Ainda assim, foi esse mesmo Stálin quem, ao final, decidiu levar seus opositores — os trotskistas — a julgamento mais uma vez. Foram acusados de alta traição, espionagem, sabotagem e outras atividades de desagregação, assim como de preparar atentados terroristas. Em julgamentos que indignaram o mundo inteiro, rotulados como “selvagens e bárbaros”, os opositores trotskistas de Stálin foram humilhados até o extremo. Foram condenados e executados por fuzilamento.
É uma tolice, contudo, atribuir esses julgamentos — os de Zinoviev e Radek — unicamente à ambição pessoal ou à sede de vingança de Stálin. O mesmo Josef Stálin, que realizou tamanha tarefa ao construir o sistema econômico da União Soviética, enfrentando a oposição do mundo inteiro, esse mesmo Stálin marxista, não sacrificaria a política externa de seu país — parte vital de sua obra — por motivos pessoais mesquinhos, como aqueles que os colegiais atribuem aos heróis de suas redações escolares.
Meu conhecimento do julgamento de Zinoviev e Kamenev provém dos relatos da imprensa e de testemunhas oculares; já no julgamento de Pyatakov e Radek, estive presente. Assim, vivi o primeiro desses julgamentos envolto na atmosfera da Europa Ocidental, e o segundo, sob a atmosfera espessa e única de Moscou. Comparar as reações que tais eventos provocam aqui e lá é perceber, com clareza, toda a imensa diferença que separa a União Soviética do Ocidente.
Vários amigos meus, pessoas em geral inteligentes, consideraram esses julgamentos, do início ao fim — tanto em seu conteúdo quanto em sua forma — algo tragicômico, bárbaro, inacreditável e assustador. Muitos que antes eram amigos da União Soviética tornaram-se seus opositores por causa desses processos. Alguns, que viam na ordem social do país o ideal do humanismo socialista, ficaram perplexos; para essas pessoas, os tiros que mataram Zinoviev e Kamenev não mataram apenas os dois — mas também todo um novo mundo.
Confesso que, para mim também, enquanto ainda estava na Europa Ocidental, a acusação no julgamento de Zinoviev parecia absolutamente inverossímil. As confissões histéricas dos réus me pareciam extraídas por algum meio misterioso; e todo o julgamento se apresentava como uma encenação — feita com uma arte estranha e assustadora, mas consumada.
No entanto, quando assisti ao segundo julgamento, ali em Moscou, quando vi Pyatakov, Radek e seus companheiros, quando ouvi com meus próprios ouvidos o que diziam e como diziam, fui obrigado a confiar nos sentidos — e minhas dúvidas se dissolveram como sal na água. Se aquilo fosse mentira ou encenação, então já não saberia mais o que é verdade.
Foi assim que tomei os registros dos julgamentos, refleti sobre o que vira com os próprios olhos e ouvira com os próprios ouvidos, e voltei a considerar os prós e contras da acusação.
Fundamentalmente, esses processos eram dirigidos, acima de tudo, contra o grande Trotsky — o réu ausente. E a principal objeção que se faz é contra a suposta falta de autenticidade da acusação que lhe pesa. “Este homem, Trotsky, — dizem os críticos, — um dos fundadores do Estado Soviético, amigo de Lênin, estaria agora ordenando sabotagens contra o próprio Estado que ajudou a criar, tramando guerras contra ele e conspirando para sua derrota? Isso seria mesmo concebível? É algo crível?”
Pode parecer estranho, mas uma análise mais atenta revela que a conduta atribuída a Trotsky, longe de ser inacreditável, é, de fato, a única que se poderia esperar de seu estado de espírito.
Basta imaginá-lo: esse homem, Trotsky, condenado à inatividade, forçado a assistir, impotente, enquanto o experimento nobre que ele e Lênin haviam iniciado transformava-se, aos seus olhos, numa espécie de horta gigante de pequeno-burgueses. Porque para ele — que sonhava com um socialismo mundial — esse “Estado stalinista”, como o chama em palavras e escritos, parecia uma caricatura grotesca e ridícula de sua ideia original. E, somando-se a isso, havia o antagonismo pessoal profundo com Stálin, o conciliador, que — segundo ele — estragava tudo o que ele, o arquiteto do plano, construíra, e que acabara por expulsá-lo. Trotsky expressou, inúmeras vezes, seu ódio e desprezo ilimitados por Stálin. Não seria de esperar, portanto, que traduzisse em ação aquilo que tantas vezes expressou em palavras?
