Moscou, 1937

minha visita descrita para meus amigos

Lion Feuchtwanger


1. Trabalho e Lazer


Vim à União Soviética proveniente de países onde a queixa é a norma geral, cujos habitantes, descontentes tanto com suas condições materiais quanto espirituais, anseiam por mudança. Os múltiplos gritos de desespero que se elevam dos povos sob as ditaduras fascistas são ainda mais insistentes do que em outros lugares — e isso apesar do fato de que qualquer tipo de crítica é condenada como traição e punida como tal. Contudo, o medo das prisões e dos campos de concentração não foi capaz de silenciar as vozes da ira e do desespero.

Fiquei inicialmente surpreso, e mesmo desconfiado, ao perceber que todas as pessoas com quem tive contato na União Soviética — inclusive em conversas casuais e claramente espontâneas — estavam em consonância com o conjunto do sistema, mesmo quando eram críticas em relação a aspectos secundários. Com efeito, em toda aquela grande cidade de Moscou pairava uma atmosfera de harmonia, contentamento e até de felicidade.

Durante semanas, acreditei que o medo fosse a força motriz por trás dessas manifestações, e também me mostrava cético diante do fato de Moscou carecer de tantas coisas que, para nós ocidentais, são consideradas indispensáveis. A vida ali está longe de ser tão cômoda quanto o governo desejaria que fosse.

É verdade que os anos de fome haviam ficado para trás. Nas muitas lojas, era possível encontrar alimentos de todo tipo, em grande variedade e a preços perfeitamente acessíveis ao cidadão médio da URSS — ao operário e ao camponês. Conservas de todos os tipos eram especialmente baratas e de qualidade superior à média. Segundo as estatísticas, havia ali mais alimentos, e de melhor qualidade, por habitante do que na Alemanha ou na Itália, e, pelo que pude observar durante minha curta estada, tais números não mentem. Pessoas de renda modesta recebiam hóspedes inesperados com uma fartura surpreendente; embora, por outro lado, a preparação dos alimentos, mesmo quando abundantes, muitas vezes revelava certa falta de apuro e refinamento. Mas o cidadão de Moscou definitivamente aprecia sua comida — e foi apenas recentemente que sua despensa se tornou tão bem abastecida. Em apenas dois anos — de 1934 a 1936 —, o consumo de alimentos per capita em Moscou aumentou 28,8%; e, em comparação com os dados do período pré-guerra, o consumo de carne e gordura entre 1913 e 1937 aumentou 95%, o de açúcar, 250%, o de pão, 150% e o de batatas, 65%. Não é de admirar que, após tantos anos de fome e privação, o cidadão moscovita sinta que hoje sua alimentação deixa pouco a desejar.

Além disso, quem conhecia a Moscou de antes ficaria assombrado com a melhoria nas vestimentas. Somente em 1936, os gastos com roupas aumentaram 50,8%, embora qualquer visitante que chegue pela primeira vez à cidade ainda ache o padrão de vestimenta bastante modesto. É verdade que os itens essenciais estão disponíveis — alguns, como peles de carneiro e calçados de borracha, incrivelmente baratos —, mas a maioria dos produtos continua cara. Conforto, no entanto, é algo praticamente desconhecido. Qualquer pessoa, homem ou mulher, que deseje se vestir bem e com elegância, deve se esforçar bastante — e mesmo assim raramente será bem-sucedida. Certa vez, recebi alguns amigos, entre eles uma atriz excepcionalmente bem-apresentada, cujo vestido foi muito elogiado. “Peguei emprestado do teatro”, ela confessou.

Há uma escassez de outros itens de necessidade cotidiana que salta aos olhos de qualquer um vindo do Ocidente. Há, por exemplo, uma seleção muito limitada de papéis de qualquer tipo, e as lojas os mantêm em pequenas quantidades; artigos médicos e cosméticos também são raros, e uma simples inspeção nas lojas revela muito do que é rudimentar. Por outro lado, há muitos artigos com design atrativo e preços acessíveis — luminárias de mesa, recipientes de combustível, câmeras fotográficas, gramofones. É evidente que a demanda cresce junto com a prosperidade. Se antes o mínimo bastava, hoje há uma crescente demanda por artigos de luxo. Essa demanda está aumentando de tal forma que já ultrapassa a produção, e filas podem ser vistas com frequência diante das lojas.

