Onde a China esteve e onde está indo?

Enver Hoxha

1º de abril de 1976


Fonte para a tradução: Reflections on China, volume 2, (1973 – 1977), páginas 229-246; Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana, junho de 1979.
Tradução: Thales Caramante – Jornal A Verdade.
HTML: Lucas Schweppenstette.

VLORË, QUINTA-FEIRA,
1º de ABRIL de 1976

A China já foi, e ainda é chamada de “Zhōngguó” pelos chineses. O que, em francês, significa “L’Empire du Milieu” (assim também era chamada nos tempos antigos), ou seja, o “Reino do Meio”. Mas por que o “Reino do Meio”? Porque por muitos séculos (foram descobertos artefatos arqueológicos de cinquenta séculos atrás), os chineses consideravam seu país o “centro do mundo”. O “centro do mundo” teve uma cultura rica e antiga, não apenas quando Marco Polo a observou, isso porque pode ter sido mais antiga até mesmo do que a dos egípcios e dos sumérios, que são considerados os povos com a cultura mais antiga do mundo.

É compreensível que essa palavra, “Zhōngguó”, que ainda é usada pelos chineses atualmente, não seja apenas um simples nome tradicional, mas o resultado da formação de uma cosmovisão ao longo de milhares de anos, por todas as gerações chinesas, que, consciente ou inconscientemente, a preservaram até hoje.

As crenças religiosas do budismo e do confucionismo, que Mao Zedong acabou lembrando de “se atentar” e “combater” (relacionando-as na luta contra Lin Biao), implantaram a ideia de “Zhōngguó” nos chineses, juntamente com sua cosmovisão religiosa, mística e filosófica, suas formas de organização e administração e seus costumes escritos e não-escritos. Porém, podemos também dizer de forma compreensível que a cultura milenar da China não tenha se tornado a cultura do povo da China, mas sim a cultura dos mandarins, onde a linguagem escrita tenha permanecido encastelada apenas aos imperadores e aos mandarins, aos “chefes militares”, do qual exploravam cada gota de sangue do povo chinês.

Muitas vezes, ao longo da história, a China foi atacada por estrangeiros e os combateu corajosamente, mas, com frequência, também, os estrangeiros exerceram sua influência no país, levaram para lá uma organização e liderança próprias. Entretanto, apesar de deixar seus rastros, a cultura dos invasores não conseguiu assimilar a rica e antiga cultura chinesa. Naturalmente, ocorreu o contrário.

A religião criou seus próprios cultos na China, o culto do budismo, e o vinculou ao culto de “Zhōngguó”, deu origem às teorias de Confúcio e aumentou sua influência entre os chineses. O budismo e o confucionismo despertaram, entre as camadas altas, a xenofobia contra qualquer coisa estrangeira, assim como despertaram a megalomania sobre tudo o que era deles, pertencente a “Zhōngguó”. Tudo estava emaranhado nessas perspectivas religiosas e éticas. Estas questões, com o passar dos séculos de grande pobreza, tornaram o camponês chinês, oprimido pelos imperadores e pelos senhores feudais, fatalista, trabalhador e disciplinado, patriótico, as vezes xenófobo, um tanto introvertido e desconfiado em relação aos outros, fossem eles locais ou estrangeiros. Todas as suas ações e pensamentos eram formulados e realizados de tal forma que era difícil entender o que ele realmente pensava e qual linha estabelecia para os problemas. Em outras palavras, os chineses não tinham um método franco e aberto de pensar e agir, mas trabalhavam de forma indireta e astuta e, muitas vezes, essas características de caráter, que eram de natureza defensiva, transformavam-se em hábitos de dissimulação.

No entanto, ao longo dos séculos, e especialmente em nossa época, o caráter, as crenças e os costumes das pessoas mudaram, passaram por uma profunda evolução, mas sem perder totalmente suas características antigas. Mesmo após a libertação final do jugo estrangeiro, após a criação da República Popular da China e após a revolução liderada pelo Partido Comunista da China (PCCh), o país ainda permaneceu, até certo ponto, um país “fechado”. Sob o disfarce do regime democrático popular e sob a orientação e a liderança do PCCh e de Mao Zedong, apesar das mudanças radicais realizadas por seu povo, a China ainda permaneceu tímida, criou “amizades” nesta ou naquela conjuntura, fechou suas portas ou as manteve fechadas para a cultura internacional progressista e tentou fazer de tudo para realizar cada etapa de sua evolução em um “frasco hermético”. Tudo o que era estrangeiro, inclusive a teoria marxista-leninista, que foi adotada como “a ideia-guia”, passou por mudanças em sua configuração, adotando uma forma de ecletismo, supostamente aplicado às “condições da China”.

