A violência com que até mesmo simpatizantes estrangeiros reagiram aos julgamentos dos trotskistas foi completamente incompreensível para os cidadãos soviéticos. Já mencionei a profunda decepção e o desespero de muitos que haviam projetado na União Soviética o cumprimento de seus sonhos democráticos, o último baluarte da civilização diante do colapso, e que, agora, incapazes de se libertar das suas próprias concepções formais de democracia, viam-se despidos de todas as suas ilusões diante desses “julgamentos arbitrários e terroristas”.
Para muitos, essa decepção foi certamente sincera. No entanto, também houve intelectuais para os quais ela foi bem-vinda. A virulência com que esses indivíduos reagiram aos julgamentos não brota do raciocínio, mas de um núcleo íntimo e refratário à razão. Provém da inquietação que a mera existência da União Soviética lhes causa — uma inquietação quanto aos problemas profundos com que o surgimento deste novo Estado socialista os confronta.
Muitos intelectuais, inclusive os que admitem como inevitável a liquidação do sistema capitalista pelo socialismo, têm medo do caos e da desordem que o período de transição carrega consigo. Anseiam sinceramente por uma vitória socialista em escala mundial, mas preocupam-se — de forma muito concreta — com o seu próprio destino durante a revolução. O coração renega aquilo que o cérebro aceita. Em teoria, são socialistas; na prática, sustentam a ordem capitalista. A própria existência da União Soviética é para eles um lembrete incômodo da fragilidade de sua própria posição e uma repreensão permanente à ambiguidade de suas ações. O fato de que a União Soviética existe confirma, com efeito, que ainda há razão no mundo; mas, no restante, eles não a amam — e são muito mais propensos a odiá-la.
Por essas razões, recebem de braços abertos — mesmo que não o admitam — toda e qualquer oportunidade de apontar falhas na União Soviética. O “enigma” dos julgamentos trotskistas foi uma dessas oportunidades, propícia para fustigar a suposta arbitrariedade do processo em artigos brilhantes e irônicos. O “terror” que se revelava na União Soviética era, para eles, a prova definitiva de que, no fundo, o regime não se diferenciava dos Estados fascistas, e que, portanto, estavam certos em nunca o ter aclamado. Esse “terror” justificava sua indecisão e sua omissão, apaziguando suas consciências. O “despotismo” da União Soviética era um manto conveniente com que podiam cobrir a própria nudez.
Nada disso surpreendeu na União Soviética. As repercussões negativas do julgamento de Zinoviev não dissuadiram o país de organizar um segundo julgamento trotskista. O bem que esse expurgo público trouxe à política interna soviética, essa purificação de sua própria casa às vésperas da guerra, compensou amplamente o eventual prejuízo ao seu prestígio moral perante os críticos estrangeiros desavisados.
A União Soviética não alimenta ilusões sobre a atitude do exterior. O povo soviético afirma com orgulho que é apenas graças ao seu Exército Vermelho que o mundo foi, até agora, poupado da eclosão da grande guerra fascista e que a civilização foi salva do assalto dos bárbaros. Sabem muito bem que é apenas em função de suas armas, apenas em função do Exército Vermelho, e apenas em virtude da fraqueza das democracias, que estas foram levadas a concluir alianças com a URSS. Não o fizeram por vontade própria, e agora, quando finalmente seus líderes conseguiram convencer os parlamentos e a opinião pública a aceitarem o rearmamento, tomam ainda menos cuidado do que antes em esconder sua antipatia para com a União Soviética. O povo soviético é prático e politizado, e os efeitos do julgamento não os surpreenderam.
Em suas palavras finais, Radek contou como, durante dois meses e meio, cada palavra de sua confissão teve de ser arrancada dele, e como tornara difícil a vida do magistrado que o interrogava. “Não fui eu quem foi torturado pelo magistrado, — disse, — mas o magistrado que foi torturado por mim”. Vários importantes jornais ingleses relataram essa fala sob manchetes chamativas: “Radek torturado”. Creio que fui a única pessoa em Moscou que se surpreendeu com esse tipo de reportagem.