Outras deficiências tornam a vida cotidiana em Moscou difícil. Os transportes públicos funcionam de forma eficiente, e o orgulho ingênuo dos patriotas locais em relação ao metrô é plenamente justificado: trata-se, sem dúvida, do mais belo e confortável do mundo; mas os bondes frequentemente estão superlotados, e conseguir um táxi é tarefa difícil. Um amigo meu, por exemplo, que mora a quarenta quilômetros de Moscou, perdeu o trem que o levaria para fora da fronteira porque, após horas de tentativas infrutíferas, não conseguiu transportar sua bagagem.

Os burocratas também contribuem para restringir a vida em Moscou. Declarações e autorizações são necessárias para alugar residências, viajar, adquirir combustível e óleo para carros, entrar em prédios públicos e para muitas outras coisas. “Propusk” — autorização — é uma das primeiras palavras russas que o estrangeiro precisa aprender. Além disso, fazer excursões é algo nada fácil para um estrangeiro. Nos arredores de Moscou, há poucos hotéis e restaurantes, e, embora existam muitos centros de repouso, estes estão abertos apenas aos membros das organizações profissionais. Certa vez, um ministro estrangeiro me contou — e não estava brincando completamente — que, durante suas férias, ficava a olhar com inveja para as piscinas dos trabalhadores, mas não conseguia acesso a nenhuma delas.

O pior de tudo, porém, é o problema da moradia. A maior parte da população vive aglomerada em cômodos pequenos e medíocres, que no inverno quase não têm ar. Formam-se filas diante dos sanitários. Políticos eminentes, escritores e cientistas com rendas elevadas vivem de maneira mais precária que muitos cidadãos humildes do Ocidente.

Perguntei-me frequentemente, sobretudo nas primeiras semanas de minha visita, se tais inconveniências cotidianas não terminariam por minar o contentamento de que já falei; mas não foi o que observei. O povo soviético suportou, por muitos anos, formas extremas de privação; e os tempos em que a luz e a água se tornavam cada vez mais escassas, e se faziam filas por pão e arenques, ainda estão vivos em sua memória. O planejamento econômico provou-se eficaz, eliminando esses sofrimentos mais graves; e num futuro próximo desaparecerão também os demais, de menor importância. Os cidadãos de Moscou fazem piadas sobre esses incômodos menores — quase sempre com bom humor —, mas jamais permitem que essas carências lhes obscureçam a visão das grandes conquistas que somente a vida na União Soviética pode oferecer; e, se alguém insiste demais em tais inconvenientes, eles se tornam combativos e invertem o jogo, perguntando como é possível, afinal, suportar a vida num país capitalista.

“Como você consegue viver”, — perguntam-me, — “naquele ambiente moral tão degradado que o cerca? Mesmo que você pessoalmente possa viver e trabalhar em paz e com algum conforto, não o incomoda a miséria que o rodeia, a qual poderia ser eliminada por uma ordem mais racional? Não o perturba a tolice manifesta que impera por toda parte? Como pode suportar viver em um país cuja economia é determinada não por um plano racional, mas pela ganância do lucro privado? Não o angustia esse modo de vida inseguro, precário, decadente? Estatísticas alemãs mostram que, com uma população de 65 milhões, há 52 suicídios por dia. Nós temos 180 milhões de habitantes e a média diária é de 34. E basta olhar para a juventude dos países capitalistas e compará-la com a nossa. Quantos jovens no Ocidente podem escolher a profissão que melhor se ajusta a seus talentos e inclinações? E quem entre nós não pode fazê-lo? Quantos jovens de seus países vivem atormentados com perguntas como: ‘O que será de mim? Para onde irei? O futuro que me aguarda é uma esperança ou uma ameaça?’”

