Contribuição para o Estudo da Questão Agrária

Álvaro Cunhal

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Se o número de explorações agrícolas revelado pelo "inquérito" citado e as suas áreas médias por nós calculadas permitem um conhecimento mais exacto da divisão da propriedade, mais o permite ainda a classificação das explorações agrícolas feita pelo mesmo "inquérito", segundo as áreas da cultura arvense respectiva. O número e extensão das grandes explorações em todo o País, tanto nas regiões de grande como nas de pequena propriedade, ficam agora mais esclarecidos. A tabela 17 mostra a situação nas suas linhas mais gerais.

TABELA 17
Explorações agrícolas segundo a área de cultura arvense
Distritos Até 0,5 ha 0,5-1 ha 1,5 ha 5-50 ha 50-100 ha Mais de
100 ha
Total
Aveiro 18.320 13.330 26.127 3.000 3 - 60.780
Beja 917 1.237 5.407 9.201 1.095 1.325 19.182
Braga 15.201 8.128 20.697 4.027 14 1 48.068
Bragança 3.874 2.631 15.855 12.602 82 10 35.054
Castelo Branco 18.385 8.185 12.287 4.458 221 179 43.715
Coimbra 22.375 18.077 29.570 3.779 11 9 73.821
Évora 969 776 2.927 3.993 468 796 9.929
Faro 6.902 5.018 14.565 9.443 143 41 36.112
Guarda 13.534 7.852 20.959 9.939 65 7 52.336
Leiria 23.417 16.957 22.912 1.178 9 2 64.475
Lisboa 13.518 9.382 16.977 2.546 70 76 42.569
Portalegre 3.255 1.819 4.782 3.631 382 607 14.476
Porto 22.779 7.143 19.158 5.485 7 - 54.570
Santarém 20.946 13.773 21.198 4.162 220 195 60.494
Setúbal 1.762 1.865 5.232 2.871 242 291 12.263
Viana do Castelo 15.912 12.958 14.758 253 1 1 43.883
Vila Real 15.477 7.945 16.477 3.512 9 5 43.425
Viseu 25.049 20.801 37.547 2.587 5 1 85.990
Continente 242.592 157.877 307.433 86.667 3.047 3.546 801.162

Vê-se que, apesar de caber às duas primeiras categorias, no seu conjunto, metade (quase rigorosa) das explorações com cultura arvense, a mais numerosa categoria é a das explorações com 1 a 5 ha. Isso verifica-se não só no total continental como em todos os distritos, com excepção dos de Castelo Branco, Leiria, Porto e Viana do Castelo. O que, porém, mais salta à vista é a existência de nada menos de 86.667 explorações, tendo de 5 a 50 ha de cultura arvense; de 3.047, tendo de 50 a 100 ha, e de 3.546, com mais de 100 ha. Em alguns distritos (Aveiro, Porto, Viana, Viseu) o número de explorações com mais de 50 ha de cultura arvense é na verdade reduzido. Mas não deixará de surpreender aqueles que têm menosprezado a existência e importância de grandes propriedades nas regiões de pequena, o aparecimento, no distrito de Braga, de 15 explorações com mais de 50 ha de cultura arvense, 92 no de Bragança, 20 no de Coimbra, 72 no da Guarda. Quanto às explorações com mais de 100 ha de cultura arvense, interessa considerar em pormenor as suas extensões. Isso indica a tabela 18.

Vê-se que as explorações de mais de 100 ha de cultura arvense atingem enormíssimas extensões. 848 ultrapassam os 500 ha de cultura arvense, 348 os 1.000 ha, 72 os 2.500 ha, 11 os 5.000 ha e 3 os 10.000 ha. Notando-se que existem no continente 40 concelhos cuja superfície territorial não alcança os 10.000 ha e onde existem, entretanto, dezenas de milhares de prédios rústicos e muitos milhares de proprietários, tem-se uma mais exacta medida do gigantismo das maiores explorações. Só qualquer dessas 3 explorações com mais de 10.000 ha abrange, em cultura arvense (fora outras culturas), uma extensão superior, por exemplo, a todo o concelho de Oliveira do Bairro, que, nos seus 8.640 ha, comporta cerca de 50.000 prédios rústicos e 3.000 explorações!

A importância do problema e a distribuição desigual tornam de interesse apontar, dentro de cada distrito, os concelhos onde se encontram as maiores explorações.

