O Império de Havana

Enrique Cirules


IX. As Empresas de Fachada


capa

O Império de Havana funcionava como se fosse uma gigantesca corporação, com múltiplos departamentos especializados, diferenciando-se dos métodos tradicionais com que a Máfia siciliana iniciara suas atividades na América.

Para as operações ilícitas, a Máfia em Havana começou a utilizar de forma acelerada, os meios legais de que dispunham no sistema capitalista contemporâneo, organizando seus interesses através de leis, convênios, coberturas e respeitabilidade.

A extensão dos negócios e das contradições com outros delituosos norte-americanos, haviam propiciado a entrada de novas forças que, aliadas ao poder das famílias instaladas em Cuba desde 1934, mantinham, na prática, múltiplas relações para a organização, exploração e controle dos negócios em Cuba.

Os interesses do Império de Havana poderiam ser agrupados nos seguintes itens:

  1. A promoção do grande turismo internacional (principalmente norte-americano) a cargo dos hotéis-cassinos, centros de recriação, grandes e médios cabarés, cadeias de clube e lugares noturnos, operados dentro da mais absoluta legalidade. Inclusive os mafiosos, desde o sisudo Lansky (irmão de Meyer Lansky) até os irmãos Joseph (Joe) e Charles Sileci, aparecem nas listas pagando seguro social em Cuba. Esses negócios geravam muitas outras atividades. Um exemplo: escolas de dealers ou especialidades nas diversas modalidades do jogo organizado, para treinar profissionais não só destinados a Cuba, mas também para outros lugares do Caribe, das Américas Central e do Sul e dos Estados Unidos.
  2. Os canais do tráfico de heroína para os Estados Unidos e de cocaína para Cuba, extraordinariamente lucrativos, possuíam uma estrutura compartimentada, ainda que para o consumo dessas drogas em especial a cocaína (nos altos círculos ou nas instalações da Máfia), se contasse com a mais absoluta tolerância.
  3. Outras modalidades de jogos de azar e de apostas, como as que se realizavam no Hipódromo de Havana, no Frontón Jai Alai, com corridas de galgos todos os dias, e algumas outras formas de caráter mais popular, como o boxe, o jogo do bicho, as charadas, os bingos, as máquinas de jogo etc.
  4. O tráfico e o trabalho sobre pedras preciosas.
  5. Os grupos encarregados da prostituição especializada (um dos mais conhecidos era a cadeia de casas da Marina, que prestava serviço aos hotéis de luxo). Em Havana, a Máfia treinava também as prostitutas para outras áreas do Caribe e para os Estados Unidos.
  6. A organização do contrabando, de bens suntuosos (carros de luxo, ouro, equipamentos eletrônicos etc. ) até as mais diversas quinquilharias, através de zonas francas, portos e aeroportos, como concurso de companhias aéreas, empresas de navegação etc. Esse contrabando se realizava também pelo próprio aeroporto militar de Columbia.
  7. O fomento e o controle de negócios legais (em sua exploração e/ou utilização) a cargo de companhias importadoras e exportadoras; lojas de departamentos, grandes agências de distribuição, companhias aéreas, laboratórios farmacêuticos, companhias de seguros, uso ou controle de redes bancárias; negócios relativos ao transporte e ao açúcar. Esse item operava todos os tipos de companhias.
  8. As relações com o centro financeiro internacional radicado em Havana, para a legalização de imensas fortunas, na medida em que se passava a um processo propiciador de grandes lucros para os grupos financeiros que controlavam de maneira tradicional a economia cubana. Para que o Império de Havana se mantivesse bem azeitado, era necessário que cada uma das forças recebesse sua parte do botim.
  9. A ocupação e controle de importantes meios de comunicação de massa, dentro e fora de Cuba, não só a cargo da estratégia publicitária, mas também das relações públicas e da propaganda internacional.
  10. As relações políticas, em Cuba e nos Estados Unidos. Na década de 50 (coroação do período), a tarefa principal desse item era consolidar cada vez mais Batista como o cabeça do poder aparente em Cuba.
  11. O item encarregado da inteligência, de suas relações e vínculos e da preparação do braço armado das famílias de Havana.
  12. Um item central ou geral para o controle do Império. Incluía o Estado maior da Máfia norte-americana em Cuba, seus centros operativos e suas estruturas de domínio interno.