Essas palavras não são mera propaganda: brotam de uma convicção autêntica. O fato de haver um plano claro e consciente por trás de toda a estrutura da economia nacional consola o indivíduo das carências em sua vida privada — na medida em que ele as percebe. Pois o contraste gritante entre o passado e o presente torna fácil esquecer as deficiências. Quem quer que tenha olhos para ver, ou ouvidos para discernir o verdadeiro ou o falso na fala humana, sente a cada passo que não se trata de uma frase vazia quando o povo do país fala, por toda parte, de sua “vida feliz”.

Eles sabem que sua prosperidade não é uma possibilidade vaga que talvez jamais se concretize, mas o desdobramento inevitável de um planejamento racional. Aprenderam que os alicerces de uma casa devem ser lançados antes de se cuidar de seu interior. Era preciso, antes, obter as matérias-primas, desenvolver a indústria pesada e fabricar as máquinas, para só então iniciar a produção de bens de consumo e artigos manufaturados. Os cidadãos soviéticos compreenderam isso e estavam dispostos a suportar as carências em suas vidas pessoais. Agora, é evidente que o planejamento estava certo, que a semeadura foi racional, e que a colheita rica e feliz está sendo usufruída — e o povo soviético saboreia, com satisfação intensa, os primeiros frutos dessa colheita. Eles veem que hoje, exatamente como lhes foi prometido, há milhares de coisas disponíveis — coisas que, dois anos atrás, mal ousariam sonhar. E o cidadão de Moscou entra em suas lojas como o jardineiro que semeou muito e visita seu jardim para ver o que mais germinou hoje. Diariamente ele vê algo novo — vê, satisfeito, boinas, depois baldes, depois câmeras... E o fato de que os dirigentes cumpriram, até agora, o que prometeram, é a garantia do povo de que o Plano continuará a se realizar, e de que as coisas melhorarão mês após mês. Tão certo quanto o cidadão de Moscou sabe que o trem parte para Lêningrado a tal hora, sabe também que, em dois anos, terá roupas — e, em dez, casas —, tantas e tão variadas quanto necessitar.

São os camponeses que mais profundamente sentem a diferença entre o passado miserável e o presente feliz — e eles compõem a imensa maioria da população. Nunca se cansam de ilustrar o contraste. Pais relatam a seus filhos os tempos antigos de penúria e a escuridão da vida sob os czares; sabemos algo dessa existência pelas descrições dos clássicos russos. Durante a maior parte do ano, os camponeses sobreviviam com água quente, um pouco de chá e pão seco, indigesto. Não sabiam ler nem escrever. Seu repertório mental se resumia a um vocabulário escasso para nomear coisas materiais e aos fragmentos de mitologia que o padre lhes transmitia. Hoje, esses mesmos homens e mulheres têm alimento em abundância. Conduzem suas lavouras com inteligência e sucesso crescente. Possuem roupas, cinemas, rádio, teatro e jornais. Aprenderam a ler e escrever, e seus filhos podem seguir as ocupações pelas quais se sentem atraídos.

Esse reconhecimento — confirmado pela experiência concreta de vinte anos — de que o Estado não reserva os bens apenas a uma minoria, em detrimento da maioria, mas que, ao contrário, de fato auxilia o todo da forma mais razoável, enraizou-se profundamente na mentalidade da população e criou uma confiança nos dirigentes como jamais vi em outro lugar. No Ocidente, a desconfiança frente às promessas dos governos foi alimentada por tantas decepções repetidas que os povos já se resignam, desde o início, aos acontecimentos que os governantes haviam assegurado jamais ocorrerem. Na União Soviética, ao contrário, há uma confiança plena de que as promessas das autoridades serão cumpridas à risca. Todos conhecem o esforço e a encenação cuidadosa que são necessários para que um Estado fascista consiga arrancar, de suas massas relutantes, “expressões espontâneas de alegria”. Vi exemplificado, de cem maneiras pequenas, com quanta simplicidade o povo de Moscou acorre com júbilo às suas demonstrações públicas.

