As eleições para a Assembleia Constituinte

J. V. Stálin

26 de julho de 1917


Primeira publicação: “Rabótchi i Soldat” (“O Operário e o Soldado”), n.º 4. 26 de julho de 1917. Assinado: K. Stálin. O artigo As eleições para a Assembleia Constituinte foi escrito no início da campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte, eleições que o governo provisório havia fixado para 17 de setembro de 1917. A primeira parte foi publicada a 5 de julho de 1917 no n.° 99 da Pravda. A segunda parte não pôde ser publicada por causa da supressão da Pravda, o que aconteceu após as jornadas de julho. O artigo foi publicado por inteiro somente a 27 de julho de 1917, no número 4 do jornal Rabótchi i Soldat.
Fonte: J. V. Stálin, Obras. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953, págs. 151-157.
Tradução: Editorial Vitória, da edição italiana G. V. Stálin - "Opere Complete", vol. 3 - Edizione Rinascita, Roma, 1951.
HTML: Fernando Araújo.
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Iniciou-se a campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte. Os partidos mobilizam suas forças. Os futuros candidatos dos cadetes já viajam pela Rússia, ensaiando as probabilidades de êxito. Os social-revolucionários convocaram em Petrogrado uma conferência dos representantes dos camponeses das governadorias para “organizarem” as eleições. Outro grupo dos populistas convoca para o mesmo fim o Congresso da União Camponesa de toda a Rússia,(1) a realizar-se em Moscou. Surgem simultaneamente, de maneira espontânea, os “soviets dos deputados camponeses nas guarnições”, com caráter apolítico, os quais têm, entre outras coisas, a finalidade de assegurar o transcurso favorável das eleições no campo. Surgem, com o mesmo objetivo, numerosas sociedades de trabalhadores do campo que enviam impressos e homens às aldeias. Enfim, fábricas isoladas, enviam ao campo delegados especiais para promoverem a agitação eleitoral. Nem falemos sequer do número infinito de “delegados” isolados, sobretudo soldados e marinheiros, que percorrem a Rússia e levam aos camponeses as “notícias da cidade”.

Evidentemente, camadas muito amplas da própria população estão conscientes da importância do momento e do significado decisivo que tem a Assembleia Constituinte. Todos sentem portanto que o papel decisivo cabe ao campo, que representa a maioria da população, e que justamente na direção dele é preciso orientar todas as forças disponíveis. Tudo isso, juntamente com a dispersão e a desorganização dos trabalhadores agrícolas, que constituem no campo o sustentáculo principal do nosso Partido, complica singularmente nossas tarefas no campo. Diversamente dos operários das cidades, que são os mais organizados com relação a todas as camadas da população urbana, os trabalhadores agrícolas constituem a massa mais desorganizada. Os Soviets dos Deputados Camponeses organizam sobretudo as camadas dos camponeses médios e abastados, que tendem naturalmente a entrar em acordo “com o latifundiário liberal e com o capitalista”. Estes conduzem atrás de si elementos proletários e semi-proletários do campo, submetendo-os à influência dos partidos conciliadores, os trudovikí e os social-revolucionários. O desenvolvimento insuficiente do capitalismo agrário e da luta de classes no campo cria condições favoráveis a uma política conciliatória desse tipo.

A tarefa atual do nosso Partido é a de libertar as camadas dos camponeses pobres da influência dos trudovikí e dos social-revolucionários e de uni-los juntamente com os operários das cidades em uma única família harmoniosa.

A vida mesma labora nessa direção revelando, a cada passo, que a política conciliatória é prejudicial. A tarefa dos militantes do Partido é a de intervirem por todos os meios nas eleições da Assembleia Constituinte para focalizarem todo o caráter funesto dessa política e para facilitarem assim a união das camadas dos camponeses pobres em torno do proletariado das cidades.

Para obter isso é indispensável criar logo núcleos partidários nos campos, ligando-os estreitamente aos comitês urbanos do Partido. Em cada comuna, em cada distrito, em cada circunscrição eleitoral devem organizar-se grupos partidários entre as camponesas e os camponeses pobres. Esses grupos devem ser intimamente ligados aos nossos comitês existentes nos centros industriais da governadoria e os comitês têm o dever de abastecê-los com o material indispensável às eleições, com impressos, com homens.

Somente dessa maneira será possível criar no próprio curso da campanha eleitoral a unidade efetiva entre os proletários da cidade e do campo.

Somos contra a conciliação com os capitalistas e com os latifundiários, uma vez que sabemos não poder semelhante conciliação senão prejudicar os interesses dos operários e dos camponeses.