Diante da impossibilidade de realizar uma investigação completa sobre cada uma das atividades da Máfia norte-americana em Cuba, convém tentar a abordagem de alguns aspectos relativos aos grandes e mais conhecidos hotéis-cassinos e às suas atividades afins.

É necessário sublinhar que, no começo de 1950, Havana não contava com uma infraestrutura hoteleira como a que chegou a ter seis ou sete anos mais tarde. Naquela época, além do maravilhoso Hotel Nacional, havia o Hotel Sevilla Biltmore e os hotéis Presidente, Lincoln, Inglaterra, Royal Palm ou Plaza e outros próximos ao Parque Central ou Centro Habana. Mas a capacidade hoteleira principal recaía em edifícios de apartamentos de três ou quatro andares, nas zonas do Vedado e Miramar e em pequenos motéis dedicados ao turismo internacional, que eram alugados com todos os recursos, incluindo cozinheiras e empregadas domésticas. O edifício de esquina da rua 8 com a 19 era um desses típicos hotéis, encontrados também na rua Terceira ou nas proximidades do Malecón.

Mas, com o reordenamento que propiciou o retorno de Batista, iniciou-se o desenvolvimento de uma infraestrutura melhor (grandes hotéis de luxo), na constituição de uma Havana para desfrute do grande turismo endinheirado dos Estados Unidos.

Para essa infraestrutura hoteleira, o Estado cubano assumiu os investimentos mais substanciais, e em apenas quatro anos surgiu um grupo de importantes hotéis, excetuando o Hotel Internacional de Varadero (1950-1951), como vanguarda desse grande projeto.

Em 1952, 29 hotéis funcionavam em Havana, com 3.118 quartos, embora nem todos pudessem receber turismo internacional de certo nível. Todavia, quando, a juízo dos especialistas em Máfia-serviços especiais, se estabilizou ainda mais o Estado de caráter criminoso em Cuba, de imediato se procedeu a construção de um grupo de hotéis considerados de primeira linha: Vedado, St. Johns, Comodoro, Colina, Lido, Rosita de Homedo, Caribbean, Siboney, Habana Deauville, Capri, Habana Hilton, Riviera e outros. Esses hotéis havaneiros elevaram a capacidade para 5.438 quartos, entre os quais, sobretudo os últimos, havia os hotéis de mais alto nível do mundo.

Existiam também outras instalações controladas pela Máfia em Varadero, na zona franca da Ilha de Pinos e na região montanhosa de Pinar del Rio; além do acelerado projeto de Monte Carlo de Habana e também do moderno motel Jagua, em Cienfuegos.

Para assumir a construção e o funcionamento dessa rede hoteleira (com grandes cassinos, droga e sexo), a Máfia se valeu de um conjunto de companhias de fachada, bancos privados e instituições criadas para esse fim.

A construção do Hotel Capri, situado em N y 21 (uma das zonas mais requintadas do Vedado), foi realizada através de uma companhia dirigida por Jaime Canaves. Os vínculos de Canaves com a Máfia eram muito antigos e se serviram de uma empresa denominada Compania Hotelera de la Habana para que, através do BANDES e com a intervenção de José Manuel Martínez Zaldo, vice-presidente do Banco Financiero, o Estado cubano assumisse o financiamento da quelehotel, em meados de 1957.(1)

A Compania Hotelera de Habana havia sido constituída através da escritura pública número 1.043, de 12 de dezembro de 1956, pelos senhores Jaime Canaves Lull, José Canaves Ugalde, Jaime Canaves Ugalde, Francisco de la Horra Diez e o doutor Mario Augusto Soto Román, tendo como objeto “construir, comprar, operar, alugar e subalugar edifícios para hotéis e qualquer outro negócio de comércio legal, com um capital autorizado de 2 milhões de pesos”.(2)

Jaime Canaves Lull era cidadão cubano, de origem espanhola, com 73 anos, casado com Felipa Petra Ugalde Sanz; contratista e morador das zonas altas do Vedado, vivia em Cuba desde 1913 e já dirigira a Compania Constructora Canaves.(3)

