André Gide certa vez encontrou um operário “stakhanovista” — ou seja, um trabalhador recordista de produção — que, segundo lhe foi dito, “fazia, em cinco horas, o equivalente a oito dias de trabalho”, ou talvez fosse “em oito horas, cinco dias de trabalho”, ele já não lembrava exatamente. “Atrevi-me a perguntar”, continua Gide, “se isso não significaria, antes, que esse homem anteriormente levava oito dias para realizar cinco horas de trabalho” — e surpreendeu-se com o fato de que sua pergunta foi recebida friamente, preferindo os presentes não a responder. Isso levou Gide a comentar sobre a “indolência” do povo moscovita. “Preguiça seria palavra demasiado forte”, acrescenta, em tom de observador objetivo. Ele afirma, ainda, que em um país onde todos realmente trabalhassem, o “stakhanovismo” seria desnecessário, e considera que o povo da União Soviética se tornaria relapso assim que deixado por conta própria — razão pela qual, segundo ele, o “stakhanovismo” teria sido inventado para estimulá-los, como antes existia o chicote.
Essas observações de Gide me causam espanto. Por minha parte, devo dizer que foi exatamente a atividade e o espírito industrioso do povo de Moscou que mais me impressionaram. Correm pelas ruas com rostos tensos, atravessam os cruzamentos apressadamente ao menor sinal verde, abarrotam as estações de metrô ou pulam nos bondes e ônibus, movimentando-se como formigas. Nas fábricas, mal vi um operário, homem ou mulher, levantar os olhos ao passar um visitante pouco habitual. Todos estavam completamente absorvidos em seu trabalho. Quanto às pessoas em cargos de maior responsabilidade, estas mal se permitem tempo para dormir ou comer, não hesitam em interromper alguém no meio da ópera — ou em serem chamadas de lá — para tratar de uma questão urgente, nem em fazer ligações telefônicas às três ou quatro da madrugada. Jamais encontrei tantas pessoas incansáveis e laboriosas quanto em Moscou. Por outro lado, notei, com pesar, que essas pessoas já começam a sofrer os efeitos prejudiciais do excesso de trabalho. De fato, são consumidas por ele. Quase todos os cidadãos de Moscou em posições de responsabilidade aparentam mais idade do que realmente têm. A “agitação americana” — que não encontrei em Nova York ou Chicago — encontrei em Moscou.
É tempo de pôr fim à polida ficção da “indolência russa”. Um povo que, há apenas vinte anos, sufocava na miséria, na sujeira e na ignorância, dispõe hoje de indústrias altamente desenvolvidas, de uma agricultura racionalizada, de um número elevado de cidades novas ou completamente reconstruídas — e erradicou por completo o analfabetismo. É concebível que tamanhas conquistas tenham sido realizadas por um povo inerentemente preguiçoso? Concedo que a União Soviética teve a sorte de encontrar líderes de talento excepcional; mas, ainda que todos os gênios da humanidade, acumulados ao longo dos séculos, houvessem sido reunidos em Moscou nestas duas décadas, jamais teriam conseguido arrancar de um povo realmente indolente uma façanha tão gigantesca. Não é de admirar que, enquanto camponeses e operários eram explorados por empreiteiros e latifundiários inescrupulosos, o trabalho lhes parecesse um fardo insuportável — e que, portanto, procurassem evitá-lo. Mas tudo isso mudou, agora que compreendem que são eles próprios os beneficiários do fruto de seu esforço.
André Gide também se espanta — e aqui muitos outros partilham de sua surpresa — com a desigualdade de rendimentos na União Soviética. Eu, por minha parte, me surpreendo com esse espanto. Parece-me absolutamente razoável que a URSS siga o princípio socialista de “a cada um segundo seu trabalho”, enquanto ainda não pode realizar o ideal do comunismo pleno — “a cada um segundo suas necessidades”. Entendo que o socialismo não trata da distribuição da pobreza, mas da distribuição da riqueza. E não vejo como se possa chegar a tal distribuição se aqueles de quem muito se espera forem obrigados a viver com tamanha parcimônia que isso prejudique sua produtividade. A ideia de que, enquanto todos os cidadãos de um Estado socialista não puderem viver bem, então todos devem viver mal — ou ao menos modestamente — me parece um resquício atávico de concepções cristãs primitivas, mais piedoso do que racional. Os defensores dessa opinião me recordam um parente bávaro, funcionário administrativo aposentado, que, durante a Grande Guerra, dormia sobre tábuas nuas porque, nos campos de batalha, muitos não tinham camas.