Mas isso não significa ainda que sejamos de um modo geral contra qualquer entendimento que seja.

Somos pelo entendimento com os grupos apartidistas de camponeses não abastados que são impelidos pela própria vida a tomar o caminho da luta revolucionária contra o latifundiário e o capitalista.

Somos pelo entendimento com as organizações apartidistas de soldados e marinheiros que estão cheias de confiança não nos ricos mas nos pobres, não no governo da burguesia mas no povo e, antes de mais nada, na classe operária. Seria ilógico e prejudicial afastar de nós esses grupos e essas organizações pelo fato de não poderem ou não quererem fundir-se com o nosso Partido.

Por isso, nossa campanha eleitoral entre os camponeses deve desenvolver-se na seguinte direção: achar uma linguagem comum com esses grupos e com essas organizações, elaborar um programa revolucionário comum, concordar com suas chapas eleitorais comuns em todas as circunscrições eleitorais, aí incluindo não “professores” e “doutos”, mas camponeses, soldados e marinheiros, prontos a defender com o próprio peito as reivindicações do povo.

Somente dessa maneira será possível agrupar amplas camadas da população trabalhadora do campo em torno do proletariado, cabeça da nossa revolução.

Não será necessário proceder-se a uma longa busca para encontrar esses grupos apartidistas, uma vez que eles surgem por toda a parte, dia a dia. E surgirão graças à crescente desconfiança contra o governo provisório que impede os comitês camponeses de dispor das terras dos latifundiários. Surgem e surgirão graças ao descontentamento com a política do Comitê Executivo dos Deputados Camponeses de Toda a Rússia que se arrasta a reboque do governo provisório. Poderia servir de exemplo o “Soviet dos Deputados Camponeses de Petrogrado”, recém-formado,(2) o qual compreende toda a guarnição da cidade, e que desde o início da sua, atividade chocou-se com o governo provisório e com o Comitê Executivo dos Deputados Camponeses de Toda a Rússia.

E eis à guisa de exemplo um programa que pode servir de base para realizar o entendimento com essas organizações apartidistas de camponeses e de soldados:

  1. — Somos contra os latifundiários, contra os capitalistas e contra o seu “partido da liberdade do povo”, uma vez que eles e somente eles são os inimigos principais do povo russo. Nenhuma confiança, nenhum apoio aos ricos e ao seu governo!
  2. — Somos pela confiança e pelo apoio à classe operária que luta sem reservas pelo socialismo. Somos pela aliança e pelo acordo dos camponeses, dos soldados e dos marinheiros com os operários, contra os latifundiários e os capitalistas.
  3. — Somos contra a guerra porque é uma guerra de agressão. Os discursos sobre a paz sem anexações permanecem discursos vazios enquanto a guerra for conduzida na base dos tratados secretos do tzar com os capitalistas anglo-franceses.
  4. — Queremos fazer cessar imediatamente a guerra mediante uma luta enérgica dos povos contra os seus governos imperialistas.
  5. — Somos contra a anarquia na indústria, agravada pelos capitalistas. Queremos o controle operário sobre a indústria. Queremos organizar a indústria na base de princípios democráticos, mediante a intervenção dos próprios operários e do poder por eles reconhecido.
  6. — Queremos organizar uma justa troca dos produtos entre a cidade e o campo para que a cidade se abasteça de uma quantidade suficiente de gêneros alimentícios e o campo possa aprovisionar-se de açúcar, querosene, calçados, tecidos, utensílios de ferro e de outras mercadorias indispensáveis.
  7. — Queremos que todas as terras que já constituem apanágio, as dominiais, da coroa, dos latifundiários, dos mosteiros e do clero passem para as mãos de todo o povo, sem indenização.
  8. — Queremos que todas as terras disponíveis dos latifundiários, cultivadas e de pastagem, passem imediatamente à disposição dos comitês camponeses, eleitos democraticamente.
  9. — Queremos que todos os animais de tração e utensílios agrícolas disponíveis, em poder dos latifundiários e armazenados, sejam postos imediatamente à disposição dos comitês camponeses para o cultivo dos campos, dos prados, para a colheita cio trigo, etc.
  10. — Queremos que a todos os inválidos de guerra incapacitados para o trabalho, bem como às viúvas e aos órfãos, sejam assegurados subsídios que lhes dêem a possibilidade de viver decentemente.
  11. — Queremos uma república popular sem exército permanente, sem burocracia, sem polícia.
  12. — Ao invés do exército permanente, exigimos o armamento geral do povo e a elegibilidade dos comandantes.
  13. — Ao invés dos funcionários-burocratas que não possam sindicalizar-se, exigimos empregados elegíveis e revogáveis.
  14. — Ao invés da polícia que vigia o povo, queremos a milícia eletiva e revogável.
  15. — Queremos a anulação das “ordens” dirigidas contra os soldados e contra os marinheiros.
  16. — Somos contra a dissolução dos regimentos e contra toda atividade visando a atiçar os soldados uns contra os outros.
  17. — Somos contrários às perseguições contra a imprensa dos operários e dos soldados; somos contra a restrição da liberdade de palavra e de reunião, seja na retaguarda seja na frente; somos contra as prisões sem processo e sem inquéritos; somos contra o desarmamento dos operários.
  18. — Somos contrários ao restabelecimento da pena de morte.
  19. — Queremos que todos os povos da Rússia tenham o direito de organizar livremente sua vida e que esses povos não sejam oprimidos.
  20. — Queremos, enfim, que no país todo o poder passe para as mãos dos soviets revolucionários dos operários e dos camponeses, uma vez que somente esse poder é capaz de fazer sair o país do beco para o qual o empurraram a guerra, o esfacelamento, a carestia da vida, os capitalistas e os latifundiários que enriquecem com a miséria do povo.

