Moscou, 1937

minha visita descrita para meus amigos

Lion Feuchtwanger


6. Stálin e Trotsky


Como acabamos de observar, há homens que provaram sua têmpera não apenas como combatentes, mas igualmente como organizadores da produção industrial e do trabalho camponês. Josef Stálin me parece ser um desses homens. Possui um passado revolucionário e combativo: a defesa vitoriosa da cidade de Tsaritsyn — que hoje leva seu nome — pode ser creditada a ele, e seu relatório enviado a Lênin, no outono de 1918 — um documento de setenta linhas — ocasionou a alteração bem-sucedida de todo o plano da guerra. No entanto, a obra de Stálin como organizador revela-se ainda mais grandiosa que suas conquistas como combatente.

O retrato que Leon Trotsky traça de si próprio, em sua autobiografia primorosamente redigida, intenta demonstrar que ele também possuía tais qualidades: um grande lutador e um grande condutor na reconstrução. Mas justamente esse esforço, elaborado por seu melhor advogado — ele próprio — parece-me demonstrar que sua eficácia, em seu melhor momento, restringiu-se ao período da guerra.

Sem dúvida, trata-se da obra de um grande escritor e, talvez, de uma personalidade trágica. Contudo, o autorretrato não nos revela um estadista de envergadura. Faltam-lhe moderação, firmeza de caráter e senso da realidade. Uma arrogância sem igual o cega constantemente quanto aos limites do possível, e por mais que o estilo nos atraia — com seu ímpeto por realizar o irrealizável — essa falta de equilíbrio compromete qualquer concepção séria de sua figura como homem de Estado. Os castelos da lógica trotskista parecem erigidos no ar, e não sobre o terreno sólido do conhecimento da alma humana e das condições concretas que garantem resultados políticos duradouros. Seu livro é repleto de ódio, impregnado de subjetividade do início ao fim, e animado por uma paixão profundamente injusta. Mistura verdade e ficção de modo instável — o que dá charme ao texto, mas denuncia uma mentalidade incapaz de edificar qualquer política sólida.

A mim, um detalhe pequeno, porém revelador, manifesta a superioridade de Stálin sobre Trotsky: Stálin determinou que o retrato de Trotsky fosse incluído na grande “História da Guerra Civil”, obra oficial editada por Gorky; ao passo que o livro de Trotsky nada traz senão ódio e desprezo por Stálin, deformando maliciosamente seus méritos.

É claro que permanecer objetivo é algo difícil para o derrotado. Trotsky, naturalmente, sabe disso e o exprime em frases elegantes. A introdução de seu livro conclui com as seguintes palavras:

“Não tenho o hábito de contemplar as perspectivas históricas sob o ângulo do destino pessoal. Reconhecer as leis fixas dos acontecimentos e encontrar nelas o próprio lugar é o primeiro dever do revolucionário e a mais alta satisfação pessoal que pode experimentar um homem que não restringe sua tarefa ao hoje.”

Nenhuma definição mais clara poderia ser dada ao perigo que ameaçou Trotsky após sua queda — sempre uma ameaça para o vencido: o perigo de “contemplar as perspectivas históricas sob o ângulo do destino pessoal”. Trotsky via esse perigo. Estava consciente do erro, tão fácil de cometer e tão tentador. Tinha clareza, jurou evitá-lo — e caiu exatamente nele. Viu o melhor caminho e escolheu o pior.

Trotsky me parece o tipo do revolucionário puro: de imenso valor nos momentos de tensão emocional, como os da guerra, mas de pouca serventia quando o que se exige é trabalho calmo, contínuo e sistemático, em lugar da exaltação retórica. Assim que o período heroico da Revolução se encerrou, sua percepção das pessoas e dos acontecimentos se distorceu, e ele passou a ver tudo sob um prisma falacioso. Teimosamente, mesmo depois de Lênin já ter ajustado suas concepções à nova realidade, Trotsky continuava preso aos princípios válidos na fase heroica e emocional, mas que inevitavelmente fracassariam quando postos a serviço das necessidades cotidianas. Como o próprio livro demonstra, Trotsky sabia incitar multidões em momentos de grande fervor. Era capaz, sem dúvida, de desencadear vastas torrentes de entusiasmo; mas jamais soube canalizá-las e utilizá-las para a construção de um grande Estado.

