Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China

Mao Tsetung


Capítulo V — A Defensiva Estratégica


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Sob este título, deter-me-ei nos problemas seguintes:

  1. a defesa activa e a defesa passiva;
  2. a preparação duma contra-campanha;
  3. a retirada estratégica;
  4. a contra-ofensiva estratégica;
  5. o início da contra-ofensiva;
  6. a concentração das forças;
  7. a guerra de movimento;
  8. a guerra de decisão rápida;
  9. a guerra de aniquilamento.
Secção 1. A Defesa Activa e a Defesa Passiva

Por que razão começamos pela defensiva? Depois da derrota da primeira frente única nacional em 1924-1927, a revolução na China tomou o carácter duma guerra de classes das mais intensas e encarniçadas. O nosso adversário detinha o poder em todo o pais; enquanto que nós não tínhamos mais do que reduzidas forças armadas. Foi por isso que, desde o início, tivemos de lutar contra as campanhas de "cerco e aniquilamento" do adversário. As nossas possibilidades de ofensiva estavam estreitamente ligadas ao esmagamento dessas campanhas, e o nosso desenvolvimento ulterior dependia inteiramente da nossa capacidade para fazê-las fracassar. A marcha das operações para desfazer uma campanha de "cerco e aniquilamento" segue frequentemente uma linha sinuosa, não se efectua a direito, segundo os nossos desejos. O primeiro e o mais grave dos problemas que se nos apresenta é o de preservar as nossas forças, esperando o momento propício para esmagar o adversário. É assim que a defensiva estratégica é o problema mais complexo e o mais importante que surge ao Exército Vermelho durante ás operações.

No decurso destes dez anos de guerra, verificaram-se frequentemente dois desvios quanto aos problemas da defensiva estratégica: o primeiro consistiu na subestimação do adversário, o segundo, em ficar-se aterrorizado por ele.

Como resultado da subestimação do inimigo, muitas das unidades de guerrilhas sofreram derrotas e, em várias ocasiões, o Exército Vermelho foi incapaz de romper as campanhas de "cerco e aniquilamento" do inimigo.

Quando se formaram as unidades revolucionárias de guerrilhas, os seus chefes fracassavam frequentemente na análise correcta tanto da situação do inimigo como da do seu próprio campo. Como tivessem obtido êxito na organização de repentinas insurreições armadas em certas localidades, ou de motins entre as tropas brancas, eles só viam as circunstâncias, momentaneamente favoráveis, ou falhavam na apreciação da gravidade da situação com que na altura se defrontavam, acabando assim por subestimar geralmente o inimigo. Além disso, eles não compreendiam a sua própria fraqueza (a sua falta de experiência e a pequenez das suas forças). Era um facto objectivo que o inimigo era forte e nós fracos, mas mesmo assim havia gente que se recusava a tomar isso em conta, falando apenas em ataque, e nunca em defesa ou em retirada, o que as desarmava moralmente em matéria de defesa e as levava, portanto, a erros nas suas acções. Muitas unidades de guerrilhas foram derrotadas por essa razão.

Exemplos de casos em que o Exército Vermelho, por esse motivo, foi incapaz de romper as campanhas de "cerco e aniquilamento" do inimigo, são a sua derrota de 1928, na região de Haifom-Lufom, na província de Cuantum(16), e a sua perda de liberdade de acção em 1932, na quarta contra-campanha contra o "cerco e aniquilamento" inimigo, na região fronteiriça Hupei-Honan-Anghueij quando o Exército Vermelho agiu de acordo com a teoria de que o exercito do Kuomintang era apenas uma força auxiliar.

Há muitos exemplos de fracassos devidos ao terror inspirado pelo inimigo.

Ao contrário dos que subestimavam o inimigo, alguns camaradas sobrestimavam-no e subestimavam gravemente as suas próprias forças. Eles acabaram por optar pela retirada, quando teriam podido evitá-la, privando-se também, moralmente, dessa arma que constitui a defensiva. Tudo isso implicou a derrota de destacamentos de guerrilhas, a derrota do Exército Vermelho em certas campanhas e, finalmente, a perda de bases de apoio.