O temor de que a desigualdade de rendimentos possa provocar o ressurgimento das classes recém-abolidas me parece infundado. A base de uma sociedade sem classes está, sem dúvida, em garantir, desde o nascimento, as mesmas oportunidades educacionais e vocacionais para todos, de modo que cada um seja instruído e empregado segundo suas aptidões. Que esse princípio opera na União Soviética nem mesmo seus críticos mais severos contestam. Em nenhuma parte de Moscou encontrei servilismo. “Tovarish” — camarada — não é uma palavra vazia. O camarada construtor, que soube do metrô, realmente se sente igual ao camarada comissário do povo. No Ocidente, pelo que pude observar, os filhos do campesinato e do proletariado que conseguem obter uma educação superior se veem como integrantes das “classes superiores” e se esforçam por cortar os laços com seus antigos companheiros. Na União Soviética, ao contrário, os intelectuais oriundos do proletariado e do campesinato mantêm laços vivos com os trabalhadores manuais de onde vieram.
Há, no entanto, um aspecto em que noto certa cisão na União Soviética. Sua história inicial se divide claramente em duas épocas — a da luta e a da reconstrução. Um bom combatente não é, necessariamente, um bom construtor. Os homens que realizaram grandes feitos nos anos da guerra civil nem sempre se mostraram adequados para a fase de reconstrução. Mas, naturalmente, aqueles a quem a URSS devia sua própria fundação consideravam ter direito a cargos de destaque; e, igualmente natural, foi que esses combatentes fossem convocados à reconstrução, sobretudo por serem considerados confiáveis. Mas hoje a guerra civil é história, e os bons combatentes que se mostraram maus administradores foram afastados de suas funções oficiais — muitos deles, naturalmente, tornaram-se opositores do regime.
Ainda que a execução dos Planos Quinquenais tenha sido, no todo, um êxito notável, era inevitável que não ocorresse sem atritos, e erros foram cometidos em várias frentes. Aqueles que se esforçaram ao máximo e realizaram um bom trabalho se ressentem do fato de que seus resultados sejam comprometidos pela má ou deficiente atuação de outros. Estão sempre dispostos a atribuir más intenções a quem simplesmente não tem capacidade para fazer melhor, e a suspeitar deles como “sabotadores”.
Ninguém duvida de que houve atos de sabotagem. Muitos ex-oficiais, industriais ou grandes fazendeiros — agora destituídos — conseguiram nomeações importantes e realizaram ações de sabotagem. Se hoje o fornecimento de couro para os cidadãos, especialmente de calçados, é insuficiente, isso se deve, sem dúvida, à sabotagem levada a cabo por grandes fazendeiros, à época, contra a criação de gado. A indústria química e os serviços de transporte também sofreram, durante muito tempo, os efeitos dessa sabotagem. Se hoje há uma fiscalização extremamente rígida sobre fábricas e máquinas, isso se justifica por razões sólidas.
Contudo, aos poucos, uma verdadeira neurose do “sabotador” foi se formando entre o povo. Chegou-se ao ponto de interpretar tudo o que dá errado como sabotagem, quando, na realidade, grande parte dos defeitos decorre de pura e simples incompetência.
Certa vez, um alto funcionário almoçava comigo em um hotel, e o garçom estava servindo com lentidão. O funcionário chamou o gerente, reclamou, e comentou em tom de brincadeira: “Esse homem só pode ser um sabotador!” Mas a coisa deixa de ser engraçada quando os maus resultados de um diretor de cinema ou de um editor são tomados como sabotagem, ou quando ilustrações ruins num livro sobre a reconstrução da economia nacional são atribuídas à má vontade do artista — como se ele quisesse desacreditar a reconstrução com seu trabalho inferior.
O fato de que essa neurose dos “sabotadores” tenha conseguido se enraizar parece dar margem à existência daquele conformismo pelo qual muitos acusam a União Soviética. Tais críticos sustentam que o povo da URSS foi privado de sua individualidade, que seu modo de vida e suas opiniões foram padronizados, submetidos às mesmas normas, tornados uniformes. Segundo Gide: “Falar com um russo é falar com todos eles”.
