Ontem e hoje (A crise da revolução)

J. V. Stálin

13 de junho de 1917


Primeira publicação:Soldátskaia Pravda” (“A Pravda do Soldado”), n.° 42. 13 de junho de 1917. Assinado: K. Stálin.
Fonte: J. V. Stálin, Obras. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953, págs. 84-91.
Tradução: Editorial Vitória, da edição italiana G. V. Stálin - "Opere Complete", vol. 3 - Edizione Rinascita, Roma, 1951.
HTML: Fernando Araújo.
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Três exigências apresentaram Gutchkov e Miliukov para não saírem do governo provisório:

  1. — restaurar a disciplina,
  2. — declarar a ofensiva,
  3. reprimir os internacionalistas revolucionários.

O exército desagrega-se, nele não reina mais a ordem; restaurai a disciplina, reprimi a propaganda de paz, senão pediremos demissão, “anunciou” Gutchkov ao Comitê Executivo na conhecida Conferência do Palácio Mariinski (20 de abril).

Estamos ligados aos aliados, exige-se de nós uma ajuda no interesse da unidade da frente; incitai o exército no sentido de desencadear a ofensiva, tomai providências repressivas contra os que combatem a guerra, senão pediremos demissão, “anunciou” Miliukov na mesma conferência.

O exposto acima aconteceu nos dias da “crise do poder”.

Os membros mencheviques e social-revolucionários do Comitê Executivo fingiram não estar dispostos a fazer concessões.

Em seguida, Miliukov publicou um documento de “esclarecimento” à sua “nota”. Os oradores do Comitê Executivo proclamaram nessa ocasião a “vitória” da democracia revolucionária” e as “paixões se aplacaram”.

Mas a “vitória” mostrou-se ilusória. Depois de alguns dias a “crise” estava novamente declarada; Gutchkov e Miliukov “deviam” ir embora; iniciaram-se inúmeras consultas entre o Comitê Executivo e os ministros, e “a crise foi resolvida” com a entrada dos representantes do Comitê Executivo para o governo provisório.

Os espectadores confiantes deram um suspiro de alívio. Finalmente Gutchkov e Miliukov “foram vencidos”! Finalmente virá a paz, a paz “sem anexações e sem indenizações”. Acabado o massacre fratricida!

Porém, que aconteceu? Nem bem se haviam feito as somas das “vitórias” da chamada “democracia”, nem bem se haviam “enterrado” os ministros demissionários, e já os novos ministros, os ministros “socialistas”, começaram a falar a mesma linguagem que tanto agradava a Gutchkov e a Miliukov! Na verdade “os mortos apegaram-se aos vivos”!

Julgai vós mesmos.

Desde seu primeiro discurso no Congresso camponês(1) o novo ministro da guerra, o cidadão Kerenski, declarou que era sua intenção restaurar no exército uma “disciplina de ferro”. O que vem a ser essa disciplina, di-lo de maneira precisa a Declaração dos direitos do soldado,(2) firmada por Kerenski, pela qual se confere aos comandantes o “direito de empregar a força das armas... contra os subordinados que não executem as ordens”, “durante o combate” (vide ponto 14 da Declaração).

Aquilo com que Gutchkov sonhava, mas não ousava pôr em prática, Kerenski “pôs em prática” de um golpe, cobrindo-o com o estrépito das frases reboantes sobre a liberdade, a igualdade, a justiça.

Por que era necessária essa disciplina?

Explicou-o, antes dos outros ministros, o ministro Tsereteli. “Esforçamo-nos por fazer cessar a guerra — disse este aos empregados dos correios — mas não através de uma paz em separado, e sim mediante a vitória

comum com os nossos aliados sobre os inimigos da liberdade” (vide Vietchérniaia Bírjovka,(3) 8 de maio).

Se deixarmos de lado as palavras sobre a liberdade aplicadas ali a torto e a direito, se traduzirmos em palavras simples o discurso obscuro do ministro, daí resulta uma só coisa: no interesse da paz é indispensável destruir a Alemanha, manter a aliança com a Inglaterra e com a França, para o que, por sua vez, é indispensável a ofensiva.

A preparação da ofensiva no interesse da unidade da frente para obter-se uma vitória conjunta sobre a Alemanha, eis o motivo por que se tornou necessária a “disciplina de ferro”.

Aquilo a que Miliukov visava tão timidamente, mas com infatigável obstinação, o ministro Tsereteli declarou ser o seu programa.

Isso aconteceu desde os primeiros dias após a “solução” da crise. Mas em seguida os ministros “socialistas” tornaram-se mais ousados e mais precisos.

A 12 de maio seguia-se a “ordem do dia” de Kerenski aos oficiais, aos soldados e aos marinheiros:

“... ireis avante, aonde vos conduzirem os chefes e o governo... marchareis... temperados pela disciplina do dever... por vontade do povo deveis libertar a pátria e o mundo dos opressores e dos agressores. Esta é a heróica empresa a que vos conclamo” (vide Riétch, 14 de maio).

