O Socialimo e a Educação dos Filhos

A. S. Makarenko


Terceira Conferência — A Disciplina


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A palavra disciplina tem vários sentidos. Para uns corresponde ao conjunto de regras de conduta outros chamam disciplina os hábitos já formados educados no homem, outros ainda só vêem na disciplina obediência. Todas essas opiniões se aproximam mais ou menos da verdade, mas é indispensável, para um bom trabalho pedagógico, ter uma idéia mais exata da «disciplina».

Costuma-se chamar de disciplinado um homem que se distingue por sua obediência. É evidente que na maioria dos casos exige-se do homem que cumpra rápida e exatamente as ordens e as disposições dos organismos ou indivíduos que lhe são superiores, mas, no entanto, na sociedade soviética, a obediência é um aspecto muito deficiente da disciplina; a simples obediência não nos pode satisfazer e a obediência cega, como a que era em geral exigida antigamente na escola de antes da revolução, o é ainda menos.

Nós exigimos do cidadão soviético uma disciplina muito mais complexa. Exigimos não só que ele compreenda como e porque é preciso cumprir esta ou aquela ordem, mas que se esforce ativamente por cumpri-la do melhor modo possível. Ainda mais, exigimos que todo cidadão esteja disposto a cumprir, em todos os momentos de sua vida, seu dever, sem esperar uma ordem ou diretriz dada por outros, exigimos que possua iniciativa e forças criadoras. Esperamos também que faça verdadeiramente o que é útil e necessário à nossa sociedade, à nossa pátria, e que não recue diante de nenhuma dificuldade ou obstáculo. Ao contrário, exigimos que nosso cidadão saiba se abster de qualquer conduta ou ação que sejam úteis ou agradáveis apenas a ele próprio, e que possam ser prejudiciais aos outros ou à toda a sociedade.

Além disso, exigimos sempre que ele não se limite nunca ao estreito círculo de seu próprio trabalho, de seu setor de interesses, de sua mesa de trabalho ou de sua família, mas que aprenda a ver os problemas dos que o cercam, sua vida, seu modo de agir, saiba vir em sua ajuda, não só com palavras, mas com atos, mesmo se para isso tiver que sacrificar uma parte de sua tranquilidade pessoal. Mas, no que se refere ao inimigo comum, exigimos de cada homem uma resistência tenaz, uma contínua vigilância, sejam quais forem os contratempos ou perigos.

Em uma palavra, consideramos como disciplinado o homem que em qualquer circunstância sabe adotar a justa posição, a mais útil a toda a sociedade, que possui a firmeza de prosseguir sua ação até o fim, sejam quais forem os contratempos ou dificuldades.

É óbvio que é impossível formar um indivíduo assim disciplinado fazendo uso apenas da disciplina, isto é, do exercício da obediência. Um cidadão soviético disciplinado só pede ser formado pela soma das influências construtivas, das quais desempenham o papel mais importante, uma ampla educação política, a instrução geral, os livros, os jornais, o trabalho, a atuação social e inclusive as influências aparentemente secundárias, como o passatempo, a distração, o repouso. Da ação recíproca de todas essas influências resultará o verdadeiro cidadão bem disciplinado de nossa sociedade socialista.

Recomendamos especialmente aos pais que não esqueçam este importante princípio: não se cria a disciplina por meio de medidas disciplinares particulares, mas por todo o sistema de educação, por toda a organização da vida, pelo conjunto das influências que se fazem sentir sobre a criança.

Nesta concepção, a disciplina não é uma causa ou método, nem um processo educativo, mas seu resultado.

A disciplina correta é o objetivo a que deve aspirar, com todas as suas forças, o educador, utilizando-se para alcançá-lo de todos os meios em seu poder.

Por isso, todos os pais devem saber que ao dar a seu filho ou filha um livro, ao apresentá-los a novos amigos, ao conversar com eles sobre problemas internacionais ou sobre sua fábrica ou os êxitos stakhanovistas, estão procurando, entre outras coisas, comunicar-lhes uma disciplina mais ou menos elevada.