Há um elemento de verdade nessas afirmações. Não apenas o plano econômico — enquanto a produção de bens manufaturados permanecer limitada — implica um certo grau de padronização no que se refere a bens de consumo, móveis, vestuário e utensílios básicos, como também toda a vida pública do cidadão soviético é bastante uniformizada. Reuniões, discursos políticos, debates e noites nos clubes se assemelham como duas gotas d’água, e a terminologia política não varia em todo esse vasto Estado.
Mas um exame mais atento revela que esse famoso “conformismo” pode ser reduzido a três traços principais: uniformidade de opinião quanto aos princípios fundamentais do comunismo; amor comum pela União Soviética; e confiança compartilhada de que, num futuro próximo, a URSS será o país mais feliz e poderoso da Terra.
Antes de tudo, aceita-se amplamente que é melhor que os meios de produção estejam nas mãos da coletividade e não de indivíduos. Não vejo em que isso possa ser algo negativo. Para dizê-lo sem rodeios, não me parece pior do que todos concordarem que, se duas quantidades são iguais a uma terceira, então são iguais entre si. Tampouco me ofende o amor do povo soviético por seu país, ainda que expresso de forma repetitiva, e muitas vezes ingênua. Ao contrário, confesso que essa vaidade patriótica infantil me é mais agradável do que incômoda. Uma nação jovem, que realizou algo grandioso a custo de imensos sacrifícios, contempla agora sua obra e mal acredita no que vê. Sente-se em júbilo com o que construiu — e deseja, com ansiedade, que o estrangeiro o confirme continuamente.
Dizer que esse patriotismo soviético exclui toda crítica não corresponde à verdade. A “autocrítica bolchevique” está longe de ser uma expressão vazia. Lê-se nos jornais uma sucessão de ataques severos contra inúmeras falhas — reais ou imaginárias — e contra figuras de destaque, responsabilizadas por elas. Fiquei surpreso com a força das críticas dirigidas, em assembleias industriais, aos diretores das fábricas; e espantado diante de cartazes informativos que atacavam ou caricaturavam dirigentes e responsáveis com uma verve quase selvagem. Tampouco é vedado ao estrangeiro expressar sua opinião sincera. Já mencionei que os jornais nacionais não censuraram meus artigos, mesmo quando deplorei certos excessos de intolerância ou a adoração desmedida a Stálin, ou quando solicitei mais esclarecimentos sobre a condução de um importante julgamento político; mais ainda: empenharam-se em traduzir com a maior fidelidade possível cada nuance desses trechos críticos. As personalidades nacionais que encontrei interessavam-se, sem exceção, mais por críticas consistentes do que por elogios indiscriminados. Gostam de medir suas realizações com as do Ocidente — e o fazem com exatidão, às vezes até excessiva —, e não hesitam em reconhecer quando seus resultados ficam aquém. Frequentemente, chegam a superestimar as conquistas ocidentais em detrimento das suas. Mas, quando o estrangeiro se entrega a críticas mesquinhas e sem consequência, perdendo de vista o valor do conjunto por causa de falhas triviais, os soviéticos perdem rapidamente a paciência; e jamais perdoam elogios vazios e hipócritas. (Talvez a veemência da reação ao livro de Gide contra a União Soviética se explique pelo fato de que, enquanto esteve no país, ele não expressou nada além de louvores — e só deu voz às críticas depois, fora de suas fronteiras.)
Ainda que se leiam e ouçam objeções por toda parte a detalhes, jamais se ouve uma crítica ao princípio geral do Partido. Nisso, sim, há conformismo. Nesse aspecto, não há divergência — ou, se existe, ela não se manifesta. Mas qual é o princípio geral do Partido? Que toda medida adotada decorre da convicção de que o estabelecimento do socialismo na União Soviética é, em essência, um sucesso — e que a derrota numa guerra vindoura está fora de cogitação. Também neste ponto, não vejo razão para que o conformismo seja tão lamentado. Mesmo que dúvidas sobre esse princípio pudessem ter fundamento até meados de 1935, elas foram completamente dissipadas pelo crescimento da prosperidade nacional e pela força do Exército Vermelho — de modo que o consenso universal sobre esse ponto nada mais expressa do que uma deferência à razão comum.
No fim das contas, o conformismo do povo soviético se resume a um profundo amor à sua pátria. Em outros lugares, isso se chama simplesmente patriotismo. Quando, por exemplo, na Inglaterra, uma briga em um jogo de futebol cessa em perfeita harmonia ao se tocar o hino nacional, isso raramente é chamado de conformismo.
