A Teoria do Materialismo Histórico
Manual Popular de Sociologia Marxista

N. Bukharin


Capítulo VI - O equilíbrio entre os elementos da sociedade - (continuação)


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§ 39. A psicologia e ideologia sociais

Quando examinamos a origem da ciência e da arte, do direito e da moral, etc., já encontramos diante de nós um certo número de sistemas bem concatenados de imagens, pensamentos, regras de conduta, etc.. A ciência consiste em pensamentos concatenados entre si, ajustados uns aos outros, sistematizados, que envolvem com sua textura um objeto qualquer. A arte é um sistema de sensações, sentimentos, imagens. A moral é um conjunto de regras de conduta, tendo uma força persuasiva e penetrante, que são mais ou menos rigorosamente ajuizadas umas às outras. O mesmo pode ser dito de muitas outras ideologias. Mas, na vida social, descobrimos um imenso domínio de valores não refletidos, não sistematizados, onde não encontramos uma ligação obrigatória entre os valores. Tomai aquilo que denominamos «as idéias correntes» sobre um objeto qualquer, em confronto com o pensamento «cientifico» sobre o mesmo tema. O que verificamos em primeiro lugar, são noções fragmentarias, idéias sem ordem e dispersas; teremos aí uma multidão de contradições, de idéias insuficientemente meditadas, de bizarrias. Tudo isto precisa ser trabalhado, examinado com a lente, criticado, verificado, desembaraçado das contradições; mas então, já intervém a ciência. Ora, é habitualmente sobre «as idéias correntes» que se vive. Entre a imensidade das reações recíprocas que se produzem entre os homens e que constituem a vida social, existe, no domínio das relações psíquicas, uma multidão desses elementos não sistematizados: idéias fragmentárias, nas quais, entretanto, já se exprime um certo conhecimento dos sentimentos e dos desejos, nas relações dos homens entre si; gostos, modos pensar, representações não refletidas, «semi-conscientes» confusas sobre «o bem» e o «mal», sobre «o justo» e «o injusto», sobre «o belo» e o «feio»; hábitos e opiniões correntes, quotidianas; tendências e idéias referentes à marcha da vida social; sentimentos de alegria ou de tristeza, de aborrecimento e de cólera, sede de luta ou desespero sem remissão, julgamentos variados, esperanças confusas, ideais; pensamentos críticos e mordazes sobre a ordem estabelecida ou disposição constante e muito agradável para achar que «tudo vai da melhor maneira no melhor dos mundos»; sentimentos de insucesso e de desilusão, inquietude dos maus dias, desejos de levar uma existência louca, ilusões infinitas sobre o futuro ou temor do futuro, etc.. Todos esses fenômenos, considerados na medida da vida social, constituem o que se denomina a psicologia social. O que distingue a psicologia dita social ou coletiva da ideologia é portanto, como vemos, o grau de sistematização.

A psicologia social apareceu mais de uma vez na ciência burguesa sob o véu extremamente misterioso daquilo que se denomina «espírito nacional» ou «espírito do nosso tempo»; e com efeito, entendia-se por isso uma espécie de alma social única e universal no sentido mais literal. Entretanto, não existe neste sentido um «espírito nacional», como também não existe uma sociedade constituída como um organismo único tendo um só centro de consciência. Já dissemos que seria ridículo representar-se a sociedade à moda da Baleia da qual se fala na nossa lenda do Pequeno cavalo corcunda; seria absurdo esperar ver no meio do mundo exterior

... pavonear-se
Com a boca aberta, monstruosa Baleia
Cujos flancos gretados,
De paliçadas eriçadas,
Abrem-se como uma planície
Coberta de barbas,
Onde as meninas e os rapazes
Vão colher cogumelos...

Mas este monstro não existe, e não existe tampouco um «espírito nacional» ou «alma nacional» no sentido mistérioso e místico que se dá a estas palavras. E entretanto, falamos numa psicologia social que distinguimos da psicologia individual. Como entender isto? Como resolver essa contradição? Mas é muito simples! As realizações recíprocas que se produzem entre os homens determinam uma psicologia especial em cada indivíduo. O elemento «social» existe não entre os homens, mas nas cabeças desses homens. Ora, o que existe nessas cabeças, nesses cérebros, nesses espíritos é o produto das influências mutuas das relações recíprocas que se entrecruzam, por conseguinte não há outro elemento psíquico a não ser aquele que existe nos indivíduos, constantemente mergulhados numa atmosfera de reação mutua, nos indivíduos «socializados»: a sociedade é portanto um conjunto de homens socializados e não um fabuloso Leviatã cujos órgãos seriam os indivíduos.

G. Simmel assim escreve, admiravelmente:

"Quando uma multidão, nos diz ele, demole um edifício, ou pronuncia um julgamento, ou clama violentamente, os atos dos indivíduos formam uma soma, e esta soma é um acontecimento que designamos como um fato único, como a realização de um só conceito. E é então que se produz uma importante substituição: o resultado exterior de um conjunto de processos psicológicos individuais é interpretado como resultado de um único processo de conjunto, de um processo da alma coletiva" (G. Simmel: Soziologie. Untersuchungen uber die Formen Vergesellschaftung — "Investigações sobre as formas da socialização" — Leipzig, 1908. Verlag Duncker und Humbolt. Pag. 559-60).

Outro exemplo: Acontece às vezes que as relações recíprocas dos indivíduos produzem qualquer coisa de novo e de mais considerável do que a simples soma das tendências ou dos atos individuais.

''Se examinarmos as coisas bem de perto, neste caso, trata-se do modo de agir dos indivíduos que se encontram sob a influência do ambiente; como resultado desse ambiente, produzem-se transposições de tom (Umstimmungen), transposições nervosas intelectuais, hipnóticas (de sugestão), morais, por comparação com os estados espirituais que existiriam fora desse ambiente e de suas influencias. Mas se estas últimas, reagindo ainda umas sobre as outras, modificam igualmente o estado interior de todos os membros do grupo, está claro que a sua ação comum (Totalaktion) seria diferente da ação de cada uma das influencias quando ela se manifesta isoladamente" (Ibidem, pag. 560).

Entretanto, nas expressões «alma racional», «espírito de nosso tempo» há um certo sentido: estes termos indicam exatamente dois fatos que podem ser observados em toda parte e sempre: em primeiro lugar o seguinte: que em cada época, há uma tendência dominante nos pensamentos, sentimentos, estados de alma, uma psicologia dominante que colora toda a vida social; em segundo lugar: que essa psicologia dominante modifica se em função do «caráter da época». isto é, em nossa linguagem, em função das condições da evolução social.

A psicologia dominante numa sociedade reduz-se aos dois principais elementos seguintes: em primeiro lugar: a caracteres psicológicos gerais que podem ser encontrados em todas as classes da sociedade porque, apesar de toda a diversidade das situações ocupadas por estas classes, pode haver analogias entre estas situações; em segundo lugar a uma psicologia da classe dominante que se impõe tão fortemente na sociedade a ponto de dirigir toda a vida social, submetendo mesmo as outras classes à sua influência. Como exemplo do primeiro destes elementos pode-se relembrar o que era visto nas épocas do feudalismo: tanto no senhor como no camponês, havia traços psicológicos comuns: apego às velhas coisas, rotina, tradições, submissão à autoridade, «temor de Deus», estagnação do pensamento, aversão por todas as novidades, etc.. Por que era assim? Em primeiro lugar, porque as duas classes viviam numa sociedade estacionaria: o movimento psicológico vem mais tarde das cidades. Em segundo lugar, porque o senhor feudal sendo «soberano e pai» no seu domínio, o camponês, por seu lado, é também «soberano e pai» na sua família». A família, nós o sabemos, é uma das organizações de trabalho dessa época. Os laços do trabalho familiar na economia camponesa desempenham ainda nos nossos dias um papel importante. Compreende-se, portanto, que o regime patriarcal, a constituição do trabalho de família, a autoridade indiscutida e o poder do pater familiae tenham determinado uma psicologia correspondente: «Os mais idosos sabem melhor o que se deve fazer». O espírito conservador da nobreza feudal e dos camponeses em servidão, era «o espírito do tempo» numa fase determinada da evolução social. Bem entendido, ao lado disto, na psicologia social dominante, manifestavam-se outros elementos que caracterizavam unicamente os senhores feudais e não se difundiam senão em função da situação dominante da nobreza.

Por outro lado, vemos muito mais frequentemente a psicologia social — entendamos: a psicologia social dominante — determinada pela psicologia da classe dominante. Marx nos diz no Manifesto Comunista, capítulo 2.º:

«As idéias dominantes de uma época qualquer não foram sempre senão as idéias de uma classe dominante».

O mesmo pode-se dizer da psicologia social que domina numa época determinada. Já demos, no exame das ideologias, diversos exemplos de sentimentos, pensamentos e estados de alma que dominavam nas sociedades. Indaguemos agora, por exemplo, o que representava a psicologia do Renascimento que se distinguia pelo seu amor pelas volúpias terrestres as mais refinadas, que falava latim ou grego, que refinava na ciência, que tinha a paixão de valorizar a personalidade para distingui-la do «vulgar», que considerava com elegante desdém as superstições da Idade Média, etc.. Está claro que esta psicologia nada tinha de comum, por exemplo, com a da classe camponesa italiana de então. Esta psicologia era o produto da vida das cidades comerciais e nas cidades ela era o resultado da existência, de uma aristocracia de financeiros e de comerciantes. As cidades começavam então a ganhar terreno sobre os campos, e eram banqueiros, aparentados com a sociedade principesca, que nelas dirigiam os negócios. É a psicologia desta camada social que se reconhece como sendo dominante para a época: os monumentos do tempo são uma expressão viva disto. É preciso ainda notar que à medida que se desenvolvem as forças produtivas, a classe dominante apodera-se de poderosos meios; que lhes servem para formar, determinar a psicologia das outras classes.

«Realmente... três ou quatro jornais de importância mundial chegarão, no futuro, a determinar a opinião dos jornais de provinda e, por conseguinte, a determinar «a vontade do povo», como nos diz, sem constrangimento, o filósofo da burguesia alemã contemporânea, Spengler.

Não deixa porém de ser evidente que, numa sociedade constituída em classes, não existe uma «psicologia social» maciça, comum, uniforme. Não existem, no melhor dos casos, senão certos traços comuns dos quais não devemos exagerar a importância.

O mesmo pode-se dizer daquilo que se denomina "caráter de um povo", "psicologia dos povos", etc..... Bem entendido, não é da conta dos marxistas contestar "em princípio" certos traços comuns que podem existir entre as diversas classes de um só e mesmo povo. Marx, numa certa passagem, toma mesmo em consideração a influência da raça; ele escreve com efeito:

"... A mesma base econômica — a mesma nas suas condições essenciais — pode mostrar, devido a circunstancias empíricas inúmeras e diversas, devido a condições climatéricas, devido a relações de raça, de influência histórica agindo exteriormente, etc., infinitas variações na sua manifestação, o que não pode ser compreendido senão pela análise dessas circunstancias empíricas" (Karl Marx: Capital, III).

Em outros termos: se duas sociedades quaisquer passam pelo mesmo grau de evolução (digamos: pelo feudalismo), elas apresentarão cada uma certas particularidades (bem que secundárias, não modificando os "traços essenciais"). Estas particularidades explicam-se por diversos desvios no processo da evolução, como consequência de condições particulares da evolução no passado. Seria absurdo negar estas particularidades, como também não se podem contestar certos aspectos singulares do "caráter nacional", do "temperamento", etc.. Bem entendido, uma psicologia de classe não é ainda a prova da existência de certos caracteres "nacionais" particulares; (Marx, por exemplo, dizia do filósofo Bentham que este era um fenômeno "especificamente inglês"; Engels denominava o socialismo do economista Rodbertus "um socialismo de junker prussiano", etc.). Eis porque o Dr. E. Hunvicz. atualmente companheiro de Cunow na sua luta para a exterminação dos bolchevistas, tem razão quando escreve que

"a psicologia profissional não exclui a psicologia popular" e "o que se dá com a psicologia de casta dá-se com a psicologia local: a psicologia de casta não impede a existência da psicologia nacional" (E. Hurwicz: Die Seelen der Volker. Verlage Fr. Perthes. Gotha, 1920. Pag. 14 e 15).

