre a sua dedicação às ideias do comunismo e a ameaça de expulsão das fileiras da Komintern. É o que explica a existência, nas fileiras do Partido Comunista oficial, de muitos oposicionistas escondidos, intimidados ou em formação.

A excepcional agudez das condições históricas justifica bastante o lento crescimento da Oposição de Esquerda. Mas ao mesmo tempo, apesar de toda esta lentidão, hoje, mais do que nunca, toda a vida ideológica da Komintern gira em torno da luta contra o “trotskismo”. As revistas teóricas e os artigos teóricos dos jornais da IC, como de todas as seções nacionais, são dedicados, sobretudo, à luta, ora aberta, ora mascarada, contra a Oposição de Esquerda. Importância ainda mais sintomática tem a brutal caçada organizativa que o aparelho conduz contra a Oposição: dissolução e repressão de suas reuniões; aplicação de todos os outros meios de violência física; alianças, por detrás dos bastidores, com pacifistas burgueses, radicais franceses e maçons contra os “trotskistas”; disseminação pelo centro stalinista das calúnias mais torpes etc.

Os stalinistas sentem, melhor e mais diretamente do que nós, em que medida as nossas ideias minam os pilares de seu aparelho. Os métodos de autodefesa da fração stalinista são, entretanto, uma faca de dois gumes. Até determinado momento, fazem efeito de intimidação. Mas ao mesmo tempo, preparam uma reação de massas contra o sistema de falsidade e violência.

Quando, em julho de 1917, o governo dos mencheviques e socialistas- revolucionários denunciava os bolcheviques como agentes do Estado-maior alemão, essa infame medida conseguiu exercer, nos primeiros momentos, grande efeito sobre os soldados, os camponeses e as camadas atrasadas dos operários. Mas quando todos os acontecimentos posteriores deram claramente razão aos bolcheviques, as massas começaram a dizer: Então caluniaram conscientemente os leninistas? Moveram uma campanha tão baixa contra eles só porque tinham razão? E o sentimento de suspeita contra os bolcheviques se transformou em sentimento de calorosa dedicação e entusiasmo por eles. Embora sob outras condições, este processo tão complexo se desenvolve também na atualidade. Pela acumulação monstruosa de calúnias e repressões, a burocracia stalinista consegue, inegavelmente, por um certo espaço de tempo, intimidar os membros de base do partido; ao mesmo tempo, porém, está preparando aos bolcheviques-leninistas uma grandiosa reabilitação aos olhos das massas revolucionárias. Já não pode haver mais a menor dúvida a respeito.

É verdade que somos ainda muito fracos. O Partido Comunista ainda tem massa, mas já não possui nem doutrina, nem orientação estratégica. A Oposição de Esquerda já formou a sua orientação marxista, mas ainda não tem massa. Os grupos restantes do “campo da esquerda” não possuem nem uma coisa nem outra. O Leninbund, que pensou ter substituído as fantasias individuais e os caprichos de Urbahns por uma sólida e bem fundamentada política, vegeta por aí sem futuro. Os brandlerianos, apesar do quadro de seu aparelho, vão descendo de degrau em degrau. Algumas pequenas receitas táticas não podem substituir uma tomada de posição estratégico- revolucionária. O SAP lançou a sua candidatura à liderança do proletariado revolucionário. Infundada pretensão! Os mais sérios representantes desse “partido” não vão além, como demonstra o último livro de Fritz Sternberg, dos limites do centrismo de esquerda. Quanto mais se dedicam a criar uma doutrina própria, “autônoma”, tanto mais se mostram discípulos de Thalheimer. Esta escola é tão sem esperanças como um cadáver.

Não pode surgir um novo partido histórico pelo simples fato de um certo número de velhos sociais-democratas ter se convencido, com grande atraso, do caráter contrarrevolucionário da política de Ebert-Wels. Não se pode, igualmente, improvisar um partido com um grupo de comunistas decepcionados, que ainda não demonstraram, em nada, o seu direito à direção do proletariado. O nascimento de um novo partido requer, de um lado, grandes acontecimentos históricos, que quebrem a espinha dos velhos partidos, e, de outro, uma posição de princípios forjados pela experiência dos acontecimentos e quadros já postos à prova.