A Compania Hotelera de la Habana S. A. dedicou-se à tarefa de construir o Hotel Capri, com a pretensão de inaugurá-lo em novembro de 1957, com 241 quartos e um edifício anexo de doisa ndares, para a montagem de um grande cassino e um nightclub que, segundo a documentação, havia sido contratado pela Compania Hotelera Shepard, de Miami Beach, representada pelos senhores Julius Shepard e Jack Lieberbaum, presidente e vice-presidente da empresa hoteleira Shepard, que, depois de concluí-lo, o alugaram, como de costume, dessa vez por 193 mil pesos ao ano nos três primeiros anos e o resto, até completar vinte anos do contrato, à razão de 190 mil pesos anuais.(4)

Uma simples análise dessa operação revela que se tratava de uma incrível fraude aos interesses do Estado cubano. Finalmente, esse contrato ficou estabelecido em 201 mil pesos ao ano e sem bonificação de nenhum tipo.

Os senhores Julius Shepard e Jack Lieberbaum operavam, por sua vez, o Hotel Leamington, na Flórida(5) e possuíam excelentes referências do Mercantile National Bank of Miami. Essas referências não só eram pessoais, mas extensivas às operações que a Compania Shepard realizava. Além disso, havia as garantias oferecidas pelo The First National Bank.

Em Cuba, a instituição que deu cobertura a essa operação foi o Banco Financiero S. A. Por trás disso estava o escritório de advocacia Lendian y Lendian, com sede em 21 y 0, encarregado depassar as informações e garantias ao BANDES.(6)

Uma carta enviada pelo escritório Lendian y Lendian observou que tanto senhor Shepard como senhor Lieberbaum possuíam “experiência hoteleira, pois o senhor Shepard havia algum tempo era administrador do Hotel Leamington (repare como eram importantes essas cabeças visíveis)(7) e o senhor Lieberbaum foi proprietário de hotéis em Miami, sendo, na época, o dono do famoso Motel Dunes, naquela praia”.(8)

É interessante observar como o advogado Armando Lendian (do mesmo escritório Lendian y Lendian), situado no edifício da Sinclair, era por sua vez o secretário da Compania Hotelera Shepard, da qual Shepard era presidente e Lieberbaum, o vice-presidente.

Todas essas manobras deixam clara uma nota assinada por Ectore Reynaldo, subgerente e chefe de crédito e valores do BANDES, em relação ao Hotel Capri:

nossa intervenção seria para colocar o Financiero (banco de Lobo)(9) em condições de competir e quitar o negócio no banco que já o possui e que, estimamos, pode realizar o financiamento sem nossa intervenção”.(10)

Depois de inaugurado, é de conhecimento geral que o Capri foi dirigido pelo ator George Raft, em sua atormentada e gangsteril estada emHavana.

No caso do Hotel Habana Hilton, foram utilizados os recursos da Caja del Retiro y Asistencia Social de los Trabajadores Gastronômicos.(11) Além dos dirigentes do Sindicato Gastronômico, nessa operação também intervieram as instituições criadas na década de 50.

Esses dirigentes sindicais haviam cumprido seu tempo de mandato, mas o próprio general Batista, em 6 de maio de 1957, baixou uma resolução,(12) assinada por ele e pelo primeiro-ministro Andrés Rivero Aguero (nome que os grupos mafiosos pretendiam que desse continuidade ao Estado de caráter criminoso, no final de 1958), assim como pelo ministro do Trabalho, José Suarez Rivas (irmão de Eduardo Sánchez Rivas), para prorrogar o mandato dos delegados que integravam a direção da Caja del Retiro y Asistencia Social de los Trabajadores Gastronômicos até janeiro de 1959, para que pudessem fazer os arranjos com a companhia de fachada.

Para essa manobra, Batista utilizou Efren Jesús Pertierra Linero (de novo um Pertierra), Francisco Aguirre e Andrés Castellano Martínez; na reunião efetuada para a assinatura da escritura (do acordo), em que se entregaram os recursos para o investimento no hotel, estiveram também presentes os representantes do BANDES e o diretor do Banco de Comercio Exterior, senhor Miguel Acosta Rendueles.

No começo, o investimento para o Hotel Habana Hilton era de 14 milhões de pesos, mas na realidade os custos chegaram a 21,7 milhões.(13)

O projeto foi constituído pela firma norte-americana Welton Becket Associate, de Los Angeles, Califórnia, e o BANDES assumiu o resto do investimento de 13,5 milhões de pesos a cargo do Banco Nacional de Cuba.

