Trechos Escolhidos sobre Literatura e Arte

Marx, Engels, Lenine e Stalin


Primeira Parte: Marx e Engels
III — CONTRA O IDEALISMO PEQUENO-BURGUÊS


1 — OS ESCRITORES PEQUENO-BURGUESES.
capa

Não se deve compartilhar dessa concepção limitada de que a pequena burguesia tem por princípio querer fazer triunfar um interesse egoísta de classe. Ela crê, pelo contrário, que as condições particulares de sua libertação são as condições gerais fora das quais não, se pode salvar a sociedade moderna liem evitar-se a luta de classe. Não se deve imaginar também que os representantes democratas são todos shopkkepers(1) ou que eles se entusiasmem por estes últimos. Podem, por sua cultura e sua situação pessoal, estar separados deles por um abismo. O que realmente os faz representantes da pequena burguesia, é que seu cérebro não pode ultrapassar os limites que o pequeno-burguês não ultrapassa por si próprio, na vida, e que, por consequência, são teoricamente levados aos mesmos problemas e às mesmas soluções, às quais o interesse material e sua situação social arrastam praticamente todos os pequeno-burgueses. Tal é, de modo geral, a relação que existe entre os representantes políticos e literários de uma classe e a classe que eles representam.

(MARX, O 18 Brumário de Luis Bonaparte, pgs. 51-52, Verlag fur Literatur und Politik, Viena, 1927, ed. al., E.S.I., pgs 57-58).

2 — O PARTIDO OPERÁRIO E OS LITERATOS.

As eleições de 1884 tinham sido marcadas por um progresso dos sociais democratas. Intelectuais e literatos pequeno-burgueses, desejosos de sucessos, vinham em grande número para o socialismo, com seus hábitos, seus gostos e seus preconceitos. Já em 1878, a obra de Engels contra Dühring, representante do socialismo pequeno-burguês, suscitara os clamores indignados desses elementos. Engels não cessou de combatê-los fazendo ironias com os estudantes talhados que consideravam a universidade burguesa como a Escola de Saint-Cyr do socialismo, dando-lhes direito ao grau de oficial no exército revolucionário. Engels vê nesse afluxo de intelectuais e de literatos um perigo de oportunismo para o partido do proletariado.

Todas essas imundices, nós as devemos principalmente a Liebknecht, com sua queda pelos raisonneurs letrados e pelas pessoas de posição, coisas com que se pode impressionar o filisteu. Ele não resiste a um literato ou a um negociante que namora o socialismo. São essas, justamente, na Alemanha, as pessoas mais perigosas e Marx e eu nunca deixamos de combatê-las desde o ano de 1345. Visto que foram admitidas no partido onde eles se colocam sempre nos primeiros lugares, é necessário rebaixá-las sem cessar, porque opõem a todo instante, seu ponto de vista pequeno-burguês ao ponto de vista das massas proletárias ou porque podem falsear este ponto de vista. Entretanto, estou convencido que Liebknecht, quando for necessário realmente tomar posição, se colocará a nosso lado e, mais ainda, afirmará que sempre se opusera ao perigo e que nós o impedimos de liquidar com isso mais cedo. Foi bom, esperando, que tivesse recebido uma pequena advertência nossa.
(ENGELS, Carta a Bebel, em 22 de junho de 1885; MARX e ENGELS, Cartas a L. Bebel, W. Liebknecht» K. Kautsky e outros, t. I, p. 396, ed. al.)

3 — NADA É BASTANTE BOM PARA OS OPERÁRIOS.

Você, que já fez realmente alguma coisa, deve ter certamente reparado como é pequeno o número de jovens literatos aderentes ao Partido que se dão ao trabalho de estudar economia, historia da economia, historia do comercio, da industria, da agricultura, das formações sociais... Dir-se-ia que esses senhores creem que para os operários tudo serve. Se esses senhores soubessem que Marx considerava que suas melhores obras não eram ainda bastante boas para os operários e que considerava como um crime oferecer aos operários alguma cousa inferior a tudo o que houvesse de melhor!...
(ENGELS, Carta a Conrad Schmidt, em 5 de agosto de 1890. Texto fornecido pelo Instituto Marx-Engels-Lenine; MARX e ENGELS, Estudos Filosóficos, pgs. 148-149, E.S.I.)