Em suma, considero a atitude de muitos intelectuais ocidentais diante da União Soviética curta de vistas e destituída de mérito. Eles não conseguem perceber a grande importância do trabalho da União para o mundo; recusam-se a aceitar que a história não pode ser feita com luvas de pelica. Chegam com seus padrões absolutos e pretendem medir milimetricamente quanto de liberdade e de democracia há aqui. Ainda que se reconheça amplamente que os objetivos da União Soviética são razoáveis e, no mais elevado sentido, humanitários, esses intelectuais ocidentais são extremamente puritanos ao criticar seus métodos. Para eles, neste caso, o fim não justifica os meios — ao contrário, os meios desonram o fim.
E isso eu posso compreender. Eu mesmo, em minha juventude, pertenci a essa classe de intelectuais que defendia o princípio do pacifismo absoluto, da abstenção completa da violência. Durante a guerra, abandonei tal ilusão e, já naquela época, escrevi uma peça — Warren Hastings — que retrata um julgamento que, à sua época, suscitou comoção no mundo, do mesmo modo que os julgamentos trotskistas nos comoveram agora. Mas esse julgamento foi conduzido pelo governador-geral inglês Warren Hastings, um dos fundadores da grandeza britânica e primeiro introdutor da civilização ocidental na Índia. Ele considerava sua atuação progressista — e nós, se pensarmos historicamente, provavelmente concordaremos com ele. Meu Warren Hastings, portanto, acaba por reconhecer que “a humanidade só pode ser inculcada na raça humana por meio de canhões” e, àqueles que, em nome de seus princípios humanitários, o forçam a agir de modo menos humano do que ele gostaria, diz: “Durante vinte e dois anos, enquanto o rio Ganges foi ora generoso, ora impiedoso, aprendi que um leve tremor da mão, causado por humanidade, pode devastar regiões inteiras. Vós, meus senhores humanitários, ignorais isso — mas sois vós que me empurrais para a desumanidade.”
Creio que, durante e após a guerra, todos tivemos razões de sobra para rever nossas concepções de abstinência da violência e para refletir seriamente sobre seu uso. Se essas “reflexões sobre a violência”, que pretendiam justificar Lênin, passaram também a ser usadas por Mussolini em sua autolegitimação — e se Hitler, provavelmente, jamais ouviu falar do nome de Georges Sorel —, elas não perdem, por isso, sua verdade. Há uma diferença entre o bandido que atira em um transeunte e o policial que atira no bandido.
Expressa de modo simples e direto, esta é a questão que hoje se impõe a todo escritor que leve minimamente a sério sua responsabilidade: sendo praticamente impossível construir uma economia socialista sem que se modifique, ainda que temporariamente, aquilo que hoje se entende por democracia, o que você prefere? Que as grandes massas do povo tenham menos carne, pão e manteiga, em troca de que você goze de maior liberdade de escrever? Ou que você tenha menos liberdade de escrever, mas o povo tenha mais carne, pão e manteiga?
Não é uma questão simples para quem escreve com responsabilidade.
É fácil encontrar defeitos na União Soviética — e tal atitude rende muitos aplausos. Existem, de fato, falhas materiais e morais que podem ser facilmente apontadas; elas não são escondidas, e é verdade que, para um europeu ocidental, a vida em Moscou ainda está longe de ser confortável. No entanto, quem sublinha essas imperfeições e relega as grandes conquistas visíveis ali a notas de rodapé acusa mais a si mesmo do que à União Soviética. Age como um crítico literário que, ao analisar um poeta genial, se detém prioritariamente nos erros de pontuação. Na primeira resenha alemã sobre Shakespeare se lê: “Sabia pouco latim e absolutamente nada de grego.”