Stálin sabe.

Trotsky é um escritor nato. Suas descrições carinhosas das atividades literárias são envolventes, e acredito em sua sinceridade quando afirma: “Um livro bem escrito, onde se encontram pensamentos novos, e uma boa caneta, com a qual se possa comunicar seus próprios pensamentos aos outros, sempre foram e ainda são, para mim, os produtos mais preciosos e íntimos da civilização”. A tragédia de Trotsky reside no fato de que não se contentou em ser um grande escritor. Essa insaciabilidade fez dele um doutrinário beligerante que, com as discórdias que semeou — intencionalmente — levou muitos a esquecer seus méritos.

Conheço bem esse tipo de escritor-revolucionário, ainda que apenas em versões menores. Alguns dirigentes da Revolução Alemã — como Kurt Eisner e Gustav Landauer — possuíam muito em comum com Trotsky, ainda que em escala reduzida. Sua rigidez dogmática, sua incapacidade de adaptar-se às circunstâncias mutáveis, enfim, sua deficiência em psicologia política prática, fizeram desses teóricos e doutrinadores figuras aptas à ação política apenas por breve tempo. Durante a maior parte de suas vidas, foram bons escritores — mas nunca políticos. Não encontraram o caminho até o coração do povo. Desconheciam a fundo a psicologia popular e de massas. Sentiam afinidade pelas massas, mas esta não era correspondida.

Embora o grande conflito entre Trotsky e Stálin se fundamente em divergências de opinião acerca de pontos absolutamente cruciais, tais divergências, na realidade, brotam de uma oposição ainda mais profunda, enraizada na própria natureza dos dois homens. Foram as diferenças de temperamento e de concepção entre ambos que os conduziram a posições antagônicas diante das mais importantes questões da Revolução Russa — a questão nacional, a questão camponesa e o problema de saber se seria possível edificar o socialismo em um único país. Stálin sustentava a tese de que o socialismo completo e efetivo poderia ser estabelecido sem a necessidade de uma revolução mundial e, mais ainda, que mediante a salvaguarda dos interesses nacionais das diversas nacionalidades soviéticas, o socialismo podia ser construído num só país isoladamente; ele acreditava que o camponês russo carregava em si o potencial para o socialismo. Trotsky negava tal possibilidade. Declarava que a revolução mundial era condição indispensável à edificação do socialismo; apegava-se rigidamente ao dogma marxista do internacionalismo absoluto; defendia a tática da revolução permanente e demonstrava, com aparente lógica impecável, a justeza da proposição marxista segundo a qual seria impossível construir o socialismo num só país.

Porém, antes mesmo do final de 1935, o mundo inteiro reconhecia que o socialismo havia sido estabelecido em um país, e, mais ainda, que haviam sido criadas as forças militares capazes de defender essa nova ordem contra qualquer inimigo concebível.

O que restava a Trotsky fazer? Silenciar. Admitir sua derrota e reconhecer que se enganara. Reconciliar-se com Stálin.

Mas isso lhe era impossível. Ele não conseguiu vencer a si mesmo. O homem que tantas vezes viu antes dos outros aquilo que os demais sequer suspeitavam, agora era incapaz de enxergar aquilo que até mesmo uma criança podia ver. Os alimentos estavam sendo produzidos a passos largos; as máquinas funcionavam a pleno vapor; as matérias-primas eram exploradas como nunca antes; o país estava eletrificado e motorizado. Trotsky recusava-se a admitir. Alegava que o próprio fato de tudo isso ter sido realizado tão rapidamente, no compasso febril da construção, levaria inevitavelmente à fragilidade estrutural. A União Soviética — o “Estado stalinista”, como ele o denominava — cedo ou tarde ruiria por si mesma, e colapsaria, de qualquer forma, no instante em que as potências fascistas a atacassem. Trotsky entregou-se então a surtos cada vez mais exacerbados de ódio contra aquele em cujo nome a construção havia se tornado uma realidade.

E quanto a Stálin?

