Discurso a favor da participação nas eleições para a Assembleia Nacional

Rosa Luxemburgo

1918/1919


Obervação: Intervenção no Congresso de fundação do Partido Comunista Alemão - 30 de dezembro de 1918 a 12 de janeiro de 1919

Tradução: Isabel Maria Loureiro - Esta tradução foi feita de acordo com a seguinte edição: Rosa Luxemburg, Gesammelte Werke, Vol.4, Berlim, Dietz Verlag, 1987. A terceira parte, a única vertida para o francês, foi cotejada como a tradução de Claudie Weill. In Rosa Luxemburg, Oeuvres II (Ecrits politiques 1917-1918), Paris: Maspero, 1978. Os títulos das várias partes do discurso foram dados pela redação. Agradeço a Oswaldo Giacóia Júnior a leitura atenta e as sugestões dadas no tocante ao primeiro e ao segundo discurso.

Fonte: Editora e ano de edição não identificados

HTML: Fernando Araújo.


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Índice:

Discurso a favor da participação nas eleições para a Assembleia Nacional

Discurso contra uma organização político-econômica unificada do movimento operário

Nosso programa e a situação política

Todos nós, inclusive o companheiro Levi, encaramos a arrebatada oposição e o estado de espírito que aqui se manifestaram durante a sua exposição(1) com a alegria íntima proveniente da origem dessa oposição. Todos compreendemos e estimamos muitíssimo o élan revolucionário e a firmeza que todos vocês exprimem; e quando o companheiro Rühle(2) os adverte contra o nosso oportunismo, não fazemos caso dessas repreensões. Talvez o nosso trabalho não tenha sido em vão, se encontramos companheiros de partido tão decididos. O perigo provocado pelo nosso oportunismo não é assim tão grande quanto o companheiro Rühle o pintou. Estou convencida de que é nosso dever falar-lhes também, alto e bom som, sempre que temos opinião contrária à sua. Seriamos tristes representantes da Liga Spartakus, que enfrentou o mundo inteiro, se não tivéssemos coragem de nos opor aos nossos próprios companheiros.

A alegria, de que acabei de falar, proveniente do estado de espírito turbulento por vocês manifestado, não é sem mescla. Contemplo-a com um olho que ri, outro que chora. Estou convencida de que vocês querem construir o seu radicalismo de maneira um pouco cômoda e rápida demais; sobretudo os gritos de “votar depressa!” mostram isso. A maturidade e a seriedade não se encontram nesta sala. Estou firmemente convencida de que esse é um assunto sobre o qual precisamos refletir e que deve ser tratado calmamente. Fomos chamados a realizar as maiores tarefas da história mundial, e não é demais refletir, de forma madura e fundamentada, sobre os passos a dar para estarmos seguros de alcançar o nosso fim. Não se podem tomar decisões tão importantes de maneira precipitada. Sinto falta de reflexão, de seriedade, que não deve de forma alguma, ser excluída do elã revolucionário, mas unir-se a ele.

Quero dar um pequeno exemplo de quão irrefletidamente vocês querem decidir sobre coisas que carecem de madura reflexão. Um dos companheiros que aqui protesta de maneira particularmente violenta, impelido pela impaciência revolucionária, exige que, acima de tudo, não se perca tempo. Uma discussão sobre uma das questões mais importantes é chamada de perda de tempo. Esse companheiro referiu-se à Rússia; tal exemplo pode mostrar-lhes como não se perde tempo ao examinar se os argumentos apresentados são corretos. A situação na Rússia, quando a Assembleia Nacional foi dissolvida, era um pouco semelhante à da Alemanha atual. Vocês esqueceram, porém, que antes da dissolução da Assembleia Nacional, em novembro, algo diferente ocorrera, a tomada do poder pelo proletariado revolucionário? Vocês já têm hoje porventura um governo socialista, um governo Lênin-Trotski? A Rússia já possuía antes uma longa história revolucionária que a Alemanha não tem. Na Rússia, a revolução não começa em março de 1917, mas já no ano de 1905. A ultima revolução é, portanto, apenas o último capítulo, atrás dele está todo o período desde 1905. Nessas circunstâncias, alcança-se uma maturidade das massas totalmente diferente da de hoje na Alemanha. Vocês não têm atrás senão a miserável meia revolução de 9 de novembro. Temos que refletir maduramente sobre o que no momento mais serve à revolução, como devem ser vistas e formuladas suas próximas tarefas táticas.