Não há dúvida de que a diferença entre as vantagens e a segurança que o cidadão soviético desfruta, comparadas às dos súditos dos Estados ocidentais, lhe parece tão colossal que os incômodos da vida cotidiana se tornam irrelevantes. O plano econômico socialista garante a cada indivíduo uma ocupação digna e racional, bem como uma velhice sem preocupações. O desemprego foi erradicado definitivamente, e com ele, a exploração. A quantidade de trabalho que o Estado exige de cada cidadão permite que o indivíduo disponha de boa parte de sua energia como quiser. A cada seis dias há uma folga, a jornada de trabalho é de sete horas, e todos têm direito a um mês de férias com remuneração. A modéstia das habitações privadas é compensada pelo conforto das casas de repouso claras e espaçosas, postas à disposição dos cidadãos soviéticos em número enorme e por preços mínimos.

Esse sentimento de segurança plena, essa certeza confortável de que o Estado está realmente a seu serviço — e não o contrário —, ajuda a explicar o orgulho ingênuo com que os cidadãos de Moscou falam de “nossas fábricas”, “nossa agricultura”, “nossos edifícios”, “nossos teatros” e “nosso exército”. Mas é da “nossa juventude” que se orgulham mais do que tudo.

E com razão: essa juventude é, de fato, o maior patrimônio da União Soviética.

Faz-se por ela tudo o que está ao alcance humano. Em toda parte, há creches e jardins de infância numerosos e bem equipados. Uma rede de escolas cobre a imensidão do Estado, e seu número cresce com uma rapidez assombrosa. Existem parques infantis, cinemas infantis, cafés para crianças e teatros infantis de excelente nível. Os mais velhos são atendidos pelas universidades, por incontáveis cursos técnicos, pela organização coletiva da economia camponesa, e pelos centros culturais do Exército Vermelho. As condições materiais em que cresce a juventude soviética são, possivelmente, as mais favoráveis do mundo.

A maioria das cartas que recebo de jovens fora da União Soviética são mensagens de socorro. Incontáveis jovens no Ocidente não conseguem encontrar seu lugar na vida — nem no plano mental, nem no social. Não só não têm esperança de conseguir o trabalho que desejam, como muitas vezes não têm qualquer esperança de encontrar trabalho. Não sabem que caminho seguir, nem que sentido dar à sua existência: todos os caminhos lhes parecem levar ao nada.

É profundamente revigorante, após experiências assim, encontrar aqueles jovens que puderam colher os primeiros frutos de sua formação soviética — jovens intelectuais oriundos do campesinato e do proletariado. Com que firmeza e serenidade eles encaram a vida, conscientes de que são partes orgânicas de um todo cheio de propósito. O futuro lhes aparece como uma trilha bem definida e cuidadosamente cultivada que atravessa uma paisagem promissora. Seja em discursos públicos, seja em conversas íntimas, não há traço de afetação no entusiasmo com que falam de sua “vida feliz”; simplesmente não conseguem conter a alegria que os preenche. Quando, por exemplo, uma estudante de engenharia — que até poucos anos atrás era operária de fábrica — me diz: “Há poucos anos, eu não conseguia escrever uma frase correta em russo, e hoje consigo discutir com o senhor, em alemão razoável, a organização de uma fábrica automobilística americana”; ou quando uma jovem camponesa, radiante de felicidade, declara, em um encontro: “Há quatro anos eu era analfabeta, e hoje posso debater os livros de Feuchtwanger com ele” — então, esse orgulho parece plenamente justificado. Nasce de uma satisfação profunda com o mundo soviético e com seu próprio lugar dentro dele, e é impossível escutá-los sem partilhar de sua exultação.

Nos países ocidentais, segundo as estatísticas, a porcentagem de estudantes oriundos de famílias camponesas e proletárias é extremamente reduzida — o que significa, inevitavelmente, que inúmeros talentos são condenados a murchar sem jamais se desenvolver, simplesmente porque seus pais são pobres, enquanto muitos sem talento são levados a estudar apenas porque suas famílias dispõem de recursos. É inspirador ver, na União Soviética, milhões que, vinte anos atrás, teriam sido condenados à mais completa ignorância, acorrerem com entusiasmo aos centros de ensino, agora que as portas se lhes abriram. Assim como a União Soviética resgatou vastos recursos naturais antes inexplorados, cultivou também uma abundância de potência intelectual que, até então, permanecia adormecida. E esse sucesso é comparável ao primeiro. Com avidez, filhos e filhas do campesinato e do proletariado, dotados de cérebros jovens e vigorosos, lançam-se sobre esse novo material, absorvem-no, digerem-no; e a frescura com que abordam o saber acumulado de três milênios — descobrindo nele novas facetas, inesperadas — anima aqueles que, após as experiências do pós-guerra, quase haviam perdido a fé no futuro da civilização.