Não será talvez verdade que a ordem do dia de Kerenski pouco difere, em substância, das conhecidas ordens do dia imperialistas do governo tzarista, segundo as quais “devemos combater até à vitória final, devemos expulsar o inimigo insolente das fronteiras de nossa pátria, devemos libertar o mundo do jugo do militarismo alemão...”, etc.?

E uma vez que falar da ofensiva é mais fácil do que desfechá-la, uma vez que alguns regimentos, por exemplo os do 7.° exército (quatro regimentos), julgaram impossível obedecer à ordem de iniciar a “ofensiva”, o governo provisório, juntamente com Kerenski, passou das palavras aos “fatos” ordenando a imediata dissolução dos regimentos “réus de insubordinação” e ameaçando os culpados “com exílio, com trabalhos forçados e a privação de todos os direitos civis” (vide Vietchérneie Vrêmia, 1.° de junho). E uma vez que tudo isso, ao que parece, era ainda insuficiente, Kerenski emitiu uma nova “ordem” dirigida especialmente contra a confraternização, em que ameaçava entregar os “culpados” ao tribunal para puni-los com todo o rigor da lei”, isto é, com os trabalhos forçados (vide Nóvaia Jizn, 1.° de junho).

Em suma: atacai logo, atacai a qualquer preço, senão recorreremos aos trabalhos forçados e ao fuzilamento; este é o sentido das “ordens do dia” de Kerenski.

E isso acontece enquanto os tratados que o tzar estipulou com a burguesia inglesa e francesa permanecem em vigor e enquanto, à base desses tratados, “nos” obrigam precisamente a apoiar de modo ativo a política agressiva da Inglaterra e da França na Mesopotâmia, na Grécia e na Alsácia-Lorena!

Mas então, e a paz sem anexação e sem indenizações, e a obrigação do novo governo provisório no sentido de obter a paz por todos os “meios decisivos”? Que fim levaram todas essas promessas feitas durante a “crise do poder”?

Oh! Nossos ministros não se esquecem da paz; da paz sem anexações e sem indenizações eles falam com ardor, falam e escrevem sobre ela, sobre ela escrevem e falam. E não só os nossos ministros. Em resposta à solicitação do governo provisório no sentido de pronunciarem-se sobre as finalidades da guerra, os governos inglês e francês há dias declararam que também estão contra as anexações, mas... na medida em que isso não se oponha à anexação da Alsácia-Lorena, da Mesopotâmia, etc. E o governo provisório, em resposta a essa declaração, declarou por sua vez na nota de 31 de maio que, “permanecendo inabalavelmente fiel à causa comum dos aliados”, propõe convocar, para uma revisão do acordo sobre as finalidades da guerra, “uma conferência dos representantes das potências aliadas, que poderia realizar-se no futuro imediato, quando subsistirão a respeito condições favoráveis” (vide Rabótchaia Gazieta, n.° 72). Mas uma vez que ninguém conhece ainda a data precisa em que “subsistirão a respeito as condições favoráveis”, uma vez que o chamado “futuro imediato” em todo o caso não virá rapidamente, segue-se daí que na realidade a “luta decisiva” pela paz sem anexações é adiada para as calendas gregas, degenerando em disputas hipócritas e vãs sobre a paz. Pelo contrário, ao que parece, é impossível adiar por um só instante a ofensiva que é preparada por todos os “meios decisivos”, chegando até à ameaça dos trabalhos forçados e do fuzilamento...

Nenhuma dúvida é possível. A guerra era e permanece imperialista. Os discursos sobre a paz sem anexações, enquanto se prepara de fato a ofensiva, não servem senão para mascarar o caráter criminoso da guerra. O governo provisório colocou-se claramente no caminho do imperialismo ativo. O que ainda ontem parecia impossível, tornou-se possível hoje graças à entrada dos “socialistas” para o governo provisório. Mascarando a substância imperialista do governo provisório com frases socialistas, reforçaram e ampliaram eles as posições da contrarrevolução que avança.

Os ministros “socialistas” são utilizados com êxito pela burguesia imperialista para seus objetivos contrarrevolucionários: essa é a situação atual.

Não venceram os ingênuos “democratas revolucionários”, mas Gutchov e Miliukov, velhos agentes do imperialismo.

Mas o alinhamento à direita na política exterior devia inevitavelmente levar à mesma mudança na política interna uma vez que, nas condições da guerra mundial, a política externa é a base de qualquer outra política, é o centro de toda a vida do Estado.

E com efeito o governo provisório coloca-se de maneira cada vez mais clara no caminho da “luta decisiva” contra a revolução.

Ainda há pouco o governo provisório iniciou a ofensiva contra os marinheiros de Kronstadt e simultaneamente impediu os camponeses da região de Petrogrado, os camponeses da governadoria de Penza, de Vorónej e de outras governadorias, de pôr em prática os princípios elementares da democracia.