Por seu lado, o Sindicato Gastronômico investiu no Hotel Habana Hilton mais de 6 milhões de pesos; quando ficou pronto, o hotel não passou a ser operado pelo sindicato nem sequer por uma empresa cubana, mas por uma americana.

A escritura que legaliza essa operação afirma que o investimento assumido pelo BANDES foi feito com juros de 4,5% (crédito brando), pagos através do Banco de Comercio Exterior de Cuba, mas muito antes, em 24 de novembro de 1953, fora estabelecido um arrendamento com a entidade Hilton Hotel Internacional, por 1,3 milhões de pesos do montante total de juros pagáveis em um ano.

Um negócio perfeito, inteiramente legal. A Máfia encarregou-se de montar o grande cassino e outros interesses que representavam cifras milionárias. Em julho de 1958, para citar só um exemplo, a lista do Cassino do Hotel Habana Hilton(14) apresentava mais de vinte nomes de mafiosos norte-americanos, que pagavam o seguro social em Cuba:

Harry Miller, David Geiger, Larry Sonfsky, Josef (Joe) e Charles Sileci, Sal A. Parisey, Allen Kanter, Joe Lo Pinto, Geo Frentress, George Labandie, Jimmy Morrow, John Bandik, Donte Carmesino, Luis J. Ross, Samuel Gremblatt, Jack Moore, George Mc. Aroy, James Becker, Vern Stone, Luis Garfinkle, John Achuff, Patric Smith e Robert Ryne.

A abertura do Hotel Deauville, situado na rua Galeano, entre Infanta e Malecón, teve características similares que marcaram o período de construção de hotéis-cassino de luxo pela Máfia.

Mas, se para os outros hotéis utilizamos a documentação de arquivo, falaremos do Hotel Deauville através dos testemunhos de velhos trabalhadores gastronômicos, recolhidos pelo operário Benigno Iglesias Trabadelo, personagem direto dessas operações.

Benigno escreveu um livro (inédito), Primero de Enero y el Hotel Deauville,(15) não só com sua experiência pessoal mas com a de outros companheiros de trabalho: Lorezo Sosa Martínez; Humberto Fernández; Rafael Carballido; Bruno Rodrigues; Juan Rivera; Emilio Martínez Hernández; o dono do boteco da esquina, de sobrenome Prieto; e outros trabalhadores, conhecedores de muitas histórias.(16)

O Hotel Deauville começou a ser construído em 1956, em um terreno que pertencia a Augustín Tamargo, naquela época jornalista da revista Bohemia. O projeto foi também levado adiante por uma companhia de fachada e passou a ser operado rapidamente por elementos da Máfia, entre os quais se encontravam Saint Kay, Mr. Ross, Mr. Maylo, Evaristo Rodriguez Fernández (cabeça visível no cassino de luxo) e um personagem de origem italiana naturalizado nos Estados Unidos, conhecido como Martíni, além da presença ocasional de George Rafte do controle permanente de Santo Trafficante Jr.

O hotel possuía 140 quartos, piscina e cabanas, amplas e luxuosas salas de jogo, um bar anexo com um cenário pornográfico e um pequeno restaurante, assim como um cassino popular que funcionava no sótão, com a entrada pela rua San Lázaro, totalmente isolado do resto do hotel.

Como em quase todos os hotéis da Máfia em Havana, seu negócio principal não era o aluguel dos quartos. Estes permaneciam reservados para determinados hóspedes ou visitantes que podiam chegar de navio ou de avião. O Deauville oferecia a seus visitantes e convidados quartos, comida, bebida, droga e mulheres (shows pornográficos, especialmente) absolutamente de graça. O objetivo era que todos os hóspedes, embriagados pelo encanto dos trópicos, com lindas mulheres e a delirante circulação do pó, entrassem nos salões de jogo; se preferissem, também podiam ficar em salas menores para partidas mais íntimas.

O quarto 222 contava com instalações especiais e equipamentos para controlar os pontos ou os jogadores e dirigir os especialistas nas salas dos cassinos.