Mesmo após o triunfo da revolução, a cultura chinesa não teve um desenvolvimento vigoroso, não foi realizado nenhuma depuração de velhas concepções retrógradas e reacionárias, e não foram lançadas bases sólidas para uma cultura nacional e revolucionária como deveriam ter sido. O fato é que, após a Grande Revolução Cultural, que foi uma revolução com outros objetivos, foram lançadas palavras de ordens e criadas vários “ballets revolucionários”, que foram descritas como se fossem o todo, como se fossem os fundamentos de uma cultura revolucionária.

Toda a cultura chinesa estava, e ainda está, sob o domínio da antiga cultura confucionista. O que os maoístas chamam de “cultura revolucionária” é propaganda política jornalística cotidiana. As escolas permanecem fechadas ou ensinam uma forma de conhecimento enxertada no estoque antigo. A “cultura” tem se restringido à luta contra Gao Gang, Peng Dehuai, Liu Shaoqi, Lin Biao e Deng Xiaoping, sem esquecer Confúcio, sob cujo manto todos esses dirigentes foram incluídos.

A atividade ideológica e política do Partido Comunista da China é surpreendente (e não é sem razão). Ele continua sendo um livro fechado para os estrangeiros, especialmente para os partidos comunistas e operários irmãos. Acho que isso tem suas próprias razões e é uma questão de princípio. “Devemos lavar nossa roupa suja entre nós, e não a mostrar aos outros”. Desde a época de sua fundação até hoje, foram cometidos erros de linha no Partido Comunista da China, que deixaram rastros evidentes e resultaram em uma linha instável do partido, na qual o oportunismo de direita é marcante. Mas que erros foram cometidos de fato e qual é a natureza desses erros? Não é possível encontrar nenhum documento ou análise sobre isso. Encontramos artigos políticos com fórmulas gerais e listas de nomes dos “principais elementos contra partidários”. O PCCh ainda não tem um texto oficial de sua história. Há artigos sobre episódios isolados, escritos sem qualquer responsabilidade, que circulam hoje, mas que podem ser retirados amanhã, quando outros artigos com ideias diferentes forem publicados. Apenas os informes do 8º, 9º e 10º congressos desse partido são divulgados publicamente. Todos eles, ou apenas eles, são considerados corretos, nenhuma parte deles foram reescritas, embora incluam erros colossais. Todos esses informes estão cobertos com o nome de Mao, porque foram produzidos por Mao, Lin, Deng e Zhou; portanto, se os erros neles contidos forem apagados, o que acontecerá com a autoridade de Mao, que esteve à frente do partido?

Há também os quatro volumes escritos por Mao durante o período da guerra. Eles foram coletados, “arrumados e embelezados”, como se fossem baseados na teoria marxista-leninista. Esses materiais foram publicados vários anos após a libertação da China e dizem que foram editados pelo filósofo soviético Pavel Yudin, que era embaixador na China. Não há outras obras de Mao. Eles continuam a luta com suas antigas citações ecléticas. O que esse “grande teórico” tem feito durante todos esses anos? Será que ele deu suas opiniões, falou, encontrou soluções para uma série de problemas importantes? Quase nada sobre essas questões foram publicadas. Eles simplesmente propagam o “Pensamento de Mao Zedong” como igual ao marxismo-leninismo; na verdade, há lacaios de Mao que colocaram sua imagem nas fotografias dos clássicos, depois de Engels e antes de Lênin.

O que resulta de tudo isso? Uma ocultação da verdade sobre o desenvolvimento e a luta do Partido Comunista da China e uma inflação artificial de Mao Zedong. A megalomania antimarxista chinesa está mais do que exposta; o culto a Mao tornou-se idêntico ao de Confúcio. Tudo o que Mao faz, tudo o que ele diz é “certo”. Todos devem acreditar no que Mao Zedong diz. Raciocinar não é permitido, apenas o fanatismo.

Ressaltei acima que muitos erros foram cometidos pelo PCCh desde o início. Mas em que bases o partido foi construído na China? Não se sabe nada. O próprio Mao não escreveu sobre isso, ou escreveu poucas coisas, mas nem mesmo essas são conhecidas. Os quatro volumes de Mao que foram publicados tratam de questões sobre a política e a linha do partido, falam sobre sua organização, ao qual Mao tenta parafrasear Marx e Lênin, mas ele dá a tudo a cor de uma palestra teórica, com o objetivo de educar os quadros ou de emergir e se apresentar como um teórico reconhecido. A luta viva do partido, as lutas entre facções, a luta de classes dentro e fora do partido não são reveladas, ou são muito pouco reveladas nessas obras. Não, supostamente é a teoria dele que está lá, mas, na verdade, ela se resume a uma paráfrase fraca de Marx ou Lênin. As ideias de Stálin não são encontradas nesses volumes. Na China, encontramos Stálin apenas em um retrato na Praça Celestial.