Mas é preciso observar que os marxistas explicam estas particularidades nacionais pela marcha efetiva da evolução social e não se contentam em apontá-las com o dedo; em segundo lugar, eles não exageram a importância dessas particularidades e sabem "ver as arvores atrás da floresta", enquanto que os simples partidários da "psicologia nacional", etc., são incapazes de reconhecer a floresta; em terceiro lugar, os marxistas não escrevem bobagens como o fazem constantemente os sábios e os semi-sábios da pequena-burguesia, os fanfarrões que floreiam sobre o tema da "alma popular". Todos sabem por exemplo que o pequeno-burguês russo sempre considerou como característica de todo alemão o ser pequeno-burguês. Ora, os operários alemães nos provam hoje em dia que isto não é verdade. Todos sabem quantas tolices foram escritas e publicadas sobre "a alma eslava". Quando, por exemplo, o mesmo Hurwicz descobre num arroubo de imaginação que o bolchevismo não é senão o czarismo às avessas, quando ele pretende reconhecer no bolchevismo os métodos de governo da autocracia, o que ele mostra com isto não são as características da "alma russa", que segundo ele explicariam esta identidade de métodos; mas ele manifesta a sua qualidade de alma de pequeno-burguês internacional, apavorado pela Revolução e que sustenta atualmente os partidos da social-democracia.

A psicologia de classe apóia-se sobre o conjunto das condições de vida das classes respectivas e estas condições de vida são determinadas pela situação das classes e pelas conjunturas econômicas, políticas e sociais.

É preciso considerar, além disto, a complexidade de toda psicologia social. Acontece por exemplo que psicologias de classe, absolutamente opostas no fundo, apresentem analogias flagrantes na forma. Quando se produz por exemplo uma luta de classes encarniçada, uma luta de morte, está claro que, no fundo, os sentimentos, tendências, esperanças, desejos, aspirações, ilusões, etc.. serão diferentes nas classes opostas; mas a forma, de seus estados psíquicos, ardor extraordinário, violência apaixonada, fanatismo da luta e mesmo um certo heroísmo particular, poderá apresentar certas analogias nas duas classes.

Dissemos que a psicologia das classes é determinada pelo conjunto das condições de vida de cada classe, condições que têm a sua base na situação econômica de cada classe. Esta é a razão por que é absolutamente impossível reduzir toda psicologia da classe ao interesse desta, como se faz às vezes. É indiscutível que o interesse de classe determina essencialmente a luta de classe. Mas a psicologia de classe a isto não se limita. Já vimos mais acima que, na época da decadência do império romano, filósofos da classe dirigente pregavam o suicídio e que esta propaganda obtinha sucesso porque concordava com a psicologia desta classe dirigente, que era uma psicologia de homens saciados e por conseguinte fartos de viver. Podemos perfeitamente explicar a formação de semelhante psicologia; vemos que ela tem sua raiz no parasitismo de uma classe dominante que nada fazia, e cuja existência inteira se limitava a consumir sem cessar, a experimentar de tudo até se enfastiar. Isto se explicava pela situação econômica dessa classe, pelo papel que ela desempenhava (ou antes que ela não desempenhava) no trabalho do país. A psicologia da saciedade e da morte era uma psicologia de classe. Entretanto, é impossível dizer-se que, pregando o suicídio, Sêneca exprimia um interesse de classe, mas, de outro lado, não se poderia concluir que um suicídio ou um ato desse gênero nunca tenha relação com o interesse de classe. As greves de fome nas prisões russas eram por exemplo atos de luta de classe, modos de protestar e dar maior ímpeto à luta, atos simbólicos que indicavam a solidariedade dos militantes e que os uniam no combate. Ora, a luta se fazia em nome dos interesses de classe. Acontece às vezes que o desespero se apodera das massas ou dos grupos, depois de uma grande derrota na luta de classe. Isto tem uma certa relação com o interesse de classe, mas uma relação de caráter muito particular: os homens eram levados para a luta por razões secretas de interesse; mas eis o exército dos militantes vencido, derrotado; produz-se então uma decomposição, há desespero na derrota; e começa-se a esperar um milagre, foge-se da sociedade humana, elevam-se os olhares para o céu. Depois da derrota dos grandes movimentos populares que se produziram na Rússia no século XVII e que se colocavam frequentemente sob o estandarte religioso, apareceram formas de protesto

«extremamente diversas, inspiradas pela desilusão e pelo desespero»; «Pregava-se a fuga para o deserto ou o suicídio pelo fogo». «Centenas e milhares de homens sobem por espontânea vontade para a fogueira... Exaltados, envolvendo-se numa mortalha branca, deitam-se nos túmulos e esperam a hora comparecer diante de Deus» (S. Melgunov: Os movimentos sociais.religiosos do povo russo no século XVII, tomo 1, pag. 019).

Este estado de espírito é muito bem expresso em do poemas dessa época citados por Melgunov:

Bela solidão, ó Mãe,
Longe dos rumores da terra,
Seja meu asilo e reconforto...

Ou:

Num ataúde feito de pinho,
Quero esperar a jazer
A trombeta do Julgamento...

Vemos assim que, examinando de perto a psicologia classe, encontramo-nos em presença de um fenômeno mui complexo que não pode ser reduzido somente ao interesse, mas que, entretanto, explica-se sempre pelas circunstancias concretas nas quais a classe encontrou seu destino.

Na estrutura psicológica da sociedade, isto é, entre diferentes aspectos da psicologia social, encontramos igualmente a psicologia do grupo, da profissão, etc.

No interior de uma classe, podem existir diversos grupos: por exemplo, na burguesia, encontramos o elemento financeiro e capitalista, o elemento comercial, o elemento industrial, etc..; na classe operária, encontramos uma aristocracia de operários qualificados ao lado de operários instruídos de modo simples ou desprovidos completamente instrução profissional. Cada um desses grupos tem interesses um pouco diferentes dos do grupo vizinho e assinala-se por certos traços de caráter particular: por exemplo, o operário qualificado gosta de seu oficio, ele se orgulha de ter passado a mestre e de se distinguir dos outros; ele tem tendência a se aproximar da classe superior e gosta de pôr um colarinho branco para se dar ares de burguês. A profissão imprime também sua marca sobre a psicologia: quando, por exemplo, se reprocha os burocratas, o que neles encontramos de ruim são certos traços de caráter devidos à psicologia da profissão: espírito rotineiro, amor da papelada, preferência dada à forma sobre o fundo (formalismo), etc.

Formam-se tipos profissionais cujas particularidades mentais decorrem diretamente do gênero de ocupação e cuja psicologia dá origem a uma ideologia especial.

«Os políticos profissionais, escreve Engels, os teóricos do direito positivo, os especialistas do direito civil... perdem todo contato com os fatos econômicos. Como, em cada caso, os fatos econômicos devem revestir a forma jurídica para serem sancionados sob a forma de leis, e como é preciso, além disso, levar em conta o sistema de direito existente, a forma jurídica é tudo e o conteúdo econômico nada» (Ludwig Feuerbach).

A psicologia profissional revela o homem: alguns minutos de conversação são suficientes para ver se temos diante de nós um caixeiro, um açougueiro ou um jornalista. Estes tragos característicos da profissão são internacionais: podem ser observados nos mais diferentes países.

Assim, paralelamente à psicologia de classe, que é a forma mais acentuada e mais importante da psicologia social, existe uma psicologia de grupo, uma psicologia profissional, etc.. E pode-se dizer que todo grupo de homens (mesmo se for um clube de jogadores de xadrez ou de coristas) imprime um certo traço no caráter da sociedade. Mas como a existência de um grupo humano qualquer está ligada ao regime econômico da sociedade, é deste regime que ela depende em última análise e todas as formas da psicologia social formam uma grandeza que depende do modo de produção social, da estrutura econômica da sociedade.

É bastante fácil agora determinar a relação da psicologia social e da ideologia social. A psicologia social é de certa maneira um reservatório para a ideologia. Pode-se compará-la a uma solução de cloreto de sódio em que se depositam pouco a pouco os cristais da ideologia. Vimos, no princípio deste parágrafo, que a ideologia se distingue por uma maior sistematização de seus elementos, isto é, dos pensamentos, sentimentos, sensações, imagens, etc.. Que é que a ideologia sistematiza? Ela sistematiza aquilo que está pouco sistematizado ou que não está absolutamente sistematizado, isto é, a psicologia social. As ideologias são as cristalizações da psicologia social. Vamos dar alguns exemplos. Já na aurora do movimento operário, a classe operária tinha um sentimento de descontentamento, ela tinha idéia da injustiça do regime capitalista, o desejo vago de substituí-lo por alguma coisa diferente. Mas tudo isso era confuso, sem nexo. Não se tratava de uma ideologia. Mas eis que aparecem fórmulas nítidas, coerentes, um sistema de reivindicações (programa), um «ideal», etc.. É a isto que se dá o nome de ideologia. Ou suponhamos ainda que a sensação do sofrimento e do desejo de sair da sua situação se traduzem numa obra de arte qualquer: isto será também uma ideologia. Evidentemente, não se pode sempre demarcar uma linha de separação rigorosa. A ideologia não está separada da psicologia por uma parede estanque. Na realidade, existe um processo contínuo de concretização, de solidificação da psicologia social numa ideologia social. Por isso, toda variação da psicologia social é acompanhada de uma variação da ideologia social, o que observamos várias vezes no parágrafo precedente. Quanto à psicologia social, ela varia em função das relações econômicas que estão em via de constante transformarão, pois ao mesmo tempo se produz um reagrupamento das forças sociais e as variações do nível das forças de produção determinam a aparição de novas recepções sociais.

Agora que demos uma série do exemplos na análise das ideologias, é inútil demorarmo-nos sobre a modificação da psicologia social e sobre a sua ligação com as modificações da ideologia. Vamo-nos limitar a indicar que a literatura atual estuda atentamente a questão do "espírito do capitalismo", isto é. da psicologia dos empreendedores. Tais são os trabalhos de W. Sombart (O burguês), de Max Weber e, nestes últimos tempos, de Hermann Levy: (Estudos sociológicos sobre o povo inglês, Iena, 1920). Já no tomo 1.º do Capital, Marx escrevia:

"O protestantismo desempenha um papel considerável na gênese do capitalismo, mesmo que seja somente pela transformação dos feriados tradicionais em dias úteis".

Em várias ocasiões, ele indicou que a mentalidade puritana, econômica e ao mesmo tempo trabalhadora, obstinada, prosaica do protestantismo, estranha à pompa e ao brilho do catolicismo, era a mentalidade da burguesia no seu período de crescimento. Esta teoria valeu-lhe numerosos debiques. Ora, agora, os sábios burgueses mais eminentes a retomam, mas evidentemente sem atribuí-la a Marx. Sombart mostra que a acumulação dos traços mais diferentes (sede de ouro, amor ao risco, espírito inventivo, aliados à arte de saber contar, a razão fria e a moderação judiciosa) deu como resultado «quilo que se denomina "mentalidade capitalista". Esta mentalidade, naturalmente, não se formou por si mesma; ela se constituiu paralelamente à modificação das relações sociais: ao mesmo tempo que o corpo do capitalismo se fortificava seu espírito se desenvolvia; todos os traços fundamentais da psicologia econômica se modificavam: na época pré-capitalista, a idéia econômica fundamental do nobre era a da "conveniência", daquilo que "fica bem para sua posição" (o dinheiro é feito para ser gasto, escrevia Tomaz de Aquino); a economia era gerida de maneira irracional, sem contabilidade exata, a tradição e a rotina dominavam; a vida desenrolava-se num ritmo lento (os dias feriados formavam quase a metade do ano); a iniciativa e a energia faltavam; a mentalidade capitalista, que sucedeu à mentalidade senhorial feudal, está ao contrário fundada sobre a iniciativa, a energia, a rapidez, a renuncia à rotina, a contabilidade racional e a reflexão, a sede de acumulação, etc.. A transformação completa das relações de produção foi acompanhada de uma transformação completa da mentalidade.