As testemunhas asseguram que à inauguração do hotel assistiram Meyer Lansky, Walter Clark, Marquín Kraus, Lety Clark, Roman Normain, Frank Sinatra e outras celebridades. O certo é que Santo Trafficante Jr. controlou sempre de maneira direta o Deauville (como fazia com o cabaré Sans Souci) e que dispôs na inauguração também de “um exército de Bauncers protegendo esses senhores”.(17)

É interessante a maneira como Benigno Iglesias Trabadelo oferece seu testemunho dos dias em que os grupos de Havana estavam levando a guerra ao território norte-americano:

Naqueles tempos, além disso, iam chegando a nosso país personagens tenebrosos por suas atividades mafiosas e delituosas, misturadas com o assassinato do gângster Anastasia; tinham tomado Cuba como sede de suas ações delituosas.(18)

Em poucas linhas, ele também define gostos e preferências:

A bebida era consumida sutilmente junto com a droga, diante de todos, para derivar depois no jogo e, finalmente, na pornografia, que concluía com os clássicos bacanais privativos.(19)

A Máfia, claro, tratava de dar ao hotel uma aparência honrada: senhores com fraque e senhoras que fingiam estar num ambiente de alta burguesia, com as câmaras e os olhares especiais em circuitos fechados, para espiar ou controlar.

Finalmente, em vários quartos do Hotel Deauville, haviam instalado equipamentos para a filmagem de películas pornográficas com destino ao mercado externo. Era usual que utilizassem mocinhas (segundo as testemunhas) não poucas vezes à força ou levadas por falsas promessas, quando na realidade “estavam em jogo sua juventude, sua beleza, sua vida, seu prestígio e sua dignidade”.(20)

O Hotel Habana Riviera, situado no Malecón com Paseo, é conhecido internacionalmente como o hotel típico do tesoureiro da Máfia. Frederic Sondern Jr. (oficial da polícia antinarcóticos dos Estados Unidos) nos diz que:

Meyer Lansky, o grande jogador de Nova York, e um grupo de amigos dispunham de bastante dinheiro e cogitavam as possibilidades financeiras. Meyer, pessoalmente, adquiriu a concessão do magnífico e novo Hotel Riviera (14 milhões de dólares), situado no Malecón. Seu irmão, Jack, estabeleceu mais modestas mas igualmente proveitosas salas de jogo no antigo e opulento Hotel Nacional. Outros centros turísticos foram concedidos a um grupo de diretores de cassinos cuidadosamente selecionados”.(21) Trata-se das novas alianças que realiza Lansky desde 1956, contra as pretensões das famílias de Nova York, que exigiam uma participação nos lucrativos negócios de Havana.(22)

O que Lansky faz, como parte da expansão característica da décadade 50, é criar uma típica empresa de fachada, a Compania Hotelera La Riviera de Cuba S. A., para que se encarregue de manejar os assuntos referentes à construção e ao funcionamento da futura rede hoteleira de Havana, além de atender propriamente ao Hotel Riviera.

A Compania Hotelera La Riviera de Cuba S. A. oficialmente (de forma legal) era integrada pelos seguintes personagens: Harry Smith, Julies E. Rosengard, Benjamin Seigel, Irving Feldman, Edward Levinson, Eduardo Suárez Rivas e Juan Francisco López Garcia.

Para legalizar a construção do Hotel Riviera, realizou-se uma reunião cujos participantes eram: Harry Smith, um cidadão canadense que dirigira o Jockey Club de Havana em 1942 e era presidente da companhia; o senhor Juan Ramón Rodrigues Rivera, subgerente-geral do BANDES; e o senhor “José Manuel Martínez Zaldo, natural de Nova York, cidadão cubano, maior de idade, casado, banqueiro (assistiu à reunião como representante do Banco Financiero de Lobo)(23) e morador desta cidade, na rua San Ignacio, número 104”.(24)

Inicialmente, o Riviera foi concebido a um custo de 11 milhões de pesos (o Estado cubano assumiu um investimento de mais de 8 milhões), mas custou, na realidade, 14 milhões de pesos. Contava com

21 andares, 378 quartos, salas de jantar, cassino, cabaré, clube com cabanas, piscina, estacionamento, jardins e outros salões de luxo para uso público, 2,7 mil metros de área comercial e outras especificações que constam do projeto, planos e memórias descritivas confeccionadas pela firma Feldman Construction Corporation, de Miami Beach, Flórida, Estados Unidos da América, autorizado facultativamente em Cuba pelo arquiteto Manuel Carrera Machado.(25)

A escritura (diante do tabelião Augusto Maxwell de la Coba) foi assinada por Smith, J. R. Rod, José Manuel Martínez Zaldo, pelo tesoureiro e por E. León Soto, representando o BANDES; e nos documentos agregados aparece o conhecido Eduardo Suárez Rivas, em sua condição de secretário da Compania Hotelera La Riviera de Cuba S. A.