O exemplo mais chocante de perda duma base de apoio foi a perda da nossa base de apoio central do Quiansi, durante a quinta contra-campanha. Dessa vez, os nossos erros foram devidos a concepções direitistas. Os dirigentes estavam aterrorizados pelo adversário como se este fosse um tigre, estabeleciam defesas por toda a parte e resistiam-lhe passo a passo; não ousavam lançar uma ofensiva que golpeasse a retaguarda do inimigo, o que nos teria sido proveitoso, nem ousavam levar o inimigo a penetrar profundamente nas nossas bases, para cercá-lo e aniquilá-lo. Por fim, a base inteira ficou perdida e o Exército Vermelho foi obrigado a efectuar a Grande Marcha, numa distância de mais de 12.000 quilómetros. Esses erros, porém, eram geralmente precedidos duma subestimação esquerdista do adversário. O espírito de aventura no plano militar, que se tinha manifestado em 1932 pela ofensiva contra as cidades-chave, foi o que esteve na origem dessa linha de defesa passiva, aplicada posteriormente durante a quinta campanha de "cerco e aniquilamento" lançada pelo inimigo.

A tendência para o recuo da "linha de Tcham Cuo-tao" é um exemplo típico perfeito do terror, paralisante inspirado pelo inimigo. A derrota, sofrida a oeste do rio Amarelo pela coluna oeste do Exército Vermelho da IV Frente(17), sancionou a falência completa dessa linha.

A defesa activa é também conhecida por defesa ofensiva ou defesa por meio de choques decisivos. Pode-se também qualificar a defesa passiva de defesa puramente defensiva ou defesa pura. Efectivamente, a defesa passiva não é mais do que uma pseudo defesa. Só a defesa activa constitui uma verdadeira defesa, defesa com o fim de contra-atacar e passar à ofensiva. Que eu saiba, nenhum manual militar válido, nenhum chefe militar, mesmo o menos sensato, tanto nos tempos antigos como nos nossos dias, quer na China quer nos demais países, se pronuncia em favor da defesa passiva, seja no plano estratégico seja no plano táctico. Só os imbecis incorrigíveis, ou os loucos varridos, podem crer que a defesa passiva é um talismã que garante o sucesso. Todavia, há quem recorra a isso. Na guerra, isso é um erro, é uma manifestação de conservantismo em matéria militar, que devemos combater com resolução.

Certos especialistas militares dos jovens países imperialistas em rápida expansão, nomeadamente a Alemanha e o Japão, fazem uma ruidosa propaganda em favor da ofensiva estratégica e contra a defensiva estratégica. Essa concepção não convém de maneira alguma à guerra revolucionária na China. Tais especialistas militares sublinham que a defensiva comporta um grave inconveniente: em vez de galvanizar a população do país, desmoraliza-a. Isso aplica-se aos países em que as contradições de classe se agudizaram, em que a guerra só favorece as camadas reaccionárias dominantes, ou os grupos políticos reaccionários no poder. No nosso país, a situação é distinta. Sob as palavras de ordem de defesa das bases revolucionárias e defesa da China, nós podemos unir a imensa maioria do povo e marchar em bloco para o combate, na medida em que somos vítimas de opressão e agressão. O Exército Vermelho da União Soviética também recorreu à defensiva durante a guerra civil, e venceu o inimigo. Quando os Estados imperialistas organizaram a ofensiva dos Guardas Brancos, ele combateu sob a palavra de ordem de defesa dos Sovietes e, mesmo no período da preparação da Insurreição de Outubro, a mobilização militar fez-se sob a palavra de ordem de defesa da capital. Em qualquer guerra justa, a defensiva tem o efeito de paralisar a actividade dos elementos politicamente estranhos, sendo igualmente susceptível de mobilizar as camadas atrasadas do povo e fazê-las participar na guerra.