Também me parece perfeitamente concebível que um homem, cego de ódio, incapaz de admitir para si mesmo os fatos amplamente reconhecidos da construção econômica já realizada na URSS e da força crescente de seu Exército, fosse igualmente incapaz de perceber a inutilidade de seus expedientes, acabando por escolher um caminho claramente equivocado. Trotsky era ousado, audacioso — um grande jogador. Sua vida inteira foi uma sucessão de aventuras, e projetos que pareciam imprudentes muitas vezes, para ele, haviam se revelado vitoriosos. Trotsky, sempre um otimista, confiava em sua habilidade de instrumentalizar o mal como um meio para alcançar seus objetivos, acreditando que, no momento oportuno, poderia extirpar esse mal e neutralizá-lo. Ora, se Alcibíades pôde aliar-se aos persas, por que Trotsky não poderia fazer o mesmo com os fascistas?
Trotsky jamais foi um patriota russo; o Estado stalinista lhe causava repulsa. Sua preocupação era a revolução mundial. Um apanhado das declarações que Trotsky, já exilado, fez contra Stálin e contra o Estado soviético, abarcará, certamente, um verdadeiro compêndio de ódio, ironia, fúria e desprezo. Qual seria, então, o objetivo principal de Trotsky durante todos esses anos de exílio? E qual ainda seria, hoje? Retornar ao país — a qualquer preço — e reassumir o poder.
No drama de Shakespeare, Coriolano, ao se dirigir aos Volscos, inimigos de Roma, diz, ao falar dos falsos amigos que o abandonaram:
“E suportei que pela voz dos escravos me expulsassem de Roma a apupos.
Agora, esse extremo me trouxe ao teu lar…
…e é por puro despeito,
Para vingar-me daqueles que me baniram,
Que aqui me apresento.”
Esse é o veredito de Shakespeare sobre a possibilidade de Trotsky ter buscado um acordo com os fascistas.
“Trotsky tem um passado antibolchevique, e isso não é acidental”. Essa é a opinião de Lênin, registrada em seu testamento, sobre a possibilidade de Trotsky ter buscado um acordo com os fascistas.
E temos ainda o relato de Emil Ludwig sobre uma conversa que teve com Trotsky na ilha de Prinkipo, próxima a Istambul, logo após o início do exílio. Emil Ludwig publicou esse relato em 1931, no livro “Presentes da Vida”, e o que Trotsky disse então — já em 1931! — deveria fazer refletir todos aqueles que consideram ridícula e absurda a acusação que hoje pesa sobre ele.
“Seu próprio partido, — relata Ludwig (cito textualmente), — ele diz estar disperso e, portanto, difícil de avaliar. ‘E quando ele poderia se reunir novamente?’, perguntei. ‘Quando surgisse uma oportunidade vinda de fora — talvez uma guerra ou uma nova intervenção europeia, quando a fraqueza do governo servisse de estímulo’. ‘Mas é justamente nessas horas que é menos provável que o deixem sair, quando os outros quiserem deixá-lo entrar’. Uma pausa de desprezo. ‘Ah, sempre se dá um jeito’. Nesse momento, até mesmo Madame Trotsky sorriu.”
Eis a opinião do próprio Trotsky sobre a possibilidade de fazer um acordo com os fascistas.
Quanto aos homens que compareceram ao tribunal nesse segundo julgamento — Pyatakov, Sokolnikov, Radek — argumenta-se que seria improvável que pessoas de tal posição e influência tivessem sabotado o Estado ao qual deviam seus cargos e relevância, ou que tivessem participado dos planos temerários de que foram acusados.
Penso que é um erro enxergar essas figuras apenas como homens de posição e influência. Pyatakov e Sokolnikov não eram meros altos funcionários; Radek não era apenas o editor-chefe do Izvestia (A Estrela), nem apenas amigo e conselheiro de Stálin. Quase todos os acusados eram, antes de tudo, conspiradores e revolucionários — haviam sido, a vida inteira, revolucionários apaixonados e agentes de transformação; nasceram para isso. Tudo o que conquistaram, conquistaram contra as previsões dos “sensatos”, graças à coragem, à paixão pelo risco e ao otimismo. Além disso, acreditavam em Trotsky, cuja força de sugestão não deve jamais ser subestimada. Com seu mestre, viam no “Estado stalinista” uma caricatura grotesca daquilo que sonharam construir — e seu objetivo principal era corrigir essa caricatura, moldando-a segundo sua própria imagem.
