Exploração Capitalista

Marta Harnecker e Gabriela Uribe


SEGUNDA PARTE: A MAIS-VALIA NA ECONOMIA CAPITALISTA


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1. A impossibilidade de obter mais-valia através da troca

A troca numa sociedade capitalista é muito diferente da troca que acabamos de analisar, isto é, da troca simples de mercadorias.

Na economia capitalista, o que interessa ao capitalista é que a venda dos produtos lhe traga uma maior quantidade de dinheiro, do que a que gastou na produção desses produtos. Se não consegue obter essa maior quantidade de dinheiro, a produção para ele deixa de ter sentido. Isto não acontece com o pequeno produtor independente, que produz para trocar as suas mercadorias por outras de igual valor que não produz, e de que necessita para viver.

Na troca simples de mercadorias vendem-se mercadorias (M), para obter dinheiro (D), que permite comprar outras mercadorias de igual valor (M); na troca capitalista tem-se dinheiro que permite comprar mercadorias e com elas, por sua vez, obter mais dinheiro (D + d).

Assim a fórmula da troca simples de mercadorias será:

M —> D —> M

E a fórmula da troca capitalista

D — > M —> D + d

Ora bem, a primeira pergunta que surge é: donde tira o capitalista esta maior quantidade de dinheiro?

Será que provém duma alta dos preços, quer dizer, da venda das mercadorias acima do seu valor?

Se os capitalistas fossem um grupo que só vendesse e nunca tivesse que comprar, talvez a coisa se pudesse explicar assim. Mas a realidade é diferente; o capitalista ao mesmo tempo que vende os produtos, tem que comprar outros produtos para poder produzir. Tem que comprar matérias-primas e instrumentos de produção a outros capitalistas que os produzem. Pois bem, se também estes subissem os preços, produzir-se-ia uma espécie de compensação entre todos os capitalistas da sociedade. O que ganhassem como vendedores perderiam como compradores.

Portando, o lucro que o capitalista obtém não se pode explicar pela troca, quer dizer, dizendo que vende os produtos por um preço superior àquele que eles valem.

Então como se explica que os capitalistas, vendendo os produtos pelo seu valor, consigam obter uma certa margem de lucro?

Este problema só se pode resolver se entre as mercadorias que o capitalista necessita de comprar para produzir, encontrarmos uma mercadoria especial que tenha a particularidade de produzir mais valor ao ser usada pelo capitalista, do que o valor que ele paga por ela no mercado.

Quais são as mercadorias que o capitalista compra para produzir?

São as matérias-primas, os instrumentos de produção, a força de trabalho(1), etc.

Qual delas, ao ser usada, produz valor?

Se a origem do valor é o trabalho humano, como vimos anteriormente, a mercadoria especial só pode ser a força de trabalho humano. É a única mercadoria capaz de criar valor, e por isso, a única que pode produzir mais valor.

Antes de analisar as condições em que a força de trabalho produz mais valor para o capitalista, vejamos em que condições a força de trabalho se converte em mercadoria.

2. A força de trabalho como mercadoria e o seu valor

A força de trabalho não era uma mercadoria nem no esclavagismo, nem no modo de produção feudal; nestes modos de produção os trabalhadores não vendiam a sua força de trabalho. No primeiro caso, toda a sua pessoa pertencia ao amo; no segundo caso, existia um determinado tipo de relação de dependência que obrigava o servo a realizar uma certa quantidade de trabalho para o senhor.

...Quais são então as condições necessárias para que a força de trabalho seja uma mercadoria?

Primeiro: A existência dum trabalhador que não seja obrigado a trabalhar para um determinado patrão, que possa mudar dum lugar para o outro, oferecendo a sua força de trabalho. O escravo, o camponês ligado à terra, não podiam vender a força de trabalho, não eram livres para oferecê-la no mercado de trabalho.

Segundo: A existência dum trabalhador, que não tenha os meios de produção que a sociedade utiliza, e que por isso não pode trabalhar por conta própria.

