Trotskismos

Daniel Bensaïd


Capítulo VI - O Entrismo, ou "Como Sair?"


Os anos 1950 foram, para as organizações trotskistas, como uma longa travessia do deserto. Entre as "condições objectivas" — sempre consideradas em amadurecimento — e as condições subjectivas — sempre tão deficientes — a brecha não pára de se alargar. Desde 1956, com os levantamentos da Polónia e da Hungria, por um lado, a guerra de libertação argelina e o desembarque do Granma em Cuba, por outro, o vento começa a mudar: a revolução anti-burocrática no Leste e a revolução anti-colonialista no Sul podem convergir. A história dá sinais de degelo. Mas a vida não renasce necessariamente onde se espera. A classe operária dos países industrializados não comparece ao encontro. Vem daí a ideia lancinante de "desvio", como se existisse uma norma do desenvolvimento histórico relativamente à qual a realidade caprichosa tivesse tirado a chave dos campos.

Os acontecimentos permitem no entanto constatar um largo acordo entre uma parte das tribos em diáspora: sobre o apoio activo às revoluções argelina, cubana, vietnamita, sobre o apoio aos levantamentos anti-burocráticos dos países da Europa oriental. Desde o fim dos anos 1950, estas convergências abrem a perspectiva de reunificação. Entre o Secretariado Internacional e o Comité Internacional, o contacto é restabelecido. Uma comissão paritária prepara o Congresso de reunificação de 1963 (VII Congresso Mundial), que reúne as secções de 26 países e adopta um documento sobre A dialéctica da revolução mundial registando as bases do acordo. A URSS continua definida como um Estado operário burocraticamente degenerado. "Apesar da usurpação do poder por uma burocracia privilegiada", a sua defesa é reafirmada, mas as fórmulas derrapantes de Pablo são eliminadas. As ilusões quanto a uma auto-reforma dos países do Leste impulsionada por Krouchtchev são explicitamente afastadas. As lições políticas dos acontecimentos na Polónia e na Hungria permitem precisar o conteúdo da revolução política e as formas da democracia socialista vindoura. O início do conflito sino-soviético anuncia o fim do monolitismo estalinista. Apesar do papel relativamente progressista dos dirigentes chineses, o seu "atraso" na compreensão e crítica do estalinismo não lhes permite no entanto oferecer uma alternativa internacional à burocracia do Kremlin.

A lógica das lutas anti-imperialistas é sublinhada à luz da radicalização da revolução cubana em 1961 e 1962, com o desembarque da Baía dos Porcos e o segundo discurso de Havana de Fidel Castro. A expropriação da grande propriedade em Outubro de 1960 e o aprofundar da Reforma Agrária são saudadas como o início de uma nova época na história da revolução mundial: elas marcam o advento de um Estado socialista sob a condução de um partido que não é proveniente do estalinismo. A evolução do Movimento do 26 de Julho é portanto considerada como um modelo possível para outros movimentos, ao mesmo tempo que é afirmada a necessidade de "introduzir ideias trotskistas" na corrente castrista emergente na América Latina e na Europa.

O congresso condena o derrotismo que se traduz, da parte dos partidos comunistas ortodoxos, numa subordinação da luta de classes à luta dos campos: graças ao alcançar do capitalismo, prometido antes do fim do século por Khrushchov na euforia que se seguiu ao sucesso do Spoutnik, o "campo socialista" torna-se, aos seus olhos, o principal motor do progresso planetário. Simetricamente, é rejeitado o determinismo subjacente de um terceiro-mundismo (Sartre, Fanon, Sweezy) que desespera das capacidades da classe operária e vê na revolução colonial a única esperança de emancipação. O equilíbrio entre os "três sectores da revolução mundial" (a revolução política no Leste, a revolução colonial no Sul e a revolução social nos países industrializados) permanece, no entanto, bastante artificial. Se as greves belgas de 1961 podem ser entendidas a posteriori como uma premissa do Maio de 68, elas estabelecem com a revolução cubana ou a comuna de Budapeste uma falsa simetria.