Desde muito cedo, ele vinha se dedicando à solução dos problemas que se tornariam urgentes não tanto durante a guerra, mas imediatamente após ela. Já em 1913, Lênin escrevera a Gorky: “Temos aqui um georgiano maravilhoso, que está trabalhando num grande artigo sobre a questão nacional — uma questão que merece ser tratada com maior seriedade”.

Stálin a tratava com seriedade. Formulava ideias; demonstrava-se um organizador. Stálin não é uma personalidade cintilante, e permaneceu nos bastidores enquanto o efusivo Trotsky brilhava em cena. Trotsky é um orador excelente, talvez o melhor orador vivo; exerce fascínio. Stálin fala — como descrevi anteriormente — de forma circunstanciada, sóbria, com senso de humor. Precisou conquistar, com árduo trabalho, a popularidade que ao outro vinha facilmente. Alcançou sua posição apenas e tão somente por meio de seus feitos.

Durante muitos anos, portanto, o brilho por vezes enganoso de Trotsky retardou o reconhecimento pleno dos méritos substanciais de Stálin. Mas quando, com o tempo, as ideias de Trotsky — o combatente puro e simples — começaram a desandar e se dissolver, foi Stálin quem primeiro percebeu e expressou essa falência. Já em dezembro de 1924, Stálin estava convencido de que, contrariamente à teoria dominante até então, era sim possível construir uma sociedade plenamente socialista em um país isolado. De maneira lógica, mais clara até que Lênin, e com termos muito mais precisos, Stálin expôs como tal objetivo poderia ser alcançado: por meio da intensificação da industrialização do país e da organização cooperativada do campesinato. Proclamou, de modo inequívoco, aquilo que até então fora objeto de disputa: que, com a política correta do Partido, a maioria do campesinato russo poderia ser integrada à sociedade socialista — e demonstrou isso de forma simples, sóbria e irrefutável.

Trotsky, com sua retórica fulgurante, refutava com igual irrefutabilidade os argumentos irrefutáveis de Stálin. Stálin sabia que seus argumentos eram os verdadeiramente irrefutáveis; mas via-se obrigado a assistir enquanto muitos se deixavam convencer pelas refutações brilhantes — e falsas — de Trotsky.

Stálin, contudo, não se contentou em ver e dizer a verdade. Ele a pôs em prática: trabalhou. Organizou os camponeses, industrializou o país, lançou as bases do socialismo na URSS e o edificou com firmeza. O fato histórico que ele criou refutou, na realidade concreta, as teorias “irrefutáveis” de Trotsky.

Victrix causa diis placuit, sed victa Catoni — “A causa vitoriosa agradou aos deuses, mas a vencida agradou a Catão”. Trotsky recusava-se a admitir que fora desmentido. Proferia discursos irresistíveis, escrevia artigos brilhantes, panfletos e livros, esforçando-se por demonstrar que a realidade concreta construída por Stálin não passava de uma simulação, já que não se ajustava a suas teorias. Trotsky tornara-se uma influência perturbadora. O Congresso do Partido pronunciou-se contra ele e, finalmente, ele foi exilado, proibido de permanecer no país.

A obra de Stálin prosperava. O carvão, o ferro e os minérios metálicos eram extraídos; centrais elétricas surgiam em todo o território; a indústria pesada já não estava longe de equiparar-se à de qualquer outra potência; cidades eram erguidas; os empréstimos hipotecários aumentavam; as objeções pequeno-burguesas dos camponeses eram superadas; as fazendas coletivas apresentavam resultados e as massas camponesas ingressavam nelas em números cada vez maiores. Se Lênin havia sido o César da União Soviética, então Stálin se tornava seu Augusto — seu “augmentador” — em todos os aspectos. A construção stalinista crescia e crescia. No entanto, ele não podia ignorar que ainda havia aqueles que se recusavam a crer na obra visível e palpável que se erguia diante de seus olhos, e que, por insólito que pareça, ainda depositavam mais fé nas teses de Trotsky do que na materialidade do que viam.

Mesmo entre os próprios homens que Stálin chamara ao seu lado, amigos e colaboradores próximos, alguns nutriam maior fidelidade às palavras de Trotsky do que ao trabalho de Stálin. Obstruíam esse trabalho, opunham-se a ele, sabotavam-no. Foram então chamados à responsabilidade, e sua culpa foi estabelecida. Stálin os perdoou e os reconduziu a cargos de responsabilidade.

