Comemoração sangrenta

Neno Vasco

1 de maio 1915


Primeira Edição: jornal A Aurora – Porto, 1 de maio 1915

Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/neno-vasco/obras-de-neno-vasco/comemoracao-sangrenta/

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Celebra-se hoje, pela vigésima quinta vez, a manifestação operária internacional do Primeiro de Maio.

Da primeira vez, em 1891, arvorava a bandeira das oito horas de trabalho, reivindicadas por meio da ação direta, e erguia um protesto ameaçador e retumbante contra o crima de Chicago.

Num pensamento gentil, a burguesia francesa quis avermelhar de sangue proletário aquela comemoração dum assassinato: o exército fuzilava em Fourmies alguns trabalhadores – o inimigo interior…

O vigésimo quinto aniversário – bodas de prata dum grandioso casamento internacional – merecia bem uma celebração grandiosa, e a burguesia europeia quis fazer as coisas com largueza e com ostentação, gastando embora rios de dinheiro e de… sangue.

Começado com infinitas esperanças, o Primeiro de Maio devia fazer confraternizar, na luta contra os governantes e patrões, o proletariado internacional: a burguesia conseguiu que, ao cabo de vinte e cinco anos, ele se metralhasse reciprocamente em vastíssimos campos de batalha, onde as mesmas balas que ferem o inimigo «exterior» vão ricochetear contra o inimigo interno visado em 1891.

Os cinco enforcados de Chicago, os poucos fuzilados de Fourmies – ei-los regiamente rememorados com milhões de cadáveres, fartíssimo repasto dos corvos de penas e dos abutres insaciáveis da riqueza e do poder.

Não há dúvida: esta ano, por esta ridente primavera de sangue, o Primeiro de Maio é estrondosamente celebrado com a mais espaventosa festa que mente humana poderia conceber – e que os generosos condutores de povos imaginaram e ofereceram aos seus súbditos, para os distrair dos seus cuidados, das suas misérias e das suas mesquinhas preocupações de emancipação social…

E os súbditos aceitaram a munificiente oferta, entoando a plenos pulmões, como sonoros clarins de guerra, as vibrantes palavras de Liberdade, Civilização, Independência…

No entanto ouvem-se notas discordantes, as dos eternos descontentes. Há quem não concorde com os festejos e procure lançar a desarmonia entre o congraçamento patriótico das classes, entre os amos e os servos.

Hoje precisamente devem estar reunidos no Ferrol homens que provêm de vários países e que entendem a fraternização operária internacional de maneira inteiramente oposta.

E quantos corações doloridos não verão em sonhos a aurora deste Primeiro de Maio iluminar as trincheiras com uma luz nova e recordar aos cérebros aturdidos dos trabalhadores o sentido deste dia de fraternidade proletária e de revolta contra os amos? Se o Natal cristão murmurou, de trincheira para trincheira, uma palavra redentora, não a poderia clamar mais eficazmente o Primeiro de Maio socialista e revolucionário?…

Ah! pudessem hoje os trabalhadores recordar-se de que têm as armas na mão!


Inclusão: 24/06/2021