Existem muitas facções no Partido Comunista da China, e isso se deve ao fato de que a linha básica do partido não é totalmente marxista-leninista. Deve ter sido assim desde o momento da fundação do partido, porque seus protagonistas, Mao, Zhou Enlai, Zhu De, sem mencionar os “Li Lisan’s” e outros, não são marxistas consistentes e não fizeram os esforços adequados para dominar o marxismo-leninismo(1). Eles queriam a libertação nacional e social da China, mas as ideias sobre o comunismo e sua ideologia não devem ter ficado claras para esses camaradas.

O fato de a China estar fechada em si mesma manteve Mao e Zhou trancados nesse ambiente. Eles não enxergavam além da China e, certamente, em suas noções iniciais, que levaram à revolução, muitas visões nacionais, burguesas, democráticas, progressistas e místicas foram misturadas. Não temos nenhum material claro do PCCh que expresse pelo menos alguma opinião crítica sobre a república de Sun Yat-Sen, da qual eles elogiam bastante. As coisas, tanto naquela época quanto agora, são obscuras, há todos os tipos de opiniões e interpretações, portanto, “faça sua escolha e escolha o que quiser”. Foram principalmente os estrangeiros que escreveram sobre essa época revolucionária e progressista. Para os chineses, o alvorecer e a luta da China começam e terminam com Mao.

Sun Yat-Sen era uma grande personalidade, que entendeu corretamente o valor da amizade com a União Soviética de Lênin, que estendeu sua mão e deu ajuda e apoio à China. O Partido Comunista da China tinha acabado de ser formado naquela época e, naturalmente, sua influência entre as massas era pequena, enquanto a influência de Sun Yat-Sen e do Kuomintang era grande. Quanto à forma como o Partido Comunista da China agiu, se uniu a eles e lutou naqueles momentos, não podemos falar com certeza, ou podemos falar apenas com base no que os estrangeiros escreveram, porque somente eles fizeram análises, mas suas análises são guiadas por outros princípios e objetivos nos quais não podemos nos basear. Os fatos confirmam que, enquanto Lenin e Stálin estavam vivos, a União Soviética manteve e desenvolveu sua amizade com a China e o Kuomintang, tanto na época em que Sun Yat-Sen estava vivo quanto na época em que Chiang Kai-Shek o substituiu.

Os comunistas chineses colaboraram nessa linha, mas podemos adivinhar quais contradições surgiram, como surgiram, até que ponto se desenvolveram e por que surgiram, porque somos marxistas e sabemos o que Chiang Kai-Shek representava. Esse tipo de estudo e análise não foi feito pelo Partido Comunista da China, pelo menos até onde sabemos. Nenhuma história do povo chinês foi escrita pelo Estado proletário chinês e pelo PCCh. Tudo o que lemos sobre esse grande problema foi escrito por historiadores, cientistas e sociólogos burgueses estrangeiros.

Há muitas coisas que não sabemos, mas sabemos que o PCCh trombeteia in petto(2): “a Comintern cometeu erros em relação à China”, “Stálin cometeu erros” (e, de acordo com Mao, o Partido Comunista da União Soviética (Bolchevique) reconheceu os erros), “a União Soviética emitiu a diretriz de que o Partido Comunista da China deveria conciliar com o Kuomintang quando não deveria”, etc., etc. Todas essas coisas são sussurradas nos cantos e nos corredores e acho que elas têm o objetivo de elevar Mao, “que nunca cometeu erros”, e rebaixar Stálin, “que cometeu erros”.

Que conclusões podemos tirar de todas essas coisas sobre as quais não há análise? Em geral, dizemos e diremos que Stálin e a Comintern não cometeram erros nem sobre a luta revolucionária na China, nem sobre a aliança do Partido Comunista da China com o Kuomintang, enquanto Mao e o Partido Comunista da China cometeram erros. Eles não interpretaram e aplicaram corretamente a linha da Comintern. A aliança entre essas duas forças, isto é, os comunistas e a burguesia progressista, foram necessárias para a libertação da China dos colonizadores e do Japão militarista. É possível que, nessa luta, nesses contatos, pessoas como Blücher e outros delegados da Comintern, que se revelaram trotskistas e foram condenados, tenham cometido erros, mas a linha da Comintern, que pretendia realizar a aliança das forças progressistas na China que lutavam contra o Japão, estava correta. Chiang Kai-Shek traiu, rompeu com os comunistas, tentou liquidá-los, enfraqueceu e abandonou a luta contra o Japão. Esse é um problema que está ligado a um período sombrio e complicado, e a culpa não pode ser atribuída a Stálin ou à Comintern, como fazem os camaradas chineses. “Stálin cometeu erros”, afirma Mao, mas, na verdade, foi o próprio Mao Zedong que cometeu erros, e não apenas naquela época, mas agora também, ele cometeu muitos erros que estamos vendo cotidianamente, juntamente com suas amargas consequências. Na China, ainda se diz que Mao nunca cometeu erros, nem ontem nem hoje, e tampouco cometerá erros amanhã. Para os chineses, isso é apenas um tabu, mas é também uma linha antimarxista.