Por exemplo, um pequeno sapateiro que fabrique sapatos tem alguns meios de produção muito simples (máquina de coser, faca para cortar o couro, pincel para pintar, couro, tintas, etc.) mas com estes meios de produção não pode competir com as fábricas modernas de sapatos. Ele demora três dias para fazer um par de sapatos, enquanto as fábricas modernas produzem 20 pares em três dias. Estas baixam o preço dos sapatos, mas o nosso sapateiro não pode baixá-lo mais, para não ter prejuízo. Cedo ou tarde, vê-se obrigado a deixar o ofício e a juntar-se ao grande exército de trabalhadores que vendem a sua força de trabalho a quem possui os meios de produção modernos, o capitalista.

Em consequência, no sistema capitalista o operário é um vendedor da sua própria força de trabalho, e o capitalista é o comprador dessa mercadoria que se oferece no mercado.

Como toda, a mercadoria, a força de trabalho vende-se por um determinado preço, que é o salário que o capitalista paga aos operários. Este preço da força de trabalho é determinado pelo seu valor.

... Vejamos de que depende o valor desta mercadoria chamada força de trabalho.

Se o valor duma mercadoria depende do tempo de trabalho socialmente necessário para a produzir, como aplicar esta lei do valor à força de trabalho?

Parece difícil aplicar isto à força de trabalho, já que esta não se produz nas fábricas, sendo o resultado da reprodução natural dos seres humanos.

Todavia, um exame atento do funcionamento do sistema capitalista faz-nos ver que a mercadoria «força de trabalho» não é uma excepção, nem um tipo diferente de mercadoria em relação a esta lei do valor.

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O operário deve trabalhar para o capitalista durante o tempo que é indicado no contrato de trabalho. Ora bem, trabalhando, actuando sobre os objectos da natureza, o operário gasta uma certa quantidade da sua força muscular, nervosa, cerebral, quer dizer, uma certa quantidade de energia.

Para conservar a força de trabalho, deve repor todos os dias a energia gasta. E por isso deverá comer uma certa quantidade de alimentos, ter onde dormir e com que abrigar-se, quer dizer, necessita de consumir uma certa quantidade de bens de consumo: alimentos, roupa, casa, etc. O valor destes bens que repõem a energia gasta, que a reproduzem continuamente, deve estar integrado no valor da força de trabalho.

Por outro lado, é necessário que esta força chegue constantemente ao mercado, e para isso é necessário assegurar que os operários tenham filhos, para que não faltem novos operários. O trabalhador deve ter, por isso, os meios suficientes para manter uma família. Se um operário tem mulher e cinco filhos e o salário que recebe chega para comprar apenas os meios de subsistência para ele, é evidente que terá que repartir estes meios por toda a família e não poderá repor assim toda a energia gasta. Portanto, a manutenção da família deve estar compreendida obrigatoriamente no valor da força de trabalho.

Para além disso, o operário tem necessidades que correspondem ao seu grau de cultura e ao nível geral de desenvolvimento do seu país, que também devem ser consideradas. Esta é uma das razões que explicam as variações de salários nos diferentes países. O operário europeu ou norte-americano ganha muito mais que o operário português.

Por último, no caso dos operários especializados, é necessário ter em conta o valor dos bens que o operário consome durante o tempo que duram os estudos de especialização (alimentos, roupa, habitação, livros, material escolar, etc,). Aqui está a explicação dos salários mais altos para os trabalhadores especializados. Em resumo, para determinar o valor da força de trabalho temos que somar o valor de todos estes bens que a mantêm, que a reproduzem continuamente. Por outras palavras, temos que ter em conta o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir os bens que o operário consome para manter-se como operário.

O VALOR DA FORÇA DE TRABALHO é igual ao valor de todos os produtos que são necessários para a sua conservação e reprodução numa sociedade determinada. Quer dizer, é igual ao tempo de trabalho necessário para produzir esses bens de consumo.

Neste valor há que considerar os seguintes pontos:

  1. as suas necessidades básicas e as da sua família;
  2. necessidades culturais;
  3. grau de especialização.
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Quando existe uma oferta de trabalho igual à procura o capitalista vê-se obrigado a pagar a força de trabalho mais ou menos pelo seu valor.