Tampouco se pode negligenciar os interesses pessoais que os acusados, inevitavelmente, tinham numa revolução. A ambição e a sede de poder de cada um daqueles homens permaneciam insatisfeitas. Ocupavam, sim, cargos oficiais de honra e relevância, mas nenhum deles se encontrava no ápice da hierarquia, onde, intimamente, julgavam que era seu lugar por direito. Nenhum deles, por exemplo, fazia parte do Birô Político. É verdade que haviam sido reconduzidos ao favor do Partido, mesmo assim haviam comparecido ao tribunal como trotskistas — e, assim, suas perspectivas de ascensão aos postos mais altos estavam definitivamente encerradas. De certo modo, todos estavam rebaixados. E, como Radek afirmou, com a ironia amarga de quem conhece bem a situação: “Nada é mais perigoso do que o oficial cujas dragonas foram arrancadas”.
Não menos veementes do que as acusações foram os ataques à condução dos julgamentos. “Se havia documentos e testemunhas, — perguntam os céticos, — por que deixá-los escondidos nas gavetas e mantê-los fora de cena, contentando-se apenas com confissões inacreditáveis?”
É fato, respondem os soviéticos, que nos procedimentos principais apresentamos, por assim dizer, apenas o extrato, o concentrado, o resultado elaborado da investigação preliminar. As provas haviam sido examinadas com antecedência, e os acusados, confrontados com elas. Na audiência principal, contentamo-nos com as confissões. E a quem se incomoda com isso, convém lembrar que o julgamento se deu diante de um tribunal militar e que se tratava, antes de tudo, de uma ação política. O que estava em jogo era a purificação da atmosfera de nossa política interna, e nossa principal preocupação era garantir que cada membro da comunidade, de Minsk a Vladivostok, compreendesse com clareza o que estava errado. Por isso fizemos tudo da forma mais simples e transparente possível. Detalhes de provas circunstanciais, documentos e depoimentos poderiam interessar a juristas, criminologistas e historiadores — mas só teriam confundido nossos cidadãos soviéticos. As confissões diretas eram mais inteligíveis para eles do que qualquer volume de provas montadas com engenho. Não realizamos esta ação em benefício dos criminologistas estrangeiros; fizemo-la em benefício do nosso povo.
Não se pode negar que o aspecto mais impressionante das confissões era sua precisão e coerência. Por isso mesmo, os céticos elaboraram hipóteses fantásticas sobre os métodos utilizados para obtê-las.
A primeira e mais razoável suposição é, naturalmente, que as confissões teriam sido arrancadas dos prisioneiros sob tortura ou ameaça de tormentos ainda piores. Mas essa hipótese foi rapidamente refutada pelo vigor evidente dos réus, por sua aparência física e disposição mental. Assim, para explicar o que consideravam confissões “impossíveis”, os críticos tiveram que buscar causas ainda mais esdrúxulas. Afirmaram que os prisioneiros teriam sido envenenados com drogas de todos os tipos, hipnotizados, intoxicados. Se isso for verdade, então ninguém mais no mundo jamais obteve resultados tão poderosos e duradouros, e o cientista que o conseguiu dificilmente se contentaria com o papel de técnico oculto da polícia; antes, buscaria prestígio científico para seus métodos. Mas aqueles que atacam a condução dos julgamentos preferem se agarrar a hipóteses de bastidores, por mais absurdas que sejam, a simplesmente aceitar o que está diante dos seus olhos — que os réus foram justamente condenados e que suas confissões se basearam em fatos.