Para nós, pois, a disciplina é o resultado geral de todo o trabalho educativo.

Mas existe um setor mais estreito de trabalho pedagógico que se aproxima ainda mais da formação da disciplina e frequentemente se confunde com ela; é o regime.

Se a disciplina é o resultado de todo o trabalho pedagógico, o regime é apenas um meio, um processo de educação. A distinção entre regime e disciplina é muito importante e os pais a devem estabelecer perfeitamente.

A disciplina, por exemplo, pertence ao tipo de fenômenos dos quais exigimos perfeição. Desejamos sempre que reine a mais severa disciplina em nossa família e em nosso trabalho. Não pode ser de outro modo: a disciplina é um resultado e em todo o nosso trabalho estamos habituados a lutar pelos melhores resultados. Será difícil encontrar quem diga; «Nossa disciplina não é nenhuma maravilha, mas ela nos basta.»

Uma pessoa assim seria ou um pobre de espírito ou um inimigo de nosso sistema. Todo ser normal deve lutar para obter a melhor disciplina, isto é, o melhor resultado.

Outra coisa completamente diferente é o regime(1). Este, como já dissemos, não passa de um meio e sabemos, de um modo geral, que todo meio, qualquer que seja o domínio da vida, deve ser empregado quando serve aos fins desejados, quando é oportuno.

Eis porque podemos conceber a melhor disciplina e nos esforçarmos para alcançá-la mas não podemos conceber um regime ideal, um regime que seja o melhor para todos os casos. Um regime determinado pode ser conveniente em certos casos e não sê-lo em outros.

Não deve haver um só e único regime familiar válido para as mais diversas circunstâncias.

A idade das crianças, suas aptidões, o meio circundante, seus vizinhos, a dimensão de sua casa, seu conforto, o caminho que leva à escola, a animação das ruas e uma quantidade enorme de circunstâncias determinam e modificam o caráter do regime.

Para uma família de muitos filhos o regime deve ser um, diferente do regime de uma família com filho único. Um regime útil para uma criancinha pode ser prejudicial se aplicado a crianças mais velhas. Há também regimes particulares para as meninas, sobretudo para as mais velhas.

Desse modo, o regime não pode ser concebido como uma coisa Constante e imutável. Algumas famílias cometem este erro; acreditando firmemente no valor de um regime determinado, velam por sua invulnerabilidade, em detrimento dos interesses das crianças e dos interesses pessoais. Um regime imutável torna-se rapidamente letra morta, sem qualquer utilidade, só pode ser prejudicial.

Um regime não pode ser permanente, justamente porque não passa de um meio educativo. Cada educação persegue fins determinados, fins estes submetidos a um processo de modificação constante e de complexidade crescente.

Na primeira infância, per exemplo, um sério problema se coloca diante dos pais: como criar na criança o hábito da limpeza? Para atingir esse objetivo, os pais estabelecem um regime particular para os filhos, isto é, regras para a toalete, o uso do quarto de banho, do chuveiro, da banheira, regras para arrumar o quarto, a cama, a mesa.

Esse regime deve ser observado regularmente; os pais nunca devem esquecê-lo, devem velar por sua execução, ajudar as crianças quando estas não podem fazer uma determinada coisa, exigir dos filhos uma boa qualidade na execução dessas tarefas. Se tudo isso for bem organizado, será muito útil, pois chegará o tempo em que os hábitos de limpeza e de ordem se fixaram, em que as próprias crianças se negam a sentar-se à mesa com as mãos sujas. Então pode-se dizer que o objetivo foi alcançado» O regime necessário para isso torna-se supérfluo, o que não quer dizer absolutamente que deva ser abolido da noite para o dia.

Pouco a pouco esse regime deve ser substituído por outro, que servirá para fortalecer o hábito de limpeza que se formou e, quando este hábito se enraizou, novos objetivos se colocam diante dos pais, objetives mais complexos e importantes.