O Congresso constata ainda o fosso persistente entre a fraqueza do movimento revolucionário e a justeza das ideias. Se elas tendem a provar que a divisão de 1953 foi injustificada, os reencontros de 1963 continuam parciais. Do lado do Comité Internacional, a SLL britânica de Gerry Healy e a OCI de Pierre Lambert, na França, cristalizam os seus cursos sectários relativamente à revolução colonial. Chefe do Comité Internacional, tido por responsável da crise de 1952, Pablo deixa a Internacional em 1964, com base em desacordos a propósito do conflito sino-soviético (apoia as reformas de Khrushchov contra o esquerdismo dos dirigentes chineses) e sobre a luta de libertação em Angola. Juan Posadas, cuja megalomania planetária se transforma em loucura tinha-o precedido em 1962. Envolvida na solidariedade com a FLN argelina e no trabalho nas redes como Jeune Résistance (Jovem Resistência), onde recruta uma nova geração militante, a secção francesa perde também de passagem os militantes reunidos em torno do boletim a Voz Comunista, cada vez mais críticos do entrismo. Entre eles: Felix Guattari, Denis Berger, Gabriel Cohn-Bendit, ou o antropólogo Lucien Sebag.

A reunificação de 1963 parece, assim, traçar uma via permitindo evitar as tentações sectárias e a procura de atalhos e de substitutos. Os seus artífices concordam em não abrir a questão dolorosa. Inicia-se então uma dinâmica de saída do "entrismo", sem balanço nem clareza. Esta palavra "guarda-chuva", que evoca um universo sórdido de manobras e de duplicidade, abrange, contudo, realidades fortemente diferentes.

Num movimento operário democrático, a própria noção de entrismo não tem pés nem cabeça. Existiam, antes de 1914, correntes revolucionárias em organizações reformistas. O seu combate preparava, então, o grande dia, e então ninguém teria sonhado falar de entrismo a seu propósito. Hoje, em 2002, correntes revolucionárias dotadas de uma imprensa militante própria militam no seio do Partido dos Trabalhadores do Brasil, e defendem as suas posições, apresentam os seus candidatos às instâncias dirigentes, sem que ninguém os acuse de deslealdade. Paradoxalmente, um dos raros precedentes de infiltração conspirativa foi o feito do anarquista Michel Bakounine, que organizou uma fracção secreta no seio da I Internacional.

O termo de "entrismo" propriamente dito aparece assim nos anos 30 e, mais precisamente, a partir da "viragem francesa" de 1934 e da "viragem americana", quando Trotsky pede aos pequenos grupos saídos da Oposição de Esquerda que se juntem aos partidos socialistas nos quais emergem correntes de esquerda. Este "entrismo" não tinha nada de clandestino. Fazia-se de "bandeira desfraldada", defendendo abertamente as suas ideias e organizando correntes claramente identificadas tanto quanto o regime dos partidos dirigidos pelas burocracias social-democratas o permitiam. Tratava-se, afinal, de uma táctica de curto prazo.

O entrismo estendido em 1952-1953 aos partidos comunistas é de um outro tipo. Claro que por razões práticas, na medida em que o monolitismo dos PC e o seu anti-trotskismo virulento forçam à dissimulação. Mas também em função de escolha a longo prazo: ele não responde à emergência de diferenciações existentes dentro das organizações de massas, mas antecipa e aposta na inevitabilidade de rupturas sob o impacto da guerra anunciada. Não se pode fixar um termo a este entrismo especulativo. Quando se produzem diferenciações nos partidos de massa, elas são forçosamente minoritárias, mesmo minúsculas relativamente aos maiores contingentes militantes. As rupturas parciais nunca estão à altura da grande fractura esperada. As organizações formadas no molde do entrismo hesitam então em abandonar a grande presa vindoura pelo magro benefício de diferenciações ainda minoritárias: relativamente aos ganhos esperados, as oportunidades imediatas parecem sempre prematuras e os resultados decepcionantes. Nenhum critério seguro permite portanto pôr fim a uma experiência entrista. A questão da saída torna-se assim um pomo de discórdia tão devastador como o da entrada e não é raro que as organizações implicadas se dividam duas vezes: os mesmos actores podem — David Rousset foi disso prova brilhante — ser contra a entrada no Partido Socialista em 1934 e contra a saída em 1936.