40. Os processos ideológicos como trabalho diferenciado

É possível e mesmo necessário abordar por outro lado a questão das ideologias e das superestruturas em geral, afim de compreender estes fenômenos extremamente importantes da vida social. Sabemos já que, pela sua composição, as superestruturas representam uma grandeza complexa, em que entram homens e coisas; quanto às ideologias, são por assim dizer um produto espiritual. Se assim é — e isto é incontestável — precisamos considerar a superestrutura no seu movimento (e por conseguinte, seus processos ideológicos) como uma forma especial do trabalho social (mas não da produção natural). No começo da «história humana», isto é, na época em que o super-trabalho não existe, não há quase ideologia. Não é senão depois da aparição do super-trabalho que, «ao lado da imensa maioria, exclusivamente ocupada no labor físico, forma-se uma classe libertada do trabalho direto de produção e ocupada da gerência das questões sociais: direção do trabalho, administração do Estado, exercício da justiça, estudo das ciências, produção das obras de arte, etc.. É assim que a lei da divisão do trabalho forma a base da divisão em classes». (Engels: O desenvolvimento do socialismo, da utopia à ciência). Numa passagem Marx declara que os padres, juristas, homens de Estado, etc., são «castas ideológicas» (ideologische Stande). Em outros termos, podemos considerar os processos ideológicos como uma forma determinada de trabalho. Este trabalho não é a produção material. Não é nem mesmo uma parte dela. Mas como nós já sabemos pela análise das ideologias, ele surge da produção material e dela se destaca para formar ramos especiais da atividade social. O crescimento da divisão do trabalho exprime o crescimento das forças de produção da sociedade; é por isso que o desenvolvimento das forças de produção é acompanhado de um lado pela divisão do trabalho no domínio da produção material, e doutro pela aparição do trabalho puramente ideológico que, ele também, se divide.

«A divisão do trabalho não é especifica do mundo econômico; pode-se observar a sua influência crescente nas regiões as mais diferentes da sociedade. As funções políticas, administrativas, jurídicas se especializam cada vez mais. O mesmo se dá com as funções artísticas e cientificas. (E. Durkeim: Da divisão do trabalho social, Paris, 1893, pag. 2).

Desse ponto de vista, toda a sociedade é como uma imensa, máquina de trabalho com partes especiais para cada trabalho. O trabalho social comporta duas divisões fundamentais: primeiro, o trabalho material, isto é, a produção; segundo, todas as formas de trabalho que dizem respeito às superestruturas: administração, política, etc., e também ao trabalho ideológico. Esse trabalho, em conjunto, está organizado de acordo com o mesmo modelo que o trabalho material. Ele comporta uma hierarquia de classe: no cume, os detentores dos meios de produção; em baixo, os «não possuidores». Quase em todos os domínios do trabalho «superestrutural» a situação é a mesma que no processo de produção material, onde os que estão no cume representam um papel especial pelo fato de que são eles os detentores dos meios de produção e, portanto, acham-se igualmente no cume do processo de repartição. É assim no exército, como vimos; é assim igualmente na ciência e na arte. Na sociedade capitalista, por exemplo, um grande laboratório técnico está interiormente organizado como uma empresa industrial. A organização dum teatro, com o proprietário, o diretor, os artistas, os figurantes, os técnicos, os empregados, os operários, lembra igualmente a de uma fábrica.

Por conseguinte (na medida em que se trata de uma sociedade de classes) achamo-nos aqui em presença de diversas categorias de pessoas, com funções diferentes, que estão socialmente ligadas a essas pessoas, e a posição a mais elevada implica a posse do que se poderia chamar «meios espirituais de produção», que constituem uma propriedade monopolizada de classe; segue-se que na repartição dos produtos materiais (e é antes de tudo do gozo de bens materiais que vivem os homens), os detentores destes «meios espirituais de produção» recebem da produção geral uma parte relativamente maior do que aqueles que estão debaixo deles.

Sabemos como as classes dirigentes são agarradas ao seu monopólio do saber. Na antiguidade, os sacerdotes, únicos detentores do saber, fechavam a entrada dos "templos da ciência" e não deixavam penetrar senão um número reduzido de eleitos; além disso, o próprio saber se achava envolvido por um véu de mistério divino e terrível, accessível unicamente a pequeno número de "sábios" e de "justos". Para se ver a que ponto as classes reinantes apreciavam esse monopólio, baeta ver-se a seguinte opinião do filósofo idealista alemão Fr. Paulsen:

"Para aquele que, em virtude das relações sociais, está ligado à profissão, cuja situação material seria a do operário manual, não haveria nenhuma vantagem em receber a instrução de um sábio; não somente por essa instrução não melhorar a sua sorte, mas ao contrário, lhe tornar a vida mais difícil." (Frederic Paulsen: Das modern Bildungwesen in Kultur der Gegenwart, t. 1, p. 75. Note-se de passagem que esta enorme edição da Cultura Contemporânea, na qual tomou parte a elite dos professores alemães, era dedicada a Guilherme II!).

Assim o honrado filósofo idealista considera o homem como preso, desde o seio mesmo de sua mãe, aos grilhões do capital e lhe tira direito à instrução, mesmo antes de sua vinda ao mundo.

Esse caráter de monopólio da instrução foi a principal causa da resistência tenaz dos intelectuais russos por ocasião da Revolução proletária. Pelo contrário, uma das principais conquistas da Revolução proletária foi a abolição deste monopólio.

Se considerarmos a produção material, veremos que ela se subdivide numa série de ramos diversos; primeiramente, indústria e a agricultura, em seguida uma quantidade enorme (numa sociedade capitalista desenvolvida) de subdivisões secundárias, desde a indústria mineradora e a produção dos cercais até à fabricação das agulhas e a cultura da alface. Dá-se exatamente o mesmo no domínio das «superestruturas»: encontram-se nelas as grandes subdivisões (ponhamos, por exemplo, as admitidas no passado, isto é, a gestão de negócios, a elaboração de leis, as ciências, as artes, a filosofia e a religião, etc..); do outro lado, cada uma dessas subdivisões compreende, por seu turno, uma série de ramificações: a ciência, por exemplo, agora se ramifica numa grande quantidade de especialidades diferentes, e da mesma forma a arte. Prossigamos. Na produção material, como vimos, deve haver, se existe uma organização social, uma certa proporção, por grosseira que seja, entre os diferentes ramos da produção, sem o que não pode existir organização social. Tomemos mesmo uma sociedade capitalista que ande a esmo, onde não existe um plano geral de produção, onde reina, pelo contrário, o que se chama «anarquia da produção», isto é, a falta de proporção entre os diferentes ramos da produção; constatamos, apesar de tudo, por momentos, que essa «anarquia» se organiza progressivamente; que essa grosseira ruptura de proporções se corrige através de duras convulsões, é verdade, e não por muito tempo, mas em todo caso se corrige por um certo tempo; se não fosse assim, a primeira crise industrial seria o fim do capitalismo. Indaguemos agora se pode existir numa sociedade um estado de coisas tal, que entre a produção material e os outros aspectos não materiais de trabalho, não haja em absoluto nenhuma proporção. A esta questão pode-se responder da seguinte forma: um tal estado de coisas pode existir, mas então a sociedade não se pode desenvolver, e tem de entrar em decadência. Se, por exemplo, mais trabalho é despendido para sustentar os teatros, ou o aparelho do Estado, ou a Igreja, ou mesmo a arte, então inevitavelmente as forças produtivas declinarão. Por que? Pela mesma razão que faria cair a produção numa empresa em que um só trabalhasse onde este se ocupasse em contar o que ele faz, onde dois cantassem para o animar e onde um outro os controlasse a todos. Como ao mesmo tempo todos comem, e não um só, está claro que uma tal empresa não se manteria muito tempo com vida. Do outro lado, não é menos claro que se não existisse nenhuma pessoa para fazer o cálculo dos produtos, ninguém para unificar o trabalho dessa empresa, ninguém (nem todos juntos, nenhum deles) para coordenar de uma forma qualquer a atividade de cada um dos membros, ninguém para entrar em relações com o mundo exterior, então os negócios não marchariam tampouco, por mais esforços que fizessem e por mais trabalho que pudessem fornecer os operários os mais corajosos. Dá-se o mesmo, guardadas as devidas proporções, na sociedade tomada em conjunto. Por conseguinte, se uma ordem social existe de uma forma durável, é que existe nela um certo equilíbrio, por menos estável que seja, entre o conjunto do trabalho material e o conjunto do trabalho de caráter «superestrutural». Suponhamos um instante que nos Estados Unidos da América desaparecessem numa noite todos os sábios: matemáticos, mecânicos, químicos, físicos, etc. Uma produção do tipo atual se tornaria impossível, pois ela está toda fundada no cálculo cientifico. A produção entraria em regresso, suponhamos doutra parte que 90% dos operários atuais se transformassem por um milagre qualquer em sábios matemáticos que não participassem da produção. Resultaria na ruína igualmente completa: a sociedade cairia de um só golpe, como uma chave na água. Mas se em toda sociedade deve existir uma certa proporção (se bem que, repitamo-lo os seus limites sejam extremamente grandes) entre o conjunto do trabalho material e o conjunto do trabalho compreendido nas «superestruturas», é preciso acrescentar dum outro lado que a repartição do trabalho dentro das superestruturas não é em nada coisa indiferente. Da mesma forma que entre os diferentes aspectos do trabalho material existe um certo equilíbrio (os diferentes ramos do trabalho «tendem ao equilíbrio», como disse Marx, no tomo 3, do Capital), da mesma forma entre os diferentes ramos do trabalho intelectual deve haver um mínimo de equilíbrio. A repartição destes «ramos de produção» intelectual é determinada naturalmente pela estrutura econômica da sociedade. Com efeito, por que, por exemplo, uma enorme quantidade de trabalho popular no antigo Egito se encaminhava para a construção de monumentos gigantescos de arte feudal: pirâmides, estatuas colossais de Faraós, etc.. Porque a sociedade então, com sua estrutura econômica, não podia se manter sem inculcar a todo momento aos escravos e aos camponeses a idéia de grandeza e do poder divino daqueles que reinavam. Não existiam então nem jornais nem agencias telegráficas. A arte servia de comunicação intelectual. Era pois uma necessidade vital para esta sociedade, e nada de extraordinário, portanto, que o orçamento do trabalho do país lhe reservasse uma parte tão grande. Por que na Grécia, em fins do século V.º, era «ética», a elaboração de regras morais, que tinha a proeminência na esfera do trabalho intelectual? Porque, em presença da enorme quantidade de contradições vitais entre as diferentes classes, dos diferentes grupos e sub-grupos no momento em que o equilíbrio social se tinha rompido em que estalavam os antigos «fundamentos» da sociedade era natural que o que dizia respeito às relações entre homens, as relações de homem para homem, que os problemas de organização destas relações se apresentassem uma forma particularmente aguda, mesmo para as classes dirigentes, para as quais era indispensável concertar por todos os meios possíveis os laços sociais rompidos. Por que na América atual (nos Estados Unidos) a arte está tão pouco desenvolvida, enquanto que a América é o primeiro país que criou em toda sua amplidão a ciência da organização da produção (o Taylorismo, psicotécnica, psicofisilogia do trabalho e outros ramos da ciência)? Porque arte não é necessária para o mecanismo capitalista americano: os cérebros são amoldados pela imprensa capitalista americana, que atingiu nesse domínio à virtuosidade; pelo contrário, a questão da racionalização da produção de inevitavelmente representar um papel no país dos «trustes» a «gestão científica» (scientific management) é uma das grandes questões vitais de um tal sistema econômico.