Esses documentos esclarecem que o Hotel Riviera foi projetado:

para destacar nos hotéis de luxo, lugares de entretenimento ou cassinos para jogos de azar, autorizados pela chamada lei do turismo e pelas demais legislações que regem Cuba.(26)

As relações estabelecidas pela Máfia norte-americana com o Banco Financiero S. A. mantiveram-se inalteradas até depois de 1958, quando ocorreu o processo de recuperação das riquezas que pertenciam à nação cubana. Prova dessa fidelidade é a carta enviada pelo doutor Eladio Ramirez, em 6 de junho de 1959, naquela época vice-presidente do Financiero, dirigida ao doutor Felipe Pazos, que então presidia o Banco Nacional de Cuba. Vejamos estes fragmentos:

Queremos aproveitar — disse o lugar-tenente de Julio Lobo a Felipe Pazos(27) — a oportunidade para dizer-lhe que o nosso banco administra a conta do Hotel Riviera desde o início e com plena responsabilidade podemos fazer as seguintes afirmações:

  1. Que nos consta, por haver-se administrado os fundos por nosso meio, do investimento de parte dos acionistas, da soma de 5,58 milhões de pesos. Temos todos os dados e antecedentes em nosso poder e os colocamos à disposição de vocês.
  2. Que a contabilidade da empresa, durante o período de execução das obras, sofreu a intervenção do Departamento de Inspeção (contadores públicos e engenheiros) do Departamento Técnico do BANDES.
  3. Que o BANDES também teve sempre nas obras um arquiteto que as supervisionou e comprovou; sem o relatório desse profissional não se tornaria efetiva nenhuma conta.
  4. Que o tesoureiro da companhia, que nos acompanha desde o começo das negociações, esteve em contato conosco e continua ainda à frente do Hotel; trata-se de um advogado de Boston, o doutor Julies E. Rosengard, que é também contador público, homem de fortuna pessoal, sobre o qual tivemos as melhores referências através do Royal Bank of Canada, de The First National City Bank of New York e de The Chemical and Corn Exchange Bank of New York e das quais lhes enviamos cópias. Conhecemos também sua esposa, que pertence a uma distinta e rica família de Boston, pessoa de grande cultura e fino trato, e seus dois filhos; podemos assegurar a vocês que são pessoas de um excelente trato e de costumes irretocáveis. O senhor Rosengard é membro da Junta de Patronos da Universidade de Suffolk, em Boston, Massachusetts.
  5. Conhecemos, também, o primeiro presidente da Companhia, senhor Harry Smith, que, ao lado de seus irmãos, dirige o Hotel Prince George, um dos melhores de Toronto, Canadá, e que tem vastos investimentos em empresas de mineração. Verificamos as referências bancárias que obtivemos destes senhores.
  6. Conhecemos também, pessoalmente, Irving Feldman, de Miami, onde é conhecido e respeitado como contratista e como pessoa honrada; construiu grande quantidade de obras de envergadura nos Estados Unidos e foi quem dirigiu diretamente as obras de construção do hotel, pelas quais demonstrou uma extraordinária habilidade e experiência, pois bateu o recorde de tempo, qualidade e eficiência nas obras. Ele é o atual presidente da empresa, por renúncia de Harry Smith.(28)
  7. Acompanhamos a lista dos acionistas. Da maior parte, temos apenas ligeiras referências, por não termos relações nem contato algum com eles; contudo, ninguém nos disse que possuem maus antecedentes em sua conduta moral. Estes homens fizeram um investimento enorme em nosso país e, se nós queremos estimular de verdade os investimentos em Cuba, temos de dar garantias ao capital que já se encontra investido, funcionando como trabalho e como fonte de criação de riquezas.
  8. Muito se especulou em relação à conduta moral dos novos hoteleiros, pois confundimos lamentavelmente o negócio limpo, honesto e respeitável dos hotéis com os cassinos, que infelizmente, em muitos casos, não são articulados por gente com bons antecedentes. Está-se realizando um saudável trabalho de limpeza entre eles, que está sendo muito bem acolhido pela opinião pública e pelos próprios hoteleiros, que sem ressentimentos, cooperam com sinceridade e entusiasmo pela melhoria dos costumes públicos neste setor tão delicado, referente às casas e aos centros de jogos de azar.
  9. Em resumo: as pessoas que integram a empresa que opera o Hotel Riviera fizeram em Cuba, com o amparo de nossas leis, um investimento considerável de dinheiro, construíram um hotel que é motivo de orgulho para Cuba e que pode ser comparado vantajosamente com os melhores de sua classe no mundo inteiro. Não têm antecedentes desfavoráveis em relação à origem do dinheiro investido nem quanto à sua conduta moral. Desenvolveram seu negócio, desde o começo, em 1956, até hoje, respeitando as leis e costumes, empregando tanto na construção do edifício como na articulação do hotel profissionais cubanos cuidadosamente selecionados. A crise que o hotel atravessa se deve, única e exclusivamente, a fatores externos e alheios a seu controle. Na temporada do inverno de 1957 e 1958, lucraram razoavelmente, ainda que muito inferiores a 1 milhãode pesos, que foram absorvidos, junto com o capital de trabalho com que contavam, pelas circunstâncias infelizes que prevaleceram em Cuba durante todo o ano de 1958 e nos primeiros meses de 1959, felizmente em parte superadas, o que lhes permite ter confiança no futuro. Mas, se permanecem preconceitos(30) injustos e infundados contra os homens que fizeram o investimento inicial e não existe cooperação efetiva para tornar rentável o negócio, reduzindo a lista artificial e hipertrofiada que atualmente prevalece, o negócio está condenado ao fracasso mais rotundo. Nesse caso, sabemos que não vale a pena investir dinheiro são, que é pouco e tardio e que não evitará o colapso inevitável da empresa, o que implicará inexoravelmente prejuízo para o país e a impossibilidade de novos investimentos, sem os quais nossa segunda safra, o turismo, será impossível”.