Nos países dependentes, no entanto, isso não se passa assim. Pagam-se geralmente salários menores que o valor da força de trabalho, devido ao grande desemprego(2) que faz com que seja sempre maior a quantidade de trabalhadores que procuram emprego que a quantidade de trabalho que se oferece no mercado. Sendo a oferta desta mercadoria maior que a procura, os capitalistas pagam um preço inferior ao valor da força de trabalho, pagam «salários de fome» que não conseguem suprir as necessidades dos operários.

3. A formação da mais-valia

Já dissemos que o capitalista com o dinheiro que possui, compra pelo seu valor determinadas mercadorias: os meios de produção e a força de trabalho. Com elas produz uma série de produtos que vende pelo seu valor, no mercado. O dinheiro que obtêm nesta troca é superior ao que gastou na compra de meios de produção e força de trabalho. Vimos que essa diferença de valor não podia ter origem na venda de produtos mas apenas na única mercadoria que produz valor: a força de trabalho. Quer dizer, tem de sair do processo de produção de mercadorias.

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A força de trabalho em qualquer processo de produção transforma a matéria-prima em produtos, empregando determinados meios de produção.

Dissemos antes que o valor de qualquer mercadoria se deve à quantidade de trabalho que tem incorporado. Ora bem, num determinado processo de produção (por exemplo, produção de tecidos de algodão) o operário junta o seu trabalho (tecer, neste caso) ao trabalho que já esta incluído nos meios de produção (no algodão e nas máquinas). Assim, o valor do produto, o tecido, e formado pelo valor dos meios de produção que o operário transfere para o produto, mais o novo valor que ele próprio ao trabalhar, ao tecer, está a criar.

Vejamos primeiro como se pratica esta transferência de valor dos meios de produção para o produto ou mercadoria.

O caso da matéria-prima não e difícil de compreender: ela desaparece no processo de produção visto ser totalmente transformada em produto. O algodão, por exemplo, desaparece para se transformar em tecido. A força de trabalho transfere, portanto, em cada fase do processo de produção todo o valor das matérias-primas para o produto.

Já o caso das máquinas é diferente. Uma máquina, por exemplo, um tear mecânico, pode usar-se em vários processos de produção, quer dizer, no fabrico de tecidos durante vários anos. Mas não dura sempre: à medida que se usa envelhece, gasta-se. Se supusermos que dura uns 10 anos, podemos dizer que em cada ano perde um décimo do seu valor. Quer dizer que em cada ano a força de trabalho transfere para a mercadoria essa quantidade de valor.

Se a máquina vale 100.000 escudos, o que significa que tem essa quantidade de dinheiro incorporado sob a forma de trabalho, em cada ano a força de trabalho transferirá para as mercadorias produzidas a quantidade de 10.000 escudos (100.000:10 = 10.000). Se se produzirem 5000 metros de tecido por ano com essa máquina, em cada metro são incorporados 2 escudos (10.000: 5.000 = 2), que é a quantidade de valor da máquina que a força de trabalho transferiu para a mercadoria.

Por este processo a força, de trabalho transfere o valor das máquinas a pouco e pouco e não de uma só vez como no caso das matérias-primas.

Vemos então que os meios de produção por si só não criam nenhum valor no decorrer do processo de produção. O seu valor só pode ser transferido para o produto pela força de trabalho que, ao mesmo tempo, lhe acrescenta novo valor.

Em qualquer processo de produção, o valor que se junta aos meios de produção deve-se ao trabalho que os transforma numa mercadoria nova. Deste trabalho sai o único valor que se cria em cada processo de produção. Isto acontece tanto na produção capitalista como na pequena produção independente. No entanto, neste último caso, o pequeno produtor pode deixar de trabalhar, isto é, de produzir mercadorias, quando o valor que nelas tenha incorporado chegar para trocá-las pelas mercadorias de que necessita para viver, ou seja, para manter a sua força de trabalho.

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Em regime capitalista, do valor criado no processo de produção sai não só o valor da força do trabalho do operário como também o lucro do capitalista.