É assim que se estabelece também inevitavelmente, domínio do trabalho de «superestrutura» (e por conseguinte, de todo trabalho ideológico) uma certa proporção das partes que o compõem na medida em que a sociedade se acha em estado de equilíbrio; além disso, esta proporção que fixa a repartição dos diferentes ramos do trabalho intelectual, é determinada pela estrutura econômica da sociedade e pelas exigências de sua técnica.

Essas considerações são confirmadas, entre outros, por um dos ramos do trabalho intelectual: a escola. Com efeito, o que é a escola em geral, tanto a superior como a secundaria e a inferior ou primaria? É, no conjunto do trabalho social, uma ramificação onde se «ensina», isto é, onde se dá à força operária uma competência determinada, um «ensino» especial, onde se faz de uma simples força operária uma força operária particular. A língua popular diz: estudar «para ser médico», «para ser advogado», «para ser oficial», «para ser engenheiro», «para ser técnico», etc.. Mas dá-se o mesmo em todos os domínios do ensino, isto é, deste processo especial no curso do qual os homens adquirem qualidades particulares, que os tornam aptos ao cumprimento de funções particulares mais ou menos especiais; sob este aspecto, não existe diferença entre a escola profissional que forma os serralheiros e o seminário donde saem sábios padres, ou os corpos de cadetes do tempo dos czares que preparavam oficiais. Segue-se que a instituição de escolas, uma divisão em diversas categorias (escolas comerciais, profissionais, militares, estabelecimentos técnicos superiores, universidades, etc..) correspondem à necessidade que sente uma dada sociedade de diferentes modalidades de trabalho material ou espiritual que nela se ensina.

Aqui estão alguns exemplos que esclarecem esta idéia:

Na idade média, por exemplo, a escola estava toda ela nas mãos dos padres. A sociedade feudal não podia viver sem um formidável desenvolvimento da religião. Aí está porque "as escolas dos mosteiros", das catedrais, cujo número ultrapassava o das universidades, a vida em colégios, o ensino na faculdade de artes, tudo trazia um cunho monástico, claustral, tudo era concebido e estabelecido de acordo com um espírito eclesiástico e teológico". (Prof. Ziegler: Introdução à História da Pedagogia).

"À parte um pequeno número de escolas especiais de medicina e de jurisprudência, a generalidade das universidades, bem como as escolas primarias, serviam principalmente para preparar cléricos". Ao lado existia uma escola para a preparação de soldados-cavaleiros para estes, ''o ensino" consistia em formar uma “força de trabalho" não eclesiástica, mas militar. Ensinavam-se principalmente às crianças as sete "honorabilidades" do cavaleiro; "além das seis artes físicas (equitare, natare, sagittare, cestibus certare, aucupare, scassis ludere, isto é, equitação, natação, tiro de arco, esgrima, caça, jogo de damas), contava-se também a arte de versificare, a versificação e a música singen und sagen". É claro que se tratava aqui de formar um tipo de homens particular, necessário para a sociedade feudal.

Mas eis que a cidade se desenvolve, a burguesia comercial também, etc.. E o que acontece? A resposta (e uma excelente resposta) nos é dada pelo mesmo professor Ziegler:

"Porém, diz ele, novas necessidades aparecem em matéria de ensino, noutro domínio. Os negociantes e artesãos vivendo nas vilas florescentes tinham necessidade duma instrução mais prática que a recebida pelos sábios e cavaleiros. As comunas urbanas se puseram a construir elas mesmo suas escolas, onde os habitantes da cidade recebiam a instrução indispensável que convinha ao seu estado." (Ziegler, loc. cit.).

Com o desenvolvimento do capitalismo industrial e o aumento da necessidade de operários qualificados, mesmo no domínio do trabalho manual, aparece o que se chama a escola profissional.

"Para manter a indústria nacional, os governos e artesãos tiveram por fim que dar aos alunos a instrução profissional que eles outrora recebiam na oficina do patrão que os empregava." (N. Krupskaia: A instrução popular e a democracia — 1921).

Depois, esta escola se transforma novamente por efeito do crescimento da grande indústria e da nova procura de "contra-mestres, fiscais, auxiliares, engenheiros, etc.." (ibidem). Ao mesmo tempo, o desenvolvimento colossal dos estabelecimentos secundários e superiores de ensino especial, onde as ciências naturais e as matemáticas representam um grande papel: institutos superiores de comércio, academias agronômicas, etc.

É com muita franqueza na sua impudência que o filósofo idealista alemão F. Paulsen, já citado, nos revela o sentido do ensino capitalista. Estas passagens de sua obra são tão instrutivas, dão um quadro tão cru, que nós a citamos integralmente (o que explica a franqueza de Paulsen, é que tudo que ele escreve está num volume de tal espessura que não há perigo de o ver cair nas mãos de um operário; ele escreve, portanto, unicamente para os tubarões capitalistas e é por isso que ele se permite misturar algumas verdades à sua tagarelice):

"O estado efetivo da instrução é sempre e por toda parte essencialmente determinado pela forma da sociedade e pela sua divisão... Na situação da instrução social se reflete a da sociedade que a provocou. A sociedade tem sempre uma dupla divisão: divisão segundo as formas do trabalho social, e divisão segundo as relações de posse (mais exatamente: da propriedade, N. B.). A primeira divisão é uma divisão em profissões; das diferenças de posse nasce a divisão em classes sociais. As duas divisões têm uma influência sobre as condições de ensino... as formas do trabalho social e a situação profissional determinam em geral o objeto do ensino; a situação de classe, ou o estado de prosperidade das famílias determina numa considerável medida o grau de acesso da juventude aos diversos cursos escolares. A sociedade quer e possui três espécies de funções, três espécies de órgãos: motores, reguladores e espiritualmente criadores e diretores. O primeiro grupo é constituído por todos aqueles cujo trabalho exige antes de tudo força e habilidade física; é aqui que se devem classificar os operários da indústria e os artesãos, os operários agrícolas e os pequenos camponeses, enfim aqueles que, no comércio e no transporte, são empregados na qualidade de órgãos executivos de última categoria. O segundo grupo compreende aqueles cujo trabalho profissional consiste em dirigir o processo do trabalho social e garantir a instrução dos operários no trabalho físico; é aqui que se alinham os fabricantes e técnicos, os diretores de grandes empresas agrícolas, os negociantes e os banqueiros, os funcionários superiores do comércio e dos transportes, bem como os funcionários inferiores do Estado e das municipalidades, finalmente, o terceiro grupo é o das profissões que se denominam ordinariamente "intelectuais" e cujo funcionamento exige estudos independentes e o desenvolvimento dos conhecimentos científicos; ligam-se a este último grupo os pesquisadores e inventores, em seguida as pessoas que ocupam os postos mais elevados da administração civil e militar, na Igreja e na escola, enfim os médicos, os técnicos colocados nas posições de direção, etc. " (Paulsen- Kultur der Gegenwart, pag. 64, 65).

É a essa divisão em três grupos que corresponde a divisão das escolas em três graus. Esta pequena história que nos narra Paulsen mostra-nos perfeitamente bem o mecanismo da escola de uma parte, nela se forma a quantidade desejada, o número almejado de operários para toda a espécie de trabalho material e intelectual; do outro lado, as funções intelectuais superiores estão indissoluvelmente ligadas a classes determinadas, graças ao que se mantém o monopólio da instrução e com ele o regime capitalista. O único erro de Paulsen é de se colocar, ele e seus colegas) muito acima dos fabricantes e dos banqueiros, cujas botas os intelectuais lambem, por necessidade ou sem ela.

Assim a escola nos revela, primeiro, o sentido prático, a raiz real de todas as ideologias. Suponhamos que um matemático se insurja contra a nossa opinião de que a sua ciência pura «tem um sentido absolutamente terrestre», nós lhe perguntaremos: por que então se ensinam estas matemáticas aos filhos de comerciantes nas escolas comerciais, aos futuros geômetras nos estabelecimentos de ensino agronômico, aos futuros técnicos nas escolas técnicas, etc.? E se pretende que isto não são senão as migalhas da ciência, perguntemos: por que os «matemáticos puros», que efetivamente não representam nenhum papel na vida prática, não compreendem dela coisa alguma e atrapalham todas as coisas? Por que fazem preleções a pessoas que estudam «para serem engenheiros» ou «para serem geômetras»? E se, cedendo ainda um passo, nosso contraditor nos opõe que existem sábios que não ensinam a ninguém e não fazem conferencias, nós retrucaremos ainda: sim, mas estes sábios não escreverão livros? Nesses livros, quem os lê, senão os professores que ensinam os futuros engenheiros, os quais, com a sua ciência, farão cálculos e planos para construção de pontes, de caldeiras a vapor ou de estações elétricas? Em segundo lugar, a escola nos revela as necessidades relativas que sente uma sociedade dada para as diferentes formas do trabalho qualificado, inclusive as mais elevadas.

Portanto, de fato, o mesmo laço econômico que liga tojos os ramos do trabalho material liga também todas as ciências entre si. E o mesmo se dá em todos os ramos do trabalho intelectual. O trabalho material constitui sua base constante e geral.

§ 41. O alcance das superestruturas

Somos levados agora a um exame mais detalhado do sentido das superestruturas em geral e entre elas, das diferentes ideologias. Este sentido, parece que melhor se pode esclarecer procedendo à critica das objeções que ordinariamente são feitas pelos adversários da teoria do materialismo histórico.

Chocamo-nos aqui, antes de tudo, nas objeções contra as raízes práticas das ideologias, contra a afirmação de que as «superestruturas» e as ideologias tenham alcance auxiliar. Contra isto. argumenta-se com o fato de que muitas vezes os saldos e os artistas não imaginam um só momento que suas idéias ou suas obras de imaginação possam representar um papel prático qualquer. Ao contrário, o sábio procura a «verdade pura», ele a procura por ela mesma; é um apaixonado desta bela dama a Verdade e as idéias práticas nada têm a fazer aqui: trata-se de um casamento de amor e não de um interesseiro. O verdadeiro artista crer como o pássaro canta; ele ama a arte pela arte; é para ele o alvo supremo, e nela e só nela vê o sentido da vida. Da mesma forma que os juristas proclamaram: «Pereça o mundo, mas salve-se a «justiça» (vivat justitia pereat mundus), da mesma forma o verdadeiro músico daria o mundo inteiro por uma bela sinfonia. O verdadeiro artista vive para a arte, o verdadeiro sábio para a ciência, o verdadeiro jurista para o Estado (em Hegel, por exemplo, o Estado capitalista e junker prussiano é a manifestação suprema do espírito do mundo na história da humanidade; como então não dar por ele a própria pele?)

