Explorados e Exploradores

Marta Harnecker e Gabriela Uribe


2. O processo de produção: força de trabalho e meios de produção


capa

Para estudarmos todos os elementos que entram no processo de produção, tomemos O exemplo de uma costureira ou de um sapateiro.

Quando a costureira trabalha, o que faz? A costureira trabalha um determinado corte de pano para transformá-lo num vestido e para isso utiliza, por um lado, linha, botões, fecho éclair, etc., e, por outro lado, tesouras, agulha, máquina de costura. Para além disso tem necessidade de alugar uma casa para se instalar, e tem de iluminá-la e aquecê-la para poder trabalhar.

Definiremos cada um destes elementos do processo de produção da seguinte maneira:

Chamaremos MATÉRIAS-PRIMAS aos objectos que são transformados no processo de produção, para constituírem o produto final.

No nosso exemplo as matérias-primas são: o pano, a linha, os botões, o fecho éclair, etc. Todos estes elementos passam a constituir o vestido, de uma maneira ou de outra são parte dele. Se faltar uma destas matérias-primas, a costureira não poderá produzir o vestido(1).

Chamaremos INSTRUMENTOS DE PRODUÇÃO a todas as coisas que directa ou indirectamente nos permitem transformar a matéria-prima em produto final.

Os instrumentos de produção que nos permitem transformar directamente a matéria-prima são as ferramentas de trabalho e as máquinas. No nosso exemplo: as tesouras, a agulha, a máquina de coser.

Os instrumentos de produção que actuam de forma indirecta, mas não menos necessária, são: os locais de trabalho, os meios de iluminação e aquecimento, etc.

Sem matéria-prima e sem instrumentos de produção, não se pode produzir nada. Eles são os meios materiais para realizar qualquer tipo de trabalho. Por isso, chamá-los-emos meios de produção.

Chamaremos MEIOS DE PRODUÇÃO a todos os objectos materiais que intervêm no processo de trabalho.

Estes meios não devem ser confundidos com os bens de consumo, que são todos aqueles bens que se consomem de forma individual, por exemplo: alimentos, vestuário, habitação, artigos para o lar, artigos escolares, etc.

desenho desenho

Detenhamo-nos agora a analisar o último elemento que intervém no processo de trabalho: a actividade humana realizada pelo trabalhador que utilizando os instrumentos de produção transforma a matéria-prima (o pano, no nosso exemplo) num produto final (o vestido, no nosso exemplo).

A nossa costureira, ao trabalhar, gasta energia física e mental.

A esta energia gasta durante o processo de trabalho chamaremos FORÇA DE TRABALHO.

A fadiga depois de um dia de trabalho não é senão a maneira como se manifesta fisicamente este gasto de energia que ocorre durante o processo de produção. A boa alimentação e o descanso permitem recuperá-la.

A análise de todos estes conceitos permite-nos chegar à conclusão de que os elementos fundamentais de todo o processo de produção são a força de trabalho do homem e os meios de produção.

Estes elementos encontram-se presentes tanto no trabalho realizado pela nossa costureira, como no trabalho realizado na grande indústria moderna.

Mas existe uma diferença entre o trabalho isolado da costureira e o trabalho colectivo que realizam numerosos trabalhadores numa indústria moderna.

Qual é essa diferença?

O trabalhador isolado realiza ele mesmo todo o trabalho e tem um total domínio ou controle sobre este. A costureira faz todo o vestido sozinha e decide ela mesmo quando, onde e como trabalhar. Isto não acontece assim na grande indústria moderna, em que existe uma grande especialização do trabalho, em que os operários se dividem em grupos que realizam diferentes trabalhos parcelares, que, ao somar-se uns aos outros, dão o produto final. Assim, o automóvel, por exemplo, é fruto do trabalho combinado de muitos trabalhadores.

desenho

Ora bem, esta especialização do trabalho torna necessária a presença de um grupo de trabalhadores que tem por função ou tarefa principal coordenar os diferentes trabalhos especializados, do mesmo modo que o maestro coordena a acção dos diferentes músicos. Este trabalho de coordenação e controle vai desde as secções da fábrica até aos mais altos níveis. O nível mais alto é ocupado pelo administrador ou gerente da empresa; os outros níveis estão ocupados por uma série de chefes, capatazes, supervisores, etc.

«Do mesmo modo que os exércitos militares, o exército operário, comandado pelo capital, exige toda uma série de chefes (directores, capatazes, contramestres) que durante o processo de produção dão as ordens em nome do capital»(2).

Usaremos o termo trabalhadores indirectos para nos referirmos a estes trabalhadores que estão colocados na fábrica entre os operários e o patrão.

Em todos os processos de produção onde existe especialização devemos distinguir, por conseguinte, dois tipos de trabalhadores: por um lado os que trabalham desempenhando tarefas parcelares na transformação directa de matéria-prima, a que chamaremos TRABALHADORES DIRECTOS; por outro lado, os que desempenham funções de coordenação, vigilância e controle, a que chamaremos TRABALHADORES INDIRECTOS(3).

Perante o que vimos até aqui podemos concluir o seguinte:

Sem trabalho humano nada se produz. Porém, sem meios de produção o homem não pode trabalhar.

Depois de termos definido todos estes conceitos podemos voltar à nossa pergunta inicial:

Se são os trabalhadores que extraem as riquezas da natureza, se são eles que produzem novas riquezas, porque é que a maior parte destas riquezas vai parar a outras mãos, às mãos de um grupo minoritário da população?


Notas de rodapé:

(1) De um ponto de vista mais vigoroso, seria necessário distinguir entre matéria-prima e matéria bruta. Esta última é a que se encontra na natureza, sem ter sido submetida a nenhum trabalho humano. Exemplo: o carvão no fundo das minas; os bosques que servirão para extrair madeira, etc. Matéria-prima é aquilo que já sofreu um trabalho anterior: o carvão já extraído da mina; a madeira já cortada, etc. (retornar ao texto)

(2) «O Capital», Livro I — Edições Centelha — Coimbra. (retornar ao texto)

(3) Entre estes tipos de trabalhadores criam-se determinadas relações, a que chamaremos RELAÇÕES TÉCNICAS DE PRODUÇÃO, que dependem do controle que os indivíduos tenham dos instrumentos de produção e do processo de produção no seu conjunto. No sistema capitalista desenvolvido, os trabalhadores directos não controlam as máquinas porque são elas que impõem aos operários o seu próprio ritmo, a sua própria eficiência técnica. Os trabalhadores directos também não controlam nem o andamento nem a finalidade do processo de produção: é o capitalista, por intermédio dos trabalhadores indirectos, que decide quando, como e quanto se deve produzir tendo em consideração exclusivamente os seus interesses capitalistas (desenvolveremos este tema mais amplamente no Caderno n.° 4, «Luta de Classes» e no Caderno n.° 6, «Capitalismo e Socialismo»). (retornar ao texto)

Inclusão: 11/05/2020