De maneira que em regime capitalista de produção deve haver algo muito especial na forma como o capitalista usa a força de trabalho do operário.

Que acontece quando a força de trabalho é uma mercadoria? Quando o dono dos meios de produção impõe as condições em que trabalham os operários, que vendem a sua força de trabalho porque não possuem meios de produção?

O capitalista e o operário encontram-se no mercado de trabalho. O operário oferece como mercadoria a sua força de trabalho. O capitalista comprou-a por uma determinada quantidade de dinheiro, para fazê-la trabalhar durante uma certa quantidade de tempo por dia.

Suponhamos que o capitalista comprou a força de trabalho pelo seu valor, por exemplo, 50 escudos por 8 horas de trabalho diário. Com isso pagou ao operário o valor dos produtos que este consome para se manter quando trabalha durante 8 horas. Suponhamos que ao trabalhar para o capitalista, o operário produz em cada hora um valor de 10 escudos. Então, em 5 horas, o operário cria uma quantidade de valor que corresponde ao valor da sua força de trabalho, 50 escudos. Ao mesmo tempo transfere para as mercadorias produzidas o valor dos meios de produção. Portanto, em 5 horas de trabalho do operário, o capitalista recupera todo o dinheiro que investiu na produção, tanto em salários como em meios de produção.(3)

Mas o operário não deixa de trabalhar neste momento; tem de continuar a produzir durante mais 3 horas até completar as 8 pelas quais vendeu a sua força de trabalho. Tudo o que produz nestas últimas 3 horas é lucro para o capitalista.

Desta forma descobrimos que o capitalista obtém os seus lucros apoderando-se de todo o trabalho que o operário continua a despender após ter criado ou reproduzido um valor igual ao seu salário.

Chama-se MAIS-VALIA ao valor suplementar que o operário produz durante todo o tempo suplementar em que continua a trabalhar depois de reproduzir o valor da sua força de trabalho.

A jornada de trabalho divide-se então em dois períodos que têm um significado muito diferente

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Chama-se TEMPO DE TRABALHO NECESSÁRIO ou PAGO ao tempo de trabalho durante o qual o operário reproduz o valor da sua força de trabalho.

Chama-se TEMPO DE TRABALHO SUPLEMENTAR ou NÃO PAGO ao tempo durante o qual o operário cria mais-valia para o capitalista.

Podemos concluir então que a força de trabalho tem uma característica especial: ao ser usada pode criar mais valor que o necessário para se manter, para reproduzir o seu valor. Quer dizer, não só cria valor, como tem a capacidade de produzir um valor suplementar.

O capitalista aproveita-se disso e assim obtém os seus lucros. Por outras palavras, em regime capitalista a força de trabalho é uma mercadoria que ao ser usada sob as relações de produção capitalistas produz um valor suplementar, ou mais-valia, que é apropriado pelo capitalista.

Resumamos o que descobrimos até agora:

1) Na sociedade capitalista existem, por um lado, um grupo de pessoas que é: proprietária dos meios de produção mais importantes: os capitalistas, e por outro, um grupo totalmente despojado dos meios de produção, de tal modo que não podem produzir por si sós os bens que necessitam para viver: os trabalhadores.

2) Esta situação obriga os trabalhadores a vender como mercadoria a única riqueza que possuem, a sua força de trabalho, para poderem subsistir.

3) Os capitalistas compram no mercado esta mercadoria que tem a característica especial de ser a fonte criadora de todo o valor e usam-na para produzir mais valor de que necessitam para compensar o que pagaram por ela. É assim que os capitalistas obtêm os seus lucros, apoderando-se desse valor suplementar produzido pelos trabalhadores.

4) Esta relação que se estabelece entre os capitalistas e os operários é uma relação de exploração, pois os capitalistas, donos dos meios de produção, apoderam-se dos frutos do trabalho dos trabalhadores, que não possuem esses meios de produção.

Às relações que se estabelecem entre os indivíduos, dependendo do lugar que ocupam no processo de produção, lugar esse que depende da posse ou não dos meios de produção, chamar-lhes-emos RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO.