Em primeiro lugar, será bem verdade que seja este o pensamento e o sentimento dos sábios e dos artistas? Talvez, como se diz, «encham a cabeça» do respeitável publico, e o enganem na realidade sem escrúpulo algum? Certamente, isto acontece também. Mas não se pode reduzir a questão, mesmo parcialmente, ao desenvolvimento dessa consideração. É um fato que o verdadeiro sábio, o verdadeiro artista, o jurista-teórico erudito ama sua ciência como a si próprio, e não cogita absolutamente de nenhum lado prático do seu trabalho. Isto está fora de duvida e poderia ser confirmado por milhares de exemplos de toda espécie. Mas não é disso que principalmente se trata. Pois a psicologia subjetiva da ideologia é uma coisa, e o papel objetivo da ideologia outra. É uma coisa saber o que o homem pensa do seu trabalho; é uma outra saber qual o alcance desse trabalho para a sociedade. São essas questões, como qualquer um pode se certificar, muito diferentes uma da outra. Representemo-nos como as coisas se passam de fato. Já o vimos, a ideologia, (as matemáticas, por exemplo) sai sem duvida alguma de necessidades práticas. Mas ela se especializou e fragmentou-se numa série de domínios diferentes; o especialista que trabalha num desses domínios não vê que a ciência satisfaz a uma necessidade prática. Ele se ocupa unicamente do «seu negócio», e mais esse negócio lhe agrada, mais o seu trabalho é produtivo, mais progride. Quanto a passar da aplicação de sua teoria à prática, é negócio de outras pessoas que trabalham em outros domínios. Antigamente, quando esta especialização não existia, o alcance prático da ciência era claro para todos; agora está velado. Antigamente o desenvolvimento do saber servia, mesmo no cérebro dos homens, para fins práticos. Agora, ele serve ainda para fins práticos, mas no cérebro de especialistas isolados da vida prática ele aparece como qualquer coisa de completamente independente desta prática. A razão é fácil de se apanhar. Neste terreno também, o estado de espírito dos homens é condicionado pelo seu gênero de vida. Com efeito, ao homem que trabalha unicamente num domínio biológico, é inevitável que este domínio se apresente como o umbigo da terra, ao redor do qual tudo gravita. Ele vive eternamente no circulo das noções que se ligam a este ramo de atividade, pois, como bem o indicou Engels (Ludwig Feuerbach, p. 52), toda a ideologia não aparece ao seu autor

«senão uma operação, um trabalho sobre idéias, consideradas como independentes, desenvolvendo-se por se próprias, como entidades submetidas unicamente a suas próprias leis».

Antigamente, antes da especialização, o homem raciocinava assim: É preciso que eu reflita um pouco sobre esta «geometria» para que no próximo ano a medida das terras aráveis se faça mais facilmente. Hoje, o especialista matemático dirá: É preciso resolver esta questão a todo custo, é este o fim da minha vida. E. Mach exprime esta idéia sob uma forma um pouco diferente, mas o fundo é o mesmo. Ele escreve:

«Para o artesão, e ainda mais para o pesquisador, o conhecimento o mai3 sumario, o mais simples, dum processo natural determinado, que corresponde a um esforço mínimo de gasto intelectual, transforma-se ele próprio num fim econômico; e ao lado desse fim — se bem que este conhecimento não tenha sido originariamente, senão um meio de atingir um fim — se desenvolvem tendências intelectuais correspondentes que exigem satisfação, e que não cogitam mais, absolutamente, de necessidades materiais». (E. Mach.: Geschichte der Mechanik, 4.a edição, pag. 7). (As passagens grifadas o foram por nós, N. B.).

Assim o sistema de superestruturas, desde a superestrutura político-social, até a superestrutura filosófica inclusive, está ligado à base econômica e ao sistema técnico duma sociedade dada, como um elo indispensável dos fenômenos sociais.

Engels escrevia a este respeito, numa carta a Franz Mehring em data de 14 de julho de 1893:

"O trabalho ideológico é um processo que, sem duvida, é conduzido por aquele que se chama pensador, de uma forma consciente (mit Bewusstsein), mas falsamente consciente (aber mit einem falschen Bewusstsein). As verdadeiras forças motrizes, que o põem em movimento, são por ele ignoradas: senão não seria um processo ideológico. Assim ele se forja falsas ou aparentes forças motrizes. Como se trata de um processo especulativo, ele deduz o conteúdo e a forma da pura especulação, seja da sua própria, seja de seus predecessores. Ele trabalha exclusivamente com um material especulativo que recebe sem a menor critica, como produto da especulação, e não vai além até o processo mais afastado, independente, da especulação; tudo isso lhe parece ir por si só, pois para ele toda a atividade, porque tem por intermediário a especulação, aparece-lhe em última análise como tendo por base esta mesma especulação..." Daí "esta miragem da história independente das instituições políticas, dos sistemas jurídicos, de concepções ideológicas em todos os domínios particulares da ciência, miragem que mais que tudo cega muita gente". (F. Mehring: Qeschicfate der Deutschen Sozialdemocratie, 5.ª edição, Stuttgart, 1913, 1.º volume, pag. 386).

Outra objeção comumente apresentada contra a nossa teoria apóia-se na seguinte interpretação: de fato, dizem, não existe senão a economia, e tudo o mais não são senão futilidades, qualquer coisa de uma ilusão, um nevoeiro, uma miragem, que abusa dos olhos e não representa na realidade coisa alguma; representa-se igualmente o materialismo histórico como segue: existem diferentes «fatores» (forças que agem) na história: a economia, a política, a arte, etc.; entre estes «fatores, alguns são muito importantes, os outros sem importância alguma; o «fator» econômico é o único importante, os outros são como a quinta roda da carroça, depois de se ter assim exposto o ponto de vista marxista, começa-se a refuta-lo com veemência, provando em nome do bom senso que existem, mesmo fora da economia, coisas que, elas também, têm alguma importância. Um tal ponto de vista sobre a importância da ideologia é totalmente incorreto, radicalmente falso. As superestruturas não são em absoluto uma futilidade insignificante. Já demos exemplos em apoio disto: suprimam o Estado capitalista — a produção capitalista se tornará impossível; suprimam a ciência contemporânea. — suprimii-se-à ao mesmo tempo a grande produção com a sua técnica; suprimam os meios de Comunicação espiritual, a língua e a literatura, e a sociedade não poderá mais existir e cairá em decomposição. É portanto uma afirmação sem fundamento dizer que a teoria do materialismo histórico nega toda a importância às superestruturas em geral e às ideologias em particular. A questão para os partidários da nossa teoria (do materialismo histórico) não está absolutamente em negar a ideologia e as superestruturas em geral, de considerá-las como um elemento inexistente ou sem importância; a questão está em explicá-las. Isto é uma coisa muito diferente, como nós já o sabemos pelo capítulo sobre o determinismo e o indeterminismo.

É da mesma forma errado raciocinar do ponto de vista da importância dos «fatores» e dizer que a economia é um fator importante e, por exemplo, a política ou a ciência um fator «não importante». Uma tal posição da questão pode criar uma quantidade de mal entendidos. Como se pode, com efeito, falar da importância dos «fatores» quando, sem a política capitalista, a economia capitalista não pode existir? Propor a questão da importância relativa dos «fatores», equivale a propor, por exemplo, questões como estas: O que é mais importante, o cão da espingarda ou o cano? O braço esquerdo ou a perna direita? A mola do relógio ou a engrenagem? E assim por diante. Pode-se, em certos casos, dizer que uma coisa é mais importante do que outra (está fora de duvida, por exemplo, que a economia é mais importante do que a coreografia), mas em outros casos isto não é possível. Isto porque em todo sistema pode haver partes igualmente indispensáveis para a existência do todo. O cão da espingarda é tão importante quanto o cano (numa espingarda com cão, bem entendido); algumas vezes um parafuso ínfimo do mecanismo é tão importante como qualquer outra parte essencial, pois sem este parafuso nosso mecanismo não é um mecanismo. Chegamos ao mesmo resultado se examinamos, como fizemos mais acima, o trabalho «superestrutural» como parte do conjunto do trabalho social. Que é mais importante para a indústria contemporânea, a metalurgia ou a indústria mineradora? A pergunta é absurda: «Ambas são indispensáveis». O que é mais importante, o trabalho propriamente material ou a gestão de uma empresa? Um é inconcebível sem o outro para estados de evolução determinados. É portanto uma coisa absurda expor as coisas como se agissem de «fatores» simplesmente de importância maior ou menor. É uma posição incorreta, confusa e sem valor da questão. «Na história do desenvolvimento da ciência social, essa teoria (isto é, a teoria dos fatores), representou o mesmo papel que a teoria das diferentes forças físicas na história natural. Os progressos da história natural conduziram à doutrina da unidade dessas forças, à doutrina moderna da energia. Da mesma forma que os progressos da ciência social deveriam conduzir à substituição da teoria dos fatores, este fruto da análise social, por um ponto de vista sintético sobre a vida social», (N. Beltov-Plekanov: A concepção materialista da história, p. 313). Convém assim rejeitar a teoria dos fatores. Mas então, no que fica o sentido da separação entre a produção material e as superestruturas? E como se deverá então compreender suas relações recíprocas?

Trata-se de se estabelecer a diferença de caráter entre as diversas funções. A administração da produção não tem o mesmo papel que a própria, produção. Qual é o seu papel? Ela evita atritos, atenua contradições, sistematiza e coordena os diversos elementos de trabalho ou, para empregar uma expressão corrente, faz sobressair uma regra determinada de trabalho, uma «ordem» determinada. Da mesma forma nos outros domínios. Já vimos, por exemplo, que a moral, os costumes e as leis coordenam a atividade dos homens, mantem-nas em certos quadros, de forma a impedir a desagregação da sociedade. Da mesma maneira para a ciência; esse ramo do trabalho não faz em última análise (trata-se das ciências naturais) senão abrir o caminho ao processo da produção, regulando-o, e regulando a sua marcha. E a filosofia? Dela também, já vimos a verdadeira significação. A repartição do trabalho entre as ciências engendra entre elas diversas contradições. É a filosofia que as coordena, que lhes traz ordem e coesão, ou pelo menos se esforça por trazer esta ordem.

Ela nasce das ciências da mesma forma que a administração da produção nasce na produção tomada em si (e nesse sentido, ela é um fenômeno não mais «primário», mas «secundário», não «fundamental», mas «derivado»); mas doutro lado, ela administra até a um certo ponto as ciências, pois lhes traz o que se chama «um ponto de vista geral», ou um «método», etc.

Tomemos um exemplo: a linguagem. A linguagem, Como vimos, nasce da produção, evolui sob a influência da evolução social, isto é, ela se determina, na sua evolução pelas leis da evolução social. Mas em que consiste o seu papel? Ele coordena a atividade dos homens: pois a compreensão recíproca é bem o aspecto mais simples do acordo e da coordenação das relações, dos atos, parcialmente dos sentimentos, etc..

Estes exemplos são suficientes para fazer sobressair o sentido profundo da separação estabelecida entre o domínio da produção material e o domínio do trabalho ideológico ou de qualquer outro ligado às «superestruturas»; suas relações consistem nisto, em que o trabalho ideológico, ao mesmo tempo que é um elemento derivado, é ao mesmo tempo um princípio regulador. Em relação ao conjunto da vida social, o essencial dessa diferença é a diferença de funções.

Isto esclarece perfeitamente a questão da «influência de retorno» das superestruturas sobre a base econômica e sobre as forças produtivas da sociedade. Elas mesmas (as superestruturas) são engendradas pelas relações econômicas e pelas forças produtivas que determinam estas relações. Mas têm elas do seu lado uma influência sobre estas últimas? Depois do que ficou dito mais acima, está claro que elas não podem deixar de o ter. Elas podem ser uma força de evolução, podem também, em condições determinadas, ser um obstáculo à evolução. Mas de uma forma ou de outra, elas têm sempre uma influência sobre a base econômica e sobre o estado das forças produtivas. Noutras palavras, entre as diversas séries de fenômenos sociais existe um processo incessante de ação recíproca. A causa e o efeito se substituem um ao outro.

Mas se reconhecemos esta ação recíproca, em que ficam os fundamentos da teoria marxista? Da mesma forma é este ponto de vista da ação recíproca o da maioria dos sábios burguêses. Portanto, onde está a nossa tese, segundo a qual base da análise deve ser dada pelas forças produtivas e as relações de produção? Não demolimos nós com as nossas próprias mãos o que edificamos nas páginas precedentes?