Entrementes, faz alguns dias, Skóbelev e Tsereteli tornaram-se célebres (célebres como Eróstrato!) expulsando da Rússia Robert Grimm,(4) sem julgamento e sem inquérito, por via puramente policialesca, é verdade, porém com plena satisfação dos imperialistas russos.

O ministro Perevérzev (“também ele” socialista!) exprimiu mais claramente que todos o novo curso da política interna do governo provisório. Ele exige nem mais nem menos que “seja promulgada o mais breve possível uma lei sobre os crimes contra a segurança do Estado.” Segundo essa lei (art. 129)... “quem se torna culpado de um apelo público, ou reproduzido em impressos, letras ou imagens, difundidos ou expostos ao público, incitando 1.°) — a cometer um delito grave, 2.°) — uma parte da população a cometer atos de violência contra a outra, 3.°) — à inobservância e à resistência à lei ou a uma disposição obrigatória ou a uma ordem legal do governo, é punido com a reclusão na penitenciária por um período não superior a três anos”, e “em tempo de guerra... com trabalhos forçados por períodos de duração variável”. (vide Riétch, 4 de junho).

Tal é a obra legislativa, baseada nos trabalhos forçados, desse ministro “socialista”, com licença da palavra.

É evidente que o governo provisório está caindo irremediavelmente nos braços da contrarrevolução.

Isso aparece com clareza também pelo fato de que Miliukov, velho agente da contrarrevolução, já preliba nesta ocasião, os frutos da nova vitória. “Se 0 governo provisório — diz ele — após longas demoras compreender que, além da persuasão, o poder dispõe também de outros meios, dos mesmos meios que ele já começou a empregar; se o governo provisório se puser nesse caminho, então as conquistas da revolução russa (não riam!) serão consolidadas”... “O nosso governo provisório prendeu Kolichko e expulsou Grimm, mas Lênin, Trotski e seus companheiros estão em liberdade... Desejaríamos que um belo dia também Lênin e seus companheiros fossem mandados para o mesmo lugar...” (vide Riétch, 4 de junho).

Esses são os “desejos” do senhor Miliukov, raposa velha da burguesia russa.

Veremos em futuro próximo se o governo provisório, que em geral é bastante sensível quando se trata de ouvir as palavras de Miliukov, satisfará esse e outros semelhantes “desejos” seus e se esses “desejos” são, hoje, realizáveis.

Mas uma coisa é, contudo, fora de dúvida: a política interna do governo provisório está inteiramente subordinada às exigências de sua política imperialista ativa.

Uma só conclusão se impõe.

O desenvolvimento da nossa revolução entrou em uma fase de crise. A nova etapa da revolução, que irrompe em todas as esferas da vida econômica e as revoluciona radicalmente, galvaniza todas as forças do velho e do novo mundo. A guerra e a ruína que a acompanha, aguçam ao extremo os conflitos de classe. A política de acordos com a burguesia, a política de quem manobra entre a revolução e a contrarrevolução torna-se claramente uma política fracassada.

De duas uma:

O governo provisório coloca-se claramente no caminho da contrarrevolução aberta.

O dever dos revolucionários é o de unirem-se mais solidamente e fazerem progredir a revolução.


Notas de fim de tomo:

(1) O I Congresso Camponês de Toda a Rússia realizou-se em Petrogrado de 4 a 28 de maio de 1917. No Congresso os social-revolucionários e os grupos vizinhos deles estavam em maioria. A imensa maioria dos delegados camponeses das governadorias representava as camadas superiores do campo (kulaks). (retornar ao texto)

(2) Declaração dos direitos do soldado: decreto sobre os direitos fundamentais dos soldados e dos marinheiros baixado por Kerenski, ministro da guerra no governo provisório, a 11 de maio de 1917. A Declaração limitava consideravelmente os direitos que os soldados haviam conquistado nos primeiros dias da revolução. O Comitê Executivo do Soviet de Petrogrado formado em sua maioria por social-revolucionários e mencheviques, aprovou a Declaração, mas os soldados e marinheiros acolheram-na com comícios de protesto e chamaram-na de “ declaração da ausência de direitos. (retornar ao texto)

(3) Vietchérnaia Bírjovka (A Bolsa da Tarde), edição vespertina do jornal Birjevíe Viédomosti (Notícias da Bolsa), diário burguês, publicado em Petersburgo desde 1880. O termo Birjovka tornou-se sinônimo de imprensa corrupta e venal. Em fins de outubro de 1917 o jornal foi suprimido pelo Comitê Militar Revolucionário do Soviet de Petrogrado. (retornar ao texto)

(4) O secretário do Partido socialista suíço, Robert Grimm, chegara à Rússia em maio de 1917. Em seguida à notícia, publicada em princípios de junho pelos jornais burgueses, de que Grimm tivera a incumbência de sondar o terreno para uma paz em separado entre a Alemanha e a Rússia, o governo provisório expulsou-o da Rússia. (retornar ao texto)

Inclusão: 18/02/2024