5) Em consequência, resulta claro que o conceito de MAIS-VALIA é um conceito chave para explicar a exploração, própria de um regime de produção em que o processo de trabalho se realiza sob as relações de produção capitalistas.

Depois do que dissemos podemos compreender que a exploração dos operários em-sistema capitalista não se exerce da mesma maneira que em regime esclavagista ou regime feudal. Em todo o sistema económico onde existe propriedade privada dos meios de produção, o trabalho extra criado pelos que não os possuem é apropriado pelos donos desses meios de produção. No entanto a forma pela qual se apoderam desse trabalho extra varia. Nos regimes esclavagista e feudal é a força directa, a privação da liberdade e a submissão a uma pressão externa, que obriga os escravos ou os

servos a trabalhar para o senhor. Sem esse poder directo sobre os homens, os senhores não teriam podido apoderar-se do trabalho dos que lhes estão submetidos, já que, ao libertarem-se, os escravos ou os servos teriam podido produzir independentemente dos senhores o que necessitassem para viver.

No sistema capitalista, a força que obriga o operário «livre e soberano» a submeter-se à exploração capitalista é muito mais eficaz. É a força das necessidades vitais. Se não se submete às condições económicas impostas pelo sistema, isto é, se não oferecer o seu trabalho «voluntariamente» ao capitalista, morre de fome pois não possui os meios para produzir o que necessita para subsistir.

Assim, em condições normais, sem ter de recorrer à força directa ou a outras formas de pressão, o capitalista apodera-se do trabalho dos operários. Dizemos em condições normais, visto que basta que os operários através das suas lutas ponham seriamente em perigo o lucro ou a propriedade dos meios de produção dos capitalistas, para que estes recorram à polícia ou ao exército para reprimir os trabalhadores.

4. O capital como factor da produção
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Nos parágrafos anteriores temos falado dos capitalistas e dos operários, dando por compreendido que chamamos «capitalistas» aos donos do capital.

Mas que se entende por capital?

Muitas pessoas pensam que capital é a mesma coisa que dinheiro e chamam capitalista a todo aquele que conseguiu juntar uma certa quantidade de dinheiro. Evidentemente que estão equivocados.

O dinheiro que um avarento guarda ciosamente no fundo de uma arca, sem nunca lhe mexer, não é capital. Também não é capital o dinheiro que recebe um trabalhador como salário e que gasta na compra de uma série de bens de consumo para si e para a sua família.

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Para que o dinheiro se transforme em capital é necessário que este seja gasto na compra de mercadorias que permitam ao dono do dinheiro não só recuperar esse dinheiro, como obter mais dinheiro depois de ser usado no processo de produção.

Quer isso dizer então que só é capital o dinheiro que se emprega na compra da força de trabalho?

Não, porque no processo de produção capitalista não participa apenas a força de trabalho; são também necessários os meios de produção: matérias-primas, máquinas, edifícios, etc.

Portanto, chamaremos CAPITAL ao dinheiro que se emprega na compra de meios de produção e de força de trabalho, sempre que sejam destinados a obter mais-valia.

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O dinheiro não é portanto capital devido às suas qualidades naturais, mas só e apenas quando é empregue na compra de meios de produção e de força de trabalho, com vista à obtenção de mais-valia.

As máquinas paradas ou guardadas num armazém também não são capital. Só podem ser consideradas como capital quando participam no processo de produção de mais-valia.

O mesmo acontece com a força de trabalho. O dinheiro que se investe na compra da força de trabalho para realização de, por exemplo, trabalhos domésticos, não se pode considerar como capital. Neste caso a força de trabalho não produz mais-valia, gasta-se em serviços prestados aos seus patrões.

