A greve geral belga

Neno Vasco

15 de maio de 1913


Primeira Edição: semanário TERRA LIVRE N.º 14 – Lisboa, 15 de maio de 1913

Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/neno-vasco/obras-de-neno-vasco/a-greve-geral-belga/

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Todos os que desejariam ver o proletariado encaminhar-se todo pela via enganadora e nefasta da ação parlamentar e do democratismo nos apontam agora como grande exemplo – de ordem, de cordura, de pacivismo, de disciplina – a grandiosa greve geral realizada na Bélgica para a conquista do sufrágio universal puro e simples (cada homem, um voto), ou mais exatamente, para a conquista do poder por parte dos liberais e dos sociais-democratas.

E não admira. O fim é todo democrático e paz social, e uma greve por ele orientada é um verdadeiro regalo para o bom coração da burguesia liberal. E demais, a greve geral belga merece o aplauso dessa burguesia porque não foi um episódio da luta de classes, mas um ato em que duas classes inimigas colaboraram – impondo o aliado liberal a não paralização dos grandes serviços públicos; e mereceu a benevolência pachorrenta do governo belga e do seu partido, porque… não os feriu a eles, mas exclusivamente os próprios grevistas e seus aliados! Se não, sempre haveria protesto para violências…

Com efeito, a greve geral democrática não passou afinal duma platónica manifestação domingueira – manifestação, aliás, sem cortejos públicos, a não ser onde, como em Bruxelas, os grevistas precisavam de se mostrar para que não passassem inteiramente despercebidos! A impressão sentida pelos jornalistas era a que são as cidades aos domingos: a «greve» era uma simples folga dominical. Os serviços de transportes, luz, correios, etc., não pararam.

Dirigida contra o governo e a burguesia clericais, a greve belga não os atingiu, porém. Não se estendeu aos campos, onde os padres têm a maior força; não abrangeu as indústrias das religiões onde os patrões são clericais e os salariados se agrupam em associações católicas. A greve só prejudicou os próprios grevistas, os patrões liberais, que, salvo raras exceções apoiaram tácita ou expressamente o movimento, e o pequeno comércio, vítima das menores perturbações. Os que tanto acusam a greve de ser «arma de dois gumes» – como se o operário tivesse uma de um só gume contra o inimigo! – deveriam reprovar a arma usada pelos belgas, arma cujo único gume só cortou os manejadores!

Muito outra é a verdadeira greve geral proletária. Esta desfaz todos os equívocos, não admite colaborações nocivas e assume logo o aspeto e a impressão de luta. O seu maior empenho é precisamente suspender os serviços essenciais, os que se referem à força motriz, à circulação dos produtos, à vida de relações. E vai diretamente ao alvo, pois ataca os próprios patrões dos grevistas ou, por meio deles, o governo que desses patrões é guarda. Os inimigos são assim colocados face a face. E eis porque a burguesia de todas as cores, então unida e solidária, acha o caso gravíssimo e trata de reprimir sob todos os pretextos.

A «greve geral» belga teve apenas o valor de um grande comício, que os dirigentes trataram de dissolver em boa ordem, logo que o governo soltou uma vaga promessa verbal.

 Não confundamos duas coisas bem diversas.


Inclusão: 24/06/2021