Os Espiritualistas Perante a Paz e o Marxismo
ou A Perfectibilidade do Espírito, pelo Socialismo

Eusínio Gaston Lavigne


V - O Cristão e o Socialismo


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I — Um anônimo enviou-nos, do Rio, um retalho de jornal, com impressões de Clement Attlee sobre a nova China, há pouco visitada pelo chefe do Partido Trabalhista inglês.

O remetente, que supomos adepto do Espiritismo, marginou, com um traço vermelho, o final do artigo, onde Attlee declara que — a cortina da ignorância, mais do que a cortina de ferro, desde o rio Elba até o mar da China, não permite aos operários que pensem por si mesmos, nem que se imprimam livros” que lhes abram as portas do pensamento livre.

O nosso correspondente anônimo, animado, por certo, do desejo de nos esclarecer e de nos poupar o desgosto de uma “perturbaçãopost-mortem quis, com isso, mostrar-nos que, nos países socializados não há liberdade de pensamento, e que os cidadãos pensam pela cabeça dos governantes.

II — Em nossas cartas ao nosso ilustre confrade Leopoldo Machado tivemos oportunidade de sustentar que o espírita deve lutar pela felicidade do povo (argumento das resps 766 e 877 Lv. Esp.). Na defesa, espiritual e corporal, do povo, concentrou-se a missão do Cristo, que, por isso mesmo, como bem escreveu o nosso distinto confrade Antonio José Alves, citando Renzo Castaldi, foi perseguido por motivos Políticos e não religiosos.(1)

As religiões não revolucionam a ordem social dominante que acatam servilmente, com fundamento na literalidade do preceito bíblico “meu reino não é deste mundo”. Aí está uma das consequências malsãs, a que nos leva o ensino religioso das sociedades espíritas para as quais, nessas condições, pouco importaria que o Brasil fosse bem ou mal governado, ou se tornasse colônia dos Estados Unidos. Eis aí também por que a Igreja Católica, que se diz apolítica, por efeito da sua natureza religiosa, sempre vive unida ao Estado mais poderoso, e ao capitalismo internacional, razão de suas “cruzadas anticomunistas”, que, sob o pretexto de “defesa da religião”, são campanhas exclusivamente políticas e liberticidas.

Portanto, não há de ser, através dos ensinamentos da religião, de índole mística, subjetiva, apassivadora e exclusivista (para todo religioso, a única religião verdadeira é a sua), que haveremos de sistematizar a luta pela conservação natural da vida humana, e pela independência das nações, — luta que é, no entanto, um derivativo da doutrina espírita, para a qual a defesa dos direitos humanos é “uma consequência da necessidade de viver” (Livro dos Espíritos, resps. 703, 7ll 789 e 880).

III — Como essa luta se organiza e se exercita no campo da Política Social, bem é de se ver que o Espiritismo não pode mais ser uma doutrina religiosa, mas uma doutrina que se incorporou à Ciência, já para uma prova objetiva da sobrevivência da alma, já para uma orientação dos nossos deveres sócio-morais deste mundo, porquanto a verdade é que — “MEU REINO É TAMBÉM DESTE MUNDO”. (Liv. Esp. 703, 706).

Kardec foi claro : “O Espiritismo, POR SUA ESSÊNCIA MESMA, participa de todos OS RAMOS do Conhecimento” (“Obras Póstumas”, in fine, “Gênesis” cap. 1, n. 55, e “Liv. Esp.” Int. cap. XIII)

Logo, não se pode nutrir uma ideia precisa da socialização da China, por leitura direta do Espiritismo cristão, que especializa um fenômeno psíquico. Só poderemos fazê-lo, pela Ciência da história da Humanidade, — história, cujas leis foram descobertas por investigadores geniais, entre os quais, principalmente, os alemães Marx e Engels.

O conhecimento de tais leis relaciona-se também com a moral espírita ou cristã, na parte concernente às “leis do trabalho”, da “sociedade”, do “progresso”, da “igualdade”, da “liberdade” e da “justiça”, esfloradas, como “leis naturais”, por Kardec, na parte 3 do Livro dos Espíritos.

IV — Reconhecido que a doutrina de Marx não é concepção de um homem, mas o conjunto de princípios de biologia social e das relações humanas, razão por que Marx não se considerava marxista, vocábulo que, por si só, indica personalismo, — é claro que o Marxismo se classifica no quadro das ciências sociais, para estudar, sobremodo, a sociedade humana e as respectivas leis.

Desse estudo resultaram as teorias do materialismo histórico e do materialismo dialéticoou dialética materialista.