Quando se fala aos soviéticos dessas hipóteses, eles apenas encolhem os ombros e sorriem. “Se quiséssemos falsificar os fatos, — dizem eles, — por que escolheríamos expedientes tão difíceis e perigosos como confissões forjadas? Não teria sido muito mais fácil falsificar documentos? Vocês acham mesmo que, em vez de deixar Trotsky fazer pronunciamentos de alta traição através da boca de Pyatakov e Radek, não poderíamos simplesmente ter apresentado ao mundo cartas traiçoeiras e documentos comprometedores que provassem diretamente sua ligação com os fascistas? Vocês viram e ouviram os acusados — será que pareceram homens torturados e forçados?”
De fato, não me pareceram. Os homens que estavam diante do tribunal não eram vítimas desesperadas ante seus algozes. Não havia qualquer indício de fabricação, encenação ou sequer de grande solenidade ou emoção nas sessões.
A sala do julgamento não é grande; acomoda cerca de 350 pessoas. Os juízes, o promotor, os réus, os advogados e os especialistas sentavam-se em uma plataforma baixa, à qual se chegava por alguns degraus, e não havia qualquer barreira entre o tribunal e o público. Também não havia um banco dos réus típico; a divisória entre os acusados e os demais lembrava mais o encosto de um camarote de teatro. Os acusados eram homens bem-apresentados, bem-vestidos, com postura despreocupada e natural. Bebiam chá, traziam jornais nos bolsos e frequentemente lançavam olhares à plateia. Tudo lembrava menos um julgamento criminal e mais um debate, conduzido num tom quase coloquial, entre homens cultos tentando compreender, com clareza e sem omissões, por que as coisas haviam se desenrolado como se desenrolaram. A impressão era a de que acusados, promotores e juízes partilhavam um interesse quase esportivo em reconstruir a verdade dos fatos. Se um diretor de teatro tivesse que montar tal cena, anos de ensaio e orientação meticulosa seriam necessários para que os réus se corrigissem uns aos outros com tamanha espontaneidade e expressassem suas emoções com tanta contenção. Em suma, os supostos hipnotizadores, envenenadores e agentes policiais teriam que ser, além de tudo, diretores teatrais e psicólogos de primeira ordem.
O que havia de mais irreal e inquietante era o grau de distanciamento e franqueza com que aqueles homens, prestes a morrer com quase absoluta certeza, expunham e explicavam sua conduta e sua culpa. É uma pena que as leis da União Soviética proibissem fotografias e gravações sonoras nas cortes. Se o mundo pudesse ter ouvido não apenas o que disseram, mas como disseram — seus tons de voz, seus rostos —, acredito que muito poucos céticos teriam permanecido.
Todos confessaram — mas cada um à sua maneira: o primeiro com uma nota de cinismo na voz; o segundo com a retidão de um soldado; o terceiro vencendo a si mesmo, não sem luta interna; o quarto como um aluno que se arrepende; o quinto com o tom de quem dá uma aula. Mas todos com um timbre, uma aparência e gestos que transpareciam verdade.
Jamais esquecerei a figura de Gregory Pyatakov diante do microfone — um homem de meia-idade, estatura mediana, já algo calvo, com uma barba rala, avermelhada, pontuda e de aparência antiquada — enquanto dava sua exposição. Com calma e, ao mesmo tempo, empenho, explicava detalhadamente como havia conseguido sabotar as indústrias sob sua direção. Falava com o dedo em riste, dava a impressão de um professor, um historiador ministrando uma aula sobre a vida e os feitos de um personagem há muito falecido, chamado Pyatakov, empenhado em tornar tudo claro, mesmo nos mínimos detalhes, para que seus ouvintes, seus alunos, compreendessem plenamente.