Continuar a se ocupar somente com a limpeza é um desgaste inútil de energia para os pais, desgaste que pode ser nocivo, pois que pode formar maníacos desalmados, que nada mais têm no coração que seus hábitos de limpeza e que, com medo de sujar as mãos, fazem seu trabalho de qualquer jeito.

Vimos, com esse exemplo sobre o regime da limpeza que a regularidade do regime é um acontecimento momentâneo e passageiro, e o mesmo se dá com qualquer outro método, uma vez que o regime não passa de um método.

Não se pode recomendar aos pais um só e único regime. Há muitos regimes que devem ser escolhidos segundo as circunstâncias.

Malgrado essa variedade de regimes possíveis, é preciso que se diga que o regime de nossa família soviética deve sempre se distinguir por propriedades particulares, obrigatórias, sejam quais forem as circunstâncias. Devemos ainda definir, nesta palestra, estas propriedades comuns.

Eis a primeira coisa sobre a qual chamamos a atenção dos pais: seja qual for o regime que escolhestes para vossa família, ele deve ser conforme ao objetivo determinado: as normas de vida devem ser introduzidas na família não porque foram adotadas por outra pessoa, nem porque seja mais agradável viver de acordo com estas normas, mas exclusivamente porque são indispensáveis para atingir o objetivo a que aspirais.

É essencial que esse objetivo seja bem definido, e na grande maioria dos casos, as crianças devem conhecê-lo.

De todas as maneiras, é conveniente, para vós e para vossos filhos, que esse regime tenha um fundamento racional.

Se exigis que as crianças se reúnam em uma hora determinada para fazer sua refeição ao mesmo tempo que os demais, as crianças devem compreender que esta ordem é indispensável para facilitar o trabalho da mãe ou da ajudante doméstica, e também para que toda a família tenha ocasião de se reunir diversas vezes por dia, ter unidade, compartilhar idéias e sentimentos.

Se exigis que as crianças não deixem restos nos pratos, elas devem compreender que isso é indispensável por respeito ao trabalho, dos que produzem artigos alimentícios, por respeito pelo trabalho dos pais e por razões de economia doméstica. Conhecemos casos de pais que exigem que "seus filhos façam silêncio à mesa; as crianças se submetem a isso, mas nem elas, nem os pais sabem porque essa regra foi adotada. Quando perguntam aos pais, estes explicam que se as crianças falam durante as refeições, podem se sufocar com a comida, o que é evidentemente absurdo, pois se sabe que todo mundo permite que se fale à mesa, sem que por isso tenha havido acidentes.

Quando recomendamos que os pais se esforcem por estabelecer um regime familiar razoável e de acordo com uma finalidade, devemos ao mesmo tempo prevenir aos pais que isto não quer dizer que devam viver explicando à criança a razão de tal ou qual norma, pois que se pode aborrecê-las com explicações e demonstrações contínuas.

É preciso procurar, na medida do possível, fazer com que as crianças venham a compreender, por si sós, as coisas.

Somente em caso extremo convém sugerir-lhes a idéia correta.

Convém, de um modo geral, procurar obter a fixação de bons hábitos na criança e o exercício, contínuo de atos corretos é o mais seguro meio para obtê-la: as contínuas explicações e perorações sobre o comportamento justo podem levar ao fracasso qualquer boa experiência. A segunda particularidade importante do regime é a de ser bem fixado.

Se se escova os dentes hoje, é preciso escová-los amanhã; se se arruma a cama hoje, deve-se repeti-lo amanhã. Se ontem a mãe exigiu que o filho, arrumasse a cama, não deve hoje deixar de exigi-lo para que ela própria arrume. Esta irregularidade tira toda a significação do regime e o transforma em um amontoado de disposições desordenadas e acidentais. Um regime justo deve-se distinguir por seu caráter determinado, sua precisão, e não deve permitir exceções, salvo no caso em que estas sejam verdadeiramente indispensáveis e provocadas por circunstâncias importantes. É preciso que reine em cada família uma ordem tal que a menor violação do regime seja logo notada. É preciso que se aja assim desde a mais tenra idade da criança: quanto mais severamente os pais velarem pela execução do regime, menos violações haverá e será menos necessário fazer uso de punições.