Por elas, se verifica que, em torno da economia e dos seus consectários, giram as lutas de classe, e que os sistemas de organização política refletem a natureza específica dos modos e das relações de produção econômica, cuja nova estrutura, por sua vez, desenvolve novos empreendimentos e novas ideias.

E mais: que esse desenvolvimento — e, pois, a História —, não obedece a causas fortuitas, nem à vontade dos homens, mas a leis da natureza, cuja concepção é materialista, releve-se, por nada existir além da matéria, com o que, aliás, concorda Kardec (Liv. Esp. resp. 23,) — Diga-se, de passagem, que a diferença filosófica entre o materialismo de Marx e o espiritualismo do Cristo só consiste na concepção das causas primarias da vida e da índole e destino da inteligência, que, para Marx, é manifestação do corpo físico, com cuja morte ela desaparece, e, para Kardec, é manifestação do “espírito, cuja inteligência emana do elemento inteligente universal” (Liv. Esp., resps. 79 e 606) e que se perpetua, individualmente, na Natureza, de que é a força preponderante (Id. 79, 85, 91).

Donde se infere que as divergentes concepções não incompatibilizam a unidade do pensamento sobre as leis, restritas às relações humanas, do materialismo histórico, e muito menos sobre as leis da dialética materialista, que é um método de investigação, destinada a lutar pela supremacia da inteligência humana contra o cativeiro dos materialismos vulgares. como o sensualismo, o utilitarismo e o materialismo econômico, que são mais frutos do regime capitalista em decadência. Quer dizer: o Marxismo é também doutrina de libertação e de cultura espiritual.

V — Voltando, pois, ao curso da História, observamos que o primitivo comunismo, o escravismo, o feudalismo, o capitalismo, o socialismo e o moderno comunismo são resultados de leis que regem a evolução da sociedade. Destarte, vale afirmar que o socialismo atual da China é um fenômeno científico. Logo, para julgá-lo, não poderemos, qualquer que seja a nossa crença religiosa ou filosófica, dispensar a dialética materialista, que é um método — venha com que nome venha — aplicado ao exame da Natureza em geral, por meio do pensamento humano.

Ora, se perguntarmos a um espírita (adepto do puro cristianismo), a um teosofista ou a qualquer espiritualista que aceite a reencarnação, se a Humanidade está sujeita à lei do Progresso, ele responderá afirmativamente, sem embargo das contra-marchas, provocadas pelos retardatários (Liv. Esp.. 788, 781).

A resposta confere com a ciência materialista, à Marx, pela qual “a aplicação de uma nova lei, que fere os interesses das forças da Sociedade moribunda, encontra a mais forte resistência por parte dessas forças” (Stálin — “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS). Daí, nasceu o “Partido Comunista”, para “vencer essa resistência” (Idem).

Logo, o Partido Comunista Chinês, como decorrência do Progresso, também se enquadra na categoria de um fenômeno científico, distinto das pessoas que o dirigem, e, por isso mesmo, a elas cabe a responsabilidade dos erros decorrentes, que, entretanto, como argumento contra a leviandade dos censores, são um nada, em face da grandeza dos sacrifícios, a que elas se submetem, da missão cumprida.

VI — Mas, como vimos, os reacionários criam uma infinidade de sabotagem ao socialismo, que é progresso em relação ao capitalismo.

Desse modo, os novos regimes socialistas, por instinto de legítima defesa da sociedade, cerceiam, relativamente, a liberdade, isto é, veem-se obrigados, por seus pró-homens, a estabelecer uma ditadura, de natureza especial ou singular, não sobre o povo (como são as ditaduras do capitalismo, — e ai estão as recentes eleições orais da Guatemala, com o povo inerme, frente à polícia armada), mas sobre os inimigos da libertação política e econômica da Nação, ditadura, todavia, que irá desaparecendo, à medida do fortalecimento do socialismo. Resguarda-se, com isso, uma “lei natural” contra “estados da natureza” (argumento analógico das reps. 776, 778, 794-796 e 840-842, Liv. Esp.).

A História ensina que, em todas as fases de transição revolucionária, a liberdade passa por crises, por causa da resistência das velhas ideias.

Assim foi com a Revolução Francesa, de 1789. Somente, depois, a França se reconstituiu juridicamente. A Revolução proletária de 1917 só formulou sua Constituição, em 1936. A China, agora, após cinco anos de reajustamento, promulgou sua Carta Magna.

O que a China não consente é a liberdade de propaganda do sistema decaído (ver arts. 18 e 19 da sua nova Constituição), da mesma forma que o Brasil refrearia as conspirações monárquicas e qualquer tentativa restauradora da escravidão extinta pela lei de 13 de maio.