Estas duvidas podem, é certo, impressionar por um momento o leitor. Mas elas não têm fundamento. Porque, dentre todas as ações recíprocas, as influencias entrelaçadas, etc., uma coisa se conserva invariável: em todo momento dado, a estrutura interna da sociedade é determinada pelas relações desta sociedade com o meio exterior, isto é, pelo estado das forças produtivas materiais sociais; e estas transformações formais são determinadas pelos movimentos das forças produtivas. A «teoria das ações recíprocas» limita-se a reconhecer estas ações recíprocas. Ela não vai mais longe. Vemos bem que todas estas inumeráveis séries de fatos que se produzem no interior da sociedade, as influencias se entrecruzando ao infinito, os choques, as interferências de forças e de elementos da sociedade, que tudo isto, se produz dentro de quadros gerais, dados pelas relações entre a sociedade e a natureza. Estão livres os nossos adversários de tentar destruir este estado de fato, que Goethe já conhecia, em linhas gerais, quando escrevia nas Metamorfoses dos animais:

(Alie Glieder bilden sich aus nach ew'gen Gesetzen,
Und die seltenste Forni bewarhrt im Geheimem das Urbild.
Also bestimiTit die Gestalt die Lebensweise des Tieres,
Und die Weise, zu leben; sie wirkt auf alie Gestalien
Machtig zuruck. So zeigt sich fest die geordgnete Bildung,
Wefche zum Wechsel sich neigt durch aussenrlich wirkende Wesen).

Todos os membros se desenvolvem segundo leis naturais, — e a forma mais estranha guarda no fundo a imagem original. — Assim a sua feição determina o gênero de vida do animal, — e esse gênero de vida, por seu turno, age consideravelmente — sobre toda feição. Assim aparece fixa ordem da criação, — que se inclina à metamorfose sob ação do ser exterior.

Este estado de coisas é incontestável. E nessas condições, está claro que a análise deve expressamente partir das forças produtivas; que a interdependência ao infinito entre as várias partes da sociedade não suprimem em absoluto a dependência fundamental, ativa «no fim de contas», a mais profunda de todas, aquela que estabelece um laço de efeito para causa entre todos os fenômenos sociais e a evolução das forças produtivas; que a multiplicidade das causas que fazem sentir a sua ação na sociedade não contradiz em nada a existência de uma lei única de evolução social.

Não podemos citar aqui todas as objeções dos diferentes sábios burgueses; o seu número é legião. De fato eles repetem sempre a mesma coisa de uma forma mortalmente aborrecida. Daremos por exemplo uma das últimas tentativas "criticas". Eis como o professor V. M. Khvostov expõe a doutrina de Marx:

"Ela consiste em linhas gerais (!) nisto, que entre todos os fatores (!) históricos, o que aparece no primeiro plano é o fator econômico (!)... todos os outros fenômenos se encadeiam sob a influência unilateral (!) das relações econômicas". (Teoria do processo histórico pag. 315).

Depois do que dissemos, é inútil insistir sobre a fidelidade com que M. Khvostov expõe a teoria de Marx. A verdade nos obriga a dizer que ele não constitui uma exceção. Pelo contrário, quanto mais gasta erudição em "refutar" Marx, mais se revela a sua ignorância em expor as suas doutrinas.

Eis aqui, para dar uma idéia da "refutação" (do mesmo professor):

"Creio (!) que é próprio do homem uma grande variedade de aspirações. Em primeiro lugar, ele pensa na conservação do seu ser físico, e por isso, possui certa atividade. Em segundo lugar, ele pensa no conhecimento do mundo que o cerca e de si próprio, e esta tendência é inata, independente de qualquer cálculo material. Em terceiro lugar, o homem tem ainda necessidades tais como, por exemplo, a aspiração do poder, da liberdade. Existem no homem necessidades religiosas, estéticas, necessidades de simpatia para com outrem e de outrem, etc..".

Depois dessa salada de necessidades, o sr. Khvostov conclui "que uma explicação monista (isto é, de conjunto, partindo de uma unidade qualquer, N. B.)... é impossível", por enquanto, este só exemplo permite mostrar todo o absurdo da oposição "kvostoviana" da questão (posição extraordinariamente espalhada entre os "sábios" do mundo inteiro), e a necessidade, precisamente de uma explicação monista. O que é com efeito senão uma irrisão ao pensamento cientifico, atribuir à religião, ao poder, etc. a qualidade de categorias eternas? Nem mesmo ao espírito do autor vem a idéia de propor o problema da sua explicação. A religião existe no mundo. Como a explica? Por uma necessidade religiosa. O poder existe no mundo. Por que? Aí está, porque existe a necessidade do poder. Não é isto outra coisa senão a explicação do sono pela "virtude dormitiva". Será que isto explica seja o que for? Por esta forma pode-se sem esforço e sem pensar um só instante "explicar" tudo o que se quer: o Estado se explica pela necessidade do Estado, a arte pela necessidade da arte, o circo pela necessidade do circo, as explicações à moda de Khvostov pela necessidade de explicações à Khvostov, e assim por diante, até o infinito. Mas uma tal "teoria do processo histórico" não nos serve de nada. "O próprio do homem é a aspiração à liberdade": mas isto não é verdade! Tome-se Nicolau II durante o seu reinado. Será que a sua natureza e a da sua classe o faziam "aspirar" à liberdade em geral? Evidentemente que não. Assim, esta nobre aspiração não é, mau grado Khvostov, propria de todos os homens. E desde que se constatou isto, o problema se propõe imediatamente por si só: por que se encontra esta aspiração em alguns homens e não em outros? É então que se é obrigado a indagar — que horror! — as condições da existência destes homens, etc.. Dá-se o mesmo com as outras "várias necessidades" de Khvostov. Protestando contra uma explicação monista ou de conjunto, os sábios burgueses protestam de fato contra toda explicação em geral.

§ 42. Os princípios constitutivos da vida social

Chegamos agora a um problema geral que se apresenta depois dos raciocínios desenvolvidos mais acima. Eis aqui em que consiste este problema. Vimos que a psicologia, a ideologia, a economia social se distinguem por um certo número de traços típicos. Não será possível apanhar esses traços? Não se poderá neste caos, neste verdadeiro oceano de fenômenos econômicos, políticos, sócio-psicológicos, ideológicos, extrair um núcleo do que é fundamental, decisivo, achar o que constitui o traço característico dum «momento dado», duma «época» dada? Não nos parecerá aqui que o laço que liga entre si todos os fenômenos sociais se manifestará nisto, que os diferentes fenômenos sociais terão entre si qualquer coisa de comum? Vimos que todos são «em última análise determinados pelas forças produtivas e pelas relações produção? Então, como exprimir esse laço em algumas palavras? E como proceder à solução desta questão?

Tomemos um dos fenômenos mais «subtis» e mais complexos da vida espiritual, a arte. Vimos que em cada época ela tem o seu «estilo» especial, isto é, um caráter particular que se exprime por formas particulares. Estas formas particulares (lembremo-nos, por exemplo, da arte egípcia) correspondem a um conteúdo particular, este conteúdo a uma ideologia determinada, esta ideologia a uma psicologia determinada, esta psicologia a uma economia determinada, esta economia, finalmente, a um grau definido da evolução das forças produtivas.

Mas se em todos os domínios da vida social constatamos um conjunto de formas determinadas não podemos nós falar do «estilo» de todos os domínios da vida? Certamente que sim. Pode-se falar do «estilo» da ciência com tanta razão como do da arte. Pode-se falar de um estilo da vida, isto é, de formas particularmente típicas desta vida (vide, por exemplo, sobre o «estilo» da vida, Simmel: Filosofia do Dinheiro, p. 480), pode-se falar num certo sentido do estilo da economia social, e então, sob o nome de estilo desta economia, compreender-se-á simplesmente o que Marx chama «relações de produção», os modos de produção, ou a «estrutura econômica da sociedade». Da mesma forma que o estilo de uma construção qualquer se define pela reunião dos elementos que o compõem, da mesma forma o «estilo» da economia social se exprime nas particularidades das relações de produção, no «aspecto e no modo particular» de unificação dos elementos do todo social.

(«O aspecto e o modo particular desta unificação diferenciam as épocas econômicas particulares da estrutura social», Marx, Capital, t. 2, p. 12).

Mas ao lado do «modo de produção», existe também nm «modo de representação». É o «estilo» da ideologia geral de uma época dada, isto é, este modo particular de reunião das idéias, dos pensamentos, dos sentimentos, das imagens, que é característico de uma época determinada, esta «unidade de formas do pensamento cientifico da concepção do mundo e da concepção da vida», como se exprime o professor Marbe (Karl Marbe: A unidade de formas do mundo. Pesquisas de filosofia e de ciência positiva).

Assim, somos levados a confrontar o «modo de produção» de um lado, e o «modo de representação» do outro. Em outras palavras: somos levados a confrontar o «estilo» econômico de uma sociedade dada e seu «estilo» ideológico. Um tal confronto é admissível? De tudo quanto vimos no nosso exame das superestruturas em geral e das ideologias em particular, decorre de uma forma absolutamente indiscutível que temos plenamente o direito de proceder a esta confrontação.

Esclareçamos com um exemplo. Tomemos a sociedade feudal. Seu estilo econômico pode ser expresso pelo princípio de uma solida hierarquia, ou, o que vem a dar no mesmo, pela idéia da ordem (classificação). Eis como Marx caracteriza o feudalismo:

«Em lugar do homem independente, encontramos aqui cada indivíduo em estado de dependência, tanto os servos como os proprietários territoriais, tanto os vassalos como os senhores, tanto os leigos como os clérigos. A dependência pessoal caracteriza de uma forma tão decisiva as relações sociais da produção material quanto às (outras) esferas da vida estabelecidas sobre esta produção». (Capital, t. 1, pag. 43).

Esses caracteres da economia e das outras «esferas da vida» constituem precisamente o «estilo» de uma época. Dependência hierárquica na economia; dependência hierárquica nas outras «esferas da vida»; «estilo» hierárquico de toda atividade intelectual. Não vimos nós com efeito que todo estado de espírito do homens estava nesta época impregnado de religião? E a religião é bem um sistema de idéias onde tudo se explica pelo modo da hierarquia, pela ordem (classificação). A ciência está penetrada da idéia de ordem, a arte também, e esta ordem encontra sua expressão até no estilo da arte. A ordem, eis o «estilo» de toda a vida dessa época. Até na unidade deste estilo vê-se a dependência do «modo de representação» com relação ao «modo de produção», do «sistema de idéia», do «sistema das coisas», isto é, pelas forças produtivas materiais da sociedade. Pois bem, isto que constitui o eixo dum «estilo», como num momento dado a hierarquia ou a ordem (classificação), é a isto que se pode chamar um princípio constitutivo da vida social. Vemos que ele tem por base as relações de produção.

Esta unidade do estilo da vida salta de tal forma aos olhos, que uma série de sábios mesmo burgueses subscrevem integralmente esta idéia. É assim, por exemplo, que Carl Lamprecht edifica uma doutrina "dominante", isto é, do tipo dominante de psicologia, o qual muda com as condições de cada época; a antiga dominante desaparece e uma nova aparece, um novo "estilo de vida" se constitui (A ciência moderna e a história).

Se ligarmos o problema proposto por Hammacher à questão dos princípios constitutivos, torna-se bastante fácil resolve-lo. Este sábio levanta contra a teoria do materialismo histórico a objeção que se segue:

"Fica sempre o problema de saber por que só as relações econômicas encontram acesso na alma da história" (O sistema filosófico econômico do marxismo).

Esse enigma é de fácil solução. O que tem uma influência sobre as pessoas, não são só os acontecimentos econômicos, mas tudo o que se encontra na esfera da sua experiência. Ora, os princípios constitutivos gerais são determinados pelas relações de produção, que por conseguinte se "refletem" nos domínios ideológicos. É na religião que podemos melhor constatá-lo. Evidentemente, a luz do sol, o trovão, a morte, o sono e todos os outros fenômenos, tudo isto "tinha acesso à alma da história". Mas a idéia de divindade, de "forças superiores", da "classificação" não aparece na representação do mundo senão com o advento da classificação na vida social. É neste quadro que se encerram todos os fenômenos "correspondentes", entre os quais o sono e a morte. Por que, nos despotismos sangrentos, o deus principal era geralmente o deus da guerra? Porque, sendo o deus da guerra, ele se tornava por isto mesmo o deus do trovão e do raio, como forças as mais temíveis, as mais "guerreiras" da natureza; a tempestade e os fenômenos semelhantes produziam uma impressão sobre a "alma da história", mas a forma era dada pelo quadro das relações sociais. Pode-se perguntar por que as relações sociais condicionam uma forma determinada? Donde provém esta conexão interna? É muito simples. Isto provém de que o meio social tem nas relações de produção o seu fundamento vital. "... A unidade de forma dos fenômenos psíquicos pode ser relacionada com a unidade de forma das condições destes fenômenos". Uma série de fatos deste domínio "aparecem como produtos da civilização. Huber mostrou que, nas experiências feitas a respeito de Associações de idéias, a qualidade das palavras-reações depende da profissão e dos hábitos de vida das pessoas submetidas à experiência" (K. Marbe, op. cit., p. 52), isto é, que as respostas dadas a perguntas idênticas (por exemplo, dizer uma palavra, não importa qual) dependiam do gênero de vida das pessoas interrogadas. Será de espantar depois disto que a psicologia e a ideologia social dependam do modo de produção da vida material, e com ele, das forças produtivas?

