Os Negros numa América Soviética

James W. Ford e James S. Allen


I. Os Negros na América Capitalista


Booker Washington disse uma vez: “Qualquer raça que não tenha nada a contribuir para os mercados mundiais fica condenada a ser ostracizada”. Pensava ele que o capitalismo permitiria aos Negros desenvolverem negócios e indústrias e alargar as suas propriedades agrícolas. Acreditava que desta forma os Negros poderiam conseguir um lugar importante no mundo económico capitalista. Toda a sua filosofia se baseava nessa premissa. Afirmou que “A luta pela igualdade social seria a loucura completa”. O seu conselho era que cada Negro se aperfeiçoasse nas atividades industriais ou nos negócios, que ganhasse um lugar na América capitalista, pois só assim seria respeitado.

Mas para onde nos levou este conselho?

“Progresso” Económico

Em primeiro lugar consideremos a questão da posse da terra. Durante a Guerra Civil e no período que se lhe seguiu, os Negros acreditaram que obteriam terras—“quarenta acres e uma mula”. Mas nada disso aconteceu. Apenas muito lentamente e com grande dificuldade alguns conseguiram comprar terras. Em 1910, apenas um quarto de todos os agricultores Negros possuía alguma terra, geralmente muito pouca, e, em geral, as terras mais pobres e oneradas com pesadas hipotecas.

Mas, nos últimos 25 anos, o capitalismo tem vindo a tirar até essas mesmas terras aos agricultores Negros. Em 1930, havia menos 40.000 proprietários de terras Negros do que em 1910. Em dez anos, entre 1920 e 1930, os Negros perderam quase 2.000.000 de acres de terra.

Por outro lado, no país tem vindo rapidamente a crescer a mais brutal forma de esclavagismo. É o sistema de parceria e arrendamento de terras. Todos sabemos que quando a escravatura terminou as plantações permaneceram. A maioria dos Negros tornaram-se trabalhadores agrícolas ou rendeiros nestas plantações. Na verdade eram prisioneiros nestas plantações, quase escravos. Passaram quase três quartos de século desde a Emancipação. Fez o capitalismo alguma coisa para abolir esta nova forma de escravatura?

Pelo contrário! As terras das plantações continuam a ser até ao dia de hoje autenticas prisões, um verdadeiro inferno para onde foram atirados 5.000.000 de Negros sem terem quaisquer perspetivas de dele se poderem escapar no curto prazo. De facto, a escravidão até aumentou. Nas zonas das plantações de algodão do Sul, há 25 anos 80% dos Negros eram trabalhadores agrícolas ou rendeiros. Mas em 1930 essa percentagem subira para quase 84%.

Há os que dizem que o Presidente Roosevelt e o seu “New Deal” estão a mudar esta situação. Mas é claro para todos os Negros que vivem nas zonas das plantações que Roosevelt tem apenas ajudado os donos das grandes plantações. As suas políticas têm levado ao aumento da escravidão.

Quando a crise rebentou no país os donos das grandes plantações viram-se num dilema. Muitos dos Bancos e casas de crédito a que recorriam faliram e as que sobreviveram não renovavam os créditos que tinham concedido. Muitos dos pequenos agricultores que viviam do seu trabalho foram eliminados. Nos Estados do Sul, do princípio da crise até Março de 1933 tiveram lugar mais de meio milhão de vendas forçadas e execuções de hipotecas.

Roosevelt veio em auxílio dos grandes latifundiários injetando grandes quantidades de fundos, a maioria dos quais reverteu para as mãos dos modernos esclavagistas – os donos das grandes plantações. Em apenas nove meses, a Administração do Crédito Agrícola (FCA) entregou mais de 300.000.000 de dólares diretamente aos latifundiários. Desta forma Roosevelt ajudou a reforçar o sistema de plantações nas quais milhões de Negros estão escravizados. O Governo Federal ficou com a maioria dos créditos das seguradoras e dos bancos privados falidos e é hoje o maior detentor de hipotecas no Sul. O que significa que tem uma palavra a dizer na manutenção do sistema de escravidão nas plantações – um enorme território prisional - de que é coproprietário em conjunto com os latifundiários.

O segundo passo tomado por Roosevelt foi o aumento dos lucros dos latifundiários e dos grandes comerciantes de produtos agrícolas, através de uma política de redução das terras cultivadas. Em 1933, enquanto milhões de pessoas necessitavam de roupas, fomos confrontados com a surpreendente imagem do arranque das plantas de algodão por trabalhadores rurais esfarrapados. Os trabalhadores e os rendeiros nunca viram o dinheiro que eram suposto receberem do governo por este ato de destruição. Os donos das plantações e os bancos e as empresas financeiras ficaram com os cheques do governo. Eis o que disse um funcionário governamental no Mississippi:

Sabem, o governo de Washington criou-me aqui um pequeno problema. Por engano eles enviaram alguns cheques diretamente para alguns trabalhadores “niggers”.Provavelmente não sabiam o que estavam a fazer. Imaginem, dar um cheque a um trabalhador “nigger”. Claro que eu consegui retirar-lhes os cheques e entrega-los aos donos das plantações. Claro que eles terão de obrigar os trabalhadores a endossa-los antes de conseguirem levantar o dinheiro do banco. Mas isso não será difícil.

A redução das terras cultivadas foi reforçada em 1934 através da Lei Bankhead(1). E outra redução sobreveio em 1935 como resultado de uma “eleição” democrática em que os donos das plantações obrigaram os rendeiros e os trabalhadores a votar a favor das reduções.

Esta redução dizimou não só as colheitas mas dizimou também centenas de milhares de vidas humanas. Famílias inteiras de rendeiros foram “postas na rua” pelos donos das plantações ou deixadas a definhar na miséria das suas barracas obrigadas a trabalhos forçados para o governo ou para o patrão em troco das migalhas dos subsídios sociais. Estas famílias rurais sem terras e sem trabalho são mantidas “à mão” para serem forçadas a trabalhar a troco de salários de miséria na sementeira ou na colheita do algodão. Os salários na maioria das plantações variam entre 25 cêntimos e 50 cêntimos por dia.

As políticas de Roosevelt tiveram como efeito aumentar a escravidão de milhões de trabalhadores Negros no Sul. O algodão, a necessidade de vestuário de milhões de esfarrapados, a necessidade da humanidade, foi transformada pelo capitalismo na escravidão dos Negros.

A Promessa da Cidade

Pareceu a muitas pessoas, especialmente durante a Grande Guerra e no período imediatamente subsequente, que a vida na cidade e o emprego na indústria poderiam ser uma alternativa à servidão rural.