Há, contudo, uma diferença entre o patriotismo soviético e o dos demais países: o primeiro possui uma base mais racional. Ali, o padrão de vida do indivíduo melhora visivelmente a cada dia. Ele não apenas recebe mais rublos, como o poder de compra desses rublos também aumenta. Em 1936, o salário médio do trabalhador soviético havia crescido 278% em relação a 1929, e o cidadão soviético tem a certeza de que essa tendência continuará por muitos anos (e não apenas porque as reservas de ouro da Alemanha caíram para 25 milhões de dólares, enquanto as da União Soviética subiram para 7 bilhões). É mais fácil ser patriota quando se recebe mais armas e mais manteiga do que quando se recebe apenas armas e nenhuma manteiga.
Em si, nada há de espantoso no otimismo unânime do povo soviético. Naturalmente, a falta de variedade nas expressões com que ele se manifesta conduz rapidamente à banalidade. O povo soviético está apenas começando a se iniciar nos fundamentos do saber, e ainda não teve tempo para adquirir uma terminologia mais matizada — de modo que seu patriotismo também se expressa, em geral, de forma muito trivial. Operários, oficiais do Exército Vermelho, estudantes, jovens camponesas — todos afirmam, nas mesmas frases monótonas, o quanto sua vida é feliz e se deleitam nesse otimismo, seja falando, seja ouvindo. As autoridades também desempenham seu papel em alimentar essa tendência. Com o tempo, esse entusiasmo padronizado, amplificado oficialmente, começa a soar forçado. E é isso que faz com que até os críticos mais benevolentes acabem falando em conformismo.
Esse otimismo uniforme causa um mal incalculável à literatura e ao teatro — que poderiam ser os fatores mais importantes na formação da individualidade.
É realmente lamentável, pois as condições existentes na União Soviética são extremamente favoráveis ao florescimento da literatura e do teatro. Já assinalei anteriormente que este vastíssimo país, ao tornar acessíveis às massas os bens do espírito, deu vida a um imenso potencial latente — até então paralisado — tanto de criação quanto de assimilação.
Sábios, escritores, artistas e atores desfrutam de vantagens concretas na União Soviética. São valorizados, incentivados, e mesmo mimados pelo Estado, com prestígio e rendimentos elevados. Todos os meios de que necessitam são colocados à sua disposição, e nenhum deles precisa se preocupar com a rentabilidade de sua obra. Contam, ademais, com o público mais entusiasta e receptivo do mundo.
É difícil imaginar o grau de voracidade com que o povo soviético lê. Devoram jornais, revistas e livros de ponta a ponta, sem que sua sede se sacie minimamente. Encontrei uma ilustração especialmente marcante disso durante minha visita às novas oficinas gráficas do Pravda (A Verdade), o jornal de maior circulação em Moscou. Percorremos a gigantesca rotativa, talvez a mais eficiente do mundo; imprime dois milhões de exemplares em duas horas. Em forma, lembra o corpo de uma locomotiva colossal, e caminhamos por sua plataforma interminável, de quase oitenta metros, como se estivéssemos no convés de um transatlântico. Após cerca de um quarto de hora, percebi que a máquina ocupava apenas metade do imenso salão onde se encontrava, e a outra metade permanecia vazia. Perguntei o motivo. “Estamos imprimindo o Pravda em tiragem de apenas dois milhões”, — disseram-me, — “mas temos mais cinco milhões de assinaturas pendentes e, assim que nossas fábricas de papel puderem suprir a demanda, instalaremos outra máquina”.
Os livros dos autores favoritos também são editados em tiragens tão vastas que espantariam qualquer editor estrangeiro. As obras de Pushkin, por exemplo, haviam alcançado, ao final de 1936, uma circulação superior a 31 milhões de exemplares — e os livros de Marx e Lênin em tiragens ainda maiores. A única limitação à expansão das edições é a escassez de papel. Em qualquer dia comum, os livros dos autores populares são impossíveis de encontrar nas livrarias ou bibliotecas; quando sai uma nova edição, forma-se fila, e mesmo que esta chegue a 20 mil, 50 mil ou 100 mil cópias, esgota-se em poucas horas. Nas bibliotecas públicas — que somam cerca de 70 mil—, é preciso reservar com semanas de antecedência. Embora vendidos a preços muito baixos, os livros são objetos preciosos, e considerei mais do que uma piada quando me disseram que eu podia deixar dinheiro à mostra, mas meus livros deviam ser trancados a sete chaves. Os livros dos autores consagrados também são traduzidos para as múltiplas línguas dos povos da URSS, de modo que um autor é lido por nações cujo nome ele mal consegue pronunciar.