§ 43. Tipos de estruturas econômicas e tipos diversos de sociedades

Examinando a questão da sociedade, encontramos tipos históricos definidos de sociedades. E isto que significa? Que não existe uma sociedade «em geral»-que na realidade uma sociedade existe sempre sob um invólucro histórico determinado qualquer; que ela traz o uniforme do seu tempo. É perfeitamente compreensível. Sabemos que uma sociedade (não importa qual) é um conjunto de pessoas que exercem umas sobre as outras uma ação recíproca constante; estas inúmeras influencias recíprocas têm por base as relações que o trabalho cria entre essas pessoas, o sistema de relações de produção, se se tomam essas relações e estas influencias mutuas num instante dado. Mas esse sistema de relações de produção é constituído por um conjunto de pessoas dispostas de uma maneira definida, de pessoas que se unem não simplesmente pelo laço do trabalho, mas por um tipo determinado de laço de trabalho. Está claro, pois, que a sociedade não existe senão sobre uma base de trabalho definida; e como a esta base definida, a este «modo de produção» definido corresponde também um «modo de representação» definido, é igualmente compreensível que é aquilo mesmo que dá também o tipo de toda sociedade, duma sociedade no seu conjunto, e não só na sua parte de produção material e econômica. A técnica duma sociedade está ligada ao seu modo de produção, o modo de produção como modo de representação, e esta união do sistema material, do sistema humano e do sistema espiritual faz duma sociedade um tipo social bem determinado. Da mesma forma que no reino animal distinguimos várias espécies animais, vários gêneros, várias famílias, etc., da mesma forma, na sociologia, distinguimos diversos gêneros de sociedades. Disto já falamos várias vezes. Mas é preciso aqui frisar a idéia fundamental deste parágrafo, a saber que esta diferença entre «gêneros» sociais, os tipos de sociedade, pode ser apanhada sem esforço não somente na esfera econômica, como também, em qualquer série de fenômenos sociais. Um tipo de sociedade pode caracterizar-se pela sua ideologia ou pela sua economia. Da arte feudal se pode chegar às relações de produção feudais ou à religião feudal ou ao caráter da psicologia feudal em geral, etc., e assim em todos os casos. É por isso, por exemplo, que pela decifração de qualquer monumento literário descoberto pelos arqueólogos, podemos representar os diferentes aspectos das relações dos povos desaparecidos e imaginar o seu gênero de vida. Lendo o código de Hamurabi, ressuscitamos a vida econômica da Babilônia; pela Ilíada e pela Odisséia podemos julgar da história da Grécia homérica, e assim por diante.

Assim, as formas históricas da sociedade, o caráter de determinação destas formas, dizem respeito não somente à base econômica, mas também a todo conjunto dos fenômenos sociais, pois a estrutura econômica determina a estrutura política e a estrutura ideológica. Dado um termo, o outro também o será. Não se segue evidentemente que um tipo de sociedade seja separado do outro, por fronteiras tão marcadas que não deixem lugar a nenhum elemento comum a estas sociedades diferentes.

«As estreitas linhas divisórias da abstração separam tão pouco as épocas da história da sociedade humana, quanto as épocas da história da terra.» (Capital, t. 1).

Pelo contrário, a vida real nos mostra em cada tipo social, em cada nova estrutura social, os restos de antigas formações econômicas às vezes muito consideráveis e que representam um grande papel. Se tomarmos, por exemplo, a sociedade capitalista contemporânea, encontraremos uma grande quantidade de vestígios de antigas instituições econômicas. Toda a importante camada camponesa com sua economia particular é essencialmente o resto da época feudal, da mesma forma o artesanato, etc.. O capitalismo «puro» supõe uma burguesia e um proletariado, e não supõe nem camponeses nem artesãos, nem nada de parecido. Portanto, se na estrutura econômica uma tal «pureza» não pode existir, está claro que no domínio ideológico também haverá inevitavelmente uma certa «mistura de idéias». Noutras palavras, podem-se encontrar na sociedade capitalista tantos traços de ideologia feudal quantos se quiser; na aristocracia fundiária, no campesinato, nas «classes rurais» que se apóiam sobre antigas relações agrárias, onde se conservou um certo número de traços antigos.

«... Supõe-se em teoria (trata-se aqui da teoria da economia capitalista, N. B.) que as leis do modo de produção capitalista se desenvolvem na sua pureza. Mas, na realidade, nunca se tem mais que uma aproximação, e essa aproximação é tanto maior quanto o modo capitalista de produção está mais desenvolvido e que o emaranhado com os vestígios de estados econômicos anteriores desaparecem em parte». (Capital, t. 3, p. 154).

Ao mesmo tempo que se produz o entrelaçamento de formas econômicas, haverá também, fatalmente, o entrelaçamento de formas ideológicas. Eis por que não existe nunca nem um «modo de produção» absolutamente único, nem, com mais razão, um «modo de representação» absolutamente único (dissemos «com muito mais razão», porque o «modo de representação» é diferente nas diversas classes, mesmo quando elas pertençam a uma só e mesma cultura econômica tomada na sua pureza virginal). Todavia, não se segue absolutamente que não possamos ou devamos distinguir diversos tipos de relações de produção e de formas ideológicas. Pois em qualquer sociedade existente há sempre um tipo dominante determinado de relações de produção, e por conseguinte, um «modo de representação» também determinado e dominante. É com razão que W. Sombart diz:

«Eu distingo uma época na vida econômica pelo espírito da vida econômica, com a condição que um espírito determinado seja realmente dominante num momento dado». (O burguês, p- 6).

Exatamente da mesma forma falava Marx, a respeito do capitalismo, duma «forma social na qual domina o modo capitalista de produção» (Teoria sobre a mais valia, t. 1, p. 424). Da mesma forma em zoologia distinguimos o macaco do homem, apesar dos seus traços de semelhança; distinguimos pelo exame das formas sociais uma forma da outra, apesar dos seus traços comuns, embora nas formas «superiores» encontremos comumente restos perfeitamente inúteis, incompreensíveis à primeira vista, de aspectos antigos.

No terceiro capítulo deste livro já indicamos que, no exame da sociedade, é indispensável discernir a forma social que tem a sua raiz nas particularidades da estrutura econômica. Este ponto de vista já provocou mais de uma vez os protestos da ciência burguesa oficial, a quem desagrada toda a idéia de reedificação radical das relações sociais. Os próprios sábios burgueses reconhecem agora que é bem aqui que está o nó da questão. Assim o dr. Bernard Odenbreit escreve:

"Marx, como é natural para um "revolucionário", considerava de um modo particularmente agudo o caráter histórico transitório das constituições sociais. A esta idéia geral no domínio das ciências sociais junta-se um conhecimento conscientemente critico do domínio mais estreito da economia política..." (Pleige, Contribuição à ciência política, 1.o caderno; D. Odenbreit: A teoria comparativa da indústria em Karl Marx).

Aí estamos! Considerar "de uma forma aguda o que se transforma, isto não se pode encontrar senão em revolucionários". Está aqui, como já sabemos, uma das principais causas da proeminência das ciências sociais do proletariado revolucionário sobre as ciências sociais da burguesia contra-revolucionária.

Se tomarmos a mais antiga das formas de sociedade conhecidas, que se chama o Comunismo primitivo, veremos que a seu tipo de relações de produção, onde a «individualidade» trabalhadora não se separou ainda da «horda», correspondem também suas formas particulares de consciência: nada de religião, nenhuma idéia de classificação social, nem mesmo a idéia de personalidade, de separação, de particular, de individual. Mas consideremos a sociedade feudal, «cujos traços essenciais são de um lado a fragmentação do país numa quantidade de feudos independentes, de principados, e de senhorios privilegiados, e de outro lado, a união desses feudos por laços contratuais de vassalagem». (N. P. Silvanski: O feudalismo na antiga Rússia, p. 45). Aqui, o estilo da economia tem um caráter hierárquico, o estilo da «política» tem o mesmo caráter e assim também o «estilo» da ideologia. Como já vimos, em tudo domina a idéia de ordem (classificação). Na base se encontra a grande propriedade fundiária («nenhuma terra sem senhor», tal é o adágio que caracteriza esse edifício econômico), imóvel e fixa. Os laços econômicos são os laços entre proprietários e servos; eles são fixos, imóveis, imutáveis do ponto de vista dos membros da sociedade feudal; tudo está «amarrado», «preso» ao seu lugar no sistema hierárquico. E da mesma forma na superestrutura política, que refletia essas relações de produção.

«A tendência hierarquizante da vida feudal foi erigida em teoria e em sistema pelos juristas do XIII.º século (trata-se aqui do feudalismo europeu, N. B.)... Os pregadores viam facilmente uma divisão horizontal da sociedade considerada como um todo, mesmo se ela se divide em senhores e servos. Eles lembravam aos servos as palavras do apostolo, que ordenava aos escravos obedecerem ao senhor. «Deus pôs sobre a terra os reis, os duques e outras pessoas, a quem ordenou que mandassem nos outros. Foram colocados por Deus para que os pequenos dependessem dos fortes». (L. N. Karsavine: A cultura na idade média).

Toda concepção do mundo é religiosa, isto é, penetrada do princípio de ordem (classificação), e como se diz ainda, «autoritário»; daí sua imobilidade, seu tradicionalismo; a ciência é, antes de tudo, uma interpretação da tradição e das Sagradas Escritores; a arte é «divina» e exalta na sua forma e no seu conteúdo as forças «superiores», celestes e terrestres; a moral dominante é uma moral de fidelidade, de orgulho nobiliário, de culto da gloriosa recordação dos antepassados, de respeito ao «bom sangue» e à «nobre extração»; aquod liced Jove, non liced bovi», o que é permitido a Júpiter não o é a um boi. Numa palavra, temos sob as vistas um «modo» social particular, uma forma particular de sociedade, de suas bases econômicas até às formas mais «elevadas» da consciência social.

Consideremos agora a sociedade capitalista. Sua base econômica é constituída por um gênero de relações completamente diferentes.

«A oposição entre o poder da propriedade fundiária que se apóia sobre relações pessoais entre servos e senhores, e o poder impessoal do dinheiro está claramente expressa em dois ditados franceses: «Nenhuma terra sem senhor». «O dinheiro não tem senhor». (Marx, Capital, I).

Esta tese de Marx nos revela uma das dependências econômicas fundamentais da sociedade capitalista, a saber, o laço que une as empresas por meio do mercado, e que faz surgir o poder impessoal deste mercado, e o poder impessoal, «abstrato» do dinheiro. A coisa tem ainda, contudo, outro aspecto. O poder social impessoal do dinheiro transformado em capital encontra, apesar de tudo, um senhor, na medida em que a simples produção de mercadorias se transforma em produção capitalista.

«Da mesma forma que no ouro são apagadas todas as diferenças qualitativas das mercadorias, o ouro por sua vez tal como um leveller(1) radical, apaga todas as diferenças. Mas o dinheiro é ele mesmo uma mercadoria, uma coisa palpável que se pode tornar a propriedade de cada um. Esta força social se torna desta forma uma força particular dum homem tomado em particular». (Capital, t. I).