Até à Grande Guerra, a cidade e a indústria eram território praticamente proibidos aos Negros. Por um lado, na Cintura Negra os donos das plantações e os agentes governamentais mantinham os Negros acorrentados à terra e não lhes permitiam sair dela. Mesmo quando a indústria se começou a desenvolver no Sul, as portas das fábricas mantiveram-se encerradas para os trabalhadores Negros. A esperança desmoronou-se quando a indústria têxtil, que cresceu rapidamente no Sul, tornou evidente que não contrataria trabalhadores Negros. O lugar do Negro, foi então dito, é na plantação, o seu trabalho escravo é lá preciso. Até hoje nenhuma fábrica têxtil tem um Negro a operar as suas máquinas.

Mas durante a Grande Guerra houve uma grande falta de mão-de-obra na indústria. Foi só então que os capitalistas deram o passo enérgico de contratar trabalhadores Negros.

Quem não se lembra das grandes esperanças do êxodo. Algo que foi comparado com a Lei da Emancipação. O Sul era a terra dos Faraós e o Norte a “terra prometida”. O Mar Vermelho do capitalismo abria-se e deixava passar os Negros. Mas o êxodo já começava a murchar em 1923. Os empregadores tinham mais empregados do que precisavam. O Mar Vermelho retomou ao seu curso natural.

Quase vinte anos passaram desde que começou a migração em massa. Muito antes, alguns Negros, em pequenos números, tinham já sido contratados para empresas industriais. Apesar disso é um facto indiscutível que os Negros têm sido impedidos de progredir para postos mais bem pagos. Têm sido forçados a ocupar os lugares de menor estatuto entre os trabalhadores industriais, os lugares mais duros e menos qualificados. Hoje apenas 10% dos trabalhadores Negros têm trabalhos qualificados ou semiqualificados. Não é que não consigam ser trabalhadores qualificados. Muitos são-no. Mesmo antes da crise atual, era normal encontrar no Sul, pessoas altamente qualificadas, graduados do Instituto Tuskegee, como mecânicos e professores a ocupar lugares de paquetes nos hotéis. O capitalismo não deu as mesmas oportunidades de progressão e formação aos Negros como deu aos trabalhadores brancos. É verdade que os trabalhadores brancos são, no capitalismo, escravos assalariados. Têm de vender a sua força de trabalho a um capitalista para poder sobreviver. Também são explorados. Mas é claro para qualquer um que o trabalhador assalariado Negro ainda é mais explorado. É mantido sempre nos níveis mais baixos dos trabalhadores assalariados e é empurrado para trás sempre que procura avançar.

Sob o “New Deal” do Presidente Roosevelt este estado de coisas foi oficialmente reconhecido e foi-lhe dado cobertura legal. Os Códigos Industriais colocaram o selo oficial do Governo Federal sobre esta política de dualidade de critérios. Os diferenciais salariais estabelecidos nestes códigos estabelecem de facto que os salários dos Negros permaneçam mais baixos do que os dos trabalhadores brancos. Um exemplo para percebermos como isto funciona. O Código da indústria madeireira estabelece o salário mínimo para os trabalhadores do Norte em 42,5 cêntimos por hora e para os trabalhadores do Sul, onde a maioria dos trabalhadores são Negros, em 24 cêntimos por hora.

Atualmente o capitalismo está a tentar expulsar definitivamente os Negros da indústria. Hoje temos um exército de pelo menos 15.000.000 de desempregados nos Estados Unidos. Entre os Negros a taxa de desemprego é várias vezes superiores à dos trabalhadores brancos. O número de Negros em famílias que sobrevivem com ajudas aumentou de 2.117.000 em Outubro de 1933 para 3.500.000 em Janeiro de 1935. Em muitos lugares os empregos que tradicionalmente eram ocupados por Negros estão a ser oferecidos a trabalhadores brancos, pelo mesmo salário ou por salário inferior.

E os Negros também não se saíram bem nas profissões liberais. Também aqui o capitalismo impediu, com mão de ferro, todos os esforços de melhoria. Em todo o país só existem 6.781 médicos, advogados e dentistas Negros. Também estes profissionais sofrem de segregação e discriminação, quer em termos das condições em que se formam e trabalham quer ao serem excluídos das instituições brancas. Muitos estão hoje a morrer de fome. Para uma população de 12.000.000 de Negros existem apenas 50.000 professores Negros, muitos dos quais estão proibidos de ensinar nas escolas brancas. O salário anual da maioria destes professores Negros não excede os 300 dólares anuais.

Avancem para os negócios foi outro dos conselhos de Booker T. Washington. Hoje ouvimos este conselho por todo o lado. Mas mesmo o desenvolvimento de uma classe média Negra se tornou impossível sob o capitalismo. No país todo existem cerca de 25.000 lojas de retalho geridas por proprietários Negros. A maioria destas são pequenos negócios ou vendedores ambulantes. Porquê? Não por que os Negros não sejam capazes, mas porque os grandes capitalistas têm o monopólio do comércio. A segregação obriga os retalhistas Negros a vender apenas nos bairros Negros. Tem por isso uma clientela pobre. Não tem qualquer hipótese contra as grandes cadeias retalhistas. Atualmente muitos pequenos empresários estão a ser eliminados.

Entre os Negros, desenvolveu-se, contudo, uma pequena classe bem na vida. Os Negros também têm um ou dois milionários. Mas esta classe desenvolveu-se à custa do resto da comunidade Negra. Amassa para si própria uma boa parte dos lucros da exploração das massas de Negros. É verdade que o capitalismo não permitiu a criação de nenhuma grande empresa industrial dominada por Negros. A classe dominante branca é o explorador direto das massas Negras quer nas plantações quer na indústria. Mas a classe alta Negra encontrou outras formas de explorar as massas Negras.

Obtém os seus lucros tirando proveito da segregação e das ideias do “supremacismo branco”! Se examinarmos a lista dos Negros mais ricos descobriremos que muitos deles feziram a sua fortuna especulando no imobiliário nas zonas segregadas das grandes cidades e extraindo rendas elevadas dos seus inquilinos Negros (Watt Terry, The Negro Millionaire; John E. Nail, Oscar DePriest, etc.). Outros construíram a sua riqueza no mundo da cosmética comercializando a ideia de “beleza branca” (Madame C. J. Walker, Mrs Aniie M. Turnbee, Anthony Overton, etc..). Outros ainda prosperaram no setor segurador e bancário, estritamente ligados à especulação imobiliária e ao aluguer de casas (Anthony Overton, C.C. Spaulding, etc.). Um certo número de médicos e ministros religiosos acumularam uma pequena fortuna não através das suas profissões mas através do imobiliário. Estes indivíduos parasitam o corpo das comunidades segregadas. São favoráveis à segregação e opõem-se a qualquer esforço para eliminar a segregação porque tal significaria destruir as bases das suas fortunas.