Os meios de produção e a força de trabalho só representam capital quando são empregues em determinadas relações de produção: as relações de produção capitalistas, que permitem aos capitalistas obter cada vez mais dinheiro do que aquele que eles investem na produção. Já vimos que estas relações se mantém, se reproduzem constantemente.(4) Isto porque, por um lado, os capitalistas se reproduzem como capitalistas, visto que a mais-valia de que se apropriam lhes possibilita a compra de mais meios de produção e de força de trabalho que por seu turno irá produzir mais mais-valia; por outro, os operários reproduzem-se como operários, pois o salário que ganham só lhes chega para comprar as mercadorias de que necessitam para sobreviver e, portanto, veem-se obrigados a continuar a vender a sua força de trabalho.

Como este processo se repete, o capital transforma-se numa «força social» obrigando uma parte cada vez maior da população a vender a sua força de trabalho, aumentando assim cada vez mais a riqueza e o poder dos donos do capital. Assim, não podemos falar de capital em qualquer tipo de sociedade: o capital só existe no sistema capitalista de produção.

Como já vimos o trabalho humano não tem só a capacidade de criar valor, mas também a de transferir o valor dos meios de produção para o produto ou mercadoria. De maneira que, neste processo, de todo o dinheiro que o capitalista investe na produção, somente o que investe em força de trabalho aumenta o valor. É por isso que na totalidade do capital que é investido pelo capitalista na produção, se distinguem duas partes: uma parte investida em meios de produção e que não aumenta, por apenas se dar uma transferência do seu valor para os produtos, e outra parte investida em força de trabalho e que aumenta, visto que a força de trabalho não só cria valor como cria valor suplementar ou mais-valia.

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Chamaremos CAPITAL CONSTANTE ao capital investido em meios de produção porque o seu valor não se modifica durante o processo de produção.

Chamaremos CAPITAL VARIÁVEL ao capital investido em força de trabalho, pois esta produz um valor suplementar, e por conseguinte faz variar o valor.

Ora bem sem o capital constante é impossível criar-se mais-valia, já que a força de trabalho só pode dar frutos pondo em acção os meios de produção. Mas, se bem que o capital constante seja a condição material necessária para a criação de mais-valia, ela é apenas criada pelo trabalho. Portanto, não influi na produção de mais-valia a quantidade de capital constante que existe. A mesma quantidade de mais-valia pode ser produzida com capitais constantes muito diferentes. Comparemos uma fábrica com 20 operários que usa máquinas e técnicas modernas, o que significa ter investido um capital constante muito elevado, com uma outra também com 20 operários, mas com maquinaria mais atrasada empregando portanto um capital constante muito menor. Se ambos os capitais investirem o mesmo capital variável, que recuperam pagando aos seus operários apenas com 4 das 8 horas que eles realizam, então ambas as fábrica obteriam a mesma mais-valia. Vemos portanto que apesar dos capitais constantes serem distintos, a mais-valia é a mesma porque os capitalistas se apropriam da mesma quantidade de valor criado pelos operários nas 4 horas de trabalho não pago. (Ver esquema pág. 55).

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Assim se queremos saber em que medida os capitalistas exploram os operários, temos unicamente de comparar o capital variável (dinheiro que o capitalista investe no pagamento da força de trabalho) com a mais-valia (quantidade de valor criada operário e de que o capitalista se apropria sem nada pagar).

Por exemplo, se numa fábrica o capitalista investe 20.000 escudos no pagamento da força de trabalho e obtém uma mais-valia de 20.000 escudos então para se saber em que medida é que os operários são explorados, divide-se a mais-valia pelo capital variável.

QUADRO

A taxa de exploração dos operários é de 100 %. Isto que dizer que em cada hora que o operário trabalha, meia hora é oferecida grátis ao capitalista.

Chama-se TAXA DE EXPLORAÇÃO ou TAXA DE MAIS-VALIA à relação que mede o grau de exploração da força de trabalho.

5. A mais-valia absoluta e a mais-valia relativa
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Dissemos que o que interessa ao capitalista é ganhar sempre cada vez mais. Agora compreendemos que isto só se obtém através de um aumento de mais-valia.

Quanto maior é o volume de mais-valia produzida maiores serão os lucros do capitalista.

Mas como se pode aumentar a produção de mais-valia?

