A Questão da Independência e Autonomia no Seio da Frente Única(1)

Mao Tsetung

5 de Novembro de 1938


Tradução: A presente tradução está conforme à nova edição das Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II (Edições do Povo, Pequim, Agosto de 1952). Nas notas introduziram-se alterações, para atender as necessidades de edição em línguas estrangeiras.
Fonte: Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Pequim, 1975, Tomo II, pág: 349-355.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo
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A Ajuda e as Concessões Devem Ser Positivas e Não Negativas

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Para que a cooperação seja duradoura, a ajuda mútua e as concessões recíprocas, entre os partidos e grupos políticos da Frente Única, tornam-se necessárias, mas devem ser positivas e não negativas. Devemos consolidar e ampliar o nosso Partido e o nosso exército ao mesmo tempo que apoiamos a consolidação e expansão dos exércitos e partidos amigos; o povo exige que o governo lhe satisfaça as reivindicações políticas e económicas mas, ao mesmo tempo, oferece-lhe toda a ajuda possível em benefício da Guerra de Resistência; os operários exigem que os donos das empresas lhes melhorem a situação material mas, ao mesmo tempo, realizam ativamente o seu trabalho no interesse da resistência ao Japão; os senhores de terras devem reduzir as rendas e as taxas de juro mas os camponeses devem, por seu turno, pagar as rendas e os juros com vistas a unidade contra a agressão estrangeira. Todos esses princípios, todas essas regras de ajuda mútua são positivas, não são negativas nem unilaterais. O mesmo acontece com as concessões recíprocas. Cada parte abstém-se de socavar os muros das outras, de formar células secretas no seio das organizações, aparelho governativo ou exército das demais. Pelo que nos respeita, não formamos células secretas no seio do Kuomintang nem no seu aparelho governativo ou exército, de modo que fique com o espírito tranquilo, no interesse da Guerra de Resistência. O ditado que diz: “Abstém-te de fazer isto para poderes fazer aquilo”(2), aplica-se exatamente a situação. A Guerra de Resistência em escala nacional seria impossível sem uma reorganização do Exército Vermelho, sem modificações introduzidas no regime administrativo das regiões vermelhas e sem renúncia a política de insurreição armada. Nós cedemos dum lado para ganhar doutro; com medidas negativas alcançámos um objetivo positivo. “Recuar para melhor saltar”(3) é Leninismo. Considerar as concessões como algo puramente negativo é contrário ao Marxismo-Leninismo. Evidentemente que há casos de concessões puramente negativas — por exemplo a teoria da II Internacional sobre a colaboração entre o trabalho e o capital(4) — em que toda uma classe, toda uma revolução, resulta traída. Na China, Tchen Tu-siu e, posteriormente, Tcham Cuo-tao foram capitulacionistas; há que combater enefetivamentergicamente o capitulacionismo. Quando fazemos concessões, recuamos passamos a defensiva ou detemos o nosso avanço com relação aos nossos aliados ou face aos nossos inimigos, nós consideramos sempre tais atos como parte da nossa política revolucionária global, como uma cadeia indispensável da linha geral da revolução, como uma das numerosas viragens desse caminho ziguezagueante. Numa palavra, tudo isso é positivo.

Identidade Entre a Luta Nacional e a Luta de Classes

Apoiar uma guerra prolongada graças a uma cooperação durável ou, noutras palavras, subordinar a luta de classes a luta nacional anti-japonesa atual, constitui o princípio básico da Frente Única. Mas, respeitando esse princípio, importa conservar o caráter independente dos partidos e das classes, a sua independência e a sua autonomia no seio da Frente Única; não se deve, em nome da cooperação e da unidade, sacrificar os direitos essenciais destes, havendo pelo contrário que mantê-los firmemente, dentro de certos limites; só assim se pode promover a cooperação e torná-la real. Doutro modo, a cooperação converte-se em amálgama e a Frente Única resulta fatalmente sacrificada. Na luta contra um inimigo nacional, a luta das classes assume forma de luta nacional, nisso se manifestando a identidade dessas duas lutas. Por um lado, para dado período histórico, as reivindicações políticas e económicas das diversas classes só são admitidas na medida em que não conduzem a ruptura da cooperação e, por outro lado, as necessidades da luta nacional (resistência ao Japão) constituem o ponto de partida de todas as reivindicações nessa luta de classes. Assim, existe identidade entre a unidade e a independência e entre a luta nacional e a luta de classes, no próprio seio da Frente Única.