O entrismo de longa duração iniciado em 1952 foi apresentado como o meio, em período de refluxo do movimento revolucionário, para continuar em contacto com o movimento real. Favoreceu uma sensibilidade aos fenómenos de radicalização, uma abertura às novas questões, um sentido de iniciativa, uma preocupação em deslocar as linhas em lugar de se contentar com uma denúncia veemente das "direcções traidoras". Mas a dissimulação nos partidos reformistas ou estalinistas tem também um preço elevado. Por um lado, os militantes acabam por conceber a política por procuração: em lugar de defender o que é necessário fazer na relação de forças realmente existente, eles imaginam o que devia fazer a direcção do seu grande partido... se ela fosse revolucionária. Entram, assim, num mundo fictício onde a pedagogia se substitui à construção de relações de forças reais. Vivendo como parasitas de um aparelho estranho, perdem pouco a pouco a sua própria cultura organizativa, difícil de reconquistar. Isso será uma razão suplementar, muitas vezes inconsciente, para perder as oportunidades cruciais, tanto mais que os novos militantes influenciados no trabalho entrista foram ganhos para uma posição crítica subalterna, mais do que para uma prática independente. Daqui resulta um salto perigoso, muitas vezes recusado, entre a pertença a uma corrente oposicionista num grande partido e o compromisso de construção de uma pequena organização independente.

Ao entrismo dos anos 1930 ou 1950, é preciso acrescentar uma variante fortemente singular, que podíamos, cum grano salis, qualificar de entrismo maçónico. Trata-se mais de infiltração, por vezes dormente, nos aparelhos políticos e sindicais ou mesmo nas instituições estatais. Quando se trata de astúcia face a um aparelho repressivo ou a perseguições profissionais, esta iniciativa pode ser concebida. Mas a corrente lambertista, constituída originalmente contra o entrismo, faz dele contraditoriamente uma segunda natureza. Nos seus Segredos de Juventude, Edwy Plenel traçou um retrato plausível de Lionel Jospin feito toupeira, esperando a grande noite anunciada pelas profecias catastróficas da sua organização. Este entrismo particular acaba por tecer uma rede de conivências, de serviços recíprocos, de cumplicidades opacas. Ele desenvolve uma cultura da suspeita ligada a uma visão policial da história e envenena o movimento operário em vez de reparar os estragos do estalinismo. A perversão está no seu cúmulo quando a corrente lambertista pratica o entrismo já não dentro das organizações reformistas, mas dentro de organizações revolucionárias. Ele tem então de inverter as suas justificações, segundo as quais a organização rival representa o inimigo mais pernicioso. Imaginamos o universo de pensamento que produz esta "bleuite"(1) com molho Lambert.

Falha de um balanço sereno, a ruptura dos anos 1960 com o entrismo não foi nem clara, nem ponderada. Ela produziu-se sob a pressão das circunstâncias e foi marcada por contratempos e encontros falhados. Em Itália, a existência de um Partido Comunista com uma direcção mais flexível que a do PCF, permite, no início dos anos 60, a emergência de correntes críticas em torno do jornal La Sinistra (A Esquerda). Sob o impacto da revolução cultural chinesa e da revolução latino-americana, desenham-se então correntes de radicalização que atraíam, mesmo antes de 1968, sectores significativos da juventude. Estas rupturas continuavam no entanto a ter pouco peso, comparativamente às vastas perspectivas que pareciam oferecidas a um trabalho de longo fôlego num partido que contava com cerca de um milhão de membros. A secção italiana continuará assim empenhada na via entrista, enquanto as novas organizações nascidas da radicalização da juventude caíam, em larga medida, sob a influência maoísta.