4 — FALSIFICAÇÃO DOS TIPOS E DAS RELAÇÕES SOCIAIS.

Szeliga (1816-1900) jovem hegeliano do grupo dos irmãos Bauer, fizera na Allgemeine Literature Zeitung (Berlim, junho de 1844), o elogio dos Mistérios de Paris, romance de Eugênio Sue em dez volumes (1842-1843) que acabava de obter um imenso sucesso.

Eugênio Sue pretendia aprofundar-se na ralé mais tenebrosa da sociedade, revelar as vergonhas e os crimes, expor todas as feridas, descobrir a causa dos males de que sofria a humanidade. Rodolfo, príncipe de Gerolstein, encontra, num bordel de Paris, uma jovem prostituta, Flor de Maria, que não é outra senão sua filia natural. Ele a defende contra Chourineur, forçado libertado e "caften". Depois trata da reabilitação da prostituta e da reeducação do "caften", faz o "professor" e um dos perseguidores de Flor de Maria furar os olhos e obriga o notário que a espoliou a legar sua fortuna aos pobres. Flor de Maria, instalada graças a Rodolfo numa fazenda modelo e confiada a um padre, entrará para um convento, onde morrerá. A virtude recompensada, o vício punido, a redenção pelo aperfeiçoamento do individuo — isto é, a submissão à ordem estabelecida — a caridade pregada aos exploradores e a pureza moral aos explorados, eis a insípida e asnática pastoral que devia remediar e pôr termo à luta de classes!

Nesse romance de idealismo pequeno-burguês, Szeliga saudava a revelação dos mistérios da sociedade e declarava que a solução filantrópica dada por Eugenio Sue era, na realidade, uma solução “especulativa”.

Marx demonstra ironicamente que “o mistério da construção especulativa” e os Mistérios de Paris, se inspiram nas mesmas concepções gerais e nos mesmos métodos. A estética especulativa só age com abstrações e mistificações: Eugène Sue, também ele, transforma os caracteres vivos em alegorias e acredita resolver os antagonismos sociais pela afirmação dogmática da honestidade e da virtude. Marx levanta-se contra as deformações de Eugène Sue, que dá uma imagem errada da vida, estranha à realidade, e contra as deformações de Szeliga que transforma em “mistérios” as mais banais verdades.

De profissão, Chourineur era açougueiro. Diversos choques fazem dessa criança de natureza violenta, um assassino. Rodolfo o encontra por acaso, justamente no momento em que ele maltrata Flor de Maria. Rodolfo aplica na cabeça do hábil brigão alguns socos magistrais e imponentes e assim se impõe ao respeito de Chourineur. Mais tarde, na taberna dos ladrões, revela-se o lado bom natural de Chourineur. Rodolfo lhe diz: “Então, tens bom coração e honradez!” E com essas palavras cria nele o respeito de si mesmo. Chourineur se corrige ou, para falar como o Senhor Szeliga, se transforma num “ser moral”, Rodolfo o toma sob sua proteção. Acompanhemos a nova educação de Chourineur de que Rodolfo se incumbe.

Primeira etapa. A primeira lição que Chourineur recebe é uma lição de hipocrisia, de perfídia, de traição e de dissimulação. Rodolfo utiliza Chourineur moralizado, como Vidocq, da mesma forma, utilizava os criminosos depois de tê-los. moralizado: faz dele um espião e um agente provocador. Aconselha-o a ter diante do “Professor” o ar de quem mudou de princípios, e propor ao “Professor” um assalto atraindo-o assim a uma cilada que Rodolfo armara. Chourineur tem a impressão que querem abusar dele para uma farsa. Protesta contra a proposta de realizar o papel de espião e de agente provocador. Rodolfo persuade inteiramente esse filho da natureza pela “pura” casuística da crítica-crítica, que um ato mau não é um mau ato quando feito em nome de razões boas e morais. Agente provocador, Chourineur, amparado pela camaradagem e Pela confiança, leva seu antigo companheiro à perdição. Pela primeira vez em sua vida, comete uma infâmia.