A atitude de Mao e de seus camaradas em relação à União Soviética na época de Stálin nos deixa desconfiados. Ela não foi correta e sincera. Nós, pelo menos, não temos conhecimento de nenhum ressentimento demonstrado, especialmente por parte de Stálin, da União Soviética e da Comintern, durante a guerra de libertação da China. Kang Sheng, um dos melhores líderes revolucionários marxista-leninistas da China, foi o representante do Partido Comunista da China na Comintern e nunca teve algum informe ruim a dizer nesse sentido.

Considerávamos a China pós-libertação um estado de democracia popular, liderado por um glorioso Partido Comunista, à frente do qual estava um grande marxista-leninista, chamado Mao Zedong. Como todos os nossos países que foram libertados e estabeleceram a ordem da democracia popular, a China também estava intimamente ligada à União Soviética e a Stálin. Mais tarde, ficamos sabendo de muitas coisas sobre os altos e baixos do Partido Comunista da China e do Kuomintang, sobre a “Longa Marcha”, sobre a amizade de Mao com oficiais e jornalistas estrangeiros, como o americano Edgar Snow e outros que se hospedaram em seu quartel-general; ficamos sabendo dos contatos “frutíferos” de Mao e Zhou com Vandemeyer e Marshall, que organizaram a ajuda americana a Mao e Chiang, bem como sobre os lobbies da China em Washington. É claro que essas coisas nos impressionaram, mas as considerávamos simplesmente táticas, e não uma tendência em relação aos Estados Unidos da América, como ficou evidente mais tarde. Víamos Mao como um comunista, seu partido como um partido comunista e a China como um país socialista, camaradas e amigos nossos e, antes de tudo, da União Soviética e de Stálin.

Enquanto Stálin estava vivo, Mao foi uma vez a Moscou, onde se encontrou e conversou com ele. Não sabemos sobre o que eles conversaram, mas presumimos que Stálin recebeu Mao muito bem e certamente concedeu à China toda a ajuda que ela buscava. O próprio PCCh declarou oficialmente que “tanto Lênin quanto Stálin reconheceram que o regime czarista tomou territórios da China que devem ser devolvidos, porque pertencem à China”. Os chineses divulgaram essas declarações quando o país entrou em conflito com os revisionistas khrushchevistas.

Portanto, até onde podemos julgar, Stálin tratou a China como um país socialista amigo, lidou com o problema da fronteira no espírito marxista-leninista e considerou Mao Zedong sinceramente um camarada. No entanto, na reunião dos partidos comunistas e dos trabalhadores, realizada em Moscou em 1957, ou seja, antes da Reunião dos 81 partidos, Mao, para apoiar Khrushchev, que estava traindo o marxismo-leninismo, disse abertamente, em tom desdenhoso e irônico, que quando conheceu Stálin, sentiu-se “como um jovem aluno diante de seu professor”. Com isso, Mao queria defender, e de fato defendeu, as calúnias de Khrushchev sobre o “culto a Stálin”, que supostamente considerava “este grande Mao” um garotinho. Esse foi um ataque que Mao fez a Stálin. Digo isso com plena convicção, porque em meu primeiro encontro com Stálin, quando eu era tão jovem e estava tomado pela emoção, Stálin, com seu comportamento gentil, com seu amor e respeito por um camarada, tratou-me como um igual e sua conversa amigável imediatamente me deixou à vontade. Naquela reunião, Mao foi além e disse que Khrushchev estava certo em liquidar o grupo “contra partidário” de Molotov, etc., e, além disso, chamou Khrushchev de “o Lênin de nosso tempo”.

Que conclusão podemos tirar dessas ações de Mao?

Que Mao era contra Stálin e que ele, junto com seus camaradas, trabalhara para construir seu próprio culto. O objetivo era que Mao tomasse o lugar de Stálin, “derrubado e manchado” pelos traidores, na lista dos grandes marxistas do movimento comunista internacional. Ele achava que, em nome da ajuda que estava dando a Khrushchev nessa ocasião, Khrushchev favoreceria o novo culto a Mao e a China se tornaria o centro da revolução. “O vento do leste está soprando”, “O leste é vermelho”, “Mao Zedong é o sol do mundo” – essas eram as palavras de ordem que a propaganda chinesa divulgava naquela época.