Que pensamentos e sentimentos terão atravessado a mente de Stálin ao descobrir que esses camaradas — seus amigos e companheiros de jornada — apesar do sucesso evidente de sua obra, continuavam secretamente fiéis a seu inimigo Trotsky, conspirando com ele e procurando sabotar a edificação do Estado Soviético, o Estado de Stálin, na esperança de restaurar o antigo dirigente ao seio do país?

Quando me encontrei com Stálin, os julgamentos contra o primeiro grupo trotskista — Zinoviev e Kamenev — já haviam terminado; os acusados haviam sido condenados e executados, e o processo contra o segundo grupo trotskista — Pyatakov, Radek, Bukhárin e Rykov — estava por vir. Mas ainda ninguém tinha mais do que uma vaga noção da natureza das acusações contra eles, e tampouco se sabia com precisão se, quando, e contra quais deles os procedimentos seriam iniciados.

Foi nesse intervalo, portanto, entre os dois processos, que vi Stálin.

Seus retratos transmitem a impressão de que Stálin é um homem grande, corpulento e imponente. Mas, na realidade, ele é pequeno, de constituição leve. Parecia, por assim dizer, perdido na vastidão da sala do Kremlin onde o encontrei.

Stálin fala devagar, com voz baixa e pouco expressiva. Não aprecia os diálogos curtos, as perguntas e respostas rápidas ou as interrupções; prefere encadear frases lentas e bem pensadas. Muitas vezes, suas palavras soam como se já estivessem prontas para publicação, como se estivesse ditando para o jornal. Ele caminha enquanto fala, aproximando-se subitamente, apontando com o dedo — uma das mãos mais belas que já vi — de modo expositivo e didático; ou então, enquanto constrói suas sentenças, desenha arabescos e figuras em uma folha de papel com um lápis azul e vermelho.

Nenhum assunto foi previamente combinado para nossa conversa. Eu não havia preparado temas de antemão: queria deixar que a impressão do homem, o momento e sua inspiração determinassem o curso da conversa. Temia que fosse um daqueles colóquios formais, quase protocolares, que Stálin teve em raras ocasiões com escritores ocidentais. E, de início, parecia ser exatamente esse o caso. Conversamos sobre a função do escritor na sociedade socialista, sobre o efeito revolucionário que podem exercer inclusive escritores reacionários, como Gogol, sobre o intelectual e até que ponto ele está ou não enraizado em sua classe, e sobre a liberdade de expressão e de imprensa na União Soviética. A princípio, Stálin falava com cautela e em termos gerais. Mas, aos poucos, foi se abrindo, e logo percebi que era possível dialogar com franqueza com aquele homem. Falei com honestidade, e ele respondeu com igual sinceridade.

Stálin fala sem ornamentos e, além disso, é capaz de expressar ideias complexas de forma simples. Frequentemente fala quase com demasiada simplicidade, habituado como está a fazer-se compreender de Moscou a Vladivostok. Talvez não possua espírito espirituoso, mas certamente tem senso de humor — e este pode ser perigoso. De vez em quando, solta uma risada suave, surda, astuta. Tem domínio de muitos campos do conhecimento, e cita de improviso nomes, datas e fatos com exatidão.

Conversamos sobre a liberdade de escrita, sobre a democracia e, como já mencionei anteriormente, sobre o culto à personalidade de Stálin. Apenas no início da conversa é que Stálin se expressou de forma geral, recorrendo a certas expressões já cristalizadas do vocabulário partidário. Logo, porém, deixou de ser o dirigente do Partido e passou a se revelar como indivíduo, nem sempre sem contradições, mas sempre modesto, despretensioso e ponderado.

Demonstrou-se emocionado quando falamos dos julgamentos dos trotskistas, discorrendo em detalhes sobre as acusações contra Pyatakov e Radek, cujo conteúdo ainda não era de conhecimento público à época. Comentou sobre o pânico que o perigo fascista havia instilado em certas pessoas incapazes de levar o raciocínio até sua conclusão lógica. Retomei então o argumento — que já circulava mesmo entre simpatizantes estrangeiros — acerca do efeito nocivo provocado pela excessiva simplicidade da condução do julgamento de Zinoviev. Stálin riu discretamente daqueles que exigem inúmeros documentos escritos antes de se convencerem da existência de uma conspiração; conspiradores experientes, disse ele, não costumam deixar provas documentais ao alcance de todos. Por fim, falou com amargura e comovido sobre o escritor Radek, o mais popular entre os acusados do segundo processo trotskista. Descreveu suas relações amigáveis com o homem.