TABELA 18
Explorações agrícolas com mais de 100 ha de cultura arvense
Distritos 100-200
ha
200-500
ha
500-1.000
ha
1.000-2.500
ha
2.500-5.000
ha
5.000-10.000
ha
10.000-20.000
ha
Total
Aveiro - - - - - - - -
Beja 616 440 157 95 15 1 1 1.325
Braga 1 - - - - - - 1
Bragança 9 1 - - - - -- 10
Castelo Branco 79 77 17 5 1 - - 179
Coimbra 7 1 1 - - - - 9
Évora 261 284 134 85 26 5 1 796
Faro 32 6 2 1 - - - 41
Guarda 5 2 - - - - - 7
Leiria 1 1 - - - - 2
Lisboa 36 30 6 3 1 - - 76
Portalegre 245 182 115 51 11 2 1 607
Porto - - - - - - - -
Santarém 94 67 22 11 1 - - 195
Setúbal 125 89 46 25 6 - - 291
Viana do Castelo 1 - - - - - - 1
Vila Real 4 1 - - - - - 5
Viseu - 1 - - - - - 1
Continente 1.516 1.182 500 276 61 8 3 3.546

Começando pelo Alentejo, é de notar que, no distrito de Beja, é o concelho de Moura que apresenta maiores explorações: 3 com 2500-5000 ha de cultura arvense, 1 com 5.000-10.000 ha e 1 com mais de 10.000 ha. Seguem-se os concelhos de Beja, Castro Verde, Ferreira, Ourique e Serpa, todos também com explorações com mais de 2.500 ha, sendo de salientar o de Beja, não só pelo elevado número de explorações dessa categoria (4), como pelo mais elevado número de explorações de 1.000 a 2.500 ha (32). No distrito, apenas o concelho de Almodôvar não tem explorações com mais de 1.000 ha.

No distrito de Évora, a maior exploração, com mais de 10.000 ha de cultura arvense, situa-se no concelho de Arraiolos. O concelho de Évora destaca-se com 10 explorações com 2.500-5.000 ha e 3 com 5.000-10.000 ha. Há também uma exploração com 5.000-10.000 ha no concelho de Estremoz, e outra no de Reguengos. Apenas Borba não apresenta explorações com mais de 1.000 ha e Alandroal com mais de 2.500.

No distrito de Portalegre, a única exploração com mais de 10.000 ha de cultura arvense encontra-se no concelho de Monforte, onde aparece outra com 5.000-10.000 ha e outras 7 com 1.000-5.000 ha. Em Alter do Chão há uma com 5.000-10.000 ha e duas com 2.500-5.000. Avis, Campo Maior, Sousel e Eivas (este com 4) apresentam também explorações com niais de 2.500 ha. Gavião e Marvão são os únicos concelhos que não apresentam explorações com mais de 1.000 ha. Marvão destoa fortemente no distrito, pois não se indica ali nenhuma exploração com mais de 200 ha de cultura arvense.

No distrito de Setúbal, as 6 explorações com 2.500-5.000 ha de cultura arvense situam-se nos concelhos de Alcácer do Sal (3), Grândola, Montijo e Santiago do Cacem. Estes mesmos concelhos, assim como o de Palmeia, apresentam também explorações com 1.000-2.500 ha, sendo de anotar que cabem a Alcácer 14 das 25 explorações dessa categoria do distrito; em Palmeia, abaixo de uma muito grande exploração com essas dimensões, só se encontram outras com menos de 100 ha de cultura arvense. Em contraste com estes concelhos, são raras nos concelhos ribeirinhos (Alcochete, Almada, Barreiro, Moita. Seixal) as explorações com mais de 50 ha.

No distrito de Lisboa, Vila Franca de Xira destaca-se pelas suas grandes explorações: 1 com 2.500-5.000 ha de cultura arvense, 3 com 1.000-2.500 e outros 3 com 500-1.000 ha. Com mais de 500 ha aparecem mais três explorações no distrito: uma em Alenquer, duas em Oeiras. Lourinhã e Sobral não apresentam explorações com mais de 50 ha, Arruda, Cadaval e Torres Vedras com mais de 100.

No distrito de Santarém, uma exploração com mais de 2.500 ha de cultura arvense situa-se no concelho de Abrantes e 11 de 1.000-2.500 ha nos de Abrantes, Benavente, Chamusca, Coruche (com 4), Salvaterra, Santarém e Tomar. Estes concelhos, salvo o de Tomar, bem como os de Almeirim, Cartaxo, Golegã, Rio Maior, apresentam explorações com mais de 500 ha. Em contraste com estes, os concelhos de Mação, V. N. de Ourem e Entroncamento não têm explorações com mais de 50 ha de cultura arvense e o de Alcanena tem uma só.

No distrito de Castelo Branco, destaca-se Idanha-a-Nova com uma exploração de 2.500-5.000 ha (a única do distrito), 4 de 1.000-2.500 e 15 de 500-1.000 ha. Segue-se Castelo Branco, com uma de 1.000-2.500 e duas de 500-1.000 ha. Embora não apresentando explorações com mais de 500 ha de cultura arvense, Covilhã, Fundão e Penamacor apresentam, no conjunto, cerca de 40 explorações com mais de 100 ha. Só Oleiros, Proença e Sertã não têm nenhuma com mais de 50 ha e Vila do Rei nenhuma com mais de 5 ha.

No distrito de Faro, a maior exploração com cultura arvense (1.000-2.500 ha) fica no concelho de Faro, e duas de 500-1.000 ha nos de Lagos e Vila do Bispo. Explorações de 100 a 500 ha distribuem-se irregularmente por vários concelhos, só não apresentando nenhuma com mais de 100 ha Lagos e Monchique e com mais de 50 ha Alportel e Olhão.