Mas as coisas não saíram como Mao pensava e desejava. O revisionismo soviético e Khrushchev lhe deram um gelo. Mao e os maoístas tentaram evitar um confronto, mas as coisas não podiam tomar outro rumo. Então, as táticas de Mao Zedong mudaram. O culto a Mao Zedong como “um grande marxista-leninista” que lutou contra o revisionismo moderno e, antes de tudo, contra o revisionismo moderno soviético e, ao mesmo tempo, contra o imperialismo americano e contra a burguesia mundial reacionária, continuou. Essa luta era correta, portanto, nós a apoiamos e os chineses nos apoiaram. Mas, na verdade, eles empregaram essa tática não do ponto de vista de classe e não da maneira marxista-leninista. Com essa tática, os chineses queriam e tentavam fortalecer a posição da China no movimento comunista e entre os povos do mundo como “um estado verdadeiramente socialista, irreconciliável com os inimigos de classe e os inimigos dos povos que estão lutando pela libertação”. Enquanto isso, dentro de seu partido, Mao e os maoístas tiveram que lutar contra a facção direitista de Liu Shaoqi, Zhou Enlai, Deng Xiaoping, etc., que, sob a sombra de Mao, lutavam pelo restabelecimento do capitalismo e pretendiam mudar a política de amizade com os khrushchevistas.

Mao Zedong se viu entre dois fogos que, na verdade, ele mesmo havia acendido, com o objetivo de alcançar seu objetivo de transformar a China em uma grande potência mundial. Assim, ele se viu entre os revisionistas soviéticos e a perigosa facção de Liu Shaoqi. Em seguida, ele lançou a Revolução Cultural, sobre a qual não direi nada aqui porque já falei e escrevi muito sobre ela.

Qual foi o caminho escolhido por Mao (porque me parece que a vontade coletiva do partido não entra nisso) para chegar a essas posições não marxistas? Ele começou a seguir uma linha conformista e seguidista. Enquanto Stálin estava vivo, a linha de Mao era de “amizade” e “admiração” por Stálin. Naquela época, a amizade pela União Soviética era cultivada na China. Após a morte de Stálin, Mao se mostrou um oportunista e tentou tomar o lugar de Stálin no movimento comunista internacional.

A bajulação de sua parte para enganar Khrushchev começou e, naturalmente, ele criticou Stálin. Em Pequim, em 1956, ele defendeu o revisionista e traidor Tito na nossa frente, porque ele próprio era um revisionista, um liberal, um apoiador de Khrushchev.

Após o rompimento com Khrushchev, quando Liu e Deng estavam no poder e ocupavam cargos importantes nos órgãos centrais da China, foi publicada uma série de artigos ideológicos sobre a linha marxista-leninista contra os revisionistas khrushchevistas. Esses eram artigos teóricos e não propaganda comum contra o revisionismo. Essa foi uma mudança, uma boa mudança, é claro, porque, ao denunciar o revisionismo teoricamente, todo o PCCh ficou bem formado. Mas isso não durou muito. Os artigos dessa natureza desapareceram dos jornais e começaram a aparecer vacilações na linha. O Partido Comunista da China não continuou a educar as massas de comunistas sobre a linha marxista-leninista correta, mas se restringiu a publicar artigos ideológicos de nosso partido. Ficamos satisfeitos com isso, mas não queríamos que a China cessasse a polêmica contra o revisionismo e se retirasse do campo de batalha, pois achávamos que isso não era justo. Isso mostrou mais uma vez a vacilação liberal na linha do Partido Comunista da China. A publicação de nossos artigos teóricos na imprensa chinesa não tinha o objetivo de apoiar nossa linha marxista-leninista, mas de criar a impressão de que o PCCh não havia alterado sua posição em relação à linha, de ocultar a mudança liberal que estava fazendo e de deixar a impressão entre a opinião pública mundial de que “somos nós, a China, quem dita esses artigos, essa linha do PTA”. E a imprensa burguesa mundial disse abertamente que “a Albânia é um satélite da China”, que “a Albânia é um gramofone da China” e que “a China manda e desmanda na Albânia e em suas publicações”. Essa foi uma posição desonesta e não marxista por parte da China. Entretanto, como as ideias marxista-leninistas do nosso partido estavam sendo propagadas, dissemos: “a fumaça que suba”. Entretanto, na China, a fumaça não subiu diretamente.