Também não esquecerei com facilidade Karl Radek, o escritor, sentado em seu terno marrom, aquele rosto magro, ossudo, de feições feias, emoldurado por uma barba castanha e antiquada. Lançava olhares ao público — boa parte do qual conhecia — e também aos outros prisioneiros, muitas vezes sorrindo, sempre muito composto, por vezes deliberadamente irônico. Ao ver um companheiro entrar, pousava, com naturalidade quase afetiva, o braço sobre seus ombros. Quando falava, assumia uma pose, ria um pouco dos demais, demonstrava sua superioridade; arrogante, cético, perspicaz, literário. Num gesto um tanto brusco, empurrou Pyatakov para longe do microfone e tomou sua posição. Frequentemente batia com o jornal na divisória, pegava seu copo de chá, jogava dentro uma fatia de limão, mexia com a colher, e, enquanto pronunciava as mais atrozes declarações, tomava pequenos goles. Contudo, ao proferir suas palavras finais, nas quais admitia o motivo de sua confissão, não havia pose alguma: apesar da aparente fleuma e da perfeição retórica do seu discurso, havia ali a revelação genuína de um homem em grande aflição — e isso era tocante. Mas o mais surpreendente de tudo, e o mais difícil de explicar, foi o gesto com que Radek deixou o tribunal após a conclusão dos procedimentos. Já passava das quatro da manhã, e todos — juízes, réus e público — estavam exaustos. Dos dezessete prisioneiros, treze, incluindo amigos íntimos de Radek, haviam sido condenados à morte; ele e outros três, apenas à prisão. O juiz leu a sentença, e todos nós a escutamos em pé — réus e público imóveis, num silêncio profundo. Logo após a leitura, os juízes se retiraram e soldados entraram em cena, aproximando-se primeiramente dos quatro que haviam escapado da pena de morte. Um deles tocou o ombro de Radek, claramente com a ordem de que o acompanhasse. E Radek o seguiu. Virou-se, ergueu a mão num gesto de saudação, deu de ombros levemente, acenou para os companheiros condenados à morte — e sorriu. Sim, ele sorriu.
Também é difícil esquecer o relato minucioso e trabalhoso do engenheiro Stroilov, descrevendo como se envolveu com a organização trotskista, como tentou desesperadamente escapar, mas foi mantido preso pela rede em que já estava enredado. Igualmente inesquecível foi a figura daquele sapateiro judeu, Drobnis, com sua barba de rabino — que se destacara na Guerra Civil, que havia passado seis anos preso sob o czarismo e sido três vezes condenado à morte pelos Guardas Brancos, escapando milagrosamente — agora se embaralhando, torcendo-se, hesitando ao confessar que provocara explosões que causaram não apenas danos materiais, mas também, deliberadamente, a morte de trabalhadores. E tocante também foi ver o engenheiro Norkin, que, pálido de agitação, amaldiçoava Trotsky com suas “últimas palavras”, bradava seu “desprezo ardente e seu ódio por ele”, e teve de sair imediatamente da sala do tribunal por se sentir mal. A propósito, esse foi o único momento, durante todo o julgamento, em que alguém se exaltou; no mais, juízes, promotores e réus falaram sempre com serenidade e sem emoção, sem jamais levantar a voz.
Além das objeções já mencionadas, os céticos baseiam sua incredulidade no fato de que a postura dos réus diante do tribunal parece fugir a qualquer explicação psicológica. “Por que, — perguntam, — os prisioneiros, ao invés de negarem sua culpa, pareciam disputar entre si quem mais confessava? E que confissões! Descreviam-se como criminosos vis e sórdidos. Por que não se defenderam como qualquer outro réu perante a lei? Por que, mesmo sabendo que seriam condenados, não buscaram atenuantes? Por que, em vez disso, se incriminavam ainda mais? Por que, se ainda acreditavam nas teorias de Trotsky, não reconheceram seu líder e sua doutrina? Por que, sendo revolucionários e ideólogos, e estando diante da massa pela última vez, não exaltaram seus feitos, que deveriam, afinal, considerar meritórios? É talvez concebível que três ou quatro, entre os dezessete, tenham se humilhado. Mas todos...?”
A resposta dos soviéticos é simples: os réus confessaram porque estavam irrefutavelmente condenados por testemunhos e documentos colhidos durante o inquérito preliminar. Negar seria inútil. E o fato de todos terem confessado se explica porque não foram levados a julgamento todos os trotskistas implicados, mas apenas aqueles cuja culpa estava comprovada até o último detalhe. Se as confissões pareceram emocionadas, isso se deve, sobretudo, à tradução. É difícil captar as modulações da língua russa — e, quando traduzidas, elas facilmente soam como superlativas, extravagantes ou até estranhas. (Isso é bastante verdadeiro. Uma vez, ouvi um policial de trânsito dizer ao meu motorista: “Poderia, camarada, ter a bondade de mostrar reverência às normas?” Soa estranho, de fato. Mas fica menos estranho se traduzirmos o sentido, não a literalidade: “Por que não segue as regras, homem?” O texto das atas dos julgamentos soa mais como “mostrar reverência às normas” do que como “siga as regras.”)