Segunda etapa. Reencontramos Chourineur como enfermeiro de Rodolfo a quem salvou da morte.

Chourineur tornou-se um ser moral tão decente que, quando David, o médico negro, lhe propõe sentar-se no chão, ele recusa, com medo de sujar o tapete. É ao mesmo tempo demasiado tímido para sentar-se numa cadeira. Primeiro joga-a ao chão e se senta sobre os pés anteriores da cadeira. Nunca deixa de pedir desculpas todas as vezes que, dirigindo-se a Rodolfo, a quem ele salvou a vida, chama-o de seu “ami” ou Monseigneur(2).

Maravilhoso soerguimento do filho bruto da natureza! Chourineur nos faz conhecer o mistério mais íntimo de sua transformação critica quando confessa a Rodolfo que sente por ele a dedicação de um bulldog por seu dono. “Sinto por vós como que o apego de um “bulldog” pelo seu dono”. O antigo açougueiro transformou-se em cachorro. A partir desse momento, todas as suas qualidades vão ser reduzidas à qualidades de cão, ao puro devotamento a seu mestre. Sua independência, sua individualidade vão desaparecer completamente. Mas, a exemplo dos maus pintores, que são obrigados a colocar em seus quadros uma etiqueta para dizer o que eles significam, Eugène Sue colocará na boca do bulldog Chourineur uma etiqueta com esse juramento perpetuo: “Estas palavras: tens bom coração e honradez, fizeram de mim, um homem!”. Até o seu último suspiro, Chourineur encontrará a razão de seus atos não em sua individualidade humana, mas nessa etiqueta. Como prova de sua reabilitação moral fará múltiplas reflexões sobre sua própria bondade e sobre a perversidade de outros indivíduos; todas as vezes que ele lança aforismas morais, Rodolfo lhe diz: “Gosto de te escutar falando assim”. Chourineur não se tornou um bulldog comum, mas um “bulldog” moral.

Terceira etapa. Já admiramos a distinção pequeno-burguesa que substituiu a sem cerimônia grosseira mas ousada de Chourineur. Sabemos agora que, como convém a um “ser moral" ele assimilou o andar e a conduta do pequeno-burguês.

"Vendo-o andar... dir-se-ia o burguês mais inofensivo do mundo”.

O conteúdo que Rodolfo dá a essa vida reformada segundo os princípios da crítica, é mais triste ainda que a forma. Ele manda Chourineur para a África “dar ao mundo incrédulo, como espetáculo, o exemplo vivo e salutar do arrependimento. De agora em diante não é mais sua própria natureza humana qua Chourineur representará, mas um dogma cristão.

Quarta etapa. A metamorfose crítico-moral fez de Chourineur um homem calmo, prudente, que estabeleceu sua conduta segundo as regras do temor e da experiência.

“Chourineur”, diz-nos Murph que, em sua indiscreta simplicidade vende sempre a mecha, “não disse uma palavra sobre a execução do Professor, com medo de se comprometer”.

Chourineur sabia, portanto, que a execução do professor fora um ato contrário à lei. Não diz uma palavra de medo de se comprometer. Sábio Chourineur!

Quinta etapa. Chourineur levou muito longe sua metamorfose moral para ter consciência de sua atitude de cão sob uma forma civilizada, para com Rodolfo. Ele diz a Germano, depois de tê-lo salvo da morte:

— “Tenho um protetor que é para mim aquilo que o bom Deus é para os bons padres...; é de a gente se ajoelhar diante dele”. E em seu pensamento está ajoelhado diante de seu Deus”. “Sim, — prossegue, dirigindo-se a Germano, — o senhor Rodolfo o protege. Quando eu digo senhor... é “monseigneur”... que eu devia dizer... mas habituei-me a chamá-lo “monsieur” Rodolfo e ele me permite isso”.

— “Esplendido despertar e desabrochar!”, exclama Szeliga em um êxtase critico!