A primeira via que o capitalista encontrou para aumentar os seus lucros, no início do regime capitalista de produção, foi prolongar ao máximo a jornada de trabalho do operário. Desta maneira, depois de produzir o valor equivalente ao valor da sua força de trabalho, o trabalhador continua a produzir durante muitas mais horas durante as quais só produz mais-valia para o capitalista.

Se em 4 horas ele produz o valor correspondente ao valor da sua força de trabalho e continua a trabalhar durante mais 4 horas, a taxa de exploração será de 100%. Mas se o capitalista consegue aumentar a jornada de trabalho para 12 horas, é muito claro que produzirá o dobro da mais-valia ao aumentar para o dobro a exploração dos operários. A taxa de exploração será agora de 200 por cento.

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Esta forma de obter mais-valia convém muito ao capitalista, visto que não faz aumentar as despesas nem em máquinas nem em instalações, possibilitando sem nenhum gasto de maior, aumentar os lucros por intermédio da exploração cada vez mais intensa da força de trabalho.

Este foi o procedimento adoptado no início do capitalismo, quando os operários trabalhavam 16 a 18 horas diárias. Mas não se pode prolongar indefinidamente o dia de trabalho. Existem limites físicos e históricos que o impedem.

Físicos, já que se o trabalhador trabalha durante muito tempo, não pode descansar o suficiente para repor a energia gasta, produzindo-se um esgotamento intensivo, que fará baixar o seu rendimento.

Históricos, já que à medida que se desenvolve o capitalismo se desenvolve também a classe operária, que se organiza e começa a opor resistência combativa à exploração capitalista. Através de difíceis e duras lutas vai conseguindo reduzir a jornada de trabalho, obrigando os capitalistas a procurar outras formas de aumentar os seus lucros.

Os capitalistas não podem agora aumentar os seus lucros alargando a jornada de trabalho; pelo contrário, muitas vezes, pressionados pelas lutas dos operários, veem-se obrigados a diminuí-la.

Como podem os capitalistas, nestas condições, continuar a obter mais lucros, sem o que não poderiam continuar a existir como capitalistas?

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Os capitalistas percebem que podem aumentar os lucros se conseguirem que os operários rendam ao máximo durante o dia de trabalho agora mais curto. Fazem estudos para ver quais os movimentos absolutamente necessários para realizar um determinado tipo de trabalho, tratando de suprimir todos os movimentos supérfluos. Para além disso, instalam música, melhor iluminação, etc., não por sentimentos humanitários mas porque isso contribui para que se produza mais. Aumenta-se assim extraordinariamente o ritmo do trabalho e os capitalistas conseguem então que os operários produzam mais do que quando trabalhavam mais tempo.

No entanto, a intensificação do trabalho tem um limite, e chega-se a uma dada altura em que o trabalhador atinge o esgotamento físico e mental não podendo portanto o capitalista continuar a aumentar os lucros por este processo.

Então, novamente os capitalistas buscam outra forma de continuar a ganhar cada vez mais.

Mas como fazê-lo?

O capitalista individual, ao introduzir uma máquina melhor, consegue produzir a custos mais baixas que os seus competidores.

Um tear moderno consegue produzir muito mais metros de tecido numa hora de trabalho do que um antigo; assim, cada metro de tecido sai mais barato, visto incluir menos horas de trabalho incorporadas.

Este capitalista, ao produzir a custos inferiores, consegue obter um lucro maior do que o resto dos capitalistas que continuam a produzir com máquinas antigas, e portanto a custos maiores.

Exemplificando: se um único capitalista começa a utilizar na sua fábrica teares modernos que produzem tecido num tempo muito inferior ao anterior, isto influenciará muito pouco no tempo de trabalho socialmente necessário, já que todos os outros capitalistas continuam a produzir com teares antigos que necessitam de maior tempo de trabalho. O tempo de trabalho socialmente necessário é então maior do que o que o nosso capitalista emprega para produzir o seu tecido, e portanto o valor individual do seu tecido será menor do que o valor social. Como o preço de venda das mercadorias é determinado pelo valor social e não pelo valor individual, o preço do tecido no mercado é superior ao custo de produção do nosso capitalista. Portanto, este capitalista ao vender o tecido ao preço de venda do mercado obtém um lucro maior que os outros capitalistas.