Quando lutamos com todas as nossas forças pela regeneração da Komintern e pela continuidade de seu futuro desenvolvimento, não fazemos a mínima concessão a um puro fetichismo de forma. O destino da revolução proletária mundial está para nós acima do destino organizativo da Komintern. Se se derem as piores variantes; se os partidos oficiais de hoje, a despeito de todos os nossos esforços, forem arrastados à ruína pela burocracia stalinista, se isso significar, num certo sentido, recomeçar tudo desde o início, então a nova internacional derivará a sua genealogia das ideias e dos quadros da Oposição Internacional de Esquerda.

Eis porque os estreitos critérios de “pessimismo” e “otimismo” não se aplicam à obra que estamos executando. Ela paira acima das etapas isoladas, assim como das derrotas e vitórias parciais. A nossa política é uma política de longo alcance.

Posfácio

A presente brochura, cujas partes foram escritas em momentos diferentes, já estava concluída, quando um telegrama de Berlim trouxe a notícia do choque entre a esmagadora maioria do Reichstag e o governo de Papen; consequentemente, com o presidente do Reich. Procuraremos seguir, pelas colunas de Die Permanente Revolution, o desenvolvimento concreto dos acontecimentos posteriores. Agora, queremos acentuar apenas algumas conclusões gerais que pareciam apressadas quando começamos a escrever a brochura e que, desde então, graças ao testemunho dos fatos, se tornaram maduras.

  1. O caráter bonapartista do governo Schleicher-Papen revelou-se definitivamente, graças à sua situação isolada no Reichstag. Os círculos agrários capitalistas que mantêm seu apoio ao governo presidencial formam uma percentagem incomparavelmente menor da nação alemã do que a percentagem de votos dada no Reichstag a Papen.

  2. O antagonismo entre Papen e Hitler é o antagonismo entre as esferas agrárias capitalistas e a pequena burguesia reacionária. Assim como, outrora, a burguesia liberal utilizava o movimento revolucionário da pequena burguesia, mas lhe impossibilitava, por todos os meios, a tomada do poder, da mesma forma a burguesia monopolizadora está disposta, hoje, a contratar Hitler como lacaio, mas não como senhor. Sem uma necessidade extrema, ela não entregará todo o poder aos fascistas.

  3. O fato de as diferentes frações da grande, média e pequena burguesia entrarem numa luta aberta pelo poder, sem ter medo de um conflito extremamente perigoso, prova que a burguesia não se sente ameaçada imediatamente pelo proletariado. Não só os nacional-socialistas e o centro, como também a cúpula da social-democracia, só ousaram abrir o conflito constitucional por causa da firme segurança de que este não se transformaria em um conflitorevolucionário.

  4. O único partido cuja votação contra Papen foi ditada por intenções revolucionárias foi o Partido Comunista. Mas das intenções revolucionárias às ações revolucionárias, vai uma grande distância.

  5. A lógica dos acontecimentos faz com que todo operário social-democrata considere a luta pelo “parlamento” e pela “democracia” como se fosse a questão do poder. Reside nisso o conteúdo principal de todo conflito do ponto de vista da revolução. A questão do poder é a questão da unidade de ação revolucionária do proletariado. A política de frente única com a social-democracia deve ser dirigida de modo a possibilitar, já no futuro mais próximo, sobre a base da representação proletária democrática, a criação dos órgãos de luta da classe, isto é, dos sovietsoperários.

  6. Em virtude das concessões feitas aos capitalistas e da ofensiva monstruosa contra as condições de vida do proletariado, o Partido Comunista deve lançar a palavra de ordem de controle operário da produção.

  7. As frações da classe possuidora só podem brigar uma com a outra porque o partido revolucionário é fraco. O partido revolucionário poderia tornar-se incomparavelmente mais forte se esses conflitos da classe possuidora fossem bem aproveitados. A esse respeito, é preciso saber distinguir as diferentes facções, segundo a sua existência social e os seus métodos políticos, e não jogar todas num mesmo saco. A teoria do “social- fascismo”, que abriu falência completa e definitiva, deve ser jogada fora, finalmente, como um traste inútil.


Notas de rodapé:

(1) Tradução de Aldo Cordeiro Sauda publicada em 2018 pela Editora Autonomia Literária. (retornar ao texto)

(2) “manchesterianismo” é uma referência ao movimento britânico por reformas dos anos 1840, que defendia o livre comércio e se opunha as Leis do Milho que colocavam uma tarifa na importação de grãos. Ele se baseava em Manchester. (retornar ao texto)

Inclusão: 16/08/2020