Moscou, 1937

minha visita descrita para meus amigos

Lion Feuchtwanger


4. Nacionalismo e Internacionalismo


“Qualquer restrição, seja direta ou indireta, dos direitos dos cidadãos, ou, inversamente, qualquer definição de privilégios, também diretos ou indiretos, atribuídos a cidadãos com base em sua raça ou nacionalidade, assim como toda e qualquer disseminação de exclusivismo racial ou nacional, ou ainda de ódio racial ou nacional, é punível por lei” — assim estabelece o Artigo 123 da Constituição Soviética.

O Capítulo 2 da referida constituição, intitulado “A Organização do Estado”, enumera uma profusão assombrosa de nações; e quando se presencia, num congresso em Moscou, o conjunto heterogêneo de cabeças — georgianas, turcomanas, uzbeques, quirguizes, tajiques, calmucas, iacutes — torna-se evidente a imensa complexidade da tarefa de unir todas essas nacionalidades sob o signo unificador da Foice e do Martelo. Com efeito, levou algum tempo até que a URSS solucionasse de forma definitiva a questão nacional. Contudo, essa questão encontra-se agora equacionada de maneira resoluta, e a União Soviética demonstrou que é possível sintetizar o nacionalismo com o internacionalismo.

Quando, em 1924, Stálin reconheceu e proclamou que o camponês russo portava em si o potencial para o socialismo — ou seja, que ele podia ser simultaneamente nacional e internacional —, seus opositores zombaram dele e o tacharam de utopista. Hoje, a prática confirmou a justeza teórica de Stálin: o camponês foi socializado de Belarus ao Extremo Oriente. O amor do povo soviético por sua pátria não é inferior ao dos fascistas por suas respectivas nações, porém é um amor pela pátria soviética — isto é, um patriotismo não fundado em um misticismo inconsciente, mas cimentado pela razão. Stálin, o grande psicólogo prático, operou o milagre de mobilizar o patriotismo de muitos povos em função dos fins do socialismo internacional. É fato concreto, hoje, que povoados remotos da Sibéria reagem ao ataque da Alemanha e da Itália contra a República Espanhola com indignação tão veemente como se a própria União Soviética estivesse sendo ameaçada. Em todas as casas do país há um mapa da Espanha, e vi camponeses nos arredores de Moscou abandonarem seus afazeres ou suas refeições para se dirigirem à casa de reuniões e ouvirem, pelo rádio, os informes sobre os acontecimentos naquele país. Mesmo entre os aldeões, não obstante todo seu particularismo nacional, foi possível suscitar um sentimento profundo de solidariedade internacional.

A fórmula de Stálin — “nacional na forma, internacional no conteúdo” — foi convertida em realidade. O mesmo socialismo é expresso, nas múltiplas línguas da URSS, por meio de formas nacionais, mas conservando em sua essência o caráter internacionalista. Com carinho, preservam-se as peculiaridades nacionais das repúblicas autônomas: sua língua, arte e folclore de toda ordem. Povos que, até então, conheciam apenas a palavra oral, receberam a escrita e um alfabeto. Em toda parte, fundaram-se museus nacionais, institutos de estudo científico das tradições nacionais, casas de ópera e teatros nacionais de elevado nível. Assisti, pessoalmente, ao entusiasmo com que o povo de Moscou — público altamente exigente quando se trata de teatro — acolheu a ópera georgiana em visita ao Teatro Bolshoi.

Quão sólida e eficaz é a política nacional da URSS, pude constatar, de modo mais claro, na maneira como ela está solucionando a antiga, espinhosa e aparentemente insolúvel “questão judaica”. O ministro czarista Plehve, em suas próprias palavras, não via outra saída senão obrigar um terço dos judeus à conversão, um terço à emigração e um terço à morte. A URSS encontrou outro caminho: assimilou a maior parte de seus cinco milhões de judeus e ofereceu ao restante um vasto território autônomo, com os meios adequados para sua ocupação, criando assim para si mesma vários milhões de cidadãos ativos e inteligentes, devotados fanática e entusiasticamente ao regime.

Encontrei toda sorte de judeus na União Soviética e, sendo eu interessado na problemática judaica, mantive com eles longas e profundas conversas. O ritmo vertiginoso da produção exige homens, mãos, cérebros — e os judeus prontamente se integraram a esse processo, de modo que a assimilação avançou ali mais do que em qualquer outro lugar do mundo. Conheci judeus que me disseram: “Há muitos anos que não me ocorre pensar no fato de ser judeu; só me lembrei disso novamente por causa de suas perguntas”. Comovi-me com a unanimidade com que os judeus que encontrei enfatizavam o quão profundamente se sentem em harmonia com o novo Estado. Antigamente, eram desprezados, perseguidos, alijados de qualquer vocação, suas vidas careciam de sentido, eram luftmenschen, “homens do ar”, seres desenraizados; agora são camponeses, operários, intelectuais, soldados — todos profundamente gratos à nova ordem.