Na Alemanha, a intervenção da secção inscrevia-se prioritariamente na social-democracia e na sua organização de juventude, quando a organização estudantil entra em dissidência sob a direcção de Rudi Dutschke e se torna independente. Tendo falhado este momento propício, a secção esforça-se por recuperar o tempo perdido envolvendo-se, no seguimento de 68, numa experiência unitária da esquerda crítica, no momento em que a clarificação entre grandes correntes da extrema-esquerda, e em especial relativamente ao ma-oísmo, se tornava necessária. Em Itália, como na Alemanha, estas saídas falhadas do entrismo pesaram longamente sobre a configuração da esquerda revolucionária.

Em França, em contrapartida, produziu-se em 1965 uma ruptura parcial relativamente ao entrismo, sob pressão da radicalização da juventude através da oposição à guerra da Argélia e da agitação universitária. A crise da União dos Estudantes Comunistas, a exigência de um apoio internacionalista à luta do povo vietnamita, a recusa em votar Mitterrand na primeira volta das eleições presidenciais de Dezembro de 1965, conduziriam a uma cisão nas organizações de juventude comunista e à formação, em Abril de 1966, da Jeunesse Communiste Révolutionnaire (Juventude Comunista Revolucionária), de onde saiu a actual LCR (Ligue Communiste Révolutionnaire, Liga Comunista Revolucionária). Esta organização de uns 300 militantes na juventude, não correspondia a um projecto maduro. Ela resulta mais da pressão das circunstâncias e da brutalidade particular da direcção estalinista em França. Mesmo se a esmagadora maioria da sua direcção pertencia também à secção francesa, foi decidido que esta JCR não seria a sua organização de juventude, mas sim uma organização independente. Tratava-se, assim, de um compromisso entre uma experiência de organização independente na juventude e a continuação do entrismo pela secção adulta, que se torna caduco em Maio de 68.

A escolha entre uma política entrista e uma orientação independente não pode decidir-se pela questão: Por onde passa a radicalização? Processo desigual, alimentado de experiências sociais, a tomada de consciência política toma sempre diversas vias: no movimento sindical e social, nos grandes partidos tradicionais, na cristalização de fenómenos e de formação novos. Não há uma via única. A verdadeira escolha é a do ponto de apoio que permita à alavanca mover massas. Uma orientação entrista é concebível em condições de repressão ou quando o controle hegemónico de aparelhos reformistas condena uma organização independente a uma vida propagandística vegetativa, vigiada pela necrose sectária. Quando a situação é mais aberta e se abrem espaços para uma política independente, há mais a perder do que a ganhar no entrismo. Para a própria organização revolucionária, que arrisca tornar-se dependente do corpo de que ela se pretende alimentar, e desposar a sua cultura. Mas também para os militantes do partido no qual se pratica o entrismo, junto dos quais ele mantém um clima de desconfiança, de rumores, de deslealdade, que tanto obstaculiza às clarificações e às possíveis aproximações futuras.

fasa

Acrescentemos que os militantes entristas têm muitas vezes tendência a tornar-se mutantes. Submetidos à dupla lei newtoniana da atracção universal e darwiniana da adaptação ao meio, eles assimilam-se ao corpo que seria suposto subverterem. Jospin é disso uma ilustração exemplar. Sem dúvida, o hábil Mitterrand, soube, com todo o conhecimento de causa, apostar nesta metamorfose.


Notas:

(1) N.T.: "Doença azul" — nome da operação lançada pelo capitão francês Paul-Alain Léger, perito de contra-terrorismo e espionagem, contra a guerrilha da Frente de Libertação Nacional (FLN). Teve tanto sucesso com os seus soldados da FLN "redimidos", que a guerrilha foi levada a um esforço de purga interna (até 2000 guerrilheiros da FLN mortos na área de Argel, onde este operou entre 1957-1958), por ver traidores em todo o lado nas suas fileiras... (retornar ao texto)

Este texto foi uma colaboração
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Inclusão 10/04/2010
Última alteração 11/04/2014