André Gide fala da arrogância dessa nova geração. Relata que lhe perguntaram se havia metrô em Paris; que não acreditavam que os filmes russos pudessem ser exibidos na França; e que afirmavam, com superioridade, ser supérfluo perder tempo com idiomas estrangeiros, pois nada mais havia a aprender do exterior. Considerando que os jornais soviéticos com frequência comparam os metrôs estrangeiros ao de Moscou e se congratulam pelo sucesso dos filmes soviéticos — sobretudo na França —, só se pode concluir que Gide teve o azar de encontrar jovens particularmente tolos e insolentes. Em todo caso, nada disso me ocorreu, apesar das inúmeras conversas que tive com jovens cidadãos soviéticos; e fiquei agradavelmente surpreso ao ver quantos desses estudantes dominavam o alemão, o inglês ou o francês — e, às vezes, dois ou três desses idiomas.

É uma alegria, para um autor, saber que seus livros estão nas bibliotecas desses jovens soviéticos. Em quase todos os países há leitores interessados que escrevem ao autor com perguntas inteligentes. Mas, no Ocidente, os livros são, muitas vezes, apenas um passatempo elevado — um luxo. Já para o leitor soviético, não parece haver fronteira entre sua própria realidade e o mundo dos livros. Ele se aproxima das personagens com a mesma atitude mental que reserva a seus conhecidos reais — discute com elas, censura-as, vê nos eventos e figuras literárias uma continuidade da vida concreta. Tive diversas oportunidades de discutir meus livros com leitores que eram operários comuns, engenheiros, trabalhadores, escriturários. Tinham um conhecimento profundo das minhas obras, às vezes mais profundo que o meu próprio. Nem sempre era fácil acompanhar os pontos que levantavam. Esses jovens intelectuais camponeses e proletários vinham com perguntas inesperadas. Defendiam suas opiniões com respeito, mas com firmeza e insistência. Não permitiam que o autor se refugiasse em dogmas estéticos, nem que falasse de técnica literária ou licença poética. Para eles, o escritor é responsável por suas personagens — e, caso ofereça meias-verdades em resposta às dúvidas educadas, mas firmes, de seus jovens leitores, percebe imediatamente o desagrado deles. De fato, há muito a aprender com tais conversas.

O sentimento de força e felicidade que emana dessa juventude soviética é, sem dúvida, contagiante — e permite compreender a confiança com que os cidadãos da União Soviética contemplam o futuro, uma confiança que os impede de se prenderem às limitações da vida presente.

Talvez o que se segue demonstre como essa aceitação do presente está inextricavelmente ligada à certeza do porvir.

Já me referi às moradias modestas e apertadas de Moscou, onde todos vivem amontoados como ovelhas em um redil. Mas o cidadão de Moscou compreende que também a arquitetura está sendo desenvolvida em conformidade com um princípio que considera, antes de tudo, a coletividade — e somente depois, o indivíduo. E a excelência dos edifícios e obras públicas lhe oferece uma forma de consolo. Os inúmeros clubes operários e administrativos, as muitas bibliotecas, parques e instalações esportivas são espaçosos e bem equipados. Os edifícios públicos expressam admiravelmente esse princípio, e a eletrificação fez de Moscou, à noite, uma cidade tão resplandecente quanto qualquer outra no mundo. O moscovita passa grande parte do seu tempo em espaços públicos. Ama a vida nas ruas, gosta de permanecer nas salas de seu clube ou casa de reuniões. É um debatedor apaixonado, que prefere discutir qualquer questão a refletir em silêncio. Os ambientes agradáveis do clube tornam sua casa inestética mais suportável. Mas, acima de tudo, ele se vê recompensado pela promessa de que Moscou se tornará bela.

E essa promessa não é uma fórmula vazia — sua veracidade se prova na energia dedicada, nos dois últimos anos, à reconstrução completa da cidade.