Chamamos particularmente a atenção dos pais para esse ponto: muitos imaginam erroneamente que não vale a pena criar um caso apenas porque o filho deixou de arrumar sua cama pela manhã. «É a primeira vez que isso acontece, e depois, não vale a pena estragar os nervos da criança por uma coisa tão sem importância como deixar de arrumar uma cama.» Este raciocínio é errado de ponta a ponta. Uma cama não arrumada é sinal da introdução de uma atitude descuidada e também de despreocupação pelo regime estabelecido, é o início de uma experiência que pode em seguida assumir a forma de hostilidade direta em relação aos pais.

A constância de um regime, sua exatidão e sua obrigatoriedade correm sério perigo se os pais não dão importância à norma, se exigem das crianças uma execução impecável, enquanto eles próprios vivem na desordem, sem se submeter a qualquer regime. É evidentemente normal que o regime dos pais seja diferente do das crianças, mas as diferenças não devem ser diferenças de princípios. Se exigis que vossos filhos não leiam à mesa, também não o devereis fazer. Se insistes com vossos filhos para que lavem as mãos antes das refeições, deveis exigir o mesmo de vós. Procurai arrumar vós próprios vossa cama; é um trabalho que nada tem de difícil ou vergonhoso. Esses detalhes são mais importantes do que se pensa em geral.

O regime familiar deve conter obrigatòriamente normas sobre os seguintes pontos: hora certa de levantar e de deitar, a mesma tanto nos dias de trabalho como nos dias de descanso; regras de asseio e limpeza, prazos e regras para mudança de roupa, modo de trajar, de limpar as roupas; que a criança se habitue a ter todas as coisas em seu lugar, a arrumar suas coisas depois de trabalhar e de brincar; as crianças devem, desde a mais tenra idade, aprender a fazer sozinhas a sua toalete, a utilizar a pia, o banheiro, a acender e apagar a luz quando for preciso. É preciso ter um regime especial na mesa. Cada criança deve saber seu lugar, apresentar-se à mesa na hora certa, comportar-se como é devido, servir-se da faca e do garfo, não sujar a toalha, não jogar comida sob a mesa, comer tudo o que tiver em seu prato e, conseqüentemente, não pedir mais do que o que pode comer.

Os períodos de trabalho da criança devem ser submetidos a um regime severo, o que se torna particularmente importante quando começa a freqüentar a escola. Mas, mesmo antes, é conveniente que se marque com precisão as horas de comer, brincar e passear.

É necessário dar grande atenção às questões dos movimentes. Muitos pensam que é indispensável para a criança correr muito, gritar e manifestar de um modo geral sua energia com violência.

Não se pode negar que as crianças precisam movimentar-se mais que os adultos, mas não se pode aceitar cegamente essa necessidade. É indispensável desenvolver nas crianças hábitos de movimentos orientados em direção a um objetivo, saber freá-la quando necessário. Em todos os casos, não se pode tolerar que corram e saltem pelo quarto; para isso existem as áreas e os jardins. É também indispensável habituar as crianças a controlar sua voz: os gritos, os uivos, os soluços são fenômenos da mesma natureza, que denunciam mais um estado nervoso da criança do que uma verdadeira e natural necessidade! Os pais são os principais responsáveis pela gritaria nervosa dos filhos. Não lhes ocorre erguer a voz até o grito, enervar-se, em vez de trazer uma atmosfera de tranqüilidade para a família?

