Dicionário político

Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas

Retrato Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas

(1893-1983): Tendo casado cedo, divorciou-se passados anos com duas filhas pequenas, que criou. No meio provinciano e pequeno-burguês em que vivia, esta atitude indiciava já a coragem e inconformismo que se lhe conheceram ao longo de toda a vida.
Trabalhou durante vinte anos como directora da revista Modas e Bordados. Paralelamente à actividade de jornalista, produziu dezenas de livros para a infância e adolescência, todos eles com líricas mensagens de dignidade e amor à liberdade.
No âmbito do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, de que era fundadora e presidente, organizou uma exposição de livros de autoras de todo o mundo. Para o efeito, ela e grande número de pessoas recorreram às embaixadas, consulados, livrarias, bibliotecas e universidades, mobilizando muitas vontades no país e no estrangeiro. O regime, patriarcal, sexista e receoso desses contactos, resolveu castigar a ousadia da iniciativa. Obrigada a optar entre continuar como presidente da associação ou ser despedida, preferiu o desemprego.
Durante dois anos percorreu o país para escrever a obra monumental Mulheres do Meu País. Trata-se de um profuso registo etnográfico-social em resposta a um dignitário do regime que afirmara estarem os problemas da condição feminina totalmente resolvidos pela política salazarista. Até hoje ainda não foi escrito libelo mais completo e convincente sobre a real situação das mulheres do povo naquele tempo.
Em 1949 teve participação activa na Comissão Feminina da candidatura à presidência da República do general Norton de Matos e por isso foi presa. Na sequência da constituição do MND (Movimento Nacional Democrático), que ajudou a fundar e a cuja direcção pertencia, foi novamente detida em 1950.
Eleita para o Conselho Mundial da Paz em 1953, participou nesse ano no Congresso Mundial das Mulheres, realizado em Budapeste. Mesmo entre os antifascistas, poucos haveria capazes de denunciar a condição das mulheres trabalhadoras e muito menos o colonialismo tão frontalmente como ela: “A trabalhadora portuguesa ganha sempre menos que o homem, executando trabalho igual, com horários e rendimento igual. O salário da mulher varia entre metade e dois terços do que o homem recebe.
A mãe portuguesa só tem assistência, mesmo assim insuficientíssima, nalgumas das principais cidades. Nas províncias, as mães não têm assistência de qualquer espécie nem durante a gravidez nem na ocasião do parto. A assistência à criança reduz-se igualmente às cidades e mesmo assim numa percentagem que não chega a 5 por cento.
Outro problema gravíssimo da vida da mulher em Portugal é a prostituição. A regulamentação da prostituição, longe de a restringir, estimula-a, porque permite que ela seja um dos negócios mais rendosos, dando ao mesmo tempo lucros escandalosos aos exploradores de prostíbulos e um rendimento enorme ao Estado, que cobra sobre esse aviltante comércio elevados impostos.(...)
Lamentamos que as circunstâncias não tenham permitido que as mulheres das colónias portuguesas estejam presentes neste congresso, para explicarem a sua situação que é ainda pior, e como elas lutam também pela sua independência e por melhores condições de vida.”
Receando-se pela sua liberdade – a PIDE prendia por norma quem fizesse este tipo de viagens –, no regresso a Lisboa tinha à espera no aeroporto um grupo de jovens para a receber com flores. Isso não evitou que fosse presa à saída do avião, juntamente com as jovens. Passa mal de saúde na cadeia e baixa ao hospital. Quando a libertaram, resolve exilar-se.
Em 1954 subscreveu, com a direcção do MND, um apelo contra a repressão colonial em Goa.
Considerando que, devido à perseguição policial, já não tinha condições para continuar no país, viveu em Paris até à queda do fascismo, recebendo os oposicionistas que a procuravam e ocupando-se interessadamente dos seus problemas políticos. Nesses anos visitou a convite a União Soviética, a China Popular e vários outros países. Propagandeou por toda a parte a luta contra o regime salazarista.
Regressou ao país depois do 25 de Abril, aderindo ao Partido Comunista. Até ao fim e apesar da muita idade, manteve-se empenhada na vida pública e ao contrário dos seus correlegionários de partido, assumiu sempre uma atitude de grande diálogo e fraternidade com toda a esquerda.