Quando Marx dizia que, desde o instante em que um levantamento armado era desencadeado, não se devia parar a ofensiva, nem que fosse por um minuto(18), ele pensava que as massas, tendo apanhado o adversário desprevenido com a sua insurreição, não deviam deixar às forças dominantes reaccionárias qualquer possibilidade de conservar o poder, ou de retomá-lo, devendo, pelo contrário, aproveitar-se desse momento propício para esmagar a reacção, sem dar-lhe tempo para agir, e nunca contentar-se com as vitórias já ganhas, subestimar o adversário, relaxar o ritmo da ofensiva ou hesitar em lançar-se para a frente e deixar passar a ocasião para aniquilar o adversário, o que conduziria a revolução à derrota. Isto é justo, mas não significa que os revolucionários não devam tomar medida alguma de carácter defensivo quando as duas partes já entraram em conflito armado e o adversário beneficia da superioridade e exerce uma forte pressão. Só um perfeito imbecil poderia raciocinar assim.

Até ao momento presente, no conjunto, a nossa guerra tem sido uma ofensiva contra o Kuomintang mas, no plano das acções militares, ela tem tomado a forma de contra-campanhas para romper as campanhas de "cerco e aniquilamento" do inimigo.

Militarmente falando, temos feito alternar a defensiva com a ofensiva. Pode dizer-se também que, para nós, a ofensiva sucede à defensiva ou precede-a, pois o essencial é fazer fracassar a campanha de "cerco e aniquilamento". Antes de ser rompida a campanha de "cerco e aniquilamento", a defensiva continua, começando a ofensiva a partir do momento em que se verifica esse rompimento. Elas não são mais do que duas fases duma mesma e única operação; e as campanhas de "cerco e aniquilamento" sucedem-se umas atrás das outras. Dessas duas fases, a defensiva é a mais complexa e importante. Ela implica inúmeros problemas relativos à maneira de fazer fracassar a campanha de "cerco e aniquilamento". Nessa fase, o princípio básico é a adopção da defesa activa e a rejeição da defesa passiva.

Na guerra civil, quando as forças do Exército Vermelho se assegurarem da superioridade sobre o adversário, duma maneira geral não teremos mais de recorrer à defensiva estratégica. Então, o nosso princípio será exclusivamente o da ofensiva estratégica. Essa mudança dependerá do conjunto das alterações surgidas na relação de forças entre o inimigo e nós. Nesse momento, a defensiva só intervirá parcialmente.


Notas:

(16) A 30 de Outubro de 1927, os camponeses de Haifom e de Lufom, no Cuantum, sublévaram-se pela terceira vez, sob a direcção do Partido Comunista da China, e ocuparam a região de Haifom e Lúfom, organizaram uma parte do Exército Vermelho e estabeleceram o poder democrático operário e camponês. Tendo subestimado as forças do inimigo, porém, eles fracassaram posteriormente. (retornar ao texto)

(17) No Outono de 1936, as forças do Exército Vermelho da IV Frente operaram uma junção com as forças do Exército Vermelho da II Frente e marcharam em direcção do norte, partindo do nordeste de Sicam. Durante esse período, Tcham Cuo-tao persistiu na sua posição anti-partido e manteve-se obstinadamente agarrado à sua tendência para a retirada e liquidação. No mês de Outubro desse mesmo ano, quando os Exércitos Vermelhos das II e IV Frentes tinham já penetrado no Cansu, Tcham Cuo-tao ordenou que, com as unidades de vanguarda do Exército Vermelho da IV Frente (mais de vinte mil homens), se formasse a Coluna Oeste que atravessaria o rio Amarelo e marcharia para oeste, na direcção de Tsinghai. Essa coluna ficou virtualmente derrotada depois de ter sido golpeada nas batalhas de Dezembro de 1936, e foi definitivamente esmagada em Março de 1937. (retornar ao texto)

(18) Ver a carta de Marx a L. Kugelmann sobre a Comuna de Paris. (retornar ao texto)

Inclusão 30/04/2010
Última alteração 08/08/2012