O regime interno da família dentro do lar se acha quase que inteiramente nas mãos dos pais. O mesmo não acontece com a vida externa, pois as crianças passam parte de seu tempo fora de casa com os companheiros e patinando nas praças, e mesmo na rua. À medida que a criança cresce, o convívio dos companheiros vai tomando um papel cada vez mais importante. É evidente que os pais não podem dirigir inteiramente as influências dos companheiros do filho, mas resta-lhes a possibilidade de zelar por elas, e isto é o suficiente na maioria dos casos, se já se formou na família a experiência dos laços coletivos, da confiança e da sinceridade, se a autoridade familiar se fixou corretamente. Neste caso basta aos pais saber o mais exatamente possível o que rodeia seu filho ou filha. Muitos casos de mau procedimento da criança e mais ainda de manifestações de despreocupação por parte da criança teriam sido evitados se os pais conhecessem bem os amigos de seus filhos, os pais desses amigos, se acompanhassem de vez em quando os brinquedos das crianças, ou mesmo tomassem parte neles, passeando com elas, indo ao cinema ou ao circo. Esta aproximação ativa dos pais à vida dos filhos não é nada difícil e lhes daria prazer. Ela permite que o pai ou a mãe conheçam melhor a natureza das relações de amizade, permite aos pais se ajudarem mutuamente, e sobretudo lhes dá a possibilidade de trocar suas impressões com os filhos ou de exprimir em conversa com eles uma opinião sobre seus companheiros, sobre sua conduta, sobre o aspecto certo ou errado de um ato determinado, sobre a utilidade ou o aspecto prejudicial deste ou daquele divertimento infantil.

Eis, pois, a metodologia geral da organização do regime familiar.

Utilizando estas indicações gerais, cada pai e mãe podem elaborar sua organização de vida familiar do modo que melhor convém à sua família. O problema da forma das relações entre pais e filhos é dos mais importantes.

Neste terreno podemos encontrar os mais diversos exageros e desviações, que causam grande prejuízo à educação. Alguns pais abusam dos pactos, outros das palestras explicativas, outros dos apelos à ternura, ou ainda das ordens, dos incentivos, do castigo, alguns cedem em tudo, outros abusam da firmeza. Evidentemente, dentro da vida familiar há lugar para a ternura, para a conversa e para a firmeza e para os momentos em que é preciso ceder. Mas, quando se trata de regime todas essas formas devem ceder lugar à mais importante, à única e a melhor, a das disposições bem tomadas com antecedência.

A família é um problema muito importante que traz grandes responsabilidades. A família dá plenitude, felicidade, mas cada família, sobretudo em nossa sociedade socialista, se reveste de grande importância para todo o país. O regime familiar deve pois ser edificado, desenvolver-se e agir antes de tudo como uma verdadeira empresa. Os pais não devem temer adotar um tom formal. Não devem pensar que esse tom está em contradição com os sentimentos do pai ou da mãe, que pode levar a relações secas, à frieza. Afirmamos que só um tom sério e formal pode dar a atmosfera calma que é necessária à educação correta da criança no lar e ao desenvolvimento do respeito e do amor recíprocos entre os membros de uma família.

Os pais devem acostumar-se o mais depressa possível a empregar um tom calmo, equilibrado, afável, mas sempre firme, quando dão ordens e as crianças devem habituar-se, desde a mais tenra idade, a esse tom, habituar-se a se submeterem à ordem dada e a cumpri-la de boa vontade. Pode-se ser tão carinhoso quanto se quiser com a criança, caçoar com ela, brincar, mas sempre que for necessário, é preciso saber dar ordens breves, uma só vez, transmiti-las com ar e tom tais que a criança não duvide da correção dessas ordens e da necessidade de bem cumpri-las.

Os pais devem habituar-se a dar ordens muito cedo, por volta dos 18 meses ou 2 anos. Não é nada difícil. Basta que elas sejam conformes a estes princípios:

  1. Não devem ser dadas colericamente, com gritos ou enervamento, mas também de forma que não se assemelhem à súplica;
  2. devem estar à altura da criança, sem exigir-lhe demasiado esforço;
  3. devem ser sensatas, não entrarem em contradição com o bom-senso;
  4. não devem contradizer outras ordens dadas pelo pai ou a mãe;
  5. uma ordem dada deve ser cumprida. Não se deve dar uma ordem e esquecê-la.

Tanto para a família quanto para qualquer outra coisa é necessário um controle e uma verificação constantes. É evidente que os pais devem fazer o possível para que a criança não se aperceba desse controle; a criança não deve duvidar, de um modo geral, da necessidade de cumprir a ordem dada. Mas, por vezes, quando se confia à criança uma coisa mais complexa, em que a qualidade da execução tem grande importância, o controle visível é perfeitamente oportuno.