Khrushchev caiu. Imediatamente, a linha oportunista de Mao veio à tona. Ele achou que sua hora havia chegado e, portanto, por meio de Zhou Enlai, que se apressou em ir a Moscou, exigiu que nós também fôssemos participar do “casamento” com os revisionistas. Recusamos categoricamente essa medida oportunista e, da mesma forma, recusamos categoricamente a proposta chinesa de “criação de uma frente anti-imperialista junto com os revisionistas”. Isso mostrou o desejo ardente dos líderes chineses de chegar a um acordo com os revisionistas soviéticos, mas, como revisionistas, seu objetivo era que eles mesmos dominassem esse curso. Isso não deu certo.

A Revolução Cultural estourou. Essa revolução foi o resultado da luta entre duas tendências revisionistas liberais e de direita para decidir quem tomaria o poder: Mao ou Liu. Mao triunfou nesse confronto e acusou Liu e Deng como “o inimigo número um” e “o inimigo número dois”. Mao colocou Zhou a seu serviço, pois, assim como Mikoyan na União Soviética, Zhou era o servo de todos. Mao surgiu como o “salvador”, como um “revolucionário” porque estava realizando a “revolução” e sua fama de “grande marxista-leninista” aumentou porque ele triunfou sobre Liu Shaoqi.

Apoiamos a Revolução Cultural e fomos o único partido no poder do lado deles. Os próprios líderes chineses reconheceram esse apoio e fizeram uma grande propaganda disso.

É claro que, como eu disse anteriormente, a Revolução Cultural não se baseou em uma linha marxista-leninista clara, porque o partido foi destruído e as organizações de massa também não existiam. Somente o exército com Lin Biao permaneceu inamovível a favor da revolução. Tudo estava em desordem, e as coisas continuavam na mesma inércia. Zhou, que ia para onde o vento soprava, segurava o leme do Estado em uma das mãos e com a outra acenava com o “pequeno livro vermelho” de Mao que Lin Biao havia preparado. Durante a Revolução Cultural, a xenofobia se expressou tão fortemente que as instalações das embaixadas estrangeiras foram incendiadas, diplomatas foram espancados etc. Zhou Enlai também estava à frente desses atos horríveis, que se assemelhavam ao que Suharto havia feito na Indonésia.

Deng, Liu e companhia “foram superados”, mas o que estava quebrado tinha de ser mantido unido e, de fato, muitas coisas foram destruídas. Zhou Enlai, aquele revisionista, colocou essas coisas em ordem, supostamente sob as instruções do “Presidente Mao”, que, na época da Revolução Cultural, escreveu para sua esposa: “tanto os revolucionários quanto os contrarrevolucionários usarão meus escritos”. O próprio Mao admitiu que não tinha uma linha marxista-leninista, mas duas, ou até mesmo uma dúzia de linhas, o mesmo que a teoria de “deixar cem flores desabrocharem”.

Nosso partido fez tudo o que estava ao seu alcance para fortalecer a amizade entre nossos dois países e dois partidos, mas os chineses se recusaram muitas vezes a trocar delegações de trabalho entre nossos partidos. Eles transformaram cada delegação em uma delegação de “amizade” para reuniões de massa, discursos e brindes em banquetes. Vimos que os líderes chineses não queriam trocar a experiência de seu partido com o nosso e evitavam debates políticos, ideológicos e organizacionais. Essa era uma porta fechada. Como os outros companheiros, nas conversas com Zhou e Yao Wenyuan, encontrei a oportunidade de falar sobre os problemas do partido, partindo de nossa experiência, mas eles continuaram com suas fórmulas obsoletas. Apenas uma vez, Zhou, esse elemento liberal e oportunista, quando veio ao nosso país, fez uma crítica a nós, alegando que nosso partido não estava travando a luta de classes. Quando o confrontamos com os fatos, dizendo-lhe que, durante toda a sua existência, nosso partido havia travado uma dura luta de classes dentro e fora de nosso país, bem como dentro das fileiras do próprio partido, ele foi obrigado a pedir perdão, dizendo: “Não conheço a história do seu partido tão bem quanto deveria”.

Da mesma forma, não considerávamos correta a linha de isolamento da China na arena internacional. Apresentamos nossos pontos de vista oficialmente a Li Xiannian, argumentando que a luta deve continuar com firmeza contra as duas superpotências, enquanto a China deve se abrir para os povos e outros estados, pois dessa forma dividiremos nossos principais inimigos e derrotaremos sua propaganda caluniosa contra nossos países. Entretanto, os chineses mantiveram suas posições e não seguiram esse caminho razoável que era do interesse da China, dos nossos interesses e dos interesses dos outros povos do mundo. Os chineses nos surpreenderam com suas posições. Nesse caso, eles provaram ser sectários em vez de liberais. O liberalismo e o sectarismo são irmãos. A China ignorou completamente a Europa, manteve posições hostis em relação aos países da Ásia e estabeleceu o reconhecimento de Taiwan como parte do território chinês, como condição prévia para o estabelecimento de relações normais com os vários países. Enquanto isso, publicava um artigo de propaganda no Renmin Ribao sobre a África e os países latino-americanos de vez em quando. Na arena internacional, a política da China era uma política rígida, sectária, megalomaníaca e xenófoba de isolamento, a ponto de, por assim dizer, um “racismo” não declarado.