“Existe uma lenda que é eternamente verdadeira, — disse ele, — a de Judas” — e foi estranho ouvir de um homem tão sóbrio e lógico essas palavras tão simples e emocionadas. Mencionou uma longa carta que Radek lhe escrevera, na qual protestava sua inocência com argumentos pouco convincentes. No dia seguinte, pressionado por testemunhas e provas circunstanciais, Radek confessou.

Será que Josef Stálin odeia esse Leon Trotsky? Inegavelmente, sim. Já apontei que eles se opõem tanto em caráter quanto em opiniões. Dificilmente se pode imaginar contraste maior que o existente entre o orador impetuoso Trotsky, com suas inspirações súbitas, e o reservado, sombrio e metódico Stálin, que constrói lentamente, com persistência, suas ideias. Como diz o poeta austríaco Grillparzer:

Não são pensamentos esses clarões da mente,
Pensamento conhece os limites que o contêm.
Inspiração sobe como um foguete aos céus,
Mas, exaurida, nada deixa onde antes havia razão.

Leon Trotsky, o escritor, é o homem das inspirações brilhantes, mas frequentemente falsas; Josef Stálin é o do pensamento lento, meticuloso, porém solidamente enraizado na realidade. Trotsky é um fenômeno cintilante; Stálin é o arquétipo do camponês e do operário russos que ascenderam ao gênio — predestinado à vitória porque nele se fundem as forças vivas dessas duas classes. Trotsky é o foguete que logo se apaga; Stálin é o fogo perene que aquece e sustenta.

Um dramaturgo que tentasse construir dois personagens com tal oposição de temperamentos seria acusado de exagero dramático. Trotsky é versátil tanto na fala quanto nos gestos, expressa-se com facilidade em várias línguas, é arrogante, espirituoso, ágil. Stálin, ao contrário, é mais lento. Recebeu sua formação num seminário teológico e sua educação foi conquistada com esforço e seriedade. Não é versátil. Mas conhece profundamente as necessidades de seus camponeses e trabalhadores — pertence a eles. Nunca lhe foi necessário, como foi para Trotsky, encontrar um caminho até eles vindo de territórios estrangeiros. Não deve tudo aquilo que há de cintilante, ambíguo, hábil e altivo em Trotsky ser tão desagradável a Stálin quanto a inflexível solidez de Stálin deve parecer insuportável a Trotsky?

Stálin tem diante de si uma tarefa colossal, que requer todas as forças, mesmo de um homem extraordinariamente forte, e uma grande parte dessa força teve de ser consumida na reparação dos danos que as brilhantes, porém perigosas, inspirações de Trotsky haviam causado. “O passado não-bolchevique de Trotsky não é um acidente”, está escrito no testamento de Lênin. Sem dúvida, essa passagem está sempre presente à mente de Stálin, que vê em Trotsky um homem cuja flexibilidade lhe permitiria retornar com plena convicção a esse passado não-bolchevique, se as circunstâncias permitissem. Sim, Stálin deve odiar Trotsky — não só porque seus seres se opõem em essência, mas porque esse Trotsky, com tudo que diz, escreve e faz — inclusive com sua mera existência — ameaça a obra de Stálin.

Contudo, considerar apenas sua rivalidade, a diferença de temperamentos e ideias, e o ódio mútuo entre ambos, não é suficiente para compreender completamente as reações de Stálin frente a Trotsky. Stálin, o grande organizador, que soube reconhecer que o camponês russo podia ser socializado a partir de sua própria experiência, procura — como psicólogo e calculista que é — fazer com que até mesmo as qualidades de seu oponente, que ele de forma alguma subestima, sirvam a seus próprios propósitos. Dizem que é implacável, mas durante muitos anos ele lutou para conquistar os trotskistas competentes, ao invés de destruí-los. E é comovente ver como ele se esforçou obstinadamente para integrá-los em sua obra.