História do Socialismo e das Lutas Sociais
Terceira Parte: As Lutas Sociais nos Tempos Modernos
(Do século XIV ao XVIII e de 1740 a 1850)

Max Beer


Capítulo XIV - A Conjuração dos Iguais


1. Causa e finalidade da conjuração

capa

A queda de Robespierre, em fins de Julho de 1794, a vitória dos elementos contrarrevolucionários na Convenção e a aprovação da Constituição antidemocrática de 1795 fizeram com que os últimos elementos fiéis a Revolução (jacobinos e revolucionários de extrema; esquerda) se unissem contra o Diretório. Os jacobinos compreenderam que a democracia nunca seria possível sem uma profunda transformação econômica; compreenderam que a revolução política deve ser completada pela supressão das antigas relações de propriedade, pela introdução da propriedade coletiva do solo, pela aplicação do princípio do trabalho obrigatório para todos e pela instauração da Justiça Social. Por meio de uma vida simples e virtuosa, da educação viril da juventude, da abolição do egoismo e do espírito de mando, as bases da nova sociedade seriam consolidadas e a França tornar-se-ia o modelo das nações. Tais eram as ideias fundamentais da conspiração que passou à História com o nome de “Conjuração de Babeuf”, apesar de Babeuf não ter sido nem seu inspirador nem seu chefe, mas simplesmente seu porta-voz. O verdadeiro criador do movimento foi Buonarroti.

2. Felipe Buonarroti e a ditadura revolucionária

Felipe Buonarroti é um dos mais nobres homens de sua época. Rico em conhecimentos, mais rico ainda em qualidades morais, foi um Francisco de Assis socialista-revolucionário.

Nasceu em Pisa, no seio de uma família italiana. Tinha como antepassado o grande escultor Miguel Ângelo. Rapidamente, atingiu um dos mais altos postos da administração; mas demitiu-se de suas funções logo que a Revolução Francesa estalou. Foi primeiro à Córsega. Aí permaneceu de 1790 a 1793, conhecendo o jovem Napoleão Bonaparte, que lhe dedicou grande amizade. Instalou-se, depois, em Paris. A Convenção confiou-lhe várias missões. Tornou-se amigo íntimo de Robespierre e recebeu da Convenção a cidadania francesa. Ao contrário de Babeuf, que várias vezes mudou de opinião, Buonarroti desde logo compreendeu que a Revolução havia passado por duas diferentes fases. De 1789 a 1792, ela propunha-se apenas instaurar uma monarquia constitucional, com um governo burguês. De 1792 em diante, começou a luta entre os possuidores e os que nada possuíam. Eis porque a Constituição de 1793, embora imperfeita do ponto de vista social, era, entretanto, capaz de favorecer a luta dos que nada possuíam, apesar desses elementos não estarem ainda suficientemente preparados para a instauração do comunismo. Pouco tempo depois da queda de Robespierre, Buonarroti fundou o Clube do Panteon (assim chamado porque seus membros se reuniam no Panteon). O número de sócios desse clube cresceu rapidamente. Nos Primeiros meses de 1796, ele já possuía quase 17.000 sodados e numerosos partidários no seio da guarnição de Paris.

Buonarroti era o presidente do Clube. Todos os seus auxiliares possuíam notáveis dotes intelectuais, Buonarroti criou um Comitê Central secreto para preparar a sublevação popular destinada a derrubar o Diretório e a suprimir a Constituição de 1795. Mas, depois da queda do Diretório, que governo se deveria instaurar para substituí-lo? Todos concordavam que não seria possível por imediatamente em vigor a Constituição de 1793. A esse respeito, Buonarroti escreve:

“A experiência da Revolução Francesa e, mais particularmente, as perturbações e as hesitações da Convenção Nacional — como os próprios fatos revelam, demonstraram suficientemente que um povo, cujas opiniões se formaram num regime de desigualdade e de despotismo, não está preparado, no começo de uma revolução regeneradora, para indicar por seu sufrágio os homens que irão dirigi-la e consumá-la. Esta difícil tarefa não pode caber senão a cidadãos sábios e corajosos e, no mais alto grau, amantes de sua pátria e da Humanidade, a cidadãos que, depois de terem sondado maduramente as causas do mal estar público, depois de se terem libertado dos preconceitos e dos vícios comuns, adquirirem uma visão mais profunda das coisas que a de seus contemporâneos para, deste modo, poderem desprezar o ouro e as vulgares grandezas, e resumirem todas as suas aspirações em se imortalizarem, garantindo a vitória da causa da igualdade. Será, talvez, mais necessário, no começo de uma Revolução pacífica, fazer a autoridade suprema tombar da forma menos arbitrária possível, em mãos sábia e conscientemente revolucionárias”.

Depois de longas discussões, no decorrer das quais se examinaram as vantagens e os inconvenientes da ditadura, resolveu-se que, depois da queda do Diretório, se elegeria uma Assembleia Nacional, à qual seria confiado o poder supremo. Conservar-se-ia, entretanto o Comitê Central, que teria a missão de examinar a feição política e as atitudes de cada candidato, e de controlar a atividade da nova Assembleia.

3. Fim da conjuração

Entre os agentes secretos da Conjuração encontrava-se um tal capitão Grisel, que denunciou todo o plano ao Diretório. O ministro da Guerra, Carnot, encarregou o jovem general Bonaparte de dissolver o Clube do Panteon e de prender seus dirigentes. Em fins de Fevereiro, o clube foi dissolvido e, no dia 1 de Maio, seus dirigentes foram presos. O sumário do processo contra eles instaurado durou mais de 11 meses. Receando uma sublevação da população operária de Paris, o Diretório transferiu os acusados para Vendôme. Aí se realizou o julgamento que terminou a 20 de Maio de 1797. Babeuf e Darthé foram condenados à morte e Buonarroti e alguns outros conjurados ao desterro. Quando a sentença foi pronunciada, Babeuf e Darthé tentaram suicidar-se com um punhal que haviam conseguido esconder. Mas não os deixaram pôr em prática o seu intento. Foram retirados da sala do tribunal banhados em sangue para, no dia seguinte, serem executados na guilhotina.

O traidor Grisel foi morto mais tarde com um tiro de pistola por Camilo, o filho mais velho de Babeuf.

Buonarroti esteve preso em Cherbourg algum tempo. Seu antigo admirador Napoleão, alguns anos mais tarde, ali o procurou para oferecer-lhe um alto cargo na administração. Mas Buonarroti repeliu essa proposta com desprezo. Em 1807, foi posto em liberdade. Viveu algum tempo na fronteira sudoeste da França, onde esteve em contacto com os revolucionários italianos. Transferiu-se depois para a Suíça, onde viveu humildemente dando lições de línguas e de música. Expulso da Suíça, dirigiu-se para Bruxelas, onde publicou seu livro sobre A Conspiração de Babeuf. Este livro exerceu influência considerável sobre o movimento revolucionário, no período compreendido entre 1828 e 1840. Depois da Revolução de Julho, Buonarroti voltou a Paris, onde os revolucionários lhe renderam um verdadeiro culto. Augusto Blanqui foi um dos seus discípulos. Em 1834, a polícia quis novamente expulsá-lo. Mas a qualidade de cidadão francês que lhe havia sido conferida pela Convenção, salvou-o desse novo exílio. Depois disso, Buonarroti viveu como professor de música, usando o pseudônimo de Raymond. Morreu em Paris no ano de 1837.


Inclusão: 13/10/2021