Admito que, embora o julgamento tenha me convencido da culpa dos réus, ainda não encontro uma explicação plenamente satisfatória para seu comportamento perante o tribunal — apesar dos argumentos do povo soviético. Logo após o julgamento, resumi minhas impressões num comentário à imprensa soviética:
“Os europeus ocidentais estão tendo dificuldades em compreender as causas fundamentais da conduta dos réus, especialmente os motivos últimos de seu comportamento perante o tribunal. Pode ser que os atos da maioria desses homens merecessem a morte; mas invectivas e acessos de indignação, por mais compreensíveis que sejam, não explicam a psicologia desses homens. Seria necessário um grande poeta soviético para tornar compreensíveis, à mentalidade ocidental, sua culpa e seu pecado.”
Isso não significa, de forma alguma, que eu deseje criticar a condução do julgamento ou seus vereditos. Se me pedissem a essência de minha opinião, talvez eu apenas seguisse o exemplo do modesto ensaísta Ernst Bloch e citasse Sócrates, que, ao ser questionado sobre certas obscuridades de Heráclito, respondeu: “O que compreendi é excelente. De onde concluo que o restante, que não compreendi, também o seja.”
O povo soviético não entende toda essa incompreensão. Numa reunião após o encerramento do julgamento, um escritor de Moscou se exaltou a respeito do meu comentário acima citado: “Feuchtwanger não entende os motivos que levaram os acusados a confessar. Mas os 250 mil trabalhadores que agora marcham na Praça Vermelha os compreendem”. Ainda assim, me parece que me esforcei mais para compreender o julgamento do que a maioria dos críticos ocidentais. E, como o poeta soviético que poderia lançar luz sobre os motivos das confissões ainda não se apresentou, tentarei descrever a gênese dessas confissões, tal como eu a imagino.
Seria justo qualificar o tribunal perante o qual se deu o julgamento como uma espécie de tribunal do Partido. Desde a juventude, os acusados haviam sido membros do Partido; vários deles figuravam entre suas lideranças. Ora, seria um erro considerar que alguém convocado a comparecer diante de um tribunal do Partido se comporte da mesma forma que um réu diante de um tribunal comum no Ocidente. Não foi mero deslize verbal quando Radek se dirigiu aos juízes como “camaradas juízes” e precisou ser advertido pelo presidente da sessão a usar a fórmula “cidadãos juízes”. Até mesmo o acusado continua a se sentir vinculado ao Partido, e não é por acaso que o julgamento assumiu por inteiro o aspecto de um debate — algo estranho ao espírito ocidental. Os juízes, o promotor e os réus não apenas pareciam, mas efetivamente estavam unidos por um objetivo comum. Pareciam engenheiros a quem fora confiada uma nova e complexa máquina para testar. Alguns danificaram a máquina, não por malícia, mas por insistirem em testar suas próprias teorias para seu aperfeiçoamento. Suas metodologias revelaram-se equivocadas, mas nem por isso deixaram de se importar com a eficiência do mecanismo; por isso, conversavam francamente com os demais sobre seus erros. O que os unia a todos era o interesse comum pela máquina, o amor por ela. É essa afinidade que permitia a juízes e acusados trabalharem juntos com tamanha unanimidade de propósito — sentimento semelhante, talvez, àquele que na Inglaterra vincula o governo e a oposição, ao ponto de o líder oposicionista receber um salário estatal de duas mil libras.
Os prisioneiros eram discípulos de Trotsky. Mesmo após sua queda, continuavam a nutrir fé nele. Mas viviam dentro da União Soviética, e o que para o Trotsky exilado eram apenas figuras e estatísticas distantes, para eles era realidade material e concreta. Diante dessa materialidade, o princípio trotskista de que era impossível estabelecer uma economia socialista num só país não pôde resistir por muito tempo. Em 1935, à medida que se acentuava a prosperidade da URSS, os acusados foram forçados a reconhecer a falência do trotskismo. “Perderam, — disse Radek, — a fé nas doutrinas de Trotsky”. Nessas circunstâncias, era da natureza das coisas que suas confissões soassem como um hino forçado de louvor ao regime stalinista. Os acusados assemelhavam-se ao profeta pagão do Antigo Testamento, Balaão, que partira para amaldiçoar e, contra sua vontade, teve de abençoar.