A matemática e a razão — marcas registradas da União Soviética — tornam-se particularmente evidentes no plano detalhado de reconstrução de Moscou. Talvez não haja forma mais rápida de penetrar no caráter do país do que examinar a maquete exibida na Exposição de Arquitetura que mostra a Moscou do futuro.

Na realidade, os projetos individuais da exposição não me pareceram nem melhores nem piores do que aqueles vistos em outros países. Apenas o trabalho de três arquitetos me pareceu verdadeiramente criador e revolucionário. Fora isso, há um certo classicismo e ecletismo que pouco transmitem. Mas a arquitetura soviética revela outra face quando se observa os planos e maquetes que mostram como os principais arquitetos reconstruíram — ou planejam reconstruir — cidades inteiras.

Esse espírito se manifesta de forma exemplar na reconstrução de Moscou. De fato, a reconstrução vem ocorrendo desde o início da Revolução. Escavações, demolições, marteladas e edificações ocorrem por toda parte. Ruas desaparecem, novas avenidas surgem. O que parece grande num dia, torna-se pequeno no seguinte, eclipsado por uma nova torre. Tudo se move e transforma incessantemente. Em julho de 1935, o Conselho dos Comissários do Povo decidiu legislar sobre essas alterações — ou seja, moldar a aparência externa da cidade com a mesma sistematicidade que rege a estrutura interna da URSS — e tudo isso num prazo de dez anos. O que foi realizado desde então, e o que ainda será feito nos próximos oito anos, pode ser melhor compreendido observando-se a maquete da Moscou futura, apresentada na Exposição de Arquitetura.

O visitante se posiciona sobre uma plataforma elevada diante do modelo gigantesco que representa a Moscou de 1945 — uma cidade que guarda para com a Moscou atual a mesma desproporção que essa guarda em relação à Moscou dos czares, que mais se assemelhava a uma grande aldeia. A maquete é iluminada eletricamente, e linhas azuis, verdes e vermelhas indicam o traçado das ruas, dos metrôs e das estradas, demonstrando com que sistematicidade se construirão as habitações e vias de circulação da grande cidade. As amplas diagonais que a dividem, as vias circulares que as cruzam, os bulevares, as ruas radiais, as avenidas principais e secundárias, os blocos de escritórios e apartamentos, os edifícios industriais e parques, escolas, edifícios governamentais, hospitais, centros educacionais e recreativos — tudo está disposto com precisão geométrica. Jamais uma cidade de milhões de habitantes foi reconstruída com tamanha atenção às leis da adequação e, portanto, da beleza, como essa nova Moscou. Inúmeros pontos e linhas minúsculas se acendem para indicar os locais de escolas, hospitais, fábricas, lojas e teatros. O curso futuro do rio Moscou é revelado, assim como o traçado do canal Moscou-Volga; aqui serão construídas pontes, ali escavado um túnel sob o rio; estas ruas serão para transporte rápido de alimentos, aquelas para outros tipos de transporte; e deste ponto se controlará o abastecimento de água, eletricidade e aquecimento da cidade.

Em tudo isso há uma coesão proposital que não se encontra em parte alguma do mundo. Em outras cidades, foi o tempo que impôs os problemas, e apenas após seu surgimento tentou-se resolvê-los, regulando ruas e tráfego. Inevitavelmente, isso se deu de maneira fortuita e jamais plenamente racional. Essas cidades careciam de uma origem e crescimento orgânicos, e sua adaptação tardia era limitada por conflitos com inúmeros interesses privados, para os quais não havia autoridade que pudesse impor o bem coletivo. Em toda parte, a resistência de proprietários motivados pelo lucro inviabilizou o planejamento racional das cidades. O prefeito Haussmann, que no século 19 redesenhou Paris, escreveu:

Para executar o plano elaborado pelo engenheiro Belgrand para o abastecimento de água, a cidade teria de adquirir as nascentes do Somme e do Soude. Mas os proprietários privados recusam-se a negociar, e todo o projeto é frustrado.

E quando, em 1923, Tóquio foi reconstruída após o terremoto, o governo teve de pagar 40 milhões de ienes a proprietários privados por apenas trezentos acres de terra — um quarto do necessário —, e o plano original teve de ser abandonado.