Sexta etapa. Chourineur encerra dignamente sua carreira de puro devotamento e seu papel de bulldog moral, fazendo-se ferir mortalmente por “Monseigneur”. No instante em que Esqueleto ameaça o príncipe com sua faca, Chourineur segura o braço do assassino. Esqueleto o atravessa com o punhal. Mas no momento de morrer, Chourineur diz a Rodolfo:

— Eu tinha razão em dizer que um verme da terra (um bulldog) como eu poderia ser útil alguma vez a um grande senhor como vós.”

Esta declaração digna de um cão, que resume todo o curso da vida cética de Chourineur, é um só epigrama, e à etiqueta que ele tem na boca acrescenta:

— “Estamos quites, senhor Rodolfo. Dissestes que eu tinha bom coração e honradez.”

E o Senhor Szeliga pode gritar com todas as suas forças; “Que mérito para Rodolfo ter restituído Chourineur para a humanidade’(?!)
(MARX, A Sagrada Família. Obras, t. III, pgs. 340-343, ed. al.; Obras Filosóficas, t. III, pgs. 40-45, Edit. Costes, 1928).

5 — A IDEALIZAÇÃO BURGUESA DOS TIPOS.

O mistério não especulativo da Rigolette, Eugène Sue o faz enunciar por Murph. Ela é “uma bela grisette”. Eugène Sue a descreve com caráter amável, humano, da costureirinha parisiense. Mas, por devoção à burguesia e por uma ênfase que lhe é peculiar teve de idealizar a costureirinha sob o ponto de vista moral. Foi preciso desprezar o traço saliente da vida e do caráter de Rigolette; seu desdém pelo casamento legal, suas relações ingênuas com o estudante e o operário. É precisamente por essas relações que ela forma um contraste verdadeiramente humano com a esposa hipócrita, de coração fechado e egoísta do burguês, com todo o ambiente burguês, quer dizer, com todo o ambiente oficial.
(MARX, A Sagrada Família. Obras, t. pgs. 247-248, ed. al.; Obras Filosóficas t. II, pg. 134. Edit. Costes).

6 – ABSTRAÇÃO E REALIDADE.

Se até agora o senhor Szeliga dissolveu as relações reais, como, por exemplo, o direito e a civilização, na categoria do mistério e, desta maneira, fez “do mistério” a substância, ergue-se agora apenas à altura verdadeiramente especulativa, hegeliana e transforma “o mistério” num assunto autônomo que se incarna em condições e pessoas reais, e que se manifesta em condessas, marquesas, costureiras, porteiros, notários, charlatães, assim como pelas intrigas de amor, de bailes, etc. Depois de ter tirado do mundo real esta categoria, “o mistério” tira dessa categoria o mundo real.
(MARX. A Sagrada Família. Obras, t. III, 231, ed. al.: Obras Filosóficas, t. II, pg. 105, edit. Costes).

7 — A “JOVEM ALEMANHA”

O movimento da Jovem Alemanha, que se desenvolveu, principalmente de 1831 a 1835, agrupava escritores como Karl Gutskow (1811-1878), Henri Laube (1806-1884), Teodoro Munds (1808-1861), Ludolf Wienbarg (1820-1872), que acusavam o romantismo de contrapor a arte à vida e de idealizar o passado: vangloriavam-se de traduzir em suas obras as novas aspirações da época e pretendiam transformar a sociedade pela literatura.

Os escritores da Jovem Alemanha se diziam correligionários de Boerne, democrata e republicano alemão e de Henri Heine, então em todo o seu entusiasmo saint-simoniano. Este movimento literário, de brilho todo superficial, apoiava-se na burguesia liberal alemã, impaciente por adquirir uma importância política e social de acordo com o papel econômico que começava a desempenhar. Mas, tão hesitante, tão fraca, tão timorata quanto a classe da qual era a emanação, este movimento que fulminara o despotismo e a reação e vibrara com as ideias vindas da França sossobrou à primeira ameaça do governo prussiano. As proibições de venda, pelo Landtag unificado, os processos judiciários e as condenações, apagaram desde logo esse belo incêndio. Em 1.° de janeiro de 1836, pela pena de Laube (Programa da Gazeta da Meia Noite) a Jovem Alemanha declarava que a literatura não devia servir a fins políticos. De 25 de outubro de 1851, a 22 de dezembro de 1852, apareceram em inglês, com a assinatura de Marx, no New York Tribune, jornal democrático burguês da América, vinte artigos de Engels reunidos mais tarde em volume sob o título “Revolução e Contra-Revolução na Alemanha”.