Já mencionei que os leitores soviéticos dedicam mais tempo e energia aos livros do que os leitores de outros países, e que, para eles, os personagens das obras atingem um grau de realidade muito maior. Os heróis de um romance têm, na União Soviética, existência tão real quanto qualquer figura pública. Uma vez que o autor conquista a atenção dos cidadãos soviéticos, ele passa a ser objeto de uma devoção comparável, em outros países, apenas àquela dirigida a astros do cinema ou lutadores famosos, e o povo confia nele como bons católicos confiam em seu confessor.
Os livros filosóficos também despertam ali um interesse especial. Uma nova edição das obras de Kant, com 100 mil exemplares, esgotou-se imediatamente. Discutem, com igual vigor, tanto as teorias de um filósofo morto quanto uma questão econômica contemporânea com implicações práticas para todos; e debatem um personagem histórico com o mesmo fervor com que analisam as qualidades de um Comissário do Povo em exercício. Os cidadãos soviéticos rejeitam tudo aquilo que não tenha relevância para sua realidade concreta — mas, quando identificam algo que tenha, isso ganha, para eles, uma intensidade de vida incomparável, e o conceito de “herança”, do qual tanto gostam, é, para eles, algo completamente tangível.
O mesmo se dá com as artes dramáticas.
É difícil, ao falar sobre o teatro e o cinema de Moscou, manter-se objetivo e não se deixar levar pelo entusiasmo diante das apresentações e do público. O povo soviético é, indiscutivelmente, o melhor, mais consciencioso e audacioso diretor artístico e musical do mundo. Suas interpretações de compositores nacionais — Tchaikovsky, Rimsky-Korsakov ou o jovem Dzherzinsky, com seu Dom Pacífico —, bem como de obras como Figaro ou Carmen, são musicalmente irrepreensíveis, e sua encenação e cenografia são de uma vitalidade e inovação sem precedentes. Em outros países, não se nota apenas a ausência de talento, mas também de paciência e de recursos financeiros para a criação de espetáculos como os do Teatro de Arte de Moscou ou do Teatro Vakhtangov. A perfeição na escolha e no entrosamento dos elencos exige meses, por vezes anos, de ensaio — algo possível apenas quando o encenador não está sendo açoitado pela urgência de um empresário preocupado com o lucro. Os cenários atingem um grau de perfeição que não vi em nenhum outro lugar, e os figurinos, quando necessários — em óperas ou dramas históricos —, são de extrema opulência. Antes havia certa tendência ao exagero, hoje substituída por uma sobriedade bem-vinda, embora experiências ousadas e interessantes ainda estejam sendo levadas adiante. Vi no Teatro Vakhtangov uma encenação de Muito Barulho por Nada. Cada detalhe era leve, etéreo e ousado até a irreverência, e Shakespeare convivia bem com o jazz. Também ocorre, por vezes, que uma mesma peça seja montada em Moscou por diferentes teatros, com estilos diversos. Isso acontece com Otelo, Romeu e Julieta e obras de dramaturgos contemporâneos. Assisti a uma peça de um jovem autor, Pogodin — Os Aristocratas, sobre uma colônia penal —, encenada por dois teatros distintos da cidade. O Teatro Vakhtangov apresentou um espetáculo extraordinariamente refinado, ainda que mais tradicional; já Okhlopkov o encenou em dois palcos ligados por uma espécie de ponte — um deles erguido no meio da plateia —, sem cenário algum: tudo essencialmente construtivo, meticulosamente elaborado, altamente experimental e eficaz.
Especialistas me asseguram que o teatro de Lêningrado pouco fica atrás do de Moscou — e, em certos aspectos, o supera. Nas províncias foram erguidos belos e amplos teatros, equipados com o que há de mais moderno em termos técnicos, e companhias experientes e renomadas da capital são enviadas a eles, não apenas em turnês, mas para permanecerem por temporadas inteiras.
Ainda mais abundantes são os recursos postos à disposição do cinema, o que permite aos cineastas experimentarem livremente, sem se preocuparem com custos. E é fácil perceber como esses esforços e investimentos valem a pena — o que pude constatar nas obras completas ou em andamento de Reismann e Roschal, e, acima de tudo, no magnífico e poeticamente soviético Beshin Lug, de Eisenstein, uma verdadeira obra-prima, plena de um profundo e justificado sentimento patriótico.