Daí decorre o segundo traço da economia da sociedade capitalista, seu caráter de hierarquia. Este traço também é brilhantemente evidenciado por Marx. Ele escreve no capítulo sobre o trabalho coletivo (Capital, t. I):

«A direção capitalista é quanto à forma, despótica. À medida que o trabalho coletivo se desenvolve sobre uma grande escala, este despotismo toma formas particulares e adequadas... O capitalismo se libera de todo trabalho manual, desde que seu capital atinge uma certa grandeza mínima, a partir da qual se torna possível a produção capitalista no sentido próprio da palavra; da mesma forma, a fiscalização direta e constante de operários isolados, ou de grupos de operários, passa desde então a uma categoria particular de operários assalariados. Tanto quanto um exército precisa de uma hierarquia de superiores militares, uma massa de operários reunidos num trabalho comum, sob o comando de um só e mesmo capital, precisa de oficiais superiores, industriais (administradores, gerentes), e de sub-oficias (inspetores, contra-mestres, etc.), que, durante o processo do trabalho, dirigem em nome do capital. O trabalho de fiscalização se fixa neles como sua função exclusiva».

Assim, o modo de produção capitalista tem um duplo caráter: de um lado, é o conjunto de «empresas» separadas, particulares, ligadas entre se pelo laço anárquico do mercado e da troca, e onde o poder elementar do mercado domina toda empresa particular; doutro lado, é um sistema hierárquico de «comando do capital». Nada de extraordinário que sobre a base de um tal modo de produção se eleve um modo de representação correspondente. Seu «estilo» deve refletir este duplo caráter. Com efeito, o «modo de representação» do mundo capitalista se caracteriza, de um lado por aquilo que Marx chamou o fetichismo da mercadoria, doutro por este mesmo princípio de «ordem» (classificação) que observamos também na sociedade feudal. A reunião destes dois «princípios constitutivos» nos dá o estilo fundamental do «modo de representação» que rege o mundo capitalista.

Que é o fetichismo da mercadoria?

Na sociedade capitalista mercantil, a empresa trabalha «independentemente» para o mercado desconhecido. No fundo, cada trabalho é aqui uma parcela do trabalho social e todas as partículas dependem umas das outras. Mas isto se passa de tal maneira, que o laço social entre os homens, que trabalham de fato uns para os outros escape aos olhos humanos. Se tivéssemos diante de nós uma sociedade socialista, onde tudo caminha de acordo com um plano, seria claro para todos que os homens trabalham uns para os outros, que cada aspecto separado do trabalho não é senão uma partícula do conjunto do trabalho social. As relações entre os homens seriam claras, nada os mascararia; mas não é assim no mundo capitalista. Aqui, este laço de trabalho entre os homens é invisível, esconde-se aos homens. Por que se esconde? Pelo mercado. No mercado, as mercadorias passam, compram-se e se vendem. Mas não são os homens que racionalmente dominam o mercado, é o mercado que com seu preço domina os homens. Os homens vêem o movimento das coisas, e no entanto não compreendem que trabalham uns para os outros, que estão todos ligados pelo laço geral do trabalho. Este laço de trabalho que os une lhes aparece sob o aspecto particular do extraordinário poder das coisas, das mercadorias, sob o aspecto do «valor» dessas mercadorias. As relações entre os homens parecem-lhes relações entre as coisas. Eis aí o fetichismo da mercadoria, esta atribuição às coisas de propriedades extraordinárias, enquanto o seu movimento dissimula na realidade o trabalho mutuo dos homens. É este fetichismo, pelo qual «as relações sociais definidas entre os homens... tomam aos seus olhos a forma fantástica de relações entre as coisas (Marx), que constitue a particularidade distintiva do «modo de representação» capitalista. Já vimos como os sábios, artistas, filósofos, etc., da classe burguesa se revoltam quando ouvem falar nas raízes sociais da ciência, da arte e da filosofia. Eles são fetichistas até à medula dos ossos; pois não vêem o laço social, não podem compreender que seu trabalho divino e inspirado é, ele também, uma parte do conjunto do trabalho social.

O fetichismo do mundo capitalista aparece com relevo singular no domínio do que se chama as normas morais ou a "ética", de que os sábios professores tanto gostam de falar. Já explicamos que as normas éticas são regras de conduta indispensáveis à vida da sociedade, da classe ou do grupo profissional etc.. Elas têm a significação de regras auxiliares sociais indispensáveis. Contudo, na sociedade fetichista, esta significação humana e social que elas possuem não é consciente. Pelo contrário estas normas, isto é, estas regras técnicas de conduta, aparecem como um "dever" suspenso sobre os homens, como uma força exterior, quase divina, de coação: este inevitável fetichismo ético foi muito bem expresso pelo genial filósofo burguês Emanuel Kant, na sua teoria do "imperativo categórico".

É de uma forma completamente diferente que o proletariado deve encarar este assunto. Ele não se pode fazer arauto do fetichismo capitalista. Para ele, as normas da sua conduta são regras dum mesmo valor técnico do que aquelas a que obedece o carpinteiro para fazer uma cadeira. Quando o carpinteiro quer fazer uma cadeira, ele serra, prega, cola, etc.. Isto decorre do processo mesmo do seu trabalho. Ele não irá se ocupar das regras de preparação da madeira ou do quer que seja estranho, que pertença a um outro domínio que não o seu. Da mesma forma o proletariado na sua luta social. Se ele quer conquistar o comunismo, deverá fazer isto e aquilo, exatamente como o carpinteiro que quer fazer uma cadeira. E tudo que se conforma com este fim deve ser feito. A "ética" se transforma pouco a pouco para o proletariado em simples regras técnicas de conduta, facilmente compreensíveis e necessárias para chegar ao comunismo e que, assim, deixam de ser uma ética. Na verdade é da essência mesmo da ética ser um conjunto de regras dissimuladas sob um invólucro fetichista. O fetichismo é a essência da ética. Lá onde desaparece este fetichismo, também desaparece a ética. Não virá ao espírito de pessoa alguma chamar os estatutos de uma cooperativa ou de um partido de "ética" ou de "moral". Isto porque nesses casos cada um conhece o sentido humano deste estatuto. A ética supõe um nevoeiro fetichista onde mais de um perde o seu caminho. Assim o proletariado precisa de normas de conduta, e normas muito precisas, mas não de uma ética, molho fetichista para uma iguaria util. Está claro que o proletariado não se libertará por si, de um só golpe, do fetichismo da sociedade mercantil em que vive. Mas isto já é questão diferente.

O fetichismo da ideologia capitalista mercantil se combina com o princípio da «ordem» (classificação), e esses dois princípios fundamentais constituem o eixo do modo de representação capitalista, o quadro em que se insere o seu cometido ideológico. Assim, a sociedade capitalista é, ela também, uma espécie de sociedade, com traços particulares, característicos, em todos os «andares» da vida social, até as mais altas construções ideológicas compreendidas. Assim, um tipo de cultura econômica supõe tombem um tipo de estrutura social e política e um tipo de estrutura ideológica. A sociedade tem um «estilo» fundamental em todas as manifestações dominantes da sua vida.

44§. Caráter contraditório da evolução: Equilíbrio "exterior" e equilíbrio "interno" da sociedade

Examinamos nos parágrafos precedentes o fenômeno do equilíbrio social. Mas não devemos perder de vista um só instante a circunstancia de que se trata de um equilíbrio instável, isto é, de um estado de coisas tal que o equilíbrio se rompe constantemente para se restabelecer noutra base, rompe-se novamente e assim por diante. Noutros termos, temos diante de nós um processo contraditório; temos não um estado de repouso nem de adaptação absoluta, mas uma luta de contradições, um processo dialético de movimento. Por conseguinte, quando examinamos a estrutura da sociedade, isto é, as relações entre as suas partes, não devemos absolutamente nos representar qualquer harmonia perfeita entre essas partes. Pois toda estrutura tem as suas contradições; em toda forma social, fundada sobre classes, essas contradições são singularmente acentuadas. Contudo, mesmo aqueles sociólogos burgueses que vêem o laço que une os diversos fenômenos sociais, não compreendem absolutamente o caráter de contradição interna das formas sociais.

Toda a escola do «fundador» da sociologia burguesa, Augusto Comte, é particularmente curiosa sob este ponto de vista. Na sua doutrina existe um laço entre todos os fenômenos sociais (é o que ele chama o consenso), e é este laço que constitui a «ordem». Mas as contradições desta «ordem», e em particular aquelas que conduzem esta ordem à destruição inevitável, não são analisadas por ele. Pelo contrário, para os partidários do materialismo dialético, este lado da questão é um dos mais, senão o mais importante de fato, como já vimos, as contradições dum sistema dado são precisamente aquilo que o põe em movimento, o que conduz a uma transformação de formas no processo do desenvolvimento ou da decadência social.

Examinando a estrutura social, vimos que essas transformações são ligadas às mudanças das relações entre a sociedade e a natureza. Chamávamos este último equilíbrio de exterior, enquanto dávamos ao equilíbrio entre as diversas ordens de fenômenos sociais o nome de equilíbrio interno da sociedade. Se agora considerarmos toda sociedade do ponto de vista do caráter de contradição da evolução, uma série de problemas surgirá diante de nós: antes de tudo veremos que cada ordem de fenômenos sociais traz em se as suas contradições (por exemplo, na economia, as contradições entre as diversas funções do trabalho; na estrutura social e política, contradições entre as classes; na ideologia, contradições entre os sistemas ideológicos das classes, etc., sem falar numa série de outras contradições); distinguiremos depois sem esforço as contradições entre a economia e a política (quando por exemplo, as normas jurídicas «atrasam» sobre a evolução econômica, e que, por exemplo, uma «reforma» qualquer se torna urgente; entre a «economia» e a «ideologia», entre a «psicologia» e a «ideologia» (quando por exemplo se faz sentir a necessidade de qualquer coisa de novo, e que esta coisa ainda não se constituiu, ainda não se fundiu numa forma ideológica); entre a ciência e a filosofia, etc.. Estas são contradições entre as diferentes ordens de fenômenos sociais. Tanto as segundas como as primeiras dizem respeito ao equilíbrio interno. Mas existe também contradição entre a sociedade e a natureza, ruptura de equilíbrio entre a sociedade e o meio ambiente, que encontra sua expressão no movimento das forças produtivas. É este o domínio do equilíbrio exterior. Sabemos já que existe ainda um caso extremamente importante de contradição. É a contradição entre o movimento das forças produtivas e da estrutura social e econômica (e toda outra espécie de estrutura) da sociedade. Entram aqui em conflito as relações que existem entre a sociedade e a natureza, e as relações que se constituíram no interior da sociedade. Não é difícil ver que esse conflito, esta contradição, deve inelutavelmente representar um papel de grande importância na vida da sociedade, pois ele abala os «fundamentos do edifício existente» e os «alicerces» sobre que repousa uma ordem dada de coisas.

Não fizemos aqui mais do que indicar as principais questões que as contradições sociais apresentam. O estudo destas questões será o objeto do capítulo seguinte, em que examinaremos a sociedade em movimento; até agora estudamos principalmente a estrutura da sociedade, a estrutura de uma fórmula social dada. Falta-nos agora falar das passagens duma estrutura a outra. E é importante notar aqui mais uma vez, que a lei do equilíbrio social é a lei de um equilíbrio instável que não somente não exclui, mas pelo contrário supõe os antagonismos, as contradições, os defeitos de adaptação, os conflitos, a luta, e — o que é particularmente importante — a inclutabilidade, em condições determinadas, de catástrofes e de revoluções. Nossa teoria marxista é uma teoria revolucionária.

Bibliografia do capítulo VI

Notas de rodapé:

(1) Leveller (nivelador), nome dado aos revolucionários ingleses. (retornar ao texto)

Inclusão 24/07/2011
Última atualização 30/04/2014