Durante oito meses, o acusado Muralov negara as acusações; finalmente, no dia 5 de dezembro, confessou. “Ainda que, — declarou ele durante o julgamento, — considerasse erradas as instruções gerais de Trotsky — terrorismo e sabotagem —, parecia-me moralmente impossível trair Trotsky. Mas finalmente, quando os outros retiraram seu apoio — uns honestamente, outros desonestamente —, disse a mim mesmo: ‘Lutei ativamente pela União Soviética em três revoluções, e incontáveis vezes minha vida esteve por um fio. Não devo agora subordinar-me aos interesses da URSS? Ou devo seguir fiel a Trotsky e disseminar e consolidar suas falsas doutrinas? Nesse caso, meu nome tornar-se-á estandarte para os que ainda marcham nas fileiras da contrarrevolução. Os demais, mesmo que tenham renunciado a Trotsky de forma hipócrita, ao menos não seguirão a bandeira da contrarrevolução. Devo eu, então, erguer-me como paradigma de virtude?’ Esse foi o momento decisivo para mim. E então disse a mim mesmo: ‘Está certo, agora divulgarei toda a verdade’.”
As declarações de Radek sobre o mesmo tema, embora mais variadas na forma, exprimem o mesmo conteúdo. As explicações de ambos, independentemente do julgamento, me parecem psicologicamente interessantes. Revelam até que ponto os homens acompanham aquele em cuja liderança superior, genialidade e doutrina creem — e em que momento o abandonam. As medidas impetuosas e desesperadas às quais Trotsky se mostrava disposto, uma vez demonstrada a falsidade de suas ideias fundamentais, inevitavelmente assustaram seus partidários menores. Começaram a ver loucura em seus métodos. Não o denunciaram publicamente antes porque não sabiam como fazê-lo. “Teríamos ido à polícia, — disse Radek, — se ela não tivesse vindo a nós primeiro” — e isso é fácil de acreditar. Alguns acusados, de fato, procuraram a polícia antes — e foi assim que a conspiração inteira foi desmantelada.
Dentro dos limites de sua lógica, os céticos têm razão. Pessoas que creem numa causa e que estão virtualmente perdidas não a traem em seus últimos momentos. Compreendem que essa é sua última e mais grandiosa chance de falar ao público e a utilizam para propagar sua causa. Centenas de revolucionários, diante dos tribunais de Hitler, declararam: “Sim, fiz o que me acusam. Podem me matar, mas me orgulho do que fiz”. Com razão, então, os céticos perguntam: Por que nenhum desses trotskistas se pronunciou assim? Por que nenhum deles disse: “Sim, o Estado de Stálin está errado. Trotsky está certo. O que fiz foi pelo melhor. Matem-me, mas mantenho minha posição”?
Mas há uma resposta contundente a essa objeção. Esses trotskistas não adotaram tal atitude simplesmente porque já não acreditavam em Trotsky; porque, no íntimo, já não podiam sustentar o que haviam feito; e porque suas convicções trotskistas haviam sido tão completamente refutadas pelos fatos, que qualquer pessoa com olhos para ver já não poderia nelas crer. O que, então, restava para eles, uma vez alinhados no lado errado? O que restava, a esses socialistas convictos, diante de sua última aparição antes da morte, senão a confissão: “O socialismo não pode ser realizado pelo caminho de Trotsky, que trilhamos; mas apenas pelo outro caminho, o de Stálin”.
Mesmo deixando de lado os motivos ideológicos e considerando apenas as circunstâncias externas, os acusados estavam praticamente compelidos a confessar. Que mais poderiam fazer, uma vez que estavam convictamente incriminados por provas esmagadoras? Estavam perdidos de qualquer forma, confessassem ou não. Se confessassem, talvez, apesar de tudo, sua confissão acendesse uma tênue fagulha de esperança por clemência. Em outras palavras: se não confessassem, estavam cem por cento perdidos; se confessassem, noventa e nove por cento. Como a confissão não feria suas consciências, por que não a fazer? Isso fica evidente pelas palavras finais dos réus. Dos dezessete prisioneiros, doze pediram aos juízes que levassem suas confissões em conta como atenuante na sentença.