E o público é grato. Moscou conta com trinta e oito grandes teatros, um número imenso de clubes e teatros amadores, e novas casas de espetáculo estão em construção. Quase sempre os teatros estão lotados, e não é fácil conseguir ingressos. Dizem-me que, desde a sua fundação, nunca houve uma cadeira vazia no Teatro de Arte de Moscou. O público assiste às peças e aos filmes com profunda atenção, saboreando cada nuance, mas conservando aquela ingenuidade sem a qual o gozo puro de uma obra de arte se torna impossível. Este público receptivo é, ao mesmo tempo, crítico e ingênuo; “degusta” uma sutileza psicológica com o mesmo entusiasmo com que aprecia uma proeza cênica. Quando o grande ator Khmelov, interpretando o Czar Fiódor na peça histórica de Alexei Konstantinovich Tolstói, revela, com um leve movimento de pescoço e um sorriso incerto nos lábios, sua bondade e fraqueza — incapaz de agir com firmeza —, o velho que estava ao meu lado suspirou, infeliz; entendera de imediato que aquele Czar, no palco, estava sorrindo a si mesmo e ao seu reino, entregando-os à ruína. E quando Otelo, iludido por Iago, acreditou na história do suposto adultério de Desdêmona com Cássio, uma risada suave e desprezível escapou da jovem sentada ao meu lado; ela rangeu os dentes e disse, claramente: “Idiota”. Mas, no último ato de Carmen, quando o muro da arena se ergue e a tourada surge diante do público em expectativa, um profundo e satisfeito “Ah” de admiração percorreu os dois mil e quinhentos espectadores. A comoção da audiência diante do filme de Vishnevsky, Somos de Kronstadt, quando os Guardas Brancos obrigam seus prisioneiros acorrentados a se lançarem ao mar, e o horror sentido quando até mesmo o prisioneiro mais jovem, de apenas quinze anos, se afoga, precisa ser testemunhada para ser acreditada.
Percebe-se, portanto, que escritores e profissionais do teatro soviéticos possuem um público ideal, além do pleno apoio do Estado; seu trabalho deveria ser, para eles, uma fonte de alegria sem mácula. Mas, infelizmente, são justamente eles os mais afetados por aquele otimismo padronizado de que já tratei.
A política artística da União Soviética não é, de modo algum, uniforme. Ela acolhe toda a literatura clássica — russa e estrangeira — com respeito e zelo, considerando-a como “herança”, e impõe aos autores contemporâneos do Ocidente apenas um critério: qualidade. Uma excelente revista intitulada Literatura Internacional é publicada em Moscou em russo, alemão, inglês e chinês, e dificilmente haveria uma expressão mais nítida da tentativa de conciliar a literatura soviética com a literatura mundial. O sonho dos clássicos alemães de uma “literatura universal” e de uma “república das letras” encontra ali sua expressão mais próxima da realização concreta.
Essa tolerância torna ainda mais surpreendente o fato de que a política do Plano Econômico seja estendida aos autores soviéticos contemporâneos. É certo que os escritores que divergem do “princípio geral” não são completamente silenciados, mas há uma clara preferência por aqueles que adotam, de forma mais frequente e inequívoca possível, o tom do heroísmo otimista em todas as suas obras.
Hoje, a vida soviética está permeada por uma atmosfera heroica que, por si só, já inspira o artista. A ameaça de guerra iminente por parte das potências fascistas influenciou profundamente a mentalidade dos escritores e artistas, de tal maneira que esse mesmo otimismo heroico se tornou o leitmotiv de muitas de suas criações. Mas não posso acreditar que a constante presença de temas heroicos na literatura, no teatro e no cinema se deva apenas à espontaneidade criativa; tudo indica que esse tom é fortemente encorajado pelas esferas superiores. Com certeza, o autor que ousa se desviar do princípio geral enfrenta grandes dificuldades. Por exemplo, um grande poeta lírico, cuja tonalidade predominante é de melancolia outonal — ou, ao menos, distante do heroísmo otimista — continua sendo impresso, lido e amado, mas deixa de ser citado na imprensa, não recebe divulgação alguma. O medo do “derrotismo proibido” se manifesta, às vezes, nas formas mais infantis entre os que supervisionam os meios de produção cultural. Um conto de um autor consagrado, por exemplo, narrando a história de um aviador que estabelece um recorde e depois cai, foi suprimido de uma coletânea por um editor excessivamente zeloso, sob a justificativa de que era “demasiado pessimista”.
