Lei e ação direta

Neno Vasco

17 de maio de 1909


Primeira Edição: A Voz do Trabalhador (Rio de Janeiro) — ano I, n.º 11, 17/5/1909.

Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/lei-e-acao-direta/

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Não há outras forças na sociedade fora das forças individuais: essas forças somam-se pela solidariedade ou destroem-se pelo embate dos exclusivismos ferozes. Mas não há outras. A ação governamental nada lhe acrescenta; a lei vale zero.

Se a lei concede liberdades e reformas que os interessados não reclamam nem usam, não será aplicada: os mesmos que ela pretende favorecer a repelem e transgridem. Se a lei viola liberdades que já entraram na natureza dos homens capazes de iniciativa e ação, não há governo capaz de a executar. Se a lei, enfim, reconhece uma conquista generalizada, consigna uma concessão feita pelos dominantes aos governados, ela é absolutamente inútil, porque nem mesmo serve de garantia: a garantia está nos indivíduos que gozam e atuam a liberdade conquistada e estão prontos a defendê-la a qualquer momento. De nada lhes valem liberdades escritas e permitidas no papel; valem as que os homens usam, sem pedir licença.

O Brasil tem uma constituição cheia de liberdades, que o povo não usa nem sabe respeitar… Todos os dias os jornais enumeram casos extraordinários de arbitrariedade, próprios dos sertões africanos ou da Rússia. Atos inquisitoriais deixam os ânimos indiferentes… E há graus: No Rio, por exemplo, os abusos são menos possíveis do que noutras partes, sujeitas à mesma constituição.

Noutros países, de leis menos liberais, há liberdades… porque o povo as usa. Leis celeradas, promulgadas e executadas num momento crítico, de pavor e desorientação, não podem depois aplicar-se…

É pois perder tempo e forças dedicar a atividade ao fabrico de leis, à conquista da legislação ao parlamento.

Desenvolver as iniciativas individuais, as vontades de agir, formar consciências — eis a única e difícil tarefa. Trata-se de fazer subir o indivíduo a uma estima de si mesmo, a uma dignidade que o leve ao gozo de cada vez mais liberdades, mais bem-estar. No campo político, pela solidariedade e pela ação direta, a atuação incessante de liberdades, cuja violação ele não poderá permitir.

No campo económico, o desenvolvimento do sentimento de bem-estar, do consumo, que leva o homem a não vender a sua força de produção por um preço que não lhe permite a vida a que está habituado, e o impede a integral emancipação.

O campo da vida social — da propaganda, da educação, da ação direta, da realização permanente, é vastíssimo. Ademais é único se não se quer desperdiçar forças.

E a lei não só faz perder tempo e forças, mas atinge as próprias fontes da energia. Pedir uma lei é já indicar um estado de espírito cristão, confiar na virtude da papelada legal, mostrar-se incapaz de agir diretamente. Mas o mal é maior quando se organiza toda uma propaganda (eleitoral, parlamentar), se consagra uma boa parte da energia coletiva a demandar uma «legislação operária», um sistema de reformas… legais.

Faz-se propaganda, dizem. É certo: a propaganda do messianismo. É pouco provável que o deputado comece dizendo, por exemplo, que a lei é nada e tudo depende da consciência, da ação, da energia dos indivíduos…

Pelo contrário: para o candidato, as reformas legais são utilíssimas aos operários…

Ou não seriam eleitos…


Inclusão: 24/06/2021