É notável o entusiasmo com que esses judeus, que por tanto tempo foram afastados da terra, lançaram-se à nova vocação agrícola. Por diversas vezes, delegações de fazendas coletivas judaicas me procuraram com convites para visitar seus assentamentos. Interessava-me, no entanto, ouvir o que os camponeses soviéticos não judeus tinham a dizer sobre esses kolkhozes. Presumia que, se o antissemitismo ainda subsistisse, ali ele se manifestaria. E constatei que, de fato, esses camponeses soviéticos, não-judeus, haviam nutrido, inicialmente, ideias supersticiosas sobre os judeus, considerando-os absolutamente incapazes para o trabalho agrícola. Hoje, porém, tudo isso era motivo de risos bem-humorados sobre seus preconceitos de outrora. Relataram-me grandes competições amistosas entre assentamentos judeus e não-judeus na Ucrânia, na Crimeia e na região do Don. Cossacos do Don me disseram que não foi o fato de os judeus terem vencido uma competição agrícola que superou sua antiga desconfiança, mas sim o fato de que os judeus se revelaram cavaleiros ainda melhores.

Com igual entusiasmo, os judeus — que durante séculos foram torturados pela exclusão do saber e da instrução — lançaram-se às novas esferas do conhecimento. Informaram-me que, em aldeias judaicas, há uma notável ausência de pessoas entre os quinze e trinta anos de idade — tanto homens quanto mulheres. A explicação reside no fato de que toda a juventude judaica se dirige às cidades para estudar.

Se o desenvolvimento agrícola favorece a assimilação dos judeus soviéticos, a URSS, por outro lado, dissipou de vez a tese da “ilusão perniciosa da nacionalidade judaica” e criou as condições para que seus judeus conservem essa nacionalidade.

O nacionalismo dos judeus soviéticos expressa-se por meio de um entusiasmo sóbrio. Dois fatos ilustram o quão desprovido de romantismo, prático e corajoso é esse sentimento. Primeiro: como idioma nacional, o judeu soviético não reconhece o hebraico nobre e saturado de tradição — porém pouco apropriado às suas necessidades —, mas sim o ídiche, que emergiu da vida cotidiana, composto de elementos heterogêneos, mas já experimentado por pelo menos cinco milhões de falantes enquanto língua coloquial prática. Segundo: o território oferecido aos judeus para a constituição de seu Estado nacional — uma região remota, difícil, porém de possibilidades ilimitadas — foi, efetivamente, ocupado e desenvolvido.

O ídiche, como todas as línguas nacionais, é cuidadosamente cultivado na URSS. Há escolas em ídiche, jornais em ídiche; existe uma literatura em ídiche de considerável importância. São convocados congressos voltados ao cultivo e ao aperfeiçoamento da língua, e os teatros em ídiche gozam de altíssimo prestígio. Assisti, no Teatro Estatal Ídiche de Moscou, a uma encenação extraordinária do Rei Lear, com o grande ator Michoels no papel-título e Suskins oferecendo um magnífico Bobo. Os cenários eram belos e originais, e toda a montagem revelava uma direção de cena primorosa.

A criação do Estado nacional judeu de Biro-Bidjan encontrou, em seus primórdios, obstáculos quase intransponíveis, e o projeto foi considerado, pelos opositores da URSS — e não apenas por eles — tão temerário e irrealizável quanto o próprio estabelecimento do sistema econômico socialista em um único país. Recursos financeiros escassos dificultaram ainda mais a execução do plano; muitos dos colonos regressaram a pé, e os adversários do projeto já bradavam triunfantes que o plano utópico, conforme haviam predito desde o início, havia naufragado diante do isolamento geográfico do território, da composição geológica de seu solo, da praga de mosquitos e da malária, e, não menos importante, diante da suposta inaptidão dos judeus provincianos russos — degenerados, segundo seus detratores — para assumirem o papel de pioneiros.

No entanto, hoje, no território de Biro-Bidjan, vê-se uma cidade autêntica, com escolas, hospitais, prédios administrativos e um teatro, e é possível viajar até lá desde Moscou em vagão direto de trem expresso. Embora o Plano preveja a imigração de mais de cem mil judeus ao longo dos três próximos anos, as autoridades têm de manter uma supervisão rigorosa, tal é o número de interessados em imigrar. Recebi diversas cartas provenientes de Biro-Bidjan e conversei com numerosas pessoas que de lá haviam vindo diretamente. Que a vida ali ainda é difícil, ninguém nega. Mas também ninguém mais nega que a parte mais difícil já foi vencida e que a alegada utopia tornou-se realidade. A República Socialista Judaica de Biro-Bidjan existe. E permanece firme, mesmo que sua estrutura geológica ofereça tão pouco suporte quanto as eternas leis da economia nacional permitem à construção do sistema econômico socialista em um só país.