Esse é de um modo geral o programa que pode criar uma base para o entendimento entre os organismos do nosso Partido e os grupos revolucionários, não partidários, dos camponeses e dos soldados.

Camaradas! As eleições aproximam-se. Ponde mãos à obra antes que seja tarde e organizai a campanha eleitoral.

Constituí grupos volantes de agitadores, formados por operárias e operários, por soldados e marinheiros, e organizai cursos breves sobre esse programa.

Abastecei esses grupos com material impresso e enviai-os para todos os recantos da Rússia.

Que a sua voz desperte o campo, na iminência das eleições para a Assembleia Constituinte.

Formai grupos partidários nas comunas e nos distritos e reuni em torno deles vastas camadas de camponeses pobres.

Organizai conferências nas comunas, nos distritos, nas governadorias, para reforçar os laços do Partido revolucionário, para designar os candidatos à Assembleia Constituinte.

A Assembleia tem uma grande importância, mas são incomparavelmente mais importantes as massas que ficam fora da Assembleia Constituinte. A força não está na Assembleia Constituinte, mas naqueles operários e naqueles camponeses que, criando com sua luta o novo direito revolucionário, impelirão para a frente a Assembleia Constituinte.

Sabei que quanto mais organizadas forem as massas revolucionárias, tanto maior atenção a Assembleia Constituinte deverá prestar à sua voz, tanto mais seguro será o destino da revolução russa.

Por isso, a tarefa principal durante as eleições é a de reunir em torno do nosso Partido vastas massas de camponeses.

Ao trabalho pois, camaradas!


Notas de fim de tomo:

(1) A União Camponesa de Toda a Rússia, organização pequeno-burguesa fundada em 1905, reivindicava a liberdade política, a convocação imediata da Assembleia Constituinte e a abolição da propriedade privada da terra. Em 1906 a União dissolveu-se. Em 1917 reiniciou suas atividades e a 31 de julho daquele ano realizou em Moscou um congresso do qual participaram representantes de toda a Rússia. O congresso pronunciou-se pelo apoio incondicional ao governo provisório, pela continuação da guerra imperialista e contra a ocupação das terras dos latifundiários. No outono de 1917 alguns membros da União tomaram parte nas repressões contra as revoltas dos camponeses. (retornar ao texto)

(2) O Soviet dos Deputados Camponeses da guarnição de Petrogrado, chamado em seguida Soviet dos Deputados Camponeses de Petrogrado, foi constituído em 14 de abril de 1917 pelos representantes do exército e de algumas fábricas de Petrogrado. O Soviet propunha-se como tarefa fundamental a luta pela passagem, sem resgate, de todas as terras para os camponeses. O Soviet dos Deputados Camponeses de Petrogrado lutou também contra a política de conciliação do Soviet dos Deputados Camponeses de Toda a Rússia, que era dirigido pelos social-revolucionários de direita. Após a Revolução de Outubro, o Soviet participou ativamente da organização do Poder Soviético no campo e da aplicação do decreto sobre a terra. Em fevereiro de 1918, em seguida à desmobilização do velho exército, o Soviet cessou suas atividades. (retornar ao texto)

Inclusão: 18/02/2024