Quando estávamos nos preocupando com todas essas coisas, a bomba da visita secreta de Kissinger à China e suas conversas secretas com Mao e Zhou explodiram. A China iniciou um novo período, uma nova política, ainda errada, a política direitista de aproximação com os americanos, mas que iria muito além disso, até a aproximação com os fascistas, Franco na Espanha e Pinochet no Chile.

Ficou claro que os motivos que “impediram” a China de abrir relações com outros países do mundo não foram o reconhecimento da ilha de Taiwan como parte do território chinês. Esse problema desapareceu como num passe de mágica e os Estados Unidos da América iniciaram seus vínculos e acordos com a China sem, de fato, fazer qualquer concessão sobre Taiwan até o momento. Nós, como camaradas que éramos, nos opusemos aos contatos e acordos secretos com os Estados Unidos da América e à ida de Nixon à China, dizendo-lhes que essa amizade que os chineses estavam estabelecendo com o imperialismo americano só traria prejuízos à China, ao socialismo e ao mundo inteiro. Como escrevi anteriormente, à nossa carta sobre essa questão, bem como às cartas sobre outras questões, Mao Zedong nem sequer se dignou a responder.

Por que essa mudança da China para o imperialismo americano ocorreu? Porque Mao e Zhou eram revisionistas, liberais e oportunistas, e sua política era uma política pragmática com o objetivo de transformar a China em uma superpotência. Para conseguir isso, de acordo com Mao e Zhou, a China tinha de contar com a União Soviética revisionista ou com o imperialismo americano. A luta em dois flancos não significava nada para Mao. Segundo ele, “a China tinha de contar com uma superpotência para lutar contra a outra e ter outras para tirar as castanhas do fogo para ela”. A União Soviética fez a mesma coisa. E não concordou em se unir à China, porque, obviamente, a União Soviética não concordava em ser dominada pela China. Mao, por sua vez, não conseguiu atingir o objetivo de que a União Soviética servisse à China. A China voltou-se para os Estados Unidos da América, uma superpotência rica, da qual poderia obter créditos e, assim, estabelecer sua hegemonia. Os Estados Unidos da América, por sua vez, aceitaram isso para redividir as esferas de influência com a União Soviética.

A China não fez nada de original. E vendo que o objetivo que tinha em relação à União Soviética havia fracassado, voltou-se para os Estados Unidos da América, para a antiga amizade de Mao. Zhou se empenhava mais quando se envolvia em fama e dominação. Ambos, Mao e Zhou, eram revisionistas. Eles prepararam sua nova política. No entanto, havia opositores internos ao seu curso e, entre os principais, estava Lin Biao. Então, ele teve de ser eliminado e foi eliminado, sob a acusação de ser “um conspirador que queria assassinar Mao, mas que foi descoberto, pegou o avião e partiu para a União Soviética via Mongólia. No entanto, sua aeronave caiu e queimou nas estepes da Mongólia”. Portanto, Lin Biao foi morto como um “agente soviético”.

No 9º Congresso do Partido Comunista da China, realizado quando Lin Biao estava vivo, falou-se sobre a luta em dois flancos, enquanto mais tarde, no 10º Congresso, após a morte de Lin Biao, nada foi dito sobre a política externa defendida por ele.

Os Estados Unidos da América se tornaram a polícia do mundo e manobrariam tanto em relação à União Soviética quanto em relação à China, é claro, de acordo com seus próprios interesses. Os Estados Unidos da América mediram cuidadosamente suas posições em relação a ambos, e ainda estão fazendo isso, a fim de enfraquecer a União Soviética e manobrar para usar a China também contra a URSS. E é isso que está acontecendo. A China efetivamente cessou a luta contra os Estados Unidos da América e intensificou sua propaganda contra a União Soviética até o absurdo. Digo propaganda, porque não há artigos ideológicos da China para uma verdadeira denúncia de princípios à União Soviética. Nesses momentos, a linha da China é: “Nosso principal inimigo é a União Soviética”. Quem quer que se manifeste contra a União Soviética é amigo da China, mesmo que sejam os fascistas. Assim, enquanto a China mantém uma posição hostil em relação ao nosso país, que está lutando nos dois flancos, contra os Estados Unidos da América e o social-imperialismo soviético, os estados revisionistas pró-americanos que fizeram algumas manobras antissoviéticas se tornaram amigos da China. Os chineses dizem: “Mantemos essa posição para aprofundar as contradições”. Mas a realidade mostra que a China de Mao está de acordo com esses países porque tem uma linha revisionista semelhante em termos de ideologia e política. A China desenvolveu seus vínculos com todos os países capitalistas do mundo e se declarou oficialmente como membro do “terceiro mundo”. As portas da China foram abertas aos presidentes dos Estados Unidos da América, aos monarcas, príncipes, princesas, primeiros-ministros, senadores, grupos parlamentares, empresários, a todos os Tom, Dick e Harry. As portas da China foram fechadas apenas para as delegações oficiais da Albânia.