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A este lucro chamaremos «lucro extraordinário», porque o capitalista individual não pode continuar a obter desta forma lucros durante muito tempo. Outros capitalistas desejosos de ganhar mais, começam também a empregar nas suas fábricas as novas máquinas, com o que obrigam a baixar o valor social das mercadorias desse ramo de produção. Desta maneira, todos os capitalistas se vêem obrigados a ir aperfeiçoando continuamente as máquinas, visto que se não o fazem, não serão capazes de competir com os outros capitalistas do seu ramo. Se algum capitalista fica para trás, se não procura aumentar a produtividade do trabalho ao ritmo dos outros, os seus custos de produção serão mais elevados. Então, como é obrigado a vender a um preço aproximado do preço de mercado, que diminuiu, ganhará menos até que chegue o dia em que não ganhará nada, vendo-se obrigado a fechar a fábrica.

Na história do desenvolvimento do sistema capitalista, chega um momento em que as máquinas se usam na maioria dos sectores de produção, substituindo-se aos instrumentos manuais de trabalho. Isto aumenta muito o rendimento do trabalho, com o que o valor das mercadorias diminui, já que têm menor quantidade de trabalho incorporado. Ao diminuir o valor das mercadorias e especialmente o valor dos bens de consumo, tais como roupas, produtos alimentares, utensílios domésticos, etc., diminui também o valor da força de trabalho, pois como vimos o seu valor depende do valor dos bens de que o operário necessita para viver.

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Ao baixar o valor da força de trabalho necessita- -se de menos tempo de trabalho (do operário) para se repor o seu valor no processo de produção, quer dizer, gasta-se menos tempo do dia de trabalho, em tempo de trabalho necessário ou pago.

Antes, fazendo o operário trabalhar 16 horas diárias, 8 para produzir o valor correspondente à sua força de trabalho e 8 para produzir a mais-valia para o capitalista, obtinha-se uma taxa de mais-valia de 100%. Agora, reduzido o dia de trabalho para 8 horas, pode-se obter os mesmos 100 % de taxa de mais-valia, desde que o trabalho necessário ou pago se reduza a 4 horas. E se se conseguir reduzir a menos horas, a taxa de mais-valia aumentará para mais de 100%.

Desta maneira, através das motivações individuais dos capitalistas, em busca de lucros extraordinários, estabelece-se, no sistema capitalista, um mecanismo que permite aumentar a mais-valia sem aumentar a jornada de trabalho e sem aumentar o ritmo de trabalho. Este mecanismo consiste em diminuir o tempo de trabalho necessário ou pago.

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Com este mecanismo, explora-se aparentemente menos os operários, mas sabendo que a exploração está baseada na obtenção de mais-valia, apercebemo-nos de que, pelo contrário, o grau de exploração aumenta com esta nova forma de obtê-la. Ao diminuir o tempo o trabalho necessário ou pago, o operário reproduz em menos tempo o valor da sua força de trabalho e, portanto trabalha mais horas de graça para o capitalista.

Os capitalistas aumentam assim cada vez mais os seus lucros à custa dos operários e por isso aumenta a diferença de riqueza e poder entre ambos os grupos da sociedade.

Chamaremos MAIS-VALIA ABSOLUTA à mais-valia que se obtêm alargando o dia de trabalho ou intensificando o uso da força de trabalho. Chamaremos MAIS-VALIA RELATIVA à mais-valia que se obtêm diminuindo o tempo de trabalho necessário.


Notas de rodapé:

(1) A força de trabalho é a energia gasta pelo trabalhador durante um dia de trabalho. Ver CEP n.° 1. (retornar ao texto)

(2) Ver CEP. n.° 3 — Monopólios e Miséria. (retornar ao texto)

(3) Se o operário fosse um produtor independente poderia deixar de trabalhar neste momento. (retornar ao texto)

(4) Ver CEP n.º 1, Explorados e Exploradores (retornar ao texto)

Inclusão: 17/06/2020