Os Maximalistas Russos(1*)

António Gramsci

28 de Junho de 1917


Primeira Edição: Il Grido del Popolo, 28 de Junho de 1917.

Fonte: Los maximalistas rusos, em: http://www.gramsci.org.ar/index.htm.

Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Julho, 2007.

HTML de: Fernando A. S. Araújo, Julho, 2007.

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Os maximalistas russos são a própria Revolução Russa.

Kerenski, Zeretelli e Cernov são o estancamento da revolução, são os realizadores dum primeiro equilíbrio social, a resultante de forças em que os moderados têm muita importância ainda. Os maximalistas são a continuidade da revolução, são o ritmo da revolução: por isso são a própria revolução.

Eles encarnam a idéia-límite do socialismo: querem o socialismo total. E têm esta missão: impedir que se chegue a um compromisso definitivo entre o passado milenário e a idéia, isto é, ser o símbolo vivo da última meta a alcançar; impedir que o problema imediato do hoje a resolver se dilate até ocupar toda a consciência e se transforme na única preocupação, em frenesi espasmódico que levanta grades intrasponíveis a ulteriores possibilidades de realização.

Este é o maior perigo de todas as revoluções: formar-se a convicção que um momento determinado da nova vida é definitiva, que é preciso parar para olhar para trás, para consolidar o já feito, para desfrutar finalmente do êxito alcançado. Para descansar. Uma crise revolucionária consume rapidamente os homens. Cansa rapidamente. E compreende-se bem este estado de espírito. Mas a Rússia teve esta sorte: ignorou o jacobinismo. Por isso foi possível a propaganda fulminante de todas as idéias, e por isso se formaram numerosos grupos políticos, cada qual o mais ousado e sem querer deter-se, cada qual acreditando que o momento definitivo a atingir está mais além, ainda está distante. Os maximalistas, os extremistas, são o último elo lógico deste devir revolucionário. Por isso se continua na luita, se avança porque sempre há polo menos um grupo que quer avançar, que trabalha na massa, que desperta novas energias proletárias e organiza novas forças sociais que ameaçam os cansados, que os controlam e se mostram capazes de substituí-los, de eliminá-los se não se renovarem, se não se reanimarem para avançar. Por isso a revolução não para, não fecha o seu ciclo. Devoras os seus homens, substitui um grupo por outro mais audacioso e devido a esta instabilidade, a esta perfeição nunca alcançada é que é verdadeira e tão-somente revolução.

Os maximalistas são os inimigos dos poltrões na Rússia. São o aguilhão dos preguiçosos: têm desmantelado até agora todas as tentativas para pôr diques à torrente revolucionária, impediram a formação de pântanos estagnantes, de mortes por desgaste. Por isso são odiados polas burguesias ocidentais, por isso os jornais da Itália, da França e da Inglaterra os difamam, tentam desacreditá-los, sufocá-los sob um a alude de calúnias. As burguesias ocidentais aguardavam que o enorme esforço de pensamento e de acção que foi o preço da vinda à luz da nova vida sucedesse uma crise de preguiça mental, um recuo da dinâmica actividade dos revolucionários que fosse o começo dum assentamento definitivo do novo estado de cousas.

Mas na Rússia não há jacobinos. O grupo dos socialistas moderados, que teve o poder nas mãos, não destruiu, não tentou sufocar em sangue os vanguardistas. Lenine, na revolução socialista não teve o destino de Babeuf. Teve possibilidades de transformar o seu pensamento em força actuante na história. Suscitou energias que já não morrerão. Ele e os seus companheiros bolcheviques estão persuadidos que é possível realizar o socialismo em qualquer momento. Estão alimentados polo pensamento marxista. São revolucionários, não evolucionistas. E o pensamento revolucionário nega o tempo como factor de progresso. Nega que todas as experiências intermédias entre a concepção do socialismo e a sua realização devam ter uma comprovação absoluta e integral no tempo e no espaço. Chega que estas experiências actuem no pensamento para poderem ser superadas e ir-se mais além. Mas é preciso despertar as consciências, conquistá-las. E Lenine com os seus companheiros tem despertado as consciências e têm-nas conquistado. A sua persuasão não se ficou pola ousadia do pensamento, encarnou-se nos indivíduos, em muitos indivíduos, originou proveitosas obras. Criou esse grupo que era necessário para se opor aos compromissos definitivos, a tudo o que se pudesse tornar definitivo. E a revolução continua. Toda a vida tornou-se verdadeiramente revolucionária; é uma actividade sempre actual, é um contínuo intercâmbio, uma escavação contínua no bloco amorfo do povo. Novas energias foram criadas, novas idéias-força espalhadas. Assim, os homens, todos os homens são finalmente os artífices do seu destino. É impossível a formação de minorias despóticas. O controle é sempre vivo e eficaz. Agora há um fermento já que decompõe e recompõe sem parar os agregados sociais, e que impede à vida se acomodar ao êxito momentâneo.

Lenine e os seus companheiros mais conhecidos poder ser arrastados polo desencadear dos furacões que eles próprios originaram, mas não desaparecerão todos os seus seguidores, são já numerosos demais. O incêndio revolucionário propaga-se, queima corações e cérebros novos, faz brasas ardentes de luz nova, de novas chamas, devoradoras de preguiças e de cansaços. A revolução continua, até a sua completa realização. Ainda está longe o tempo em que será possível um repouso relativo. E a vida é sempre revolução.


Notas:

(1*) Maximalistas: desta forma eram chamados, na altura, os comunistas. (retornar ao texto)

Inclusão 03/10/2007
Última alteração 30/04/2014