No segundo artigo dessa série, Engels descreve as relações sociais e as lutas políticas na Prússia nas vésperas da revolução de 1848.

A literatura alemã também sofria a influência da excitação politica que os acontecimentos de 1830 haviam espalhado em toda a Europa. Um constitucionalismo mal assimilado, e até mesmo um republicanismo menos assimilado ainda, eis o que pregavam quase todos os escritores da época. Foi mais ou menos moda, principalmente entre os literatos de segundo plano, suprir a mediocridade de suas produções com alusões politicas, certos de chamar a atenção. A poesia, o romance, a critica, o drama, numa palavra, toda a produção literária estavam cheias até a borda daquilo que se chama a “tendência”, quer dizer, manifestavam mais ou menos timidamente um espírito de oposição(3). E para cúmulo desta confusão de ideias que reinava na Alemanha depois de 1830, misturavam-se a esses elementos de oposição política reminiscências universitárias mal assimiladas da filosofia alemã e farrapos mal compreendidos de socialismo francês, particularmente de saint-simonismo, e a clique de escritores que dissertavam sobre essa confusão de ideias heterogêneas e se intitulavam presunçosamente a “Jovem Alemanha” ou a “Escola Moderna”. Desde logo, eles se arrependeram de seus pecados da juventude, mas não melhoraram seu estilo.
(ENGELS, O Estado Prussiano “in” New York Tribune, 28 de outubro de 1851; ENGELS, Revolução e Contra-Revolução na Alemanha, pgs. 23-24).

8. — A POESIA DO “VERDADEIRO” SOCIALISMO.

Numerosos poetas do “verdadeiro” socialismo, que desempenharam um papel na Alemanha até 1848, queriam resolver o problema social pela “reeducação” dos capitalistas e sua transformação em “filantropos socialistas”, porque achavam que todo mal vinha da má vontade dos ricos e do caráter imoral do dinheiro Daí seus apelos patéticos e intermináveis aos industriais e aos financistas a quem suplicavam que “tivessem piada, de do pobre”. A incompreensão das condições econômicas e sociais e um idealismo pequeno-burguês os levam a divagar num idílio sentimental e na utopia reacionária, a exaltar as virtudes da família, os hábitos patriarcais e aldeões, o modo de produção artesanal.

Contra o livro de Beck Lieder von armen Mann, Engels publicou na Deutsche Brusselei Zeitung, dois folhetins em 12 e 16 de setembro de 1847.

Os Cantos do pobre começam por um canto a uma casa rica.

A CASA ROTSCHILD

Para evitar qualquer mal-entendido, o poeta chama Deus “SENHOR” e a casa Rotschild Senhor.

Desde o começo, ele exprime essa ilusão pequeno-burguesa: que o ouro “reina segundo os caprichos dos Rotschilds”; ilusão que arrasta toda uma série de falsas concepções sobre o poder da casa Rotschild.

Não é a abolição do poder real dos Rotschilds, das relações sociais sobre as quais esse poder repousa que o poeta exige; deseja somente um exercício humano desse poder. Lamenta que os banqueiros não sejam filantropos socialistas, sonhadores, benfeitores da humanidade, mas simplesmente banqueiros. Beck canta a sórdida miséria pequeno-burguesa, o “pobre”, o envergonhado com os seus desejos pobres, piedosos e inconsequentes, o “pobre-diabo” em todas as suas modalidades e não o proletário orgulhoso, ameaçador e revolucionário. As ameaças e as censuras que Beck profere contra a casa Rotschild, agem sobre o leitor, apesar de todas as boas intenções do autor, de maneira mais burlesca ainda do que um sermão de capuchinho. Eles provêm de uma ilusão pueril sobre o poder dos Rotschilds, de uma completa ignorância da ligação entre esse poder e as relações existentes, de um erro profundo sobre os meios que os Rotschilds devem empregar para se tornar uma potência e se manter como tal. A pusilanimidade e a incompreensão, um sentimentalismo feminino, uma mediocridade pequeno-burguesa piedosa, vulgar, e insípida, tais são as musas dessa lira que se esforça em vão por parecer terrível. São apenas ridículas.