VII — Depreende-se, então, que as declarações de Attlee contra a liberdade de pensamento no mundo socialista não podem ser julgadas isoladamente, porque contrariam as verdades teóricas do Marxismo. E são suspeitas, porque descendem de “Partidos”, que se formam para barrar, capciosamente, os passos do verdadeiro Socialismo.

Por isso mesmo, tais Partidos procuram mistificar o povo, sob a bandeira de verdades respeitáveis (amor à justiça social, e à liberdade), com as quais tentam encobrir a adulteração maliciosa dos fatos que examinam (a prática da teoria marxista).

Attlee vangloria-se de “trabalhista” e “socialista”. No entanto, apoiou, ultimamente, o rearmamento da Alemanha Ocidental, o que atenta contra as normas socialistas, porque o socialismo marxista, combatendo a exploração do homem pelo homem, a qual equivale a um “estado da natureza” e não a uma “lei natural”, por “contrária à lei de Deus” (resp. 778 e 829, Liv, Esp.), condena, ipso facto, a guerra, que é a mais cruel das explorações, e, correlativamente, defende a independência da Pátria, dentro da unidade da Paz universal (resp. 789, Liv. Esp.).

De qualquer modo, porém, Attlee não desconhece a prosperidade da China Popular, comparada com a do governo anterior. A agricultura moderniza-se. Incrementam-se as indústrias pesadas. Popularizam-se os institutos de Ciência e de Arte. E isso é que deveria merecer a melhor atenção do nosso equivocado anônimo.

VIII — O povo chinês, libertando-se dos trustes estrangeiros, entrou, de fato, no gozo de sua plena liberdade, que os povos, colonizados pelo capital imperialista, não podem desfrutar. E entrou, de fato, — consideremo-lo bem —, porque, de direito, o marxismo-leninismo não separa da teoria a prática, sob pena de não ser, como é, a ciência da libertação do trabalho e do pensamento.

Sem a liberdade econômica dos povos (liquidação da exploração do homem pelo homem), não haverá mundo livre.

A burguesia, derrubando o feudalismo, concorreu para essa libertação, mas não a resolveu, porque representa uma classe privilegiada.

A questão social, no momento, gira em torno do poder político e econômico, cujo lugar a classe operária quer conquistar, por direito, e a burguesia se nega a desocupar. Já Eduardo Prado, católico e monarquista, reconhecia, há 60 anos, esse direito da classe operária (A Ilusão Americana).

Por outro lado, a teoria marxista defende, de preferência, o operariado, porque ele constitui a maioria da sociedade, e é a fonte direta da produção social.

Recomendando o aceleramento da luta de classe, o Marxismo fá-lo por tática, para apressar o advento da comunidade sem classes, e, pois, por princípio, rejeita o antagonismo das classes, só extinguível com a vitória do operariado.

Mas, como se sabe, o ritmo da vida social processa-se desigualmente, em diversos países. Atendendo a essas condições objetivas, o Partido Comunista não tenta erradicar, de vez, a burguesia (arts. 8e 9 da Const, Chinesa), mas não dispensa a prioridade de direção da classe operária. (art. 12 da dita Const.), porque, só assim, se eliminam os privilégios de classe, e se nivelam, futuramente, os direitos humanos, numa sociedade igualitária (Liv. Esp., 793, 930, 931).

O Partido Comunista identifica-se, desse modo, em tese, com a lei natural da Justiça.

Ora, nenhuma religião, nenhuma filosofia, nenhuma doutrina conseguiu aplicar essa lei da justiça social, ou construir o pacífico socialismo, secularmente sonhado pelos ideólogos. Isso, entretanto, se está cristalizando agora, com o socialismo científico. Por outros termos, para melhor agrado dos cristãos: respeitaram-se as leis naturais do amor e da fraternidade, mediante a aplicação da justiça econômica no campo realístico da igualdade dos direitos humanos.

E o sistema preferido combina exatamente com a previsão do “Livro dos Espíritos”, quando, atribuindo ao egoísmo a causa dos nossos males, aconselha que, para destruí-lo pela raiz, “é necessário que se REFORMEM AS INSTITUIÇÕES HUMANAS, que o ENTRETÉM E EXCITAM” (resps. 913 e 914).

Ora, o capitalismo depois de sua fase reequilibradora, Começou pela sua própria natureza individualista, a degradar-se, “entretendo e excitando” o voraz egoísmo de que os trustes se constituíram o mais graduado instrumento.

O socialismo, como vimos, reforma esses costumes hipócritas e cria, por uma nova educação correspondente, outra mentalidade, franca, com fundamento na justiça, no amor e na ciência.

Logo, o cristão só poderá combater, eficazmente, o egoísmo, através da luta pelo advento do socialismo científico, — o que só é possível, aderindo aos princípios do marxismo pedagógico ou da dialética materialista, que edifica “o direito de cada qual se pertencer a si mesmo. ( Liv. Esp. resps. 829,. 832, 842).

Allan Kardec apontou a causa do mal, mas não nos instruiu sobre os meios científicos de destruí-la. Essa missão estaria, como está, reservada ao trabalho dos homens, (V. 1 Gênesis, cap. XVIII, n. 25, Obras Póstumas, pág. 209), isto é, ao Socialismo.

Foi o que tentamos demonstrar nas cartas ao nosso amigo Leopoldo Machado.

IX — Daí, a razão por que o espírita, ignorante da sociologia marxista, como, presumivelmente é o caso do observador que nos pretendeu instruir, e cuja boa intenção agradecemos, não está capacitado para fazer um exato conceito do livre arbítrio e da liberdade; só por leituras, — repetimos, —, dos livros de Kardec, que generalizou ideias sobre as “leis morais”, (“leis naturais”, resp. 648 Liv. Esp.), mas não nos ensinou a técnica do seu conhecimento e da respectiva aplicação social.

Só assim se explica a ingenuidade de revistas espíritas publicando retratos e notícias lisonjeiras de estadistas reacionários, porque assistem a “sessões espíritas”, e se dizem defensores da “civilização cristã”, mas que, como Truman, seriam capazes de arrasar, com a bomba atômica, duas cidades indefesas do Japão, e que, como Eisenhower, implantam o fascismo na sua própria terra, para facilitar a ditadura mundial e monopolista do dólar, para fins de guerra e de dominação (comentário de Kardec às resps. 781 e 793. V. — resp. 877).

X — Mas, se, para o piedoso anônimo, a palavra de um inglês prova, bastantemente, a intolerância dos governos socialistas, vamos contestá-la, com o depoimento, que sublinhamos, de uma delegação inglesa, divulgado pela imprensa.

O Soviete dos Deputados e Trabalhadores (Conselho Municipal) realizou, pela primeira vez na sua história, uma sessão na presença de parlamentares estrangeiros. Os parlamentares britânicos foram testemunhas de Críticas dos Conselheiros de Moscou, por terem cumprido mal a tarefa do aprovisionamento da cidade. Os britânicos declararam-se surpresos, em face da frequência com que se operavam as críticas e autocríticas no seio do Soviete de Moscou”,

XI — Em suma:

O socialismo é a paz, o emprego, a cooperação fraternal, a solução dos problemas pelos canais da Ciência.

O capitalismo imperialista costuma solucionar os problemas sociais, sombra dos interesses da classe plutocrática, que vai ao ponto de escravizar cientistas. É a desordem, o egoísmo, a estupidez, a sucção do sangue da humanidade.

Nos países socialistas, há mais liberdade, porque as leis se promulgam, em função do trabalho popular (arts. 15 e 16 da nova Const, Chinesa). Nos países capitalistas, em função da propriedade particular da burguesia.

Os países socialistas praticam a liberdade do comércio internacional e se socorrem, mutuamente, como aí estão as suas demonstrações em favor do fato de coexistência pacífica, que foi o primeiro passo do governo de Lênin, convidando os beligerantes da guerra de 14 a celebrarem a Paz.

Os governos capitalistas impedem essa liberdade, como fazem com o Brasil, ora privado de comerciar direta e livremente com a China e a U. R. S. S., mercados consumidores, de 800 milhões de habitantes. Isto, porque o nosso governo capitulou, ante as exigências dos trustes norte-americanos.

Enquanto a União Soviética ofereceu à Polônia um Palácio da Cultura, em Varsóvia, e empresta dinheiro, materiais e serviços à Coreia do Norte, à China, à Índia, etc., sem nenhuma restrição à liberdade política e econômica desses países, — os Estados Unidos só contraem empréstimos, mediante condições que garantam a supremacia do dólar, e a influência político-econômica norte-americana nos destinos do país contratante.

Os filósofos norte-americanos, comparsas dos dirigentes imperialistas, pregam o racismo e a geopolítica, com que procuram justificar a sua predominância no mundo, e a liquidação física dos chamados povos inferiores.

A própria forma da Terra abole a moral e sanciona o extermínio dos fracos pelos fortes” (Spykman — Leia-se, na Rev. “Problemas, n. 57, maio de 1954, o fulminante artigo “A Geopolítica, arma ideológica dos imperialistas dos Estados Unidos”).

Essa política, segundo a ciência marxista, é, inapelavelmente, condenada pelos governos socialistas.

Eis por que os comunistas, dignos desses nome, são patriotas e humanistas. Se o indivíduo não deve ser explorado por outrem, com maioria de razão os povos, ou nações, não devem ser dominados por outros povos ou nações (Liv. Esp.. com. à resp. 781 e resp. 789, in fine). Donde se deduz que os financiadores do capital imperialista e seus agentes, alienígenas, subpõem aos seus interesses a Pátria, a família e a liberdade religiosa, como os fatos provam em todos os países capitalistas, onde os patriotas e democratas são perseguidos e castigados, a título irrisório de “comunistas” e “traidores da Pátria”, à imagem dos “hereges” da Idade Média, que se rebelavam contra o obscurantismo e a corrupção.

Os trustes é que não têm pátria, desrespeitam a propriedade particular, e são, de fato, ateus.

Os marxistas, ao contrário, defendem o nacionalismo ligado ao internacionalismo. A Humanidade é o conjunto das nações, que necessitam de segurança própria, decorrente, porém, da segurança da Humanidade.

Não cogitam, é certo, da existência de Deus, mas, lutando pela grandiosa obra do Socialismo, lutam pela justiça da solidariedade universal, — único meio que “nos leva ao Céu” (Parábola do Samaritano, Evangelho de Jesus).

XII — Os filósofos capitalistas admitem como “lei natural” o conceito darwiniano da “luta pela vida”, em que imperam as forças egoísticas da concorrência desenfreada, com todo o seu cortejo de iniquidades e misérias. É o “salve-se quem puder”, o homo lupis homini.

Mas, para o socialismo marxista, essa luta é “um estado da Natureza” (palavras de Kardec), e, desse modo, adotando outros mandamentos pedagógicos, a doutrina marxista submete a “luta pela vida” ao poder da inteligência, que educa, pelo estímulo sadio, e pela cooperação do trabalho, mesmo obrigatório (“quem não trabalha não come”), para que possamos vencer os nossos instintos bestiais e os caprichos cegos da Natureza.

Um — o capitalismo — é a desordem, a submissão da nossa vontade à materialidade da Natureza.

O outro — o socialismo — é a submissão da natureza material á vontade esclarecida do homem, para a consolidação da Paz e da fraternidade.

Pelo sistema socialista, a própria organização planificada do trabalho elimina a preocupação angustiante do ganha-pão, proporcionando-nos tempo para aperfeiçoar a inteligência, e nos libertando da fúria dos lucros mercantis, que, no capitalismo, embaraçam a amplitude do pensamento criador, e .atrofiam o estudo das leis da biologia e da Natureza, — motivo por que a União Soviética é, hoje, a nação de maior quantidade de técnicos e cientistas. À inauguração de um Instituto Científico, de Leningrado, há pouco, compareceram 500 astrônomos.

XIII — O Socialismo respeita as leis, que o capitalismo tem deturpado, da conservação e reprodução da espécie.

Isso nos leva a dizer, com segurança, que o Socialismo reabilita a propriedade e a maternidade. “A propriedade legítima é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem” (resp. 884, Liv, Esp.. que, assim, confirma a ilicitude da exploração do homem pelo homem).

E a maternidade, de que depende o grau demográfico de um povo, encontra obstáculos à sua função natural, nos paises capitalistas, onde a abundância de filhos cria situações insolúveis para os pais, por falta dos meios de subsistência, — o que não ocorre no regime socialista, onde os problemas se colocam sob a égide da Ciência, em face da unidade das classes trabalhadoras e “da organização social e previdente” capaz de regular, estatisticamente, todas as necessidades, inclusive a da reprodução da espécie (V. Liv. Esp., resp. 693 e 930).

XIV — Pode-se avaliar, desses contrastes, a extensão e a profundidade do nosso obscurantismo, dificultando, e proibindo mesmo, em nossas escolas, o ensino do Marxismo, que, na União Soviética e nos demais países da democracia popular, faz parte dos programas do curso secundário.

Por isso, em face do liberalismo democrático, achávamos que as sociedades espíritas deveriam incorporar, nas suas doutrinações, a critica do Marxismo, à guisa das cadeiras de “legislação comparada”, das nossas Escolas de Direito.

A decisão não significaria “propaganda comunista”, nos termos geralmente usados, mas uma afirmação de que o Espiritismo é, também, cultura sociológica.

Não se trataria de “agitação política”, mas de uma ampliação do estudo dos fenômenos sociais, a serviço do Conhecimento Geral.

Com efeito, O Comunismo não passa de estado de coisas, a que se pretende chegar, e em que se extinguirá, por completo, a propriedade privada da produção social, que, ora, pelos comerciantes e proprietários, em regime de concorrência, é explorada, a benefício próprio (a burguesia).

Ele, porém, depende do elevado nível da produção econômica, que, por sua vez, é uma consequência do conhecimento das leis da Natureza, como as da eletricidade e das demais fontes da energia. Foi o que fez Lênin dizer que “comunismo é eletricidade”.

Tais leis, porém, foram descobertas pela inteligência humana. Assim, em última instância, as leis do materialismo histórico e dialético resultaram do esforço progressivo do espírito, o que nos faz concluir que as duas filosofias antagônicas (materialismo e espiritualismo) se concertarão neste ponto; a causa do progresso social reside na iluminação da inteligência, provocada pelos fatores e interesses econômicos (V. Liv. Esp., resps. 132, 783).

Só o que há é que, perante o Marxismo filosófico, a inteligência é uma função, desenvolvida, do cérebro, ao passo que, perante o Espiritismo, é do espírito. Isto é: se o pensamento é o resultado da matéria evoluída, segundo os materialistas, bem se pode conceber, teoricamente, que ele pode, subsequentemente, gerar outras formas de matéria irradiante e quintessenciada, liberta (o espírito), — dado que não há limites à evolução da energia. Justamente o fenômeno espírita, confirma, na prática, a concepção teórica em apreço.

Ora, evidentemente, o estado de coisas previsto (Comunismo) não é incompatível com as crenças particulares, nem com a liberdade das apreciações filosóficas sobre a genealogia do Espírito, objeto de uma controvérsia, que se desenrola à parte das lições da experiência histórica do mundo em que vivemos, sem que contrarie a interdependência dos fenômenos da Natureza (comentário de Kardec à cit. resp. 132) (idem resp. 540 Liv. Esp.).

A compatibilidade, no caso, reforça a tese, que continuamos a sustentar, da insubsistência do chamado “comunismo ateu” ou “comunismo materialista”. Os radicais marxistas, sim, não creem em Deus, por descrerem de qualquer religião, e às opiniões de alguns se deve esse refrão que contestamos. É que eles, por serem os consequentes defensores do socialismo-comunismo, unificaram-no ao materialismo, para, daí, concluir que o comunista deve ser, também, ateu.

Se não somos os equivocados, achamos, nessa indistinção, uma confusão de ideias.

Em rigor, “Comunismo” não é doutrina, nem causa, mas efeito da evolução histórica, que determinou uma doutrina, que, por sua vez, acelera novos impulsos ao progresso, devido à lei de reciprocidade ou causalidade. É como o feudalismo, o escravismo, o capitalismo, que são tipos ou sistemas constitucionais da vida política e social de um povo. Ninguém diz que qualquer desses sistemas é ateísta, uma vez que todos eles dispõem sobre interesses comuns, em garantia da ordem, da justiça, da liberdade e de outros direitos inerentes à segurança de cada indivíduo, em sociedade.

As pessoas pensam, desigualmente, em matéria de religião, mas a sua maioria absoluta ainda professa religião ou o religiosismo. Daí, a necessidade do Estado leigo.

Ora, o Comunismo difere do conceito estatal em voga (Estado, violência latente), mas, de qualquer modo, sendo um tipo de organização social, que exige disciplina, pode ser chamado “Estado Comunista”, em falta de outro termo mais significativo, ou, se quiserem, “Democracia comunista”.

Nestas condições, “Comunista”, em verdade, é o que é adepto do Comunismo.

Ora, se o Estado — representando o conjunto dos interesses sociais organizados — é neutro em relação aos sentimentos pessoais dos cidadãos, — já o mesmo não acontece com esses, dos quais aquele tem o dever de garantir a liberdade moral, e o direito, por outro lado, de lhes negar a neutralidade, diante da defesa do interesse público. O Estado que se afastar desse caminho, passará a ser um Estado autocrata, que concentra a força policial, para prestigiar uma minoria partidária, ou as pessoas dos ditadores.

Portanto: o comunista, partidário do Comunismo, é livre nas suas concepções religiosas e filosóficas; pode ser, ou não, espiritualista, mas não pode, sob pena de contradição, ficar neutro na defesa do regime, que lhe assegura, precisamente, a liberdade econômica e, corolariamente, a liberdade moral, regime que é, por excelência, o objeto do Marxismo.

Por isso, todo comunista é marxista, mas com restrições, dos fundamentos filosóficos do Marxismo sobre o conceito da matéria, isto é, pode ser totalmente marxista (materialista), ou pode sê-lo, apenas, com relação à doutrina histórica da libertação popular, e não aceitar as razões da filosofia biológica, e, desse jeito, ser espiritualista.

Como, igualmente, pode divergir da orientação dos Partidos comunistas, sem prejuízo, porém, da unidade operária, como, por vezes, fazem certos dissidentes, criando novos “Partidos comunistas” ou “socialistas”, para gáudio do faciosismo divisor, que enfraquece a causa comum.

Concomitantemente, a moral espírita abraça a moral comunista, em face do dever de solidariedade humana, alheia a crenças religiosas (parábola do Samaritano). Tem, porém, fundamentos mais amplos e profundos, retirados de uma fenomenologia, que os marxistas ortodoxos repelem, por ilusória ou metafísica (V. Engels, “Dialética da Natureza”); mas, por indiscutivelmente real, é tão lógica quanto o Marxismo, enquanto não provarem a suposta ilusão metafísica, ou salvos se provarem, cientificamente, que a causa do fenômeno não procede do espírito imortal, mas do corpo mortal.

— A veneranda Federação Espírita Brasileira tornou-se, como se sabe, propagandista do Esperanto, cujas organizações, nos diversos países, se afastam das discussões políticas e religiosas, mas propagam — o que não deixa de interessar a alta Política da coexistência pacífica dos povos — o nacionalismo e o internacionalismo linguísticos, isto é: pleiteiam dos governos a oficialização do Esperanto, sem prejuízo da língua nativa, de modo que a Humanidade se limite ao uso de duas línguas, — a nacional e a internacional.

Aí está uma bela obra de confraternização, que se amolda Perfeitamente, ao Cristianismo, — fundamento lógico do ato da Federação Espírita Brasileira.

Assim também poderia proceder em relação ao atualíssimo problema social do Comunismo, pelo modo por que o situamos no plano terreno.

XV — Resultado final: — entre as duas civilizações, a do capitalismo e a do Socialismo, ou a da Norte-América e a da União Soviética, o cristão não pode sequer titubear, sob pena de querer, servir a Mamon e a Deus. Quer dizer: o cristão que se diz antissocialista ou anticomunista, por ignorância, por venalidade ou por que seja, não é, de qualquer forma, um moderno cristão, porque não penetrou na essência progressista do Cristianismo, que a doutrina espírita vivificou, harmonizando-o com a Ciência, de que o Marxismo, em sociologia política e econômica, é a mais alta expressão.

E o homem, intelectualmente honesto, deve fazer da Ciência o guia principal do seu pensamento e das suas ações em sociedade.

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Sem essa orientação, o Espiritismo deixa de ser cultura, porque se limitaria ao estudo subjetivista da alma.

A filosofia espiritualista clássica baseia-se em tal subjetivismo, motivo por que a crítica dos marxistas a renega, sob a fórmula das seguintes considerações:

O subjetivismo da ciência é o esforço para privar as leis da Natureza e as leis da Sociedade de seu conteúdo objetivo, ou para substituir o método científico objetivo de conhecimento por um método subjetivo qualquer.”

Por isso, não pode existir “subjetivismo em sociologia”.

O idealismo é o ponto de vista subjetivista”.

Exemplo de método subjetivo: “a futilidade dos raciocínios sobre a alma

Procura-se edificar a fisiologia e a psicologia sobre a base da introspecção”.

Em consequência das deformações subjetivistas na fisiologia, subsistem ainda ideias — das quais muitos ainda se não livraram — sobre a ALMA, a PSIQUE, consideradas como entidades misteriosas e incognoscíveis, às quais se não podem aplicar as normas habituais da pesquisa rigorosamente científica e objetiva”.

Mal grado os pontos de vista dos subjetivistas, dos machistas, dos agnósticos, os resultados obtidos pela física moderna demonstram o caráter objetivo da Ciência, a cognoscibilidade das leis da Natureza, a capacidade da ciência de penetrar nos segredos mais profundos do sistema do Universo”.

A luta da Ciência materialista de vanguarda contra as teorias subjetivistas e as demais teorias idealistas é, em suma, uma das expressões da luta implacável que a história vê desenvolver-se entre as classes, entre a classe operária e a burguesia, entre o Socialismo e o capitalismo”. (“Contra o subjetivismo nas ciências da Natureza” — artigo I. Zhdanov, in Problemas”, N 47. julho de 1953).

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A verdade, porém, é que Allan Kardec, em face da objetividade dos fenômenos psíquicos, alheios à vontade e ao pensamento do “médium” e dos assistentes, vinculou o espiritualismo aos ramos da ciência positiva ou materialista, desanuviando, destarte, do “mistério” e da “incognoscibilidade” o problema da alma. Foi o mesmo que libertar a doutrina crista do subjetivismo das religiões. Só assim, em verdade, ela poderia adaptar-se ao Socialismo científico, para não se acomodar às ideias oportunistas e muçulmanas. Abandonando os métodos subjetivos, Allan Kardec, pedagogo, discípulo de Pestalozzi, quis, com isso, provar que a alma não é uma “entidade misteriosa e incognoscível”, mas uma realidade histórica, ainda que adulterada. E que, nessas condições, não poderia encobrir qualquer sentido de “privar as leis da Natureza e as leis da Sociedade do seu conteúdo objetivo”, ou de desprezar “o método científico objetivo do conhecimento por qualquer método subjetivo”.

Desse modo, a interpretação progressista, de Kardec, supressas as contradições, por força dos novos tempos, conforme a nossa análise anterior, estabelece o seguinte dilema para os homens de Ciência: ou o fenômeno espírita é uma lei da Natureza, e, portanto, fundamenta a criação de uma disciplina pedagógica especializada, ou representa uma visão subjetiva, semelhante à dos alucinados, e, pois, já prevista e incorporada à medicina materialista.

Isso quer dizer que Kardec, de qualquer maneira, teve o mérito de revolucionar o secular problema da filosofia espiritualista, e de obrigar a ciência materialista a estudá-lo, por um novo aspecto.

O Espiritismo forçou os cientistas à abertura de um concurso de filosofia, em torno da tese da imortalidade do espírito. Em face dos FATOS ESPIRITAS, os alicerces da filosofia materialista abalaram-se, com o consequente descrédito do dogmatismo da ciência oficial no caso.

Se a veracidade do fenômeno espírita não se manifesta no seio da natureza objetiva, mas, como uma ilusão na mente de determinadas pessoas, segundo os materialistas, é certo, todavia, que esses não puderam explicar-lhe, convincentemente, as causas.

Resulta, então, que a hipótese espírita continuará de pé enquanto não contestada com dados científicos. E foi essa a conclusão a que chegou o sábio fisiologista Carlos Richet, como já havia sucedido com o seu colega italiano Ernesto Bozzano. Ao livro de Silva Meio, “Mistérios de Além Túmulo”, responderam, documentadamente, Carlos Imbassahy e Pedro Granja, em “Fantasmas, Fantasias e Fantoches”.

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Para a doutrina de Kardec, “a capacidade da Ciência, de penetrar nos segredos mais profundos do sistema do Universo” significa a mesma capacidade crescente da nossa inteligência, ou a penetração progressiva do Espírito nos éditos da Natureza.

A doutrina dos espíritos assinala precisamente que o desenvolvimento da História é obra do pensamento humano, sob o império das forças ambientais e dos fatores complexos das relações econômicas, que, por sua vez, se relacionam com as lutas do próprio espírito humano, pesquisando, descobrindo leis e aplicando-as às surgentes necessidades sociais.

Daí ser exato que o antagonismo capital entre as duas filosofias consiste, como escreveu Engels, no “modo de encarar o problema filosófico de relação entre o pensamento e o ser, ou entre o espírito e a Natureza”.

Para os marxistas, o progresso resulta, principalmente da ação da natureza material (leis físicas, do Cosmos, e leis econômicas, da sociedade humana). Mas, para os neo-espiritualistas, a Natureza é que se subordina à Ciência, como obra da inteligência evoluída dos homens, e, por conseguinte, o que prevalece, em última instância, no Universo, é o poder imortal do espírito, como o verdadeiro determinismo da vida.

O espírito é a energia que se intelectualiza, por efeito de energia maior, criadora, a que, por conveniência de entendimento comum, se convencionou chamar DEUS.

E essa nova concepção espiritualista concilia-se, perfeitamente, com a doutrina atual do Socialismo, que, pela filosofia marxista, é, por fim, a aplicação científica das leis naturais da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, — conclusão concorde com a teoria de Kardec, para quem as três palavras constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social CAPAZ DE REALIZAR O MAIS ABSOLUTO PROGRESSO DA HUMANIDADE” (“Obras Póstumas”).

Bahia, Outubro de 1954.
EUSÍNIO LAVIGNE


Notas de rodapé:

(1) De fato, Jesus, segundo a sua sentença de morte, foi condenado, como “homem sedicioso, contrário ao grande imperador Tibério César” “Congregando muitos homens ricos e pobres, não tem cessado de promover tumultos”, “negando o tributo de César”.
Eis por que Rui Barbosa comentou: “Foi como agitador do povo e subversor das instituições, que se imolou Jesus”. (Dita “sentença”, reproduzida, com o comentário de Rui Barbosa, pela revista portuguesa “Estudos Psíquicos”, Lisboa, dezembro de 1954) Veja o Cap. VII: Carta de um espírita a um pregador de Espiritismo”. (retornar ao texto)

Inclusão 15/08/2018