Nada disso limita a Moscou do futuro. O planejamento não é prejudicado pela necessidade de adaptar-se a vícios preexistentes. Tudo nasce, desde o início, como parte essencial de um plano inteligentemente concebido.

A construção das três grandes diagonais — cada uma com entre dezesseis e vinte quilômetros de extensão — que servirão como vias principais da cidade, e das três novas ruas radiais; a abertura de duas avenidas paralelas; a duplicação da Praça Vermelha; a disposição dos blocos residenciais; a demolição de todos os edifícios industriais suscetíveis a incêndios ou prejudiciais à saúde; a edificação de amplos cais, das onze novas pontes e dos viadutos ferroviários; a distribuição das centrais de aquecimento; a construção de 530 novas escolas; de 17 grandes hospitais; de 27 passeios públicos e 9 imensos centros de abastecimento; a expansão da cidade em quase 323 mil quilômetros quadrados; a criação de um grande cinturão verde de seis milhas de largura envolvendo a cidade; dos 52 parques irradiando do centro urbano e dos 13 grandes parques nos arredores — tudo isso é tão harmoniosamente equilibrado e deliberadamente coordenado que mesmo o observador mais indiferente se verá tocado pela beleza e grandiosidade do projeto.

E os pais desse empreendimento monumental são: Lazar Kaganovitch e Josef Stálin.

De fato, sente-se uma satisfação estética profunda ao contemplar a maquete dessa grandiosa cidade — erguida desde os alicerces segundo os ditames da razão e da sensatez —, a primeira de seu gênero desde que o ser humano passou a escrever sua história. Enquanto se contempla o imenso modelo, os arquitetos o explicam. Contam como, no primeiro ano — 1935–1936 —, pretendiam construir escolas aqui e ali; os pontos luminosos se acendem e, em seguida, muitos outros revelam onde essas escolas de fato foram erguidas. Apontam os locais destinados a hospitais nos primeiros dezoito meses; e os pontos iluminados indicam onde esses hospitais já estão concluídos — em número maior que o planejado. Para quem deseja examinar os detalhes de alguma seção específica da maquete, que representa um bairro da cidade, os setores se separam automaticamente — permitindo ao observador espiar essa cidade do futuro e escolher, desde já, seus recantos prediletos.

O que mais comove o observador não é o fascínio visual da maquete em si, mas o conhecimento de que ela não é um brinquedo, tampouco uma utopia fantasiosa concebida por um arquiteto ocidental, e sim um projeto que, dentro de oito anos, será realidade concreta. Essa certeza nasce do que já foi realizado e da impressionante diferença entre a Moscou de ontem e a de hoje. A Moscou dos últimos czares possuía 240 mil jardas quadradas de ruas e praças asfaltadas ou pavimentadas com pedra lavrada. Hoje, esse número é de 3.800.000 jardas quadradas. Na antiga Moscou, o consumo de água por habitante era de 16 galões por dia. Hoje é de 42,5 galões (em Berlim, por comparação, cerca de 34,5). O sistema de transportes da velha Moscou era o mais atrasado do mundo. A nova cidade, com sua malha cerrada de bondes, ônibus, trólebus e um metrô de excelência, lidera o mundo com uma média de 550 viagens anuais por pessoa. Os dois primeiros anos de funcionamento — justamente o período mais difícil — viram o plano da nova Moscou se materializar em mais de 100%, o que constitui uma garantia de que os projetos previstos para os próximos oito anos igualmente se realizarão.

Não é tanto a rapidez espantosa com que casas, ruas e meios de transporte estão sendo e serão criados o que mais impressiona na reconstrução, mas o fato inédito de que tudo está sendo realizado segundo um plano refletido e bem definido, e que, ao atender às necessidades específicas, jamais se perdeu de vista o interesse da cidade como um todo — e, mais amplamente ainda, o do imenso Estado soviético. Pois o planejamento da nova Moscou prevê que sua população não ultrapasse cinco milhões de habitantes, e desde já contempla como redistribuir o excedente. Na América, a maior cidade concentra 5,5% da população nacional; na França, 7%; na Inglaterra, mais de 18%. Por inúmeras razões óbvias, a União Soviética não deseja que sua capital cresça aleatoriamente, e por isso limita, desde o início, essa proporção a 2,5%.