...A apoteose de Laffitte, que Beck opõe à Rotschild, revela até que ponto continua prisioneiro das ilusões pequeno-burguesas:

Dicht rankt sich and deine beneideten Hall n
Ein heiliggesproehenes Burgeruaus(4)

quer dizer a casa de Laffitte. O pequeno-burguês entusiasmado orgulha-se do caráter burguês de sua casa diante do palácio invejado que é o solar Rotschild. Seu ideal, — o Laffitte de sua imaginação, — deve naturalmente viver em modestas condições burguesas: a casa Laffitte se encolha até às dimensões de uma casa de burguês alemão. O próprio Laffitte é representado como um patriarca, um coração puro; é comparado com Mucius Scaevola; teria sacrificado sua fortuna para por no bom caminho os homens e o século (será que Beck sonha com o Século de Paris?) Ele chama Laffitte uma criança sonhadora e, finalmente, um mendigo. A descrição de seus funerais é tocante:

Es ging in Leichenzuge mit
Dedampften Schritts die Marsellaise(5).

Ao lado da Marselhesa vinham as carruagens da família real e, imediatamente após, o senhor Sauzet, senhor Duchatel, e todos os Ventrus e os loups-cerviers(6) da Câmara dos Deputados.

Mas até que ponto a Marselhesa teve de ensurdecer seus passos quando, depois da revolução de julho, Laffitte conduziu triunfalmente seu compadre, o duque de Orleans, ao Hotel de Ville, e pronunciou estas palavras emocionantes: “Agora, o reinado dos banqueiros vai começar”.
(ENGELS, O Socialismo Alemão em Verso e Prosa. Obras, t. VI).

9. — O CANTO DO TAMBOR.

Nesse poema, nosso poeta socialista mostra novamente como, fechado no horizonte limitado da mediocridade do pequeno-burguês alemão, é continuamente levado a estragar o pequeno efeito que produz.

Um regimento desfila ao som do tambor. O povo conclama os soldados a fazer causa comum com ele. Alegramo-nos de ver que o poeta enfim tomou coragem. Mas, que tristeza! vimos a saber, afinal, que se trata simplesmente de uma festa do imperador e que o apelo do povo é apenas a secreta improvisação sonhadora, estranha à parada, de um jovem. De um estudante, provavelmente.

Só träunt ein Jungling, dem’s Herze brennt(7).

Enquanto o mesmo assunto com o mesmo ponto culminante, tratado por Heine, teria sido uma sátira amarga contra o povo alemão, em Beck é apenas uma sátira contra o próprio poeta que se identifica com o jovem, sonhador impotente. Em Heine, os devaneios do burguês teriam sido intencionalmente levados até às nuvens para deixá-las depois, não menos intencionalmente, recair ao nível da realidade; em Beck é o próprio poeta, que se associa a essas fantasias e que, naturalmente, sofre também as consequências quando cai no mundo da realidade. No primeiro, o burguês se sente indignado pela audácia do poeta, no segundo, tranquiliza-se constatando sua afinidade de alma com ele. A insurreição de Praga oferece-lhe, entretanto, ocasião de reproduzir coisas diferentes desta farsa.
(ENGELS, O Socialismo Alemão em Verso e Prosa. Obras, t. VI, p. 42, ed. al.)

10. — LOUIS BLANC ORADOR E HISTORIADOR.