Esse esforço por não se afastar do princípio geral do otimismo heroico é ainda mais visível no teatro do que na literatura — e atinge seu ápice no cinema. Ali, os órgãos de controle político intervêm continuamente nas produções, procurando redirecionar suas tendências ideológicas às custas da qualidade artística, impondo um viés que frequentemente conduz à vulgaridade. Sem dúvida, o otimismo heroico já produziu algumas obras notáveis, como Tragédia Otimista, de Vishnevsky, seu filme Somos de Kronstadt, a peça Distância, de Afinogenov, ou a ópera de Dzherzinsky já mencionada, O Dom Pacífico. Nelas, a orientação política está claramente presente, mas sem comprometer o efeito artístico — embora, talvez, O Dom Pacífico ganhasse mais se, ao final, a bandeira vermelha tremulasse apenas uma vez, e não duas. Em outras produções, no entanto, tanto teatrais quanto cinematográficas, o resultado artístico é prejudicado pela ênfase excessiva na mensagem política. A peça Intervenção e o filme A Última Noite, por exemplo, embora tecnicamente perfeitos, apresentam os personagens com tal simplificação maniqueísta que acabam por provocar rejeição.
Talvez se pergunte como posso emitir opiniões tão contundentes, apesar de já ter confessado meu conhecimento limitado da língua russa. Esta é uma boa ocasião para louvar os intérpretes russos. Em Moscou, estão habituados à presença de estrangeiros que não dominam o idioma, e dispõem de intérpretes de compreensão prodigiosa. Sentam-se ao seu lado no teatro ou durante conferências e sussurram uma tradução literal ao ouvido, de forma que se pode continuar ouvindo o russo original, como se tivesse à disposição um libreto vivo. Fazem isso com tal tato e discrição que quase se esquece da própria limitação linguística.
Retornando ao tema, as peças e os filmes contemporâneos sérios que não tratam de temas políticos são raramente apresentados, o que empobrece o repertório do teatro e do cinema soviéticos. Uma ópera extraordinariamente boa foi rejeitada porque seu libreto não estava em conformidade com o Princípio. Apenas os clássicos restam para os teatros que não desejam montar peças heroicamente otimistas. Os encenadores, de fato, recorrem aos clássicos. Durante minha estada em Moscou, estavam em cartaz nada menos que oito peças de Shakespeare, além de Beaumarchais, Schiller, Ostrovski, Gógol, Tolstói, Gorky, Gozzi, e uma excelente adaptação de um romance de Dickens — todas encenações de altíssimo nível. O máximo que os cineastas que não querem aderir ao heroísmo otimista conseguem fazer é comédias e farsas. “Um autor”, disseram-me em Moscou, “que deseja montar uma peça não política, precisa, se não for Gorky, estar morto há pelo menos cinquenta anos”. Havia um tom de amargura na piada. De fato, o efeito da política artística da União Soviética é que a produção em Moscou supera a própria dramaturgia. A União Soviética possui um teatro excelente — mas carece de dramaturgia.
Isso nem sempre foi assim; antes havia, com certeza, uma maior diversidade temática no palco e na tela de Moscou. Se perguntarmos às autoridades por que, nos últimos dois anos, a produção literária e artística passou a ser mais rigidamente controlada, ouviremos que a União Soviética vive sob a sombra de uma guerra iminente e que a preparação moral não pode ser negligenciada. Esta é uma resposta que se escuta com frequência no país e que explica uma série de fenômenos que, fora de suas fronteiras, seriam difíceis de compreender.
Mas, a meu ver, isso não justifica plenamente o fato de os artistas estarem atados ao avental do Estado. O Estado pode, talvez, propor tarefas ao artista, mas não me parece sensato obrigá-lo, mesmo que de forma velada, a aceitá-las e a cumprir pontualmente o Princípio Geral. Estou convencido de que o artista cumpre melhor as tarefas que ele mesmo se impõe. Ademais, os cidadãos da URSS estão tão imersos em política que essa dimensão encontraria expressão natural nas obras artísticas, mesmo que seus autores não fossem levados a escolher temas diretamente políticos.