Fora destes distritos, tornam-se mais raras as explorações com mais de 100 ha e mesmo com mais de 50 ha de cultura arvense, mas não deitam de aparecer em regiões onde predomina a pequena propriedade.

No distrito de Aveiro, nos concelhos de Albergaria e Mealhada, aparecem 3 explorações com mais de 50 ha (nos de Sever e V. de Cambra só aparecem 2 — uma em cada — com mais de 5 ha). No distrito de Braga, destaca-se Vila Verde com as maiores explorações: 1 com 100-200 ha de cultura arvense e 8 com 50-100 ha. Este concelho e os de Famalicão, Barcelos, Braga e Guimarães são aqueles que no distrito apresentam maior número de explorações de 10-100 ha (510 no total de 572). Só Vieira do Minho não apresenta nenhuma com mais de 10 ha. No distrito de Bragança aparece uma exploração com mais de 200 ha de cultura arvense no concelho de Alfândega da Fé e com 100-200 ha neste mesmo concelho e nos de Mirandela (4), Bragança, Miranda do Douro, Vila Flor e Vinhais, nos quais (particularmente nos três primeiros) aparece também a maior parte das explorações com 50-100 ha de cultura arvense (55 no total de 82). Só no concelho de Freixo de Espada à Cinta não aparece nenhuma exploração com mais de 50 ha de cultura arvense. No distrito de Coimbra destaca-se Figueira da Foz com 3 explorações com mais de 100 ha (das quais uma com mais de 500) e Montemor-o-Velho com 5 com 50-100 ha e uma de 100-200 ha. Explorações de 100-200 e 50-100 ha aparecem ainda nos concelhos de Arganil, Cantanhede, Coimbra, Condeixa, Miranda do Corvo, Soure e Tábua. Pampilhosa da Serra é o único concelho do distrito que não tem nenhuma com mais de 10 ha. No distrito da Guarda destaca-se o concelho da Guarda com 4 das 7 explorações com mais de 100 ha de cultura arvense existentes no distrito. Só Aguiar da Beira, Fornos de Algodres, Gouveia, Manteigas e Seia não apresentam explorações de mais de 50 ha. No distrito de Leiria, apresentam-se 11 explorações com mais de 50 ha, situando-se a maior (200-500 ha de cultura arvense) em Óbidos e a segunda (100-200 ha) em Alcobaça. Só Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos não apresentam nenhuma exploração de mais de 10 ha. No distrito do Porto aparecem 7 explorações com mais de 50 ha, das quais duas em Vila do Conde e uma em Ama-rante, Marco, Póvoa de Varzim, Santo Tirso e V. N. de Gaia; nenhum concelho deixa de ter explorações com 10 a 50 ha de cultura arvense e alguns têm-nas muito numerosas: cerca de 250 em Lousada e Vila do Conde, cerca de 150 em Amarante e Santo Tirso, onde apenas aparece uma exploração com 100-200 ha (Paredes de Coura) e outra com 50-100 ha (Valença do Minho), apenas dois concelhos (Melgaço e Ponte da Barca) não têm explorações com mais de 10 ha. No distrito de Vila Real destaca-se Valpagos com uma exploração com 200-500 ha, 2 com 100-200 ha e 3 com 50-100 ha, além de quase meio milhar com 10-50 ha. Nos concelhos de Boticas, Chaves, Montalegre e Murça, aparecem também explorações com mais de 50 ha. Só no de Mesão Frio não aparecem com mais de 10 ha de cultura arvense. Finalmente, no distrito de Viseu, onde a maior exploração (com 200-500 ha) aparece em Moimenta da Beira, apenas são indicadas 5 outras explorações com mais de 50 ha, mas nenhum concelho as deixa de ter com 10-50 ha.

Confirma-se desta forma a divisão do País em duas grandes zonas distintas, fluindo numa zona intermediária com características das duas: uma, ao sul do Tejo, abrangendo todo o Alentejo e parte do Algarve, onde imperam as grandes e muito grandes explorações; outra, ao norte do Tejo, onde a extensão das explorações agrícolas é consideravel-mente mais reduzida. Mas confirma-se, também, a existência de grandes explorações por quase todo o País.

Não se deve esquecer: primeiro, de que os números apontados relacionam-se apenas com a cultura arvense (que não abrange sequer metade do território), e que ficam assim de fora a vinha e a floresta, mais importantes na parte norte — de onde resulta que a real extensão das explorações, sobretudo a norte, é muito superior à extensão da sua cultura arvense. Segundo, que a extensão da exploração agrícola não é a única medida da sua grandeza, pois (além de outras razões) variam muito no País a fertilidade e produtividade das terras. Por uma e outra coisa, a distinção entre as zonas de grande e de pequena propriedade, embora nítida, não significa que seja apagado o papel das grandes explorações nas regiões de pequena propriedade.

Tanto os números que se acabam de indicar como a estimativa que a seguir faremos mostram-no de forma clara.


Inclusão 24/07/2006