Fica claro, pois, que o capitalismo impediu o progresso económico dos Negros. Com exceção de uma pequena camada de parasitas os Negros permanecem atrasados, pressionados para baixo, atirados para os níveis mais baixos. Este é o progresso económico durante 75 anos de liberdade capitalista.

O “Estigma da Raça”

“Aquela coisa ali”

Estas foram as palavras de Thomas Knight Jr. Procurador do Ministério Público para se referir a Heywood Patterson durante o segundo julgamento deste em Decatur, Alabama.

Estas palavras são a expressão da atitude de insultuoso desprezo que o capitalismo tem em relação aos Negros. “Manter os Negros no seu lugar” esta é o lema dos modernos esclavagistas. O ostracismo social, as perseguições, a segregação e os insultos, substituíram o paternalismo dos donos de escravos e o chicote de Simon Legree(2).

Os factos sobre o jim-crowismo, os linchamentos, a discriminação, são tão universalmente conhecidos e tão impressos tão profundamente nos corações das massas Negras que não precisamos de entrar aqui em grandes detalhes. É suficiente dizer que os que dominam este país transformaram os Negros em párias sociais, que os tratam não como a seres humanos mas como gado. Esforçaram-se ao máximo para marcar os Negros com o ferrete de não-humano. Nos elétricos, nos comboios, nas estações ferroviárias, nos locais de diversão, e até nos bebedouros públicos a classe dominante do Sul difunde para o mundo “Apenas para brancos aqui – Apenas para Negros acolá”. No Norte não usam a sinalética, mas essa é a única diferença.

Há leis escritas e leis não escritas. As três leis mais importantes sobre os Negros são as emendas à Constituição dos Estados Unidos número 13, 14 e 15. Elas garantem supostamente a todos os Negros direitos completos de cidadania e de igualdade perante a Lei. Mas elas são apenas elementos decorativos da Constituição. No Sul, os Negros não podem fazer parte dos júris dos tribunais. No Sul, um votante Negros é ou objeto de linchamento imediato ou é uma pessoa muito privilegiada. Apesar dessas práticas serem supostamente inconstitucionais, que fez alguma vez o Governo Federal para eliminar estas práticas que já vêm do período subsequente à Guerra Civil? Estas leis escritas não são implementadas. Mas as leis escritas que existem em 15 Estados e que segregam os Negros, essas são sim severamente implementadas.

Existe uma lei não escrita que é estritamente implementada. É a lei segundo a qual os linchadores de Negros não serão punidos.

Qual é a razão para esta severa perseguição das massas Negras? Não a encontraremos em nenhum “ódio natural” dos brancos contra os Negros. Estes atos de ódio e de perseguição tem a sua causa no capitalismo.

Primeiro: a classe dominante tem de usar medidas de opressão e perseguição drásticas de maneira a manter os Negros como peões nas plantações para assegurar essa espécie especial de esclavagismo no Sul. Os capitalistas também recorrem a essas mesmas medidas para manter os Negros nos lugares mais baixos na indústria.

Segundo: toda a ideia de “superioridade da raça branca” e as práticas do jim-crowismo visam produzir uma completa separação entre as massas brancas e os Negros. O preconceito racial emerge do velho sistema esclavagista. Nessa época os donos de escravos temiam a unidade dos oprimidos entre os “brancos pobres” e escravos Negros. O Capitalismo aproveitou este preconceito e usa-o para o mesmo fim. Tal torna-se bem claro quando comparamos a opressão dos Negros com a opressão dos Filipinos pelo imperialismo americano. Os filipinos são também um povo oprimido. No entanto, nos Estados Unidos não existe tanto preconceito contra os filipinos como existe contra os Negros. A razão encontra-se nas cerca de 5.000 milhas marítimas que impedem as massas populares filipinas na sua luta diária de entrar em contacto com as massas americanas. Por outro lado, nos Estados Unidos os brancos e os Negros, muitas vezes explorados pelo mesmo patrão, entram em contacto diário, e empenham-se em lutas comuns pelas suas necessidades quotidianas. Por isso, a classe dominante recorre a medidas extremas para os manter separados.

Vejamos por exemplo a questão da educação e da saúde.

O sistema de educação público é supostamente aberto a todos. Devemos recordar-nos que os Negros foram, no período imediatamente a seguir à guerra civil, os responsáveis por estabelecer um sistema público de educação gratuito no Sul. Os primeiros diretores deste sistema público de educação eram Negros.

Hoje os Negros são os párias do sistema educativo público. Um milhão de crianças em idade escolar não frequenta qualquer escola. Mais de um terço dos alunos Negros nunca ultrapassa o primeiro ano e mais de três quartos nunca vai para lá do quarto ano. Em muitas regiões da zona das plantações as escolas estão abertas apenas dois ou três meses por ano.

Mais de metade da população do Mississippi é Negra. E, no entanto, o Estado gasta apenas 5,45 dólares por ano na educação de uma criança Negra o que compara com os 45,34 dólares que gasta com a educação de uma criança branca. Num município do Alabama os gastos eram de 57 dólares por aluno branco e de 1,51 dólares por aluno Negro.

Atualmente muitas escolas para alunos Negros fecharam por falta de fundos. Capitalismo significa sacrificar a educação de milhões de crianças.

As altas taxas de doença e de mortalidade entre os Negros revelam a severidade da exploração capitalista. Por exemplo, no Milwaukee a taxa de mortalidade por tuberculose entre os Negros é oito vezes superior à dos brancos., no Harlem três vezes superior à de Nova Iorque como um todo, Em Manhattan, onde os Negros constituem apenas 12% da população, cerca de um quarto da totalidade das mortes de crianças ocorre entre a população Negra.

Estas elevadas taxas de doença e morte são consequência da grande exploração a que os Negros estão sujeitos e à falta de hospitais e de outros cuidados de saúde causada pela segregação racial.

Sabendo destes factos monstruosos, conhecendo todos os detalhes da nossa amarga experiência quotidiana, existe alguma razão para permitirmos que o capitalismo continue?