Notas de rodapé:

(1) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Legajo 493, Número 5. (retornar ao texto)

(2) Ibid. (retornar ao texto)

(3) Ibid. (retornar ao texto)

(4) Ibid. (retornar ao texto)

(5) Ibid. (retornar ao texto)

(6) Ibid. (retornar ao texto)

(7) Nota do autor. (retornar ao texto)

(8) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Legajo 493, Número 5. (retornar ao texto)

(9) Nota do autor. (retornar ao texto)

(10) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Legajo 493, Número 5. (retornar ao texto)

(11) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional, Legajo 493, Número 5. (retornar ao texto)

(12) Ibid. (retornar ao texto)

(13) Ibid. (retornar ao texto)

(14) Arquivo do autor: listas do cassino de Hilton Hotel Internacional (Havana-Hilton), à Seguridade Social de Cuba, julho de 1958. (retornar ao texto)

(15) Arquivo do autor: livro (inédito) Primero de enero y el Hotel Deauville, escrito pelo operário gastronômico Benigno Iglesias Trabadelo. (retornar ao texto)

(16) Ibid., p. 44. (retornar ao texto)

(17) Ibid., p. 20. (retornar ao texto)

(18) Ibid. (retornar ao texto)

(19) Ibid., p. 30. (retornar ao texto)

(20) Ibid., p. 37. (retornar ao texto)

(21) Sondern, Frederic Jr. Brotherhoodof evil: the mafia (A Máfia). Editorial Brugueras, S. A. Barcelona, 1960, p. 24. (retornar ao texto)

(22) Nota do autor. (retornar ao texto)

(23) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional de Cuba, Legajo 517, Número17. (retornar ao texto)

(24) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional de Cuba, Legajo 517, Número17. (retornar ao texto)

(25) Ibid. (retornar ao texto)

(26) Ibid. (retornar ao texto)

(27) Arquivo do autor: carta-relatório do doutor Eladio Ramirez León, vice-presidente do Banco Financiero S. A., ao doutor Felipe Pazos, presidente do Banco Nacional de Cuba, de 6 de julho de 1959. (retornar ao texto)

(28) Nota do autor. (retornar ao texto)

(29) Nota do autor. (nota não localizada no original usado para a transcrição)

(30) O itálico é do autor. (retornar ao texto)

Inclusão: 25/10/2023