Entre os socialistas franceses que desempenharam um papel na revolução de 1848, Luís Blanc (1811-1882) representa a tendência mais moderada, próxima do radicalismo pequeno-burguês de Ledru Rollin. Partidário da intervenção do Estado, organizador das oficinas nacionais, presidente da Comissão de Luxemburgo, esforçou -se para conter o movimento operário, a fim de desviá-lo de seus objetivos de classe. Reformista sem reformas, declamador sem talento, conspirador sem conhecimentos nem métodos, Blanc manteve-se, em junho de 1848, como em maio de 1871, adversário da revolução.

Louise(8) nunca improvisa. Escreve seus discursos palavra por palavra no papel e os decora diante do espelho. Ledru por seu lado, improvisa sempre e, só nos casos importantes, se serve de algumas notas matter of fact. Sem ter em conta suas diferenças exteriores, Louise é absolutamente incapaz, por isso, de produzir o menor efeito ao lado de Ledru. Assim todo pretexto lhe serve para se esquivar à comparação com esse perigoso rival!

Quanto a seus trabalhos históricos, ele os faz como A. Dumas seus folhetins. Estuda somente o material para o capítulo seguinte. Desta maneira aparecem livros como a Historia dos dez anos. Por um lado isso dá à sua narração uma certa frescura. Porque tudo 0 que conta é, para ele, pelo menos, tão novo como para o leitor, e, por outro lado, o conjunto é fraco.
(MARX, Carta a Engels, 23 de fevereiro de 1851. Correspondência, t. I, p. 152, edição alemã).

11. — VICTOR HUGO E PROUDHON, HISTORIADORES DE DOIS DE DEZEMBRO.

Entre as obras que tratam mais ou menos na mesma época, do mesmo assunto, só duas merecem ser mencionadas: Napoleão, 0 Pequeno, de Victor Hugo, e O Golpe de Estado, de Proudhon.

Victor Hugo contenta-se com invetivas amargas e espirituosas contra o autor responsável do golpe de Estado. O próprio acontecimento lhe aparece como um clarão num céu sereno. Não vê mais que o golpe de força de um individuo. Não se dá conta que o engrandece em logar de diminuí-lo, atribuindo-lhe uma força de iniciativa pessoal sem exemplo na historia. Quanto a Proudhon esforça-se em apresentar 0 golpe de Estado como um resultado do desenvolvimento histórico anterior. Mas, na sua pena, a história do golpe de Estado se transforma numa apologia do herói do golpe de Estado. Cai assim no erro que cometem nossos historiadores pseudo-objetivos. Quanto a mim, mostro, pelo contrário, como a luta declasses, na França, criou circunstancias e uma situação tais que permitiram a um personagem medíocre e grotesco, aparecer como herói.
(MARX, O 18 Brumário de Luiz Bonaparte, pgs. 17-18. Verlag fur Literatur und Politik, Viena, 1927, ed. al.; E.S.I., paginas 20-21).

12. — DOIS FILISTEUS INGLESES: JEREMIAS BENTHAM E TUPPER

No livro I do Capital (cap. XXIV), Marx analisa em parte Jeremias Bentham (1784-1832), filósofo e economista burguês que ele compara ao escritor Martin Tupper (1818-1889).

Escolhemos a tradução de Roy, revista por Marx, porque essa passagem nos pareceu mais detalhada que na versão alemã. A edição francesa do Capital (declarou Marx), possui um valor científico independente.

O segundo dos dois textos abaixo reproduzidos, é uma nota que diz respeito ao primeiro.

I

Mas Bentham, o oráculo filisteu do século dezenove, elevou esse preconceito(9) à categoria de um dogma. Bentham é, entre os filósofos, aquilo que seu compatriota Martin Tupper é entre os poetas. O lugar comum racionante, eis a filosofia de um e a poesia do outro.

II

Jeremias Bentham é um fenômeno inglês. Em nenhum país, em qualquer época, ninguém, nem mesmo o filósofo alemão Cristiano Wolf, tirou tanto partido do lugar comum. Não somente ele se deleita com o lugar-comum mas também disso se pavoneia. O famoso princípio de utilidade não é de sua invenção. Ele só faz reproduzir, sem espírito, o espírito de Helvecius e outros escritores franceses do século XVIII.