No fundo, todas as objeções dos intelectuais ocidentais à União Soviética podem ser resumidas em dois grandes grupos: um de natureza moral, outro de natureza estética. No plano moral, a crítica de que, em decorrência da diferenciação de rendas, novas classes sociais tenderiam inevitavelmente a surgir; no plano estético, a denúncia de que o regime soviético tenderia à despersonalização do indivíduo, rebaixando todos a um mesmo nível monótono. Assim, paradoxalmente, a crítica estética e a crítica moral se dirigem a tendências opostas entre si.
Não obstante, há um grão de verdade em ambas. Se, de fato, os apóstolos da igualdade observam que entre os trabalhadores mais qualificados, os camponeses enriquecidos e os funcionários públicos surge uma mentalidade pequeno-burguesa — muito distinta daquele heroísmo proletário que os moralistas europeus esperam encontrar ao visitar a União Soviética —, não estão completamente equivocados. Os apóstolos da desigualdade, por sua vez, temem que a padronização das opiniões cause um certo achatamento, e que a materialização do socialismo produza, ao fim, uma sociedade de pequeno-burgueses de medíocre uniformidade. Essa preocupação também não é infundada; pois quando uma coletividade alcança um certo estágio econômico — especialmente tendo emergido da miséria para os primeiros passos da prosperidade — ela inevitavelmente desenvolve traços pequeno-burgueses. O progresso intelectual, agindo da mesma forma que a prosperidade material, traz consigo, em seus primeiros momentos, certa uniformidade nas opiniões e nos gostos. Já observei que os elementos fundamentais de todo conhecimento devem necessariamente ser expressos em fórmulas e estruturas semelhantes, o que torna o “conformismo” inevitável nas etapas iniciais da educação. Mas é certo que, com o aprofundamento da prosperidade, essa mentalidade pequeno-burguesa desaparecerá tão rapidamente quanto o famigerado conformismo cede diante do avanço da formação intelectual.
A consideração de todos os fatos mostra que, dentro das fronteiras soviéticas, ainda há muito de problemático; mas aquilo que Goethe escreveu sobre o indivíduo também se aplica ao Estado: “Algo de grandioso sempre nos fascina, e se reconhecemos seus méritos, devemos deixar de lado o que nele ainda nos parece problemático.”
O ar que se respira no Ocidente está viciado e pútrido. Na civilização ocidental, já não há clareza nem firmeza. Já não se tem coragem de enfrentar o avanço da barbárie com o punho cerrado, ou ao menos com palavras firmes; tudo é feito com meias palavras, com gestos vagos, e as declarações das autoridades contra o fascismo são revestidas de açúcar e cláusulas. Quem nunca se sentiu enojado diante da fraqueza e hipocrisia com que essas mesmas autoridades reagiram à invasão da República Espanhola pelos fascistas?
É um alívio respirar, após essa atmosfera sufocante de uma democracia falsa e de um humanismo hipócrita, o ar revigorante da União Soviética. Aqui não se escondem atrás de palavras de ordem místicas e vazias; aqui impera uma ética sóbria, verdadeiramente “construída segundo o método geométrico”, e é essa ética que determina o plano com o qual se constrói a URSS. Assim, estão construindo com um método novo e com materiais inteiramente novos. Mas o tempo de experimentação ficou para trás. Ainda há escombros e andaimes sujos por toda parte, mas a estrutura da imensa edificação já se ergue, pura e nítida. É uma nova Torre de Babel — mas que não pretende levar os homens até o céu, e sim trazer o céu até os homens. E a obra tem êxito. Não permitiram que as línguas se embaralhassem; todos se compreendem.
É revigorante, depois de tantos compromissos e falsidades do Ocidente, testemunhar uma realização como essa — algo a que um homem pode dizer “sim”, “sim”, “sim”, com todo o seu coração. E, porque me parecia ingrato guardar esse “sim” apenas para mim, escrevi este livro.