O povo chinês tem uma amizade sincera com o povo albanês e com o Partido do Trabalho da Albânia. Os revisionistas chineses ainda não se atreveram a atacar essa amizade. Os principais quadros de direita que, em nossa opinião, estão no poder e têm posições fortes na China, estão atacando as relações econômicas que existem entre nós. Eles não estão cumprindo os créditos que nos concederam, estão adiando as datas de entrega dos projetos que estamos construindo, reduzindo o nível de comércio e restringindo ao mínimo seus contatos com nosso país. Em suma, os líderes chineses seguiram o caminho de Khrushchev contra nós. Eles aprenderam com o bloqueio soviético, que veio de forma brutal, enquanto o bloqueio deles está sendo construído gradualmente e coberto por declarações e posições hipócritas, como “Somos amigos, somos pobres, por favor, nos entendam” etc. Toda essa mudança é direitista, revisionista e social-imperialista.

Essa é a linha de Mao e Zhou Enlai, que reabilitaram Deng e fizeram os preparativos para que Deng substituísse Zhou, e Zhou substituísse Mao após sua morte. Porém, a pessoa “do meio” do “Reino do Meio” morreu primeiro. Com a sua morte, os “radicais” não aceitaram Deng e começaram a denunciá-lo. Isso provocou o surgimento de duas linhas, duas linhas e mais duas linhas. Isso fez com que duas linhas, dois grupos rivais viessem à tona na China, no partido e no estado, e Mao agora está em uma encruzilhada. Mas ele está em sua velhice e não pode mais agir. O que ele avisou a Jiang Qing no passado, na carta que escreveu a ela, de que tanto os reacionários quanto os revolucionários usariam o “Pensamento Mao Zedong”, aconteceu.

Portanto, está havendo uma luta na China, mas quem vencerá? Ninguém sabe. Os “radicais” têm o controle da propaganda, mas os outros têm o controle da política externa, da economia e do exército, porque, na verdade, nada mudou em relação ao antigo curso de Mao-Zhou-Deng.

Deng está no partido e está sendo denunciado, mas seus camaradas estão no poder, e a política de relações com os Estados Unidos da América continua a florescer. A China também apoia todos os governos e estados reacionários. O Partido Comunista da China aconselha os marxista-leninistas, onde quer que estejam, a se unirem à burguesia local, mesmo que seja uma burguesia fascista, e a defenderem suas alianças reacionárias, desde que lutem contra a União Soviética revisionista.

Para onde a China está indo com essa linha? Em direção a um novo social-imperialismo, em direção à tomada do poder pelos capitalistas, novos e antigos, que a linha oportunista de Mao manteve no poder, protegeu e fortaleceu.

Deve haver forças marxista-leninistas sólidas na China, mas acho que elas não podem ser identificadas com os chamados “radicais”. Os “radicais” são contra os direitistas, mas são maoístas, liberais, a favor da coexistência de duas linhas no partido. Somente uma poderosa derrubada revolucionária marxista-leninista salvará a China da restauração do capitalismo.


Notas de rodapé:

(1) É conhecido o fato de que Mao Zedong admitiu a Viatcheslav Molotov que não leu O Capital de Karl Marx e, falando de filosofia em 1964, que renegava a obra Anti-Dühring de Friedrich Engels, negando as leis fundamentais da dialética. Molotov diz em suas memórias registradas por Felix Chuev no livro Molotov Remembers: Inside Kremlin Politics: “Conversei com Mao e sugeri a Stálin que o recebesse. Ele era um homem inteligente, um líder camponês, uma espécie de ‘Pugachev’ chinês. Ele estava longe de ser marxista, é claro – me confessou que nunca tinha lido Das Kapital, de Marx”. (Nota da tradução) (retornar ao texto)

(2)Em segredo” (Em italiano no original). (retornar ao texto)

Inclusão: 23/11/2023