Para saber, por exemplo, o que é útil a um cão, é necessário estudar-se a natureza canina, mas não se poderia deduzir essa própria natureza, do princípio da utilidade. Se quisermos fazer desse princípio o “criterium” supremo dos movimentos e das relações humanas teremos inicialmente de aprofundar a natureza humana em geral e de apreender depois as modificações próprias a cada época histórica. Bentham não se atrapalha por tão pouco. De modo o mais seco e o mais ingênuo do mundo apresenta como homem-tipo o pequeno-burguês moderno, merceeiro e especialmente o merceeiro inglês. Tudo o que diz respeito a esse engraçado homem-modelo e ao seu mundo, é declarado útil em si e por si. É por essa vara que ele mede o passado, o presente e o futuro. A religião cristã, por exemplo, é útil. Por que? Porque reprova no ponto de vista religioso os mesmos delitos que o Código Penal reprime do ponto de vista jurídico. A critica literária, ao contrário, é nociva, porque é um verdadeiro desmancha-prazer para as pessoas pacatas que saboreiam a prosa rimada de Martin Tupper. É com essa espécie de materiais que Bentham, que tomara por divisa nulla dles sine linea(10) empilhou montanhas de volumes. É a asneira burguesa levada até ao gênio.(11)
(MARX, O Capital, ed. Lachâtre, pg. 267; ed. Coates, t. IV, pg. 67).

13. — RENAN, ROMANCISTA ECLESIÁSTICO.

Numa carta dirigida a Victor Adler (1852-1918) fundador e chefe da social-democracia austríaca, a 10 de agosto de 1892, Engels julga Renan, cujo livro chamado as “Origens do Cristianismo”, ele considera um romance eclesiásticoContribuição à história do cristianismo primitivo”, estudo aparecido na revista O Devenir Social, 1896).

No momento, preocupo-me com o cristianismo primitivo; leio Renan e a Bíblia; Renan é terrivelmente insípido, mas se bem que leigo é muito mais penetrante que os nossos teólogos alemães. De maneira geral, seu livro é um romance... Pode ser utilizado como fonte histórica do mesmo modo que se pode utilizar os romances de Alexandre Dumas pai para a época da Fronda.

Achei, entre outras, passagens tremendas. Ele plagia os alemães sem nenhum pudor.
(ENGELS, Carta a Victor Adler, em 10 de agosto de 1892. Texto fornecido pelo Instituto Marx-Engels-Lenine).

continua>>>

Notas de rodapé:

(1) Lojistas. (retornar ao texto)

(2) Palavras em francês, no texto. (retornar ao texto)

(3) É o mesmo pensamento que Engels exprimiu a respeito de Jules Vallès numa carta a Bernstein em 17 de agosto de 1884. Não tendo encontrado, apesar de nossas pesquisas, no Instituto Marx-Engels-Lenine a passagem em questão, reproduzimo-la a título indicativo:
"Não há razão para que façais tantos elogios a Vallès. É um lamentável fazedor de frases literárias, ou melhor, literalizante que não representa absolutamente nada por si próprio e que, à falta de talento, se tornou dos mais extremistas, um escritor "tendensioso" para colocar desta maneira sua má literatura". (retornar ao texto)

(4) Muito perto do teu palácio invejado — Existe uma casa burguesa abençoada. (retornar ao texto)

(5) A Marselhesa com um passo surdo — Seguia o cortejo funebre. (retornar ao texto)

(6) Em francês no texto. (retornar ao texto)

(7) “É assim que sonha um jovem de coração ardente”. (retornar ao texto)

(8) Louis Blanc (retornar ao texto)

(9) Benthan pretende que o salário deve permanecer fixo, nos limites prescritos pela natureza e que não cabe ao capitalismo violar esses limites. (retornar ao texto)

(10) Nenhum dia sem escrever uma linha. (retornar ao texto)

(11) Na edição alemã do Capital, Marx escreveu a este respeito: “Se eu tivesse a coragem de meu amigo H. Heine, chamaria o Senhor Jeremias o gênio da asneira burguesa”. (retornar ao texto)

Inclusão 03/07/2019