“Tudo Através da Frente Única” é um Erro

O Kuomintang, que está no poder, nunca permitiu que a Frente Única tomasse a forma duma organização. Por trás das linhas inimigas, “tudo através da Frente Única” revela-se algo impraticável. Aí não nos é possível agir senão com independência e autonomia, conformando-nos ao que já esteja aprovado pelo Kuomintang (por exemplo, o “Programa de Resistência ao Japão e Reconstrução da Pátria”); ou então, contando com uma aprovação por parte deste, agir primeiro e informar depois. É assim que a nomeação de comissários administrativos e o envio de tropas para o Xantum não seriam já coisas realizadas se as tivéssemos tentado “através da Frente Única”. O Partido Comunista Francês, diz-se, também lançou idêntica palavra de ordem. Mas isso, provavelmente, foi porque na França já existia um comité conjunto de partidos e o partido socialista continuava, mesmo assim, a agir por si, a não ter em conta o programa estabelecido em comum. Por isso é que o Partido Comunista entendeu necessário lançar essa palavra de ordem, para refrear o comportamento do partido socialista, e nunca para limitar-se a si próprio. Ora, na China, o Kuomintang privou os outros partidos dos direitos de que ele goza e tenta submetê-los as suas ordens. Lançar idêntica palavra de ordem para conseguir que o Kuomintang faça “tudo” com a nossa aprovação, é algo irrealizável, e seria ridículo. Se tivéssemos que obter o acordo prévio do Kuomintang para “tudo” que pretendêssemos empreender, como faríamos então no caso de este recusar-nos o seu acordo? Como a política do Kuomintang consiste em limitar-nos o desenvolvimento, não existe qualquer motivo para lançar essa palavra de ordem, cujo alcance não seria outro senão amarrar-nos as mãos. Atualmente importa-nos obter o acordo prévio do Kuomintang em certos casos, por exemplo, ao ampliarmos as nossas três divisões para convertê-las em três corpos de exército com números de matrícula correspondentes; aí trata-se de informar primeiro e agir depois. Noutros casos, como no recrutamento de mais de duzentos mil homens para ampliar os nossos efetivos, devemos colocar o Kuomintang face ao fato consumado, antes de informá-lo, quer dizer, agir primeiro e informar depois. E há outras medidas que temos de tomar sem informar o Kuomintang no momento, uma vez que já se sabe que este não as aprovará, como é o caso da convocação da assembleia da região fronteiriça. Outras medidas há que, no momento, nem devemos adotar nem referir, por exemplo as que comprometeriam a situação geral. Resumindo, devemos guardar-nos em absoluto de romper a Frente Única, mas em caso nenhum devemos amarrar-nos as mãos; não há pois que avançar a palavra de ordem de “tudo através da Frente Única”. Quanto a palavra de ordem de “subordinar tudo a Frente Única”, seria igualmente um erro interpretá-la no sentido de “subordinar tudo” a Tchiang Kai-chek e a Ien Si-xan. A nossa política é a de independência e autonomia no seio da Frente Única, quer dizer, unidade mas também independência.


Notas de rodapé:

(1) Parte das conclusões apresentadas pelo camarada Mao Tsetung a Sexta Sessão Plenária do Comité Central eleito pelo VI Congresso do Partido. A independência e autonomia no seio da Frente Única constituíam uma das questões salientes das divergências que opunham o camarada Mao Tsetung a Tchen Chao-iu, na questão da frente única anti-japonesa. No fundo, tratava-se da hegemonia do proletariado no seio dessa frente. No relatório de Dezembro de 1947, intitulado “A Situação Atual e as Nossas Tarefas”, o camarada Mao Tsetung fez um breve resumo dessas divergências:
“Durante a Guerra de Resistência contra o Japão, o nosso Partido combateu ideias análogas a esse capitulacionismo (N. — de Tchen Tu-siu, durante a Primeira Guerra Civil Revolucionária), a saber: fazer concessões a política anti-povo do Kuomintang, ter mais confiança neste que nas massas populares, não ousar mobilizar audazmente as massas para a luta, não ousar ampliar as regiões libertadas nem aumentar os efetivos do exército popular nas regiões sob ocupação japonesa, enfim, ceder ao Kuomintang a hegemonia na Guerra de Resistência. O nosso Partido travou uma luta decidida contra essas ideias decadentes, impotentes e contrárias aos princípios marxistas-leninistas; o Partido pôs firmemente em prática a linha política de ‘desenvolver as forças progressistas, ganhar as forças intermédias e isolar as forças obstinadas’ e ampliou resolutamente as regiões libertadas e as fileiras do Exército Popular de Libertação. Desse modo o Partido não só se assegurou da possibilidade de vencer o imperialismo japonês no período em que este passou a agressão, mas ainda conseguiu garantir para depois da capitulação do Japão, período da guerra contra-revolucionária desencadeada por Tchiang Kai-chek, a passagem com êxito e sem perdas a guerra revolucionária popular contra a guerra contra-revolucionária de Tchiang Kai-chek, e conquistar grandes vitórias em pouco tempo. Os camaradas do Partido devem manter gravadas no espírito essas lições da História.” (retornar ao texto)

(2) Expressão de Mêncio. (retornar ao texto)

(3) V. I. Lénine: “Resumo do Livro de Hegel Lições da História da Filosofia". (retornar ao texto)

(4) Teoria reacionária da II Internacional, preconizando a colaboração do proletariado e da burguesia nos países capitalistas e oposta à liquidação da dominação burguesa por meio duma revolução para instaurar a ditadura do proletariado. (retornar ao texto)

Inclusão 05/11/2014