É alentador ver, após as promessas vagas e ocas dos planos quadrienais fascistas, com quanta precisão se pensa aqui cada detalhe e com que prudência se calcula a capacidade de obter ou produzir os materiais necessários. O que já foi feito até agora demonstra a exatidão dessas estimativas.

A descrição oficial do “Plano de Reconstrução da Cidade de Moscou” declara:

“A execução deste plano exige que todas as forças disponíveis sejam mobilizadas ao máximo; mas ele será cumprido.”

E quem já esteve em Moscou sabe que, de fato, ele será cumprido.

Os seguintes dispositivos estão contidos nos Artigos 118 a 121 do Capítulo 10 da Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, intitulado “Os Direitos e Deveres Fundamentais dos Cidadãos”:

Artigo 118: Os cidadãos da URSS têm o direito ao trabalho, isto é, o direito de obter um emprego garantido, com remuneração proporcional à sua qualidade e quantidade.

Esse direito ao trabalho é assegurado pela organização socialista da economia nacional, pelo constante desenvolvimento das forças produtivas da sociedade soviética, pela prevenção de crises econômicas e pela eliminação do desemprego.

Artigo 119: Os cidadãos da URSS têm o direito ao descanso e ao lazer.

Esse direito é garantido pela redução da jornada de trabalho da grande maioria dos trabalhadores para sete horas, pela concessão de férias anuais remuneradas para operários e empregados administrativos, e pela ampla rede de casas de saúde, repouso e clubes colocados à disposição dos trabalhadores.

Artigo 120: Os cidadãos da URSS têm o direito à manutenção material na velhice, na doença e em caso de incapacidade.

Esse direito é garantido pelo amplo sistema de seguros sociais para operários e empregados, custeado pelo Estado, pela assistência médica gratuita e pelo grande número de sanatórios à disposição dos trabalhadores.

Artigo 121: Os cidadãos da URSS têm o direito à educação.

Esse direito é assegurado pela instrução escolar obrigatória universal, pela gratuidade de todos os níveis educacionais, incluindo o universitário, pelo sistema de bolsas estatais para a grande maioria dos estudantes, pelo ensino na língua materna e pela organização de formações gratuitas vocacionais, técnicas e agronômicas para trabalhadores nas fábricas, fazendas estatais, estações de máquinas e tratores, e fazendas coletivas.

Vê-se, assim, que a diferença entre as constituições habituais das democracias burguesas e a constituição da União Soviética reside no fato de que, enquanto as primeiras proclamam direitos e liberdades sem indicar os meios de realizá-los, a Constituição soviética estipula justamente as condições materiais sem as quais uma verdadeira democracia não pode existir — pois, sem independência econômica garantida, é impossível a livre formação de opinião, e nada é mais hostil à liberdade do que o medo do desemprego, o temor pelo futuro dos filhos e o pavor de uma velhice miserável.

Pode-se discutir se todos os 146 artigos da Constituição soviética estão em plena vigência, ou se alguns existem apenas no papel. Mas é indiscutível que os quatro artigos que citei — e que me parecem constituir o fundamento da democracia prática — não são palavras ocas impressas, mas expressão concreta de realidades. Se alguém virasse a cidade de Moscou de cabeça para baixo, dificilmente encontraria algo que contradiga esses artigos.

Se considerarmos este fato em conjunto com tudo o que já descrevi, perceberemos que, no presente, o cidadão médio dos países fora da União Soviética vive com mais conforto material do que seu correspondente soviético. Mas seu conforto repousa sobre areia. Muitos, inclusive, estão tão conscientes da miséria inominável ao seu redor que nem conseguem usufruir plenamente de suas vantagens. Sofrem ao perceber que essa miséria poderia ser evitada por uma ordem mais razoável. Por ora, o cidadão médio da URSS vive sem muitos dos confortos de seus semelhantes em outros países — mas vive de forma mais contente, em harmonia mais profunda com seu destino, e, em última instância, mais feliz.