O que fazer se a criança não cumpre uma determinação? É preciso fazer, antes de tudo, que isso não ocorra. Mas, uma vez ocorrido, quando a criança vos desobedeceu pela primeira vez, é preciso repetir a ordem dada, mas em tom mais oficial, mais frio, mais ou menos nestes termos:

«Pedi a você para que fizesse isto, e você não o fez. Faça-o imediatamente, e que isto não se repita.»

Repetindo esta ordem pela segunda vez, e velando para que seja realmente executada, é preciso ao mesmo tempo observar melhor e refletir nas razões da aposição. Examinareis, ao mesmo tempo, em que medida, vós mesmos errastes, onde não agistes corretamente, o que não notastes e o que omitistes! Procurai evitar esses erros.

O mais importante é velar para que a criança não se habitue a acumular desobediências, e a violar o regime familiar. É mau, muito mau, permitir uma tal acumulação de experiências e deixar que a criança pense que não é indispensável executar vossas ordens.

Se atendeis a isto desde o princípio, não haverá necessidade de apelardes para o castigo.

Quando o regime se desenvolve corretamente desde o início, quando os pais velam atentamente pelo seu desenvolvimento, as punições não se tornam necessárias. Numa família bem organizada não surgem motivos para castigos, o que constitui o melhor método de educação familiar.

Mas, famílias há, em que a educação já está tão descuidada, que não se pode passar sem castigos. Geralmente nesses casos as famílias recorrem de modo inábil às punições, e pioram, mais do que melhoram as coisas. Castigar é muito difícil e exige muito tato e precaução da parte do educador e, por isso, recomendamos aos pais que o evitem o mais possível e procurem de preferência restabelecer um regime correto. Certamente é preciso muito tempo para consegui-lo, mas é preciso ser paciente e esperar tranquilamente os resultados.

Em alguns casos extremos pode-se admitir certas formas de castigo: privar de um prazer ou de uma distração (adiar uma ida ao circo ou ao cinema), suprimir a mesada, se ela é dada, proibir de sair com os amigos.

Mas, que os pais atentem para isto: as punições não farão nenhum bem, se não existe um regime correto. Se o regime é correto, não há necessidade de castigos, basta uma grande paciência.

Em todos os casos, na vida familiar, é muito mais importante e útil organizar uma experiência correta do que ter de corrigir as conseqüências de uma experiência errada.

É preciso também ser prudente com os incentivos. Nunca se deve anunciar com antecedência prêmios e recompensas. Vale mais se deter num simples elogio ou numa aprovação. A alegria infantil, o prazer, a distração nunca devem parecer à criança como recompensas por uma boa ação, mas como a satisfação natural de necessidades justas.

É preciso dar à criança o que lhe é indispensável, sem quaisquer condições, sem levar em consideração os serviços prestados, e não se lhe deve dar o que lhe é inútil ou nocivo, sob o pretexto de recompensa.

Resumamos o que foi dito.

Disciplina e regime são duas coisas diferentes. A disciplina é o resultado da educação, o regime é um processo educativo. Por isso, o regime pode assumir características diversas de acordo com as circunstâncias. Todo regime deve caracterizar-se por seu espírito racional, preciso, pontual. Deve abarcar tanto a vida familiar quanto a vida externa. A ordem dada e o controle de sua execução devem ser a expressão do regime numa organização familiar séria. A principal finalidade do regime é provocar uma acumulação de experiências bem disciplinadas, e é preciso temer acima de tudo uma experiência incorreta. As punições não são necessárias quando o regime é bom, e de um modo geral é preciso evitá-las, como também os incentivos exagerados. É melhor confiar num regime correto e esperar pacientemente os resultados.


Notas de rodapé:

(1) O conjunto de regras de organização da vida diária (N. da trad. francesa.) (retornar ao texto)

Inclusão 16/09/2012