Não sejam tão apressados, tenham paciência para ouvir até o fim. Pretende-se trabalhar no Parlamento com palavras de ordem. Isto não é o decisivo. Qual é, na Alemanha, o caminho mais seguro para educar as massas para a sua tarefa? Na sua tática, vocês partem da ideia de que, em 14 dias, se a população de Berlim sair às ruas, pode constituir em Berlim um novo governo. “Faremos aqui em 14 dias um novo governo.” Alegrar-me-ia, se esse fosse o caso. Porém, como político sério, não posso construir a minha tática sobre especulações. Certamente, tudo é possível. Devo dizer-lhe, camarada,(3) que, sobretudo com a nova mudança no governo, a próxima fase trará consigo um fortíssimo conflito. Porém, sou obrigada a trilhar os caminhos que resultam da minha concepção sobre a situação alemã. As tarefas são imensas, elas desembocam na revolução socialista mundial. Mas o que vemos até agora na Alemanha ainda é a imaturidade das massas. Nossa próxima tarefa consiste em formar as massas, em cumprir essa tarefa. Queremos chegar a isso através do parlamentarismo. A palavra deve decidir. Digo-lhe que, justamente em virtude da imaturidade das massas, que até agora ainda não souberam levar à vitória o sistema conselhista, a contrarrevolução conseguiu erigir contra nós, como um bastião, a Assembleia Nacional. Agora o nosso caminho passa por esse bastião. Tenho o dever de dirigir contra ele toda a razão, de lutar contra esse bastião, de entrar na Assembleia Nacional e de bater com o punho na mesa, a vontade do povo é a suprema lei. Aqui temos que decidir. Quando a massa estiver madura, o montinho, a minoria formada para dominar, entregar-nos-á o poder. Serão expulsos do templo aqueles que nada têm a fazer ah: nossos adversários, a burguesia, os pequenos burgueses, etc. Com isso eles não contam.

Você precisa ser consequente. Por um lado, você especula sobre uma tal maturidade da situação, sobre um tal poder revolucionário e consciência das massas que promete, em 14 dias, pôr em lugar da Assembleia Nacional um governo socialista. Por outro lado, diz que, se a Assembleia Nacional tiver êxito, a pressão das ruas irá varrê-la. Não pensa você que se propusermos às massas não colocar o voto na urna, as eleições serão diferentes? As eleições representam um novo instrumento da luta revolucionária. Você permanece preso aos velhos modelos. Para você existe apenas o Parlamento do Reichstag alemão. Você não consegue imaginar a utilização desse meio em sentido revolucionário. Pensa você: ou bem metralhadoras, ou bem parlamentarismo. Nós queremos um radicalismo um pouco mais refinado. Não apenas esse grosseiro ou ... ou. É mais confortável, mais simples, porém uma simplificação que não serve para a formação, nem para a educação das massas.

De um ponto de vista puramente prático, será que vocês podem dizer, de consciência tranquila, se decidirem pelo boicote – vocês, o melhor núcleo do operariado alemão, representantes da camada mais revolucionária –, será que podem garantir, de consciência tranquila, que as grandes massas do operariado seguirão realmente suas palavras de boicote, que participarão? Falo das grandes massas, não dos grupos que nos pertencem. Precisamos considerar os milhões, homens, mulheres, jovens, soldados. Pergunto claramente, camarada, se você pode dizer, de consciência tranquila, caso nós aqui decidamos boicotar a Assembleia Nacional, que essas massas voltarão as costas às eleições, ou melhor, erguerão os punhos contra a Assembleia Nacional? Não podem afirmá-lo de consciência tranquila. Conhecemos as circunstâncias que dominam as massas, o quanto ainda são imaturas. O fato é que o camarada justamente nos afasta, a nós, que queremos introduzir nessas cabeças o espírito revolucionário, da possibilidade de arrancar o poder à contrarrevolução. Enquanto nós somos pela atividade em sentido revolucionário, vocês, sem cerimônia, voltam as costas às maquinações contrarrevolucionárias, entregam as massas às influências contrarrevolucionárias. O camarada mesmo sente que não pode fazer isso.