Era quase inevitável que usassem expressões semelhantes para esse pedido, o que acabou produzindo, com o tempo, um efeito tragicômico quase macabro. No final, de fato, quando os últimos prisioneiros pronunciaram suas palavras finais, o público passou a aguardar esse pedido com certa tensão; e quando ele finalmente era feito — necessariamente com a mesma fórmula monótona —, o riso quase se impunha.
Talvez ainda mais difícil do que a questão dos motivos que levaram os prisioneiros a confessar seja compreender as razões que impulsionaram o governo soviético a lançar este julgamento sob os refletores e convidar a imprensa e o público do mundo inteiro a acompanhá-lo. O que esperavam obter com isso? Não estaria essa manifestação fadada a produzir consequências mais dolorosas que favoráveis? O julgamento de Zinoviev, afinal, já havia causado um efeito desastroso no exterior. Oferecera aos adversários do regime um material valioso para sua propaganda e fizera vacilar muitos de seus amigos. Despertara dúvidas sobre a própria estabilidade do regime, algo em que antes até seus inimigos acreditavam. Por que, então, arriscariam com tanta leviandade seu próprio prestígio mediante um segundo julgamento da mesma natureza?
Os opositores afirmam que a razão disso reside no despotismo implacável de Stálin, em seu deleite com o terror. Afirmam, com segurança, que este homem, Stálin, portador de um sentimento de inferioridade e de uma sede insaciável de poder e vingança, deseja eliminar todos os que o tenham ferido em algum momento ou que, de alguma forma, possam representar perigo para ele. Tal como Hitler, desejaria abrir, à sua volta, um grande espaço livre de inimigos a tiro.
Tais absurdos revelam não apenas ignorância sobre a alma humana, mas também uma gritante falta de discernimento. Basta ler qualquer livro ou discurso de Stálin, contemplar qualquer retrato seu, refletir sobre qualquer medida que tenha tomado no processo de construção socialista: tudo isso demonstra, com clareza solar, que esse homem modesto e impessoal não poderia, de forma alguma, ter cometido a colossal indiscrição de montar, com o auxílio de incontáveis figurantes, uma encenação tão grosseira apenas para celebrar uma espécie de festival de vingança com fogos de artifício, regozijando-se na humilhação de seus adversários.
Acredito que a explicação para essa questão seja, ao mesmo tempo, mais simples e mais complexa — se levarmos em conta a determinação da União Soviética em seguir firmemente no caminho da democracia e, sobretudo, se considerarmos a mentalidade de guerra, à qual já tive de me referir mais de uma vez.
O processo crescente de democratização — em especial, o conteúdo do projeto da nova Constituição — inevitavelmente deu novo alento aos trotskistas, que se sentiram encorajados, esperançosos quanto à possibilidade de intensificar suas atividades e ampliar o alcance de sua agitação. O governo soviético considerou, portanto, ter chegado o momento oportuno de demonstrar, com firmeza, sua intenção inabalável de cortar pela raiz qualquer atividade trotskista. Mas, acima de tudo, foi certamente o perigo iminente da guerra que levou os dirigentes da União Soviética a dar tal publicidade ao julgamento. No passado, os trotskistas não representavam um perigo tão agudo; por isso, podiam ser perdoados ou, no pior dos casos, exilados. Mas o exílio, sabe-se, não é medida particularmente eficaz — Stálin, que fora exilado seis vezes e escapara seis vezes, sabia disso muito bem. Agora, diante da guerra imediata, tamanha indulgência já não era mais possível. Uma brecha ou divisão, que em tempos de paz pode ser de pouca importância, em tempos de guerra pode tornar-se um perigo mortal. Desde o assassinato de Kirov, os trotskistas passaram a ser julgados pelos tribunais militares da União Soviética. Foi um tribunal militar que conduziu o julgamento desses homens, e foi um tribunal militar que os condenou.
A União Soviética apresenta dois rostos: o da URSS combatente, que se manifesta na severidade implacável com que esmaga toda oposição; e o da URSS construtiva, cujo rosto democrático se revela na Constituição que proclama como objetivo último. E é profundamente significativo que tenha sido entre os dois julgamentos dos trotskistas — entre o de Zinoviev e o de Radek — que um Congresso extraordinário tenha aprovado a nova Constituição.