Os Reformistas e os “Chorosos da Raça”

Ainda existe alguns que querem que as massas Negras acreditem que o capitalismo pode fazer melhor do que fez no passado. Estas pessoas vão desde os que são declaradamente reacionários aos que escondem as suas políticas reacionárias com um manto radical. Vejamos o que propõem como saídas para a situação atual.

Os cultores do elevador social

Ainda existem hoje muitos seguidores de Booker T. Washington que pensam ser possível sairmos por esforço próprio dos nossos sapatos quando muitos de nós nem sequer têm sapatos.

Mas já percebemos, através de 75 anos de experiência, que o capitalismo apenas permite a um punhado de pessoas subir na vida – e à custa do resto das pessoas. Hoje, quando a crise nega a milhões de pessoas a satisfação das mais simples necessidades da vida, só um charlatão ou um completo reacionário pode dar tal conselho.

Apesar de tudo este tipo de ideologia é ainda muito difundida. Peguemos em quase todos os jornais Negros, oiçamos muitos “dirigentes raciais” e seremos aconselhados a criar um negócio Negro. Dizem-nos que isso resolverá todos os nossos problemas. O secretário executivo da Liga Nacional dos Empresários Negros(3) diz-nos que “Os negócios apontam o caminho para a demolição de todas as barreiras e impedimentos que atrasam o progresso dos Negros”. Ele, e tantos outros, apelam às massas Negras para que apoiem os negócios Negros como a forma mais eficaz de se protegerem das perseguições.

Que conselho tão fútil e falido. Por todo o lado os capitalistas estão a reduzir a produção, estão a fechar fábricas e a diminuir as áreas de cultivo. Os grandes monopólios estão a aumentar o seu controlo da produção e dos mercados. Por todo o lado, os pequenos negócios estão a falir. Mesmo os maiores bancos e companhias de seguros Negras, que fazem o orgulho dos seguidores de Booker T. Washington, estão a falir: os dois maiores bancos Negros, o Binga State e o Douglass National; e também a “pedra angular” dos negócios Negros – a Companhia Nacional de Seguros de Vida(4) de Washington e outras. Ainda durante a crise a empresa P&H Taxi Corporation do Harlem, que empregava 750 trabalhadores, viu os seus últimos dias.

A via capitalista para o progresso dos Negros está hoje completamente fora de questão. A classe alta Negra usa este argumento na tentativa de conquistar o mercado dos consumidores Negros. Um argumento que não tem nada a ver com os verdadeiros interesses das massas Negros.

As urnas e os salões do poder

Em contraponto com Booker T. Washington e seus seguidores emergiu o grupo dos reformistas de classe média. Nunca foram, e continuam a não ser, totalmente contra a filosofia de Booker T. Washington. Temos em mente o grupo de fundadores e de dirigentes atuais de organizações como a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor(5) (NAACP) e da Liga Urbana.

Dizemos que não são completamente opostos às ideias de Booker T. Washington e de Tuskegee porque apenas apresentam objeções ao conselho de Washington que seria completamente fútil defender a igualdade racial. Contudo, aceitam o essencial do programa do elevador social; eles aceitam o capitalismo. Acreditam que com base no capitalismo ainda podem obter avanços económicos.

A NAACP lançou uma nova vaga de ressentimento e de raiva contra a traição de Booker T. Washington na luta pela igualdade racial. Mas porque o NAACP, tal como Washington, aceita o capitalismo a organização tem tido o apoio de membros da classe dominante branca que acreditam na via reformista. A ideia básica dos reformistas é que é possível mudar o capitalismo para melhor, que nos limites do sistema atual e por meios pacíficos e gradualmente é possível acabar com a opressão dos Negros. Mas os acontecimentos concretos têm mostrado que estas pessoas estão completamente erradas. Na verdade, sob o capitalismo, as condições dos Negros estão a continuar a piorar. A extrema exploração dos trabalhadores e dos camponeses Negros não está a desaparecer; pelo contrário, está a ser aumentada. E os atos de violência contra os Negros têm-se multiplicado.

Os métodos do NAACP têm-se mostrado traiçoeiros. Os dirigentes da organização têm medo de despoletar movimentos de massas. Preferem reunir-se com elementos da classe dominante nos salões do poder e estabelecer compromissos com eles. Dois acontecimentos recentes mostram esta triste realidade.

No caso Crawford, em que o réu Negro foi acusado de ter morto uma família de agricultores brancos na Virgínia, o NAACP fez um acordo com a acusação em resultado do qual Crwaford acabou condenado a pena de prisão perpétua. Veio-se a saber que Dean Houston da Universidade de Howard, que foi o advogado de defesa do NAACP, nem sequer tentou provar a inocência de Crawford, embora existissem muitas provas que a demonstravam. Todo o julgamento foi levado a cabo em silencio, não foram convocadas manifestações de massas e não recorreram da sentença.

Desde o início do famoso Caso de Scottsboro o NAACP tentou retirar o caso das mãos do movimento popular de defesa. Lançaram uma luta implacável contra a Defesa Internacional do Trabalho (ILD) e contra os Comunistas. Porquê? Por que tinham medo do movimento de massas que se tinha desenvolvido. Queriam ter um julgamento silencioso com o tribunal de linchadores do Alabama e obter um compromisso por trás da cena. Isso teria significado sacrificar a vida de alguns dos nove rapazes de Scottsboro e penas de prisão para os restantes. Contudo, a ILD lutou contra os tribunais e as multidões de linchadores do Alabama, internacionalizou o caso e mobilizou milhões de pessoas. Lutaram não só pelas vidas dos rapazes mas também pelo direito dos Negros integrarem os júris no Sul e por outros direitos dos Negros. Como resultado desta forma de luta as vidas dos nove rapazes foram salvas da cadeia elétrica quatro vezes.

Uma das principais lições da luta pelos rapazes de Scottsboro é a seguinte: é possível obter algumas conquistas sobre a classe dominante, mas não encolhendo-se, nunca através dos métodos Uncle Tom ou de Judas. A única forma de obter estas vitórias é mobilizando e organizando as massas, e recusando aceitar esmolas.

Os reformistas têm ainda outra ideia. Têm uma grande reverência pelo voto, pensam que pode fazer maravilhas. Os dirigentes do Partido Socialista continuam apegados a esta fábula. Os trabalhadores, dizem eles, podem autoeleger-se e tomar o poder através das eleições e depois de forma pacífica mudar o capitalismo. Mas e se os capitalistas se recusarem a abdicar? Respondem: “Veremos na altura”.

O milagre do voto. Se o voto pode fazer tudo o que dizem como é que os Negros o vão utilizar se dos 4.000.000 de Negros elegíveis para votar nenhum o pode fazer? Se dois em cada três Negros elegíveis para votar nem sequer pode entrar na cabine de voto?

Defendemos que os Negros devem ter direito ao voto e a todos os outros direitos cívicos. Devemos lutar por estes direitos. Defendemos que os trabalhadores e as massas oprimidas devem usar o voto, a liberdade de expressão, o direito de reunião para eleger os seus representantes e para criar as suas próprias organizações. E lutamos contra todas as tentativas de eliminar esses direitos.

Mas, simultaneamente, reafirmamos que o capitalismo não pode ser destruído através do voto. Acreditamos que devemos usar as eleições e os nossos representantes nos órgãos eleitos como base para mobilizar as massas contra o capitalismo. Enquanto o capitalismo permitir os direitos cívicos a classe operária deve utilizar estes direitos contra os capitalistas. Mas se alguém nos diz que devemos depender das eleições e dos direitos cívicos para nos defendermos então essa pessoa está a trair-nos. Porque, como aconteceu na Alemanha, na Itália, na Áustria, os capitalistas acabam com esses direitos, proíbem o direito à liberdade de imprensa e de livre reunião, acabam com a liberdade de opinião e de voto. E depois como atuamos? Não está a classe dominantes dos Estados Unidos restringir esses direitos de cidadania aos trabalhadores como sempre o tem feito com os Negros?

Os Chorões da Raça: Os patriotas Negros

O Dr. WEB Du Bois, antigo editor do The Crisis, que recentemente se afastou do NAACP, é hoje o mais esclarecido expoente do Patriotismo Negro e da solidariedade de raça. Vamos examinar um a um os seus argumentos porque eles são os melhores e mais completos deste ponto de vista. Por último demonstraremos quão perigosas são estas ideias para a luta de libertação Negra.

Primeiro argumento: a classe alta Negra, diz Du Bois, não explora o trabalho dos Negros. Já mostramos que isto não é verdade. É certo que existem muito poucos industriais ou latifundiários Negros que contratem trabalhadores Negros e os explorem diretamente. Mas existe uma classe alta Negra que vive da segregação racial. É do interesse desta classe defender a segregação racial, sob pena de que as próprias bases em que assentam os negócios Negros seria destruída. Por outro lado a segregação é o pior aspeto da opressão das massas Negras. É do interesse vital das massas Negras acabar com a segregação. Os interesses das massas Negras e os das classes altas Negras chocam. Para se obter uma verdadeira igualdade, o que significa acabar com a segregação, é necessário lutar não só contra a classe dominante branca mas também contra a classe alta Negra.

Mais, é claro que os interesses das classes altas Negras são os mesmos dos da classe dominante branca. Ambas as classes desejam manter a segregação, e com ela a base da opressão dos Negros. Esta unidade de interesses revela-se claramente na ação. Em muitas instâncias temos visto os ditos “dirigentes respeitados da raça” a cooperar abertamente com a classe dominante.

Segundo argumento: Os membros da classe alta Negra, diz o Sr. Du Bois, “carregam o peso do preconceito de cor porque expressam em palavras e atos as aspirações de emancipação de todo o povo Negro”. E acrescenta que a classe alta Negra são os dirigentes do povo Negro que o guiarão rumo a um novo futuro.

Sabemos que uma classe que vive das migalhas da mesa dos grandes empresários americanos, dos Rockefellers e dos Ford, que aceita o capitalismo como base do seu próprio sustento, não pode levar a cabo uma luta extenuante e militante pela libertação dos Negros. Mas Du Bois tenta apresentar estes guerreiros rabugentos com armaduras brilhantes por que tem medo de outra classe. A classe operária.

A classe operária é atualmente a única classe consistentemente revolucionária na nossa sociedade. Se corretamente organizada e dirigida ela pode parar as rodas da indústria. É como um exército; a grande indústria transformou a classe operária numa grande massa unida e disciplinada. Organiza-se em sindicatos para obter melhores condições de vida. Para obter melhores condições de vida têm de lutar contra os capitalistas. Esta luta evoluiu e transforma-se em luta contra o próprio capitalismo. Os operários são a única classe com força para derrubar o capitalismo e construir uma nova sociedade. Eles dirigem as restantes classes exploradas em direção a esse objetivo.

Um dos acontecimentos mais inspiradores da história recente dos Estados Unidos foi o de os operários brancos terem começado a vencer o preconceito e a dirigir a luta pelos direitos dos Negros. Esta situação resulta parcialmente da crise económica. Como perderam os seus empregos, como as suas condições de vida têm vindo sistematicamente a piorar, sentiram a necessidade de se unir aos seus camaradas operários Negros, contra os patrões. Mas também aconteceu por causa da luta dos comunistas contra o preconceito racial e da sua luta pela solidariedade operária e pelos direitos dos Negros. Nos últimos seis anos, desde 1929, ocorreram os seguintes acontecimentos muito relevantes:

No Alabama e noutros Estados do Sul, organizou-se, sob direção comunista, um sindicato dos rendeiros agrícolas, que neste momento tem mais de 10.000 membros. Esta é a primeira vez que se organiza um grande e aguerrido sindicato de rendeiros agrícolas para dirigir a luta contra os donos das plantações e para continuar a crescer.

O Partido Comunista tem vindo a organizar os trabalhadores brancos e Negros do Sul. Como consequência o sentimento de solidariedade tem crescido inclusivamente nos sindicatos da Federação Americana do Trabalho(6) (AFL) no Sul. Por exemplo no Sindicato dos Mineiros Americanos na região de Birmingham.

No Sul, sob a liderança dos Comunistas trava-se atualmente uma poderosa luta pelos direitos dos Negros. O maior exemplo desta luta é o caso de Scottsboro.

No Norte, em grande parte como resultado da política e da agitação comunista, um número cada vez maior de trabalhadores Negros está a participar no movimento sindical. Há uma crescente solidariedade entre trabalhadores brancos e Negros na luta pelo subsídio de desemprego e outros apoios sociais bem como nas lutas dos sindicais.

A este movimento de solidariedade e unidade aderiram também intelectuais Negros, professores, médicos e outros profissionais, que deixaram os reformistas e entenderam a necessidade de uma luta revolucionária contra o capitalismo.

O Dr. Du Bois expressa o medo da classe alta Negra em relação a esse movimento. Ele é a favor da solidariedade “racial” e opõe-se e tenta impedir a solidariedade entre trabalhadores brancos e Negros.

Terceiro argumento: Ele recorre a uma velha arma da classe dominante branca. Ele tenta direcionar a raiva e o ressentimento das massas negras não contra os capitalistas brancos e os "Pais Tomás" Negros, mas contra os trabalhadores brancos. A exploração dos trabalhadores Negros, nas próprias palavras do Dr. Du Bois, “não vem da classe capitalista Negra, mas dos capitalistas brancos e igualmente do proletariado branco”. Ele vai ainda mais longe, acusando os trabalhadores brancos de causarem o “mais vil e mas fatal grau” de sofrimento aos operários Negros.

O preconceito dos trabalhadores brancos, segundo o Dr. Du Bois, é inato e não pode ser mudado. Não se pode confiar nos trabalhadores brancos. Eles são os inimigos das massas Negras. Acreditar no Dr. Du Bois significa desistir de toda esperança de libertação.

Não se pode negar que o preconceito racial existe em largos setores dos trabalhadores brancos. Em muitas ocasiões, trabalhadores brancos participaram de atos de discriminação contra os Negros. Mas, qualquer pessoa sensata perguntará, qual é a causa desse preconceito? É instintivo e imutável?

Já vimos que o preconceito racial surge como uma excrescência do sistema de plantação e da exploração capitalista. Vimos que o capitalismo fomentou esse preconceito para manter a opressão das massas Negras e para impedir a união dos trabalhadores brancos com elas. Mas também vimos que esse preconceito começa a desaparecer à medida que os trabalhadores brancos se unem aos Negros na luta para alcançar as suas reivindicações.

Devemos também perguntar: Quem são os verdadeiros portadores de preconceito no movimento operário? E devemos responder: Aquela secção do movimento operário que inclui as frações mais qualificadas, as que têm uma melhor posição, as que foram enganadas pela falsa e temporária "prosperidade" e pelos altos dirigentes da Federação Americana do Trabalho (AFL). Esta secção dos trabalhadores foi adormecida pelo sonho do bem-estar perpétuo e pelas promessas traiçoeiras de paz feitas por William Green(7), Matthew Woll(8) e seus cúmplices.

Mas o preconceito depende tão fortemente das condições em que cada grupo vive, que mesmo estas seções de trabalhadores brancos, influenciadas pelos apaniguados de Green(9), está a mudar a sua atitude em relação aos trabalhadores Negros. A razão para esta mudança reside no facto de que com a crise mesmo estes “aristocratas da classe operária” estão a perder os seus privilégios. Muitos trabalhadores qualificados foram despedidos, ou os seus salários reduzidos e as suas condições de vida pioraram. Também eles estão a ser forçados a lutar pela sobrevivência. Estão a principiar a compreender que a grande massa de trabalhadores não sindicalizados, incluindo os trabalhadores Negros, devem organizar-se em sindicatos para se defenderem dos ataques dos patões. Prova desta realidade é a grande onda de sindicalizações e de greves que começou a varrer o país em 1933.

Os trabalhadores do Sul, que constituem a secção mais atrasada da classe trabalhadora americana, têm sido, durante gerações, persistentemente inculcados com preconceitos raciais. Agora, no decorrer de uma onda crescente de lutas contra os seus exploradores, estão a desenvolver solidariedade com os trabalhadores Negros. Mais do que ninguém, compreendemos a dificuldade de superar os preconceitos entre estes trabalhadores. Foram alimentados com isso desde a infância. Mas a luta pela sobrevivência e pelo sustento é mais forte do que o preconceito. Vamos ilustrar isto.

Numa certa cidade industrial do Sul, havia um grupo de cerca de uma dúzia de trabalhadores brancos, a maioria deles fundidores que se interessaram pelo Partido Comunista. Reuniam-se uma vez por semana para discutir a situação com um organizador comunista. A partir da sua própria amarga experiência, sabiam e concordavam que era necessário organizarem-se juntamente com os trabalhadores Negros num mesmo sindicato. Porque, durante a grande greve dos trabalhadores das oficinas ferroviárias em 1922, o sindicato deles foi destruído pelos empregadores simplesmente porque o sindicato se recusara a admitir os ajudantes de moldadores, que eram Negros. Quando a greve estalou, muitos dos trabalhadores Negros não viram razão para ajudar os trabalhadores brancos que lhes tinham negado a entrada no sindicato, nem razão para lutarem pelas reivindicações dos trabalhadores brancos. O resultado foi que os empregadores colocaram então os ajudantes Negros nos postos de moldadores, claro que com salários mais baixos, e assim destruíram tanto a greve quanto o sindicato.

Mas esses fundidores brancos, nas suas discussões com o organizador comunista, opunham-se à igualdade social. Uma conversa decorreu mais ou menos assim:

Trabalhador branco: Eu não gosto dos Negros e não vejo qualquer razão para me sentar ao lado de um deles numa reunião ou num elétrico.

Comunista: Mas concorda que os trabalhadores Negros e brancos se devem organizar num mesmo sindicato. Imaginemos que há uma greve. Haverá um comité de greve. Nesse comité de greve haverá trabalhadores brancos e Negros, especialmente porque em tempos de greve é importante manter as nossas fileiras unidas e fortes.

Trabalhador branco: É verdade. Temos de manter os nossos piquetes de greve fortes, para impedir os fura-greves brancos e Negros.

Comunista: Será necessário que o Comité de greve se reúna quase continuamente. Não será possível reunir em instalações públicas porque os esbirros da polícia andaram atrás deles e não nos podemos dar ao luxo de ter os dirigentes da greve fora de serviço. Talvez seja necessário reunir nas suas próprias casas.

Trabalhador branco: Sim, se não houver alternativa.

Comunista: As casas são pequenas. Não será possível usar o quarto, terão de se reunir na sala. Terão Negros na vossa sala de estar, pois não podem excluir os Negros das reuniões do Comité de greve. A greve é a coisa mais importante. Esta greve pode ser muito difícil. Nos momentos mais cruciais, pode ser necessário reunir até tarde da noite e voltar à ação cedo pela manhã. Alguns dos membros Negros do comité podem viver no extremo oposto da cidade. Não podem ir para casa. Pode ser necessário que fiquem por ali. Negar-lhes-iam a hospitalidade da vossa casa? A igualdade social, como veem, torna-se uma necessidade da greve, da luta de classes. Se não praticarem esta igualdade social, perderão o apoio dos trabalhadores Negros e a greve será perdida.

Os trabalhadores brancos ficaram um pouco surpreendidos. Achavam que isso estava a ir longe demais, embora não pudessem negar a lógica deste argumento. Quando, durante a campanha para as eleições locais, o Partido Comunista apresentou um trabalhador Negro como candidato a Presidente da Câmara, esses fundidores brancos recusaram-se a reunir-se com o organizador comunista. Mas a atitude deles mudou rapidamente.

Pouco tempo depois, a cidade reduziu os apoios sociais. O Conselho de Desempregados e o Partido Comunista convocaram uma manifestação de protesto. Mais de cinco mil trabalhadores, brancos e Negros, responderam ao apelo. No entanto, a polícia dispersou a manifestação imediatamente, agredindo um dos oradores e prendendo três pessoas. Os trabalhadores ficaram indignados. Um grande número dirigiu-se ao salão do Conselho de Desempregados, que tinha capacidade para apenas 100 pessoas. Nos longos bancos de madeira, estavam sentados lado a lado trabalhadores brancos e Negros, a falar animadamente sobre as suas experiências e a amaldiçoar em conjunto a polícia e a administração da cidade. E, a falar com igual entusiasmo com um grupo de trabalhadores Negros, estavam alguns desses fundidores brancos que anteriormente tinham sido tão difíceis de convencer. Os factos reais da vida, as suas experiências comuns com os trabalhadores Negros, tinham-nos unido.

É assim que a solidariedade de classe se constrói. Os preconceitos podem permanecer mas tornam-se menos importantes quando é suplantado pela necessidade da luta quotidiana. Os trabalhadores brancos vão superar o obstáculo do preconceito porque o têm de fazer para sobreviver.

Mas, o Dr. Du Bois ao acirrar a inimizade dos Negros contra os trabalhadores brancos, como o fazem também outros defensores da “solidariedade de raça” contribuem para impedir a solidariedade de classe. Aproveita-se da desconfiança dos brancos que foi inculcada nos corações dos Negros pelos longos anos de opressão. Ele torce e reforça esta desconfiança.

Conclusão. E que solução propõe o Dr. Du Bois?

“A única coisa que podemos e devemos fazer é voluntariamente e insistentemente organizar o nosso poder económico e social, não importa o nível de segregação que esteja envolvido”.

Bem, se isto não é uma descarada defesa e apoio da segregação então não sabemos o que seja essa defesa. A salvação do povo Negro está para vir — através da segregação, eis o lema dos parasitas entre o povo Negro! Não temos muito a acrescentar sobre os novos seguidores de Garvey, sobre o movimento liderado pelo “Hitler Negro”, os expoentes do 49º Estado e outros movimentos raciais semelhantes. Eles baseiam-se nas mesmas ideias expressas de forma tão eloquente pelo Dr. Du Bois. Seja o regresso a África, a criação de um 49.º estado para os Negros ou outros esquemas utópicos e irrealizáveis, que não oferecem uma solução viável para as massas Negras. Esses planos assumem o apoio e a cooperação da classe dominante branca. Distraem as massas Negras da luta eficaz contra o imperialismo americano. Conduzem a um aprofundamento na perigosa rede da segregação racial, que satisfaz apenas os interesses atuais da classe alta Negra e da classe dominante do país.

Estes movimentos em direção à segregação racial ganharam recentemente um novo fôlego. Cresceram como resultado da crise que arruinou muitos indivíduos da classe média Negra, os quais procuram desesperadamente uma saída. A crescente perseguição e o terror contra os Negros alimentaram este movimento. Muitos participam porque acreditam honestamente que esta é a solução.

Entre os novos movimentos desta natureza estão os que visam obter "empregos para Negros". Entre estes encontram-se o movimento Costini em Baltimore, a Aliança Negra em Washington, D.C., e o movimento Sufi no Harlem. Estes movimentos limitam as suas atividades a estabelecimentos individuais nas comunidades Negras. Estas empresas, sendo tão poucas e pequenas, só poderiam oferecer um número limitado de empregos para trabalhadores Negros e de forma nenhuma podem ajudar a resolver o problema do desemprego em massa. Esses movimentos, portanto, têm o efeito de dificultar a luta por subsídios de desemprego para todos os trabalhadores e por um apoio social adequado. Desviam essa luta para um beco sem saída.

Estes movimentos são perigosos para os verdadeiros interesses das massas Negras também porque reforçam a separação entre os trabalhadores Negros e brancos. Porque estes dirigentes advogam a substituição de trabalhadores brancos por trabalhadores Negros nos bairros Negros. Desta forma dirigem o ressentimento dos trabalhadores Negros não contra a classe dominante mas contra os trabalhadores brancos. Em vez disso devemos empenhar os nossos esforços a organizar os trabalhadores Negros em conjunto com os trabalhadores brancos, na abertura das portas de todos os sindicatos aos trabalhadores Negros e lutar por oportunidades iguais nos postos de trabalho em bairros brancos ou Negros e na conquista de proteção social do Governo Federal no desemprego.

Outro movimento especialmente perigoso neste momento é o Movimento Pacífico do Mundo Oriental, que tem como principal palavra de ordem: “Frente Unida das Raças Mais Escuras Sob a Liderança do Japão.” Os agentes da classe dominante japonesa organizaram e patrocinaram este movimento nos Estados Unidos. O seu objetivo é tentar criar dificuldades para a classe dominante americana em caso de uma guerra entre o Japão e os Estados Unidos. Tal guerra é agora muito possível – uma guerra entre dois bandos de saqueadores pelos despojos e riquezas do Oriente. Mas a classe dominante japonesa não é mais amiga dos Negros do que a classe dominante dos Estados Unidos.

Os capitalistas japoneses não hesitaram em subjugar e governar a Coreia com mão de ferro, apesar de os coreanos serem um povo de cor. Apoderaram-se rapidamente da Manchúria e de outras partes do norte da China. Conduzem uma guerra implacável contra o povo chinês. Estão agora a intrigar até em África e a penetrar nas Filipinas com o objetivo de também ali conquistar territórios. Ao mesmo tempo, a classe dominante japonesa conduz o mais cruel tipo de terror contra as massas trabalhadoras do Japão, reprimindo sindicatos e organizações camponesas, esmagando greves, etc.

Nesta luta entre a classe dominante japonesa e a americana pela divisão do Oriente e pelo direito de explorar mais massas trabalhadoras, não nos alinhamos com nenhuma delas. Desejamos a derrota tanto da classe dominante japonesa como da americana. Desejamos vê-las ambas derrubadas; o capitalismo no Japão, assim como nos Estados Unidos, destruído. A nossa tarefa é lutar contra o imperialismo americano, assim como a tarefa dos trabalhadores japoneses é lutar contra o imperialismo japonês.

O capitalismo japonês é hoje um dos principais inimigos da União Soviética. Está a conquistar cada vez mais territórios no norte da China para se preparar para uma guerra contra a União Soviética. Os estadistas japoneses admitem abertamente esta estratégia. As tropas japoneses vão-se concentrando junto às fronteiras União Soviética.

A União Soviética é diferente de todos os outros países do mundo. Lá o capitalismo já foi derrubado e os operários e camponeses mandam; máquinas, fábricas, bancos, caminhos-de-ferro e a terra estão nas mãos dos trabalhadores. Povos de cor de todas as raças vivem no território da União Soviética. Estes povos gozam de toda a igualdade e liberdade. Todos os atos de preconceito de cor são considerados crime. Estes factos foram completamente confirmados por pessoas como Paul Robeson(10) e outros Negros prominentes que visitaram ou viveram e trabalharam na União Soviética. Robinson, um mecânico Negro, é membro do Soviete de Moscovo, o principal órgão governamental da capital da União Soviética. O governo soviético renunciou a todos os privilégios especiais anteriormente detidos pelo Czar na China, na Pérsia e noutros países orientais.

E, apesar disso, os agentes do imperialismo japonês têm vindo a espalhar a mentira de que a União Soviética é outras das “nações brancas” que procuram dominar os povos de cor do mundo.

Do Dr. Du Bois às novas edições de Garvey passando pelas intrigas dos capitalistas japoneses encontramos um tema comum: lealdade racial, solidariedade racial, patriotismo racial! Será esta a solução para os Negros? Como resposta apenas precisamos de colocar uma pergunta: resolveu a segregação o problema? Na verdade a segregação é o problema, a realidade que tem de ser erradicada. E estes salvadores propõe aumentar ainda mais a segregação em que vivemos.

A Ameaça do Fascismo

Um dos principais jornais da Alemanha afirma:

“Em cada Negro, mesmo naqueles de natureza bondosa, está latente um bruto e um homem primitivo que não pode ser domesticado nem por séculos de escravatura nem pelo verniz exterior de civilização. Toda a educação, toda a assimilação está condenada ao fracasso por causa das características raciais inatas do seu sangue. Podemos, pois, perceber porquê que nos Estados do Sul (dos Estados Unidos) a pura necessidade compele a raça branca a agir de forma aberrante e mesmo cruel contra os Negros. E, claro, nenhum dos Negros que são linchados merece o menor arrependimento”.

Um chefe(11) do Ku Klux Klan não diria melhor! Esta frase mostra a ameaça que o fascismo constitui para os Negros se vier a ser implantado nos Estados Unidos. O país seria transformado no domínio de um super KKK. Os Negros seriam as principais vítimas da perseguição e do assassinato. O linchamento tornar-se-ia o desporto nacional dos mercenários fascistas. Já hoje as organizações fascistas em construção neste país proclamam nos seus programas escritos como principio mais sagrado a degradação dos Negros.

Hoje o fascismo está em rápida expansão nos Estados Unidos. À medida em que as condições de vida pioram, à medida que as massas se tornam cada vez mais insatisfeitas e procuram uma saída para a miséria imposta pelo capitalismo, os capitalistas viram-se para a via do fascismo. É a última linha de trincheira do capitalismo face ao ataque dos exércitos revolucionários. Quando o fascismo sobe ao poder, como vimos nos países fascistas da Europa, as últimas liberdades são retiradas às massas populares. Os sindicatos e todas as organizações de massas são esmagadas; só são permitidos sindicatos governamentais ou controlados pelas empresas e apenas as organizações fascistas são permitidas. Uma ditadura descarada dos capitalistas controla esses países. Podemos bem imaginar qual seria o destino dos Negros sob uma tal ditadura.

Sob o Presidente Roosevelt, está a ser preparado o caminho para o fascismo. Com a ajuda da N.R.A. e dos sindicatos amarelos, tenta-se forçar os trabalhadores a integrarem sindicatos controlados pelas empresas, abolir o direito à greve ou colocar os sindicatos totalmente sob controlo governamental. Tem sido concentrado cada vez mais poder nas mãos do Presidente, que se volta diretamente para os grandes magnatas financeiros de Wall Street para receber ordens. Há preparativos rápidos para a guerra e uma crescente propaganda de nacionalismo e patriotismo.

No entanto, o Presidente e os seus auxiliares implementam estas políticas sob o disfarce de inúmeras frases e promessas de ajudar o povo. O povo tem uma mentalidade radical; por isso, Roosevelt usa algumas frases radicais. Este também é um método dos fascistas, que elevaram a demagogia a uma arte suprema. Ele fala em “expulsar os cambistas do templo”, mas apoia os grandes negócios.

Mas há outros, mais atentos às inquietações populares, que vão ainda mais longe do que Roosevelt no uso de linguagem anticapitalista. Estes são os líderes fascistas emergentes, como o Padre Coughlin(12), William R. Hearst e Huey Long(13). O Padre Coughlin e Huey Long são homens astutos que falam sobre as desigualdades e injustiças do capitalismo e, por isso, conseguem uma resposta pronta de muitas pessoas que ainda não compreendem como acabar com estas injustiças. Hearst, ao longo de toda a sua vida, foi um inimigo feroz dos trabalhadores e um fiel defensor do capitalismo. Ele percebe que os métodos de Coughlin e Long são hoje a melhor forma de tentar prolongar a vida do capitalismo. Por isso, apoia-os e oferece-lhes os serviços da sua cadeia de jornais anti laborais. Mas foi com uma linguagem como a que estes homens usam que Hitler construiu as suas tropas de choque fascistas na Alemanha.

Hitler obteve os seus fundos dos maiores industriais e financiadores da Alemanha, tal como certos grandes banqueiros nos Estados Unidos estão hoje a começar a apoiar os fascistas emergentes no país. Hitler também falava em limitar fortunas, acabar com o desemprego, redistribuir a riqueza, etc. Mas estas permaneceram apenas promessas vazias depois de ele chegar ao poder.

Que Huey Long, um representante dos donos das plantações do Sul, que o Padre Coughlin, ligado à Wall Street através do Comité pela Nação, que Hearst, o rei da propaganda anti sindical e anti Negros, tenham de falar contra os enormes males do capitalismo para o salvar mostra algo importante. Que o capitalismo está à beira da destruição. Que as pessoas já não acreditam nele. Que mudanças importantes devem fazer-se? Como se devem fazer?