De que maneira quer você influir nas eleições se de antemão explica que as consideramos nulas? Precisamos mostrar às massas que não há melhor resposta à resolução contrarrevolucionária contra o sistema conselhista do que frealizar uma poderosa manifestação dos eleitores, precisamente elegendo pessoas que são contra a Assembleia Nacional e a favor do sistema conselhista. Este é o método ativo que permite dirigir contra o peito do adversário a arma apontada contra nós. Vocês precisam compreender que aquele que levanta contra nós a suspeita de oportunismo, insistindo em que o tempo e o trabalho urgem, não teve tempo para examinar, de maneira calma e fundamentada, quer a sua, quer a nossa concepção.

Trata-se apenas de ver qual o método mais adequado para o fim comum de esclarecer as massas. Veja bem, camarada Rühle, nesta sala não existe oportunismo! Há na sua própria maneira de argumentar uma profunda contradição quando você diz que temo as desvantajosas consequências do parlamentarismo sobre as massas. Por um lado, você está tão seguro da maturidade revolucionária das massas que acredita instalar aqui, já em 14 dias, um governo socialista; acredita portanto na vitória imediata e definitiva do socialismo. Por outro lado, você teme, para essas massas, tão maduras, as perigosas consequências das eleições. Quero dizer-lhe com franqueza que eu, geralmente, não temo nada. Estou convencida de que a massa, desde o princípio, graças a toda a situação, nasceu e foi criada para compreender corretamente a nossa tática. Precisamos educar as massas no espírito da nossa tática, para que saibam utilizar o instrumento das eleições não como uma arma de contrarrevolução, mas, enquanto massas conscientes, revolucionárias, para aniquilar, com a mesma arma, aqueles que empurraram para as nossas mãos.

Concluo com a formulação: entre nós, no que se refere aos fins e às intenções, não há nenhuma diferença. Estamos todos sobre o mesmo terreno, combatendo a Assembleia Nacional como um bastião da contrarrevolução, querendo chamar e educar as massas para aniquilar a Assembleia Nacional. Põe-se a questão da conveniência e dos melhores métodos. O de vocês é mais simples, mais confortável, o nosso é um pouco mais complicado e, justamente por isso, considero-o capaz de aprofundar o revolucionamento espiritual(4) das massas. Além disso, a tática de vocês é uma especulação sobre o precipitar dos acontecimentos nas próximas semanas, a nossa encara o caminho, ainda longo, da educação das massas. A nossa tática leva em conta as próximas tarefas ligadas às tarefas da iminente revolução no seu todo, até que as massas proletárias alemãs estejam maduras para segurar as rédeas. O camarada luta contra moinhos de vento ao atribuir-me tais argumentos. Precisaremos recorrer às ruas. Nossa tática apoia-se no fato de que, nas ruas desenvolvemos a ação principal. Isso prova então que, ou bem o camarada quer empregar metralhadoras, ou bem entrar no Reichstag alemão. Ao contrário! A rua deve, em toda parte, dominar e triunfar. Queremos colocar dentro da Assembleia Nacional um sinal vitorioso, apoiado na ação exterior. Queremos explodir este bastião de dentro para fora. Queremos a tribuna da Assembleia Nacional Queremos a tribuna da Assembleia Nacional e também a das assembleias dos eleitores. Quer você decida assim, ou de outra maneira, fica conosco sobre um terreno comum, o terreno da luta revolucionária contra a Assembleia Nacional.


Notas de rodapé:

(1) A pedido da central da Liga Spartakus, Paul Levi, na sua exposição, defendeu a participação do jovem KPD nas eleições para a Assembleia Nacional. (Nota da edição alemã.). (retornar ao texto)

(2) Otto Rühle era porta-voz da maioria esquerdista no Congresso de fundação do KPD. (N.T.) Na sua intervenção, interpretando equivocadamente a correlação de torças na Alemanha, rejeitou a participação nas eleições para a Assembleia Nacional, vendo-a como oportunismo. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)

(3) A partir deste ponto do discurso, Rosa ora se dirige a Otto Rühle, ora ao conjunto da assembleia. (N.T.) (retornar ao texto)

(4) Em alemão: die geistige Revolutionierung